Podemos considerar que, ao longo da história humana, o ser humano sempre buscou e vem
buscando por mudanças, procurando por padrões mais elevados de humanidade, por modernidade.
Nas sociedades antigas, uma mudança do tradicional para o moderno foi interpretada como “levando
a um uso maior da racionalidade – como instrumento para entender e controlar o mundo – e ao
individualismo” (SCHWARTMAN, 2004, p.11). Mudanças políticas e econômicas causaram
profundas e duradouras transformações nas sociedades europeias, substituindo os velhos regimes
políticos tradicionais por novas formas de interpretação política, com grande influência das novas
elites, comercial e industrial (SCHWARTMAN, 2004, p.12).
De acordo com Schwartzman (2004, p.12), a grande expansão europeia, graças às novas
tecnologias de navegação, e uma mudança para uma filosofia natural e uso do raciocínio matemático,
vieram substituir as tradições religiosas especulativas, levando à uma crença geral de que as
mudanças eram para o bem, descritas como “progresso” e “evolução”. “Mais tarde, economistas
começaram a falar de ‘desenvolvimento econômico’. Muito mais recentemente, cientistas sociais
adotaram o termo ‘modernização’” (SCHWARTMAN, 2004, p.12).
“Os termos ‘modernidade’, ‘moderno’ e ‘modernização’ existem no mundo das ideias como
valores e afirmações morais sobre a vida humana; como descrição de um estilo de vida
específico, típico de algumas sociedades e períodos de tempo; e como interpretação de um
amplo processo de mudança social”. (SCHWARTMAN, 2004, p.11)
O indivíduo deixou de ter seu destino definido ao nascimento e passou a escolher, por ele
próprio, o seu futuro, sendo responsável pela sua vitória ou fracasso. Esse processo de mudança
social trouxe consigo, além da crescente modernização, uma subdivisão da sociedade em categorias.
Nesse caso, o que determina essa categorização, baseada em interesses político-comerciais e político-
sociais, é se o indivíduo se adapta, devido sua conduta de vida, às condições capitalistas (WEBER,
2004, p.64). Essa adaptação à nova vida resultou em diversos conflitos humanos, “além de muitos
desafios preexistentes que também permaneceram” (DANIEL; SANCHES; SCOPINHO, 2020).
Segundo Daniel; Sanches; Scopinho (2020), “a era moderna teve como resultantes alguns
paradoxos, as pessoas vivem mais, porém também morrem mais em conflitos, a tecnologia permite
maior conforto e plenitude, mas também é eficiente na fabricação de armas de destruição em massa”.
Com isso, “a idade moderna e contemporânea também é marcada por muitas mudanças no cerne da
humanidade, promovendo maior autonomia e abrindo possibilidades para a população mundial”
(DANIEL; SANCHES; SCOPINHO, 2020).
Vivemos em uma crise de entendimentos à respeito do ser humano, e um dos maiores
problemas mundiais, na atualidade, é aprender a viver pacificamente, principalmente, dentro dos
Estados. Lutas por poder, exclusão de grupos sociais, lutas políticas, conflitos religiosos e ideológicos
endógenos são alguns exemplos de conflitos civis existentes. Muito disso tem como base, segundo
Daniel; Sanches; Scopinho (2020), as “diferentes concepções do que significa ser humano, sobre os
comportamentos, ideias e valores que devem ser cultivados pelos seres humanos e quais devem ser
combatidos ou mesmo exterminados”.
Com a ascensão definitiva do capitalismo (a partir de 1989, pela queda do comunismo) e a
grande evolução das TICs, as relações humanas se tornam cada vez mais virtuais e distantes. A
dinâmica do consumo rege a humanidade atual, e de acordo com Zygmunt Bauman (1998):
“na modernidade, estamos sempre buscando atender à padrões de vida com suas exigências
[...] na esperança de melhorar sempre nossas condições de vida e sempre alertas, com a
sensação de que estamos atrasados, de que já deveríamos ter o dinheiro, o conhecimento ou
as atitudes que ainda não pudemos. Superar o passado em busca de um futuro melhor tornou-
se a prerrogativa deste momento”. (apud DANIEL; SANCHES; SCOPINHO, 2020)
Passamos, ao longo da história, por diversas definições de humano, e temos que concordar
que a definição universal do humano (ONU-DUDH, 1948) deve ser aceita por todos e devemos
respeitar todo tipo de diferença, concordando com ela ou não. Mas, como disse Daniel; Sanches;
Scopinho (2020), “[...] alcançar tal objetivo não é nada fácil. Mesmo a compreensão do mundo
material tem sido submetida ao crivo das crenças, desacreditando pesquisas científicas e leis
estabelecidas nacional e internacionalmente. Esse fenômeno tem sido chamado de ‘pós-verdade’”.
