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CRISTÃ
A REALIDADE DO CONFLITO
“... nada menos que uma grande guerra civil de valores está ocorrendo hoje em todos
os continentes. Dois lados com cosmovisões claramente diferentes e incompatíveis
estão travados em um conflito amargo que permeia cada nível da sociedade. É uma
guerra pelos corações e mentes das pessoas; é uma guerra de ideias.”
4) O Existencialismo: surge antes do séc. XX, mas se consolida após o niilismo deste
período. O existencialismo ateísta surge como resposta ao naturalismo que levou ao
niilismo, já o existencialismo teísta, como uma reação à ortodoxia morta do
luteranismo.
O existencialismo ateísta aceita as seguintes proposições do naturalismo: A matéria
existe eternamente; deus não existe. O cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito num sistema fechado. A história é uma corrente linear de eventos
ligados por causa e efeito, mas sem uma proposta abrangente. A ética está relacionada
apenas aos seres humanos. Porém, o existencialista muito mais, em relação ao
naturalista, pelo ser humano, bem como sobre como podemos ser significativos em
um mundo insignificante. Assim, mesmo sendo a realidade, primordialmente material,
esta se apresenta ao ser humano em duas formas: objetiva e subjetiva. A objetiva é
exatamente como é no naturalismo, já a subjetiva é a determinada pela apreensão do
sujeito, onde o eu apreende o não eu e faz deste, parte de si mesmo. O sujeito
apreende o conhecimento, não como uma garrafa, mas como um organismo assimila
um alimento. Nesta perspectiva, o ser humano faz o que ele é, segundo Sartre: Antes
de tudo, o homem existe, cresce, aparece em cena e, somente depois, define-se a si
mesmo. Somos autônomos, criamos nossos próprios mundos e os governamos, os
nossos valores segundo nós mesmos. Assim, o mundo objetivo parece-nos um
absurdo, por não se adequar às regras estipuladas por nós como o mundo subjetivo. É
aí que o existencialista vai além do niilismo, pois se revolta com o mundo objetivo ao
criar e priorizar o seu próprio mundo através da subjetividade.
Já o existencialismo teísta aceita as seguintes proposições do teísmo: Deus é infinito e
pessoal (triúno), transcendente e imanente, onisciente, soberano e bom. Deus criou o
cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e efeito num sistema
aberto. Os seres humanos são criados a imagem e semelhança de Deus. Podem
conhecer alguma coisa de Deus e do cosmo e podem viver significativamente. Deus
pode e estabelece comunicação conosco. Fomos criados bons, mas agora estamos
caídos e necessitamos ser restaurados através de Cristo. Para os seres humanos, a
morte é ou o portão para a vida com Deus ou separada Dele. A ética é transcendente e
baseada no caráter de Deus. Deste modo, o existencialismo teísta é mais um conjunto
de ênfases no teimo do que uma cosmovisão separada, porém tais ênfases o colocam
em desacordo com o teísmo, principalmente devido suas relações com o
existencialismo ateísta e com a teologia do séc. XX. As ênfases estão mais relacionadas
com a natureza humana e sua relação com o cosmo e com Deus do que a natureza
destes. Os seres humanos são pessoais e quando estes chegam a sua consciência
plena, descobrem-se a si mesmos num cosmo alienado. Se Deus existe ou não isso não
deve ser resolvido pela razão, mas pela fé. O início não se dá a partir de Deus. No
teísmo assume-se Deus com um dado caráter, e as pessoas são definidas a partir Dele.
No existencialismo teísta chega-se a mesma conclusão, contudo o ponto de partida é o
ser humano ao conscientizar-se de si mesmo. Deus sempre se revelará ambiguamente,
e mediante a isso, somado ao conflito advindo do mundo objetivo e subjetivo a
indivíduo, em sua solidão, deve escolher dar um passo radical de fé em direção a
religião, de forma que tal atitude possibilitará as proposições do teísmo. No entanto a
subjetividade será a definidora do estilo de vida do sujeito nesta circunstancia. Toda a
primazia se dá pela subjetividade pessoal, pois a realidade é um paradoxo que só Deus
resolve, a nós cabe a escolha de confiar Nele e mediante nossa subjetividade partirmos
para a ação. A história em si é desprezível enquanto fato, mas como mito, ou
significado religioso é importante para o presente a ser vivido.
Qual e o maior desafio hoje? Nas categorias mais amplas, o conflito de nosso dia é o
teísmo contra o naturalismo.
O Teísmo bíblico corresponde à visão bíblica. Apresenta um equilíbrio entre o
secularismo e o animismo. O mundo natural (criação de Deus) existe e é importante,
mas está aberto à interferência sobrenatural. Existe uma verdade absoluta que pode
ser conhecida. A pobreza e a fome existem como consequência do pecado e rebelião
do homem contra o Criador, portanto a solução está na transformação de corações e
mentes (arrependimento). O homem é muito importante porque foi criado à imagem e
semelhança de Deus. O teísmo bíblico produz uma série de fatores importantíssimos e
influências em todas as áreas da vida: desenvolvimento moral, o valor do trabalho, a
virtude do serviço e da solidariedade, a capacitação do homem controlar a natureza, a
mordomia da criação, o conhecimento e a aplicação da verdade, a capacidade criativa
do homem, etc. Todos estes fatores são fundamentais e exercem uma base sólida para
o desenvolvimento em todas as áreas da vida humana, tanto individual, como coletiva,
ou seja, também em relação a cultura, a arte, a política e o conhecimento de um povo.
Conclusão
Quer saibamos ou não – quer gostemos ou não - , cada um de nós tem uma
cosmovisão. Essas cosmovisões funcionam como esquemas conceituais interpretativos
para explicar por que “vemos” o mundo tal como vemos e por que frequentemente
entram em conflito. Esses choques podem ser tão inócuos como um simples debate
entre pessoas ou tão sérios como uma guerra entre nações. É importante, assim,
entender que as cosmovisões concorrentes são a causa fundamental das nossas
divergências.
Cosmovisões são espadas de dois gumes. Um esquema conceitual inadequado pode,
assim como óculos impróprios, prejudicar nossos esforços para compreender Deus, o
mundo e nós mesmos. O esquema conceitual correto pode subitamente pôr tudo em
foco. Mas as escolhas entre cosmovisões concorrentes envolvem uma série de
questões difíceis. Por um lado, devemos constantemente lutar com a possibilidade
sempre presente de fatores não teóricos afetarem negativamente nosso pensamento.
Por outro lado, é difícil ter certeza de quais critérios ou testes devem ser usados na
escolha entre cosmovisões.
COSMOVISÃO CRISTÃ REFORMADA
O DEUS CRIADOR
A narrativa bíblica inicia com Deus; “No princípio Deus...”. E que Deus ele é! Talvez seja
difícil para nós, depois de tantos milhares de anos de estas palavras terem sido
escritas, sentir o impacto que essa expressão inicial deveria ter tido nos ouvintes
originais que estavam sendo bombardeados com uma ideia pagã a respeito “dos
deuses”. Gênesis 1 foi escrito em parte para se contrapor às noções pagãs
predominantes em sua época.Esse início surpreendente nos conta em que houve um
tempo em que só Deus existia; à medida em que o relato da criação se desenrola, ele
revela mais sobre quem ele é:
Quem é o Deus da Cosmovisão Teísta
• É um único Deus (e não vários deuses)
• É soberano sobre toda a criação (não uma divindadezinha tribal)
• É incomparável e absolutamente ímpar
• Ele é bom e benigno (tem uma inclinação para tratar bem e generosamente as
suas criaturas)
• Ele é justo e sábio (ao contrário dos deuses imprevisíveis e frequentemente
perversos das narrativas rivais)
Uma cosmovisão bíblica precisa, portanto, começar com esse Deus, o Deus
vislumbrado inicialmente no relato da Criação e, em seguida, revelado muito mais
plenamente ao longo do drama bíblico. E, embora uma cosmovisão se ocupe em
explicar cuidadosamente como ver este mundo (conforme a palavra cosmovisão deixa
implícito), não é possível vê-lo corretamente sem entender sua relação correta com o
Deus vivo, porque:
• Este mundo foi criado por ele
• Este mundo é sustentado por ele
• Este mundo é governado por ele
• Este mundo é permeado de sua presença, glória e revelação.
A doutrina da criação inclui uma compreensão da relação básica entre o Deus
extraordinário e tudo o mais, visto que tudo o mais só existe porque ele o chamou à
existência.
Os autores bíblicos sustentam que Deus não criou o mundo e então se afastou dele.
Esse conceito de um deus ausente é a ideia perigosa no âmago do deísmo, segundo a
qual Deus criou o mundo da mesma maneira como um relojoeiro cria um relógio. Todo
o mecanismo necessário para o relógio funcionar de maneira autônoma está embutido
nele, de modo que (assim que o relógio fica pronto) o próprio relojoeiro é dispensável.
Uma ideia deísta de Deus vê Deus embutindo “leis naturais” na criação de tal maneira
que sua presença e poder não são mais necessários para que a criação continue
existindo.
O SHALOM ORIGINAL
Para descrever a aguardada restauração da criação, os profetas hebreus usavam uma
palavra que pode ser legitimamente empregada aqui para descrever a criação original:
Shalom. Com frequência essa palavra é traduzida simplesmente como “paz”, mas
significa muito mais que a mera ausência de hostilidade. Shalom descreve a criação tal
como era para ser, uma vida de florescimento e prosperidade em que nossos
relacionamentos com Deus, uns com os outros e com a criação não humana são
pujantes e cheios de vigor. Um mundo de shalom se caracteriza pela justiça, pelo
amor, pela gratidão e pela alegria:
O entrelaçamento de Deus, dos seres humanos e de toda a criação em justiça,
realização e alegria é o que os profetas hebreus chamavam shalom. Na Bíblia
shalom significa florescimento, completude e satisfação universais – um
agradável estado de coisas em que as necessidades naturais são satisfeitas e as
dádivas naturais são usadas proveitosamente, um estado de coisas que inspira
uma admiração jubilosa quando seu Criador e Salvador abre as portas e recebe
as criaturas em quem se compraz. Em outras palavras, shalom é a maneira
como as coisas deveriam ser. Em um estado de shalom cada entidade teria sua
própria integridade ou completude integrada, e cada uma também possuiria
muitas relações edificantes com outras entidades.
Shalom é a intenção de Deus para a criação. Como Pai amoroso ele quer isso, e
somente isso, para sua criação.
COSMOVISÃO CRISTÃ REFORMADA
A QUEDA
The Expulsion of Adam and Eve from Paradise" (Benjamin West, 1791)
“Temos falhado em nosso chamado. Somos pessoas débeis que têm servido a ídolos em
vez de refletir a imagem de Deus. Vivemos em uma criação caída e gemendo por
redenção. O pecado não é, simplesmente, uma possibilidade criada; é um fato
presente. Essa é nossa experiência humana comum. A queda aconteceu, e a maldição
foi proclamada.”
Brian Walsh
O ato inicial do drama das Escrituras nos mostra uma criação muito boa. Tudo é como
deveria ser. Porém, o segundo ato apresenta a trágica narrativa da rebelião humana,
em que o shalom de Deus (descreve a criação tal como era para ser, uma vida de
florescimento e prosperidade em que nossos relacionamentos com Deus, uns com os
outros e com a criação não humana são pujantes e cheios de vigor) é intencionalmente
danificado. Depois de o pecado entrar no mundo, de repente tudo não é mais como se
esperava que fosse.
Em Gênesis 2, Deus coloca Adão e Eva em um jardim, onde tudo que podiam desejar é
oferecido de bom grado a eles, mas a “árvore do conhecimento do bem e do mal” é
proibida. Por que Deus dá esse mandamento? A árvore está ali para lembrá-los de sua
condição de criaturas. Adão e Eva continuariam a desfrutar a plenitude da criação de
Deus somente se continuassem a se submeter a Deus, a confiar em sua palavra e a
obedecê-la. O comando concentra a atenção no senhorio absoluto de Deus; Adão e Eva
precisam aprender a obedecer por nenhuma outra razão senão pelo fato de que Deus
assim o diz. A obediência contínua deles é para ajudar a entender seu lugar como filhos
obedientes, como criaturas submissas, como imagem de Deus – um privilégio ímpar
entre as criaturas de Deus, mas ainda assim criaturas.
Deus permite que Satanás ofereça a adão e Eva outra promessa para dirigir sua vida:
• Satanás gera dúvidas quanto à bondade de Deus (“Foi assim que Deus
disse...?”)
• Suscita incredulidade (“com certeza não morrereis...”)
• Instiga a imaginação com uma visão alternativa e ilusória (“vossos olhos se
abrirão, e sereis como Deus...”).
Ao escolherem viver de acordo com a vontade de Satanás e rejeitar as palavras de
Deus, Adão e Eva cometem um ato de traição e desobediência contra seu Criador.
Como consequência dessa decisão:
• O homem abandonou sua relação de dependência do Criador.
• Ele se recusou a obedecer e desejou se tornar independente do seu Criador.
• A obediência não é mais o princípio orientador da sua vida, mas seu
conhecimento e vontade autônomos.
• Na prática ele deixa de se compreender como criatura.
Toda a vida humana é afetada. O pecado aumenta ecoando em cada parte da vida
humana:
• Adão e Eva se separam de Deus [3:8,23,24]
• A relação de um com o outro se torna uma relação de domínio egoísta em vez
de amor abnegado [3:16]
• O trabalho é dificultado pelos efeitos do pecado [3:17]
• O fratricídio faz sua entrada repulsiva destroçando uma família [4:8]
• A poligamia deturpa o que era pretendido para o casamento [4:19]
• A metalurgia tem início [4:22], mas em pouco tempo passa a ser usada a
serviço da guerra.
• Perversão da literatura e da poesia quando Lameque cria um belo poema, mas
o usa para celebrar assassinato e retaliação [4:23]
• A perversidade humana se torna tão imensa que Deus se arrepende de criar os
seres humanos e promete limpar a terra, removendo-os dali [6:5-7]
• Apesar do dilúvio, a inclinação do coração humano permanecem má [8:21]
• Toda a desordem culmina na torre de Babel, onde vemos como o pecado
deturpou a comunicação, a arquitetura, a urbanização e a religião.
O mundo tornou-se sombrio como resultado do pecado de Adão e Eva.
O ALCANCE DO PECADO
O pecado contamina e desfigura cada milímetro da criação. Ele macula seres humanos
em sua vida pessoal, em suas emoções, raciocínio e palavras; grande parte da Bíblia faz
duras críticas à ausência de moralidade pessoal – mentira, roubo, adultério, lamúria,
lascívia, ganância e assim por diante. No entanto, o pecado não é somente pessoal; ele
também se manifesta comunitariamente. Uma vez que os seres humanos vivem em
comunidade, podem dar a ídolos sua lealdade coletiva. Desde a queda da humanidade,
o centro de cada cultura se encontra em alguma forma de idolatria comunitária que
molda todos os aspectos da vida social e cultural e os organiza em rebelião contra
Deus.
No livro AJUDA PARA O OCIDENTE SUPERDESENVOLVIDO, Bob Goudzwaard se refere a
“três regras bíblicas básicas”:
1. Cada pessoa serve em sua vida a um ou mais deuses.
2. Cada pessoa é transformada à imagem do seu deus.
3. Junta, a humanidade cria e forma uma estrutura de sociedade à sua própria
imagem.
E ele segue desenvolvendo essa ideia:
“No desenvolvimento da civilização humana, o homem forma, cria e altera a estrutura
de sua sociedade e, ao fazê-lo, expressa em sua obra a intenção de seu coração. Ele dá
à estrutura daquela sociedade algo de sua própria imagem e semelhança. Nela ele
revela algo do seu próprio estilo de vida, de seu deus”.
Por fim, o pecado alcança e deforma não só a vida humana, mas também a criação não
humana. O apóstolo Paulo explica isso da seguinte maneira: “Porque a criação ficou
sujeita à inutilidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou [...]
Pois sabemos que toda a criação geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de
parto” (Rm 8:20-22). Não é somente a vida da humanidade que é desagradável, rude e
breve; toda a criação não humana partilha disso. A crise ambiental deixa isso bem
claro:
• Destruição da camada de ozônio.
• Uma inegável desestabilização climática mundial.
• Perda da diversidade biológica.
• Contaminação do ar, da água e do solo por resíduos químicos tóxicos,
desmatamentos e muito mais.
A boa criação de Deus verdadeiramente geme sob o peso do nosso pecado.
REDENÇÃO E CONSUMAÇÃO
“Deus não produz lixo, e desonramos ao Criador quando assumimos uma visão
negativa da obra de suas mãos quando ele mesmo tem uma visão tão positiva. Na
verdade, ele teve uma visão tão positiva da criação que se recusou a descartá-la
quando o homem a estragou, mas determinou, ao custo da vida de seu Filho, torná-la
nova outra vez. Deus não produz lixo e não joga no lixo aquilo que criou”.
Albert Wolters
Qual foi a reação de Deus diante da reação pecaminosa de Adão e Eva? Deus se irou –
e com razão! Agora sua boa criação caminhava rumo à destruição por causa da atitude
tola e rebelde daqueles que ele amorosamente havia criado para desfrutar a vida com
ele. Se desconsiderarmos a ira de Deus na narrativa bíblica, banalizamos tanto o
pecado quanto o amor de deus pela criação. Mas a ira não é a palavra final. Deus não
dá as costas para o seu mundo rebelde; ele o abraça com amor. Um amor pactual
inabalável leva deus a agir com altruísmo, sacrifício e autoentrega. Movido por esse
amor, Deus promete esmagar todos os poderes malignos que Adão e Eva
desprenderam. E, à medida que a narrativa continua, Deus ama o mundo de tal
maneira que, por fim, dá por ele o seu próprio Filho.
Uma cosmovisão bíblica tem de observar três características da obra salvífica de Deus:
1. A salvação é progressiva – A obra redentora de Deus inicia pouco depois do
alvorecer da história humana, e ainda não chegamos ao pôr do sol.
2. A salvação é restauradora – O objetivo da obra salvífica de Deus é retomar sua
criação perdida, fazendo com que ela volte a ser conforme o plano original.
3. A salvação é abrangente – A totalidade da vida humana e a totalidade da vida
não humana são objeto da obra restauradora de Deus. Ele pretende tomar
nada menos que o mundo inteiro como seu reino.
Em linguagem simples, a salvação é a restauração de toda a boa criação de Deus.
A REDENÇÃO É PROGRESSIVA
Deus poderia ter estalado os dedos e ter curado instantaneamente a criação, mas não
o fez. Em vez disso, partiu em uma longa jornada de redenção, uma jornada que
prossegue até o dia de hoje. Essa história poderia ser descrita em termos de missão. A
missão de Deus é o seu propósito ou objetivo de longo prazo de restaurar os povos de
todas as nações, toda a vida social e cultural e toda a criação não humana do estrago
causado pelo pecado. Ela se desenvolve progressivamente mediante a obra de Deus na
vida de Israel e na pessoa e obra de Jesus Cristo e hoje continua na missão da Igreja.
A REDENÇÃO É RESTAURADORA
A REDENÇÃO É ABRANGENTE
As Escrituras são claras quando afirmam que a redenção não diz respeito só a pessoas
isoladas ou mesmo apenas à sua alma. Pedro interpreta a mensagem dos profetas na
perspectiva de uma restauração abrangente: “É necessário que o céu o receba [a
Jesus] até o tempo da restauração de todas as coisas, sobre as quais Deus falou pela
boca de seus santos profetas” (At 3:21). O próprio Deus anuncia no final da narrativa
bíblica: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21:5).
Paulo também é claro sobre esse ponto:
E fez com que conhecêssemos o mistério da sua vontade [...] de fazer convergir em
Cristo todas as coisas, tanto as que estão no céu como as que estão na terra (Ef 1:9-10)
Porque foi da vontade de Deus que nele [Cristo] habitasse toda a plenitude e, havendo
feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas
as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão no céu (Cl 1:19-20)
NATUREZA E GRAÇA
O PERIGO DO DUALISMO
Olhar o mundo com as lentes da Criação, Queda e Restauração, evitará que caiamos
em um dualismo, proeminente no cristianismo evangélico ocidental, em que a vida é
dividida em domínios “sagrado” e “secular”.
DICOTOMIA SAGRADO-SECULAR
Nessa visão dualista, por exemplo, a oração e o culto poderiam ser consideradas
atividades sagradas, ao passo que o entretenimento e o sexo seriam vistos como
meramente seculares. Um pastor ou missionário seria visto como alguém que “faz a
obra do Senhor” (no domínio sagrado), mas um jornalista ou político estaria em uma
ocupação secular. A igreja (e talvez a família) seria sagrada; a universidade e o mundo
dos negócios seriam seculares. Em uma cosmovisão dualista, geralmente se pensa que
as instituições sociais, o trabalho e as atividades dentro do domínio “sagrado” são
superiores às que estão no domínio “secular”; assim, a oração é melhor que o
entretenimento, um pastor é melhor do que um jornalista, a igreja é melhor do que a
universidade.
Há, contudo, muitos problemas com uma ideia dualista da vida. Vejamos:
As atividades, profissões e esferas sociais no domínio “secular” pertencem a
Deus tanto quanto aquelas do domínio “sagrado”. Entretenimento, sexo,
jornalismo, política, vida acadêmica e negócios são todos parte da criação
“muito boa”. Deus estabeleceu essas dimensões da vida, pois o mundo inteiro
e toda a atividade humana pertencem a ele.
Todas as atividades, profissões e interações sociais no domínio “sagrado”
também têm sido deformadas e distorcidas pelo pecado. Elas não podem ser
consideradas boas simplesmente porque são “sagradas”. Há cultos de baixa
qualidade e orações egoístas, assim como há pastores infiéis, missionários
preguiçosos e igrejas disfuncionais, e todos precisam de cura, do
redirecionamento e do toque redentor de Deus.
Deus criou todas as coisas para que encontrem seu devido lugar em seu mundo muito
bom. Quer “sagrada” quer “secular”, cada coisa criada foi manchada pelo pecado, e
cada uma pode ser – e será – purificada e restaurada para estar em conformidade com
a vontade de Deus.
Uma cosmovisão cristã precisa levar em conta o objetivo em cuja direção a narrativa
bíblica está se movendo: ela está avançando na direção de uma existência espiritual no
céu ou na direção de uma vida corpórea restaurada em uma nova terra? A ideia mais
comum entre os evangélicos ocidentais tem sido, pelo menos no passado, que o
objetivo da história redentora é que cada cristão viva no céu para sempre. Mas nós
cremos que a Bíblia mostra que o objetivo da obra redentora de Deus é uma criação
restaurada. Essa distinção tem implicações muito importantes para uma cosmovisão
bíblica em geral e para a missão cultural da igreja em particular.
David Lawrence acertadamente afirma que “a Bíblia toda nos leva a esperar uma
restauração gloriosa da vida na terra, de modo que a era vindoura será uma aventura
infinitamente emocionante de viver com Deus na nova terra. Com a presença divina
permeando cada ato, seremos mais plenamente humanos do que jamais fomos,
libertos do pecado, da morte e de tudo que causa desconforto ou prejudica”.
O reino de Deus será restaurador e abrangente: Toda a vida humana e toda a criação
serão restauradas para servir ao Senhor de acordo com o propósito para o qual foram
feitas. Essa é a meta da narrativa bíblica. Por que isso é tão importante para uma
cosmovisão bíblica? Mais uma vez Lawrence responde: “Enxergar o plano definitivo de
Deus para nós como “celestial” e “espiritual” nos levou a imaginar que as coisas
espirituais são o principal interesse de Deus. Se o céu espiritual é maior bem de Deus
para nós, então a terra e nossa existência física são necessariamente uma espécie de
‘segunda melhor’ coisa”. Mas Deus ama sua boa criação e nunca desistiu de seu plano
de retomá-la para si. Ela não é a “segunda melhor” coisa, e agir como se fosse não
somente desonraria o Criador, mas também desfiguraria nossa missão como seu povo
neste meio tempo.
Se a redenção é, como a Bíblia ensina, a restauração de toda a criação, então nossa
missão é encarnar essas boas-novas: cada aspecto da vida da criação, incluindo-se a
vida pública de nossa cultura, está sendo restaurado. As boas-novas serão evidentes
em nosso cuidado com o meio ambiente, em nossa maneira de abordar as relações
internacionais, a justiça econômica, os negócios, os meios de comunicação, a vida
acadêmica, a família, o jornalismo, a indústria e o direito.
Mas, se a redenção dissesse respeito apenas a uma salvação extramundana, nossa
missão seria reduzida ao tipo de evangelização que tenta levar as pessoas para o céu.
A maior parte da vida estaria, então, fora da missão da igreja. Seríamos obrigados a
entregar a maior parte da criação de Deus aos poderes malignos que a reivindicam
para si e fracassaríamos em nosso chamado de proclamar que Cristo é Criador e
Senhor de tudo.
Nosso lugar na narrativa bíblica é encarnar a boa notícia de que Deus está restaurando
a criação. Esse testemunho será sempre contextual; ele tomará forma e será moldado
em um contexto específico, de acordo tanto com a época quanto com o lugar em que
Deus nos coloca. E, uma vez que cada contexto cultural apresentará suas
oportunidades e perigos peculiares, nossa fidelidade exige que conheçamos nosso
próprio contexto cultural. Em que contexto cultural em particular, somos chamados a
tornar conhecido que Jesus é Senhor?
Nós cristãos almejamos ver o mundo transformado pelo evangelho, e sabemos que um
dia, quando Jesus voltar, ele será de fato transformado. Até aquele dia, esperamos que
nossos próprios esforços tenham algum efeito definitivamente temperador. Contudo,
não devemos fazer com que a transformação seja o motivo daquilo que fazemos. Pode
ser que nossos esforços impactem o mundo, ou não. E, mesmo que causem impacto,
isso poderá ser temporário. Nosso alvo deve ser permanecer fiéis ao evangelho,
deixando os resultados para a obra do Espírito Santo.
Embora os esforços humanos sejam finitos, podemos estar confiantes de que aquilo
que é feito por amor a Cristo e ao seu reino permanecerá.