Nos últimos anos, com o grande excesso de informação imediata disponível e o uso crescente
de redes sociais, a verdade não tem muito êxito em seu papel fundamental, e tudo que surge contrário
a essa verdade, é tido como informação. Com uma avalanche de meios informativos, “vivemos no
universo dos memes e necessitamos de critérios para distinguir o verdadeiro do falso, o seguro do
provável, o certo sobre o duvidoso” (ZARZALEJOS, 2017, p.10).
A pós-verdade tem como característica os apelos emocionais, o qual são muito eficazes na
mobilização de crenças e opiniões pessoais em detrimento dos fatos científicos e objetivos
(MEDEIROS, 2017, p.23). Há uma desvalorização da verdade, um sensacionalismo e uma
conveniência na seleção de informações (GOOCH, 2017, p.14), uma falta de critérios de
racionalidade e veracidade.
De acordo com Medeiros (2017, p.23), “a noção sobre a verdade e sua busca são tarefas
complexas e existenciais do ser humano. Na realidade, a verdade requer a análise dos fatos de modo
objetivo, a argumentação de evidências, algumas exigências de grande valor, que profissionais de
qualquer área devem saber conservar”.
“A confusão sobre realidade, a gestão de manobras conspiratórias para incitar o receio ou a
hostilidade de grupos sociais, a vitimização ou as mitomanias políticas são instrumentos de
persuasão das massas que remontam à antiguidade, mas que no século XX causaram os piores
desastres, sendo, dois deles, autênticas falhas na história da humanidade: o nazismo e o
estalinismo.” (ZARZALEJOS, 2017, p.10)
Um grande problema da atualidade é que, segundo Manjoo (2008, p.2), temos constantemente
que distinguir o que é real do que não é, e além disso, lutar por versões concorrentes da realidade.
Mas, no entanto, é mais conveniente do que nunca para alguns de nós viver num mundo construído a
partir de nossos próprios fatos (MANJOO, 2008, p.2).
Esse período que estamos vivendo, que se iniciou na década de 1960, é considerado como
Pós-Moderno ou Pós-Modernidade. Um período em que o sistema econômico rege nossas decisões,
tanto no estímulo de metas pessoais até mesmo em relacionamentos. Após a globalização do
capitalismo, as pessoas se tornaram cada vez mais consumíveis, compráveis, e até mesmo, desejáveis
(BAUMAN, 2008), tal qual um objeto. Segundo Daniel; Sanches; Scopinho (2020), “podemos
identificar tal comportamento na aparência física, nos rostos maquiados, [...], nas roupas que mostram
o suficiente para inspirar o desejo alheio sobre o “produto” embalado por elas”, onde, além de
oferecer os produtos, fazem parte do “pacote de consumo, tornando-se objetos de desejo do
consumidor” (DANIEL; SANCHES; SCOPINHO, 2020) (o chamado “capital erótico”).
Para esse período, Zygmunt Bauman cunhou o termo “Modernidade Líquida”, no qual as
relações, sendo elas sociais ou institucionais, se “liquefazem, para se adequarem ao ritmo acelerado e
constante de mudanças do mercado global” (DANIEL; SANCHES; SCOPINHO, 2020). Nesse tipo
de sociedade em que estamos vivendo, as relações econômicas se tornaram mais importantes que as
relações sociais e humanas, a lógica do consumo entrou no lugar da lógica moral. As pessoas são
rotuladas pelo que elas compram, e não pelo que elas são; o sujeito é aquilo que ele consome. A
banalização da amizade e do namoro é um reflexo desse consumo desenfreado da sociedade, que
objetifica as pessoas.
O capitalismo consegue efetuar essa mudança de perspectiva pela promessa de felicidade.
Pela grande pressão imposta diariamente pela sociedade capitalista, os indivíduos tornam-se cada vez
mais ansiosos, depressivos e sobrecarregados, e segundo Porfírio (sem data), “associa-se então o
prazer momentâneo oferecido pelo consumo à felicidade. Como esse prazer é rapidamente
passageiro, o sujeito sente a necessidade de buscá-lo constantemente, na tentativa de alcançar a
felicidade”. Uma situação que torna-se um círculo vicioso, onde um dá força ao outro – o consumo
desenfreado que alimenta o indivíduo adoecido, que alimenta o consumo, que alimenta a sociedade
líquida, que entristece o indivíduo, e assim em diante.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo - a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de
Janeiro: Zahar, 2008.
DANIEL, E.; SANCHES, E.L.; SCOPINHO, S.C.D. Antropologia, Ética e Cultura. Batatais:
Claretiano, 2020.
GOOCH, Anthony. No Pós das verdades. In: A era da pós-verdade: realidade versus percepção.
Revista Uno, n. 27. São Paulo: Llorente & Cuenca, 2017, p.14. Disponível em: https://www.revista-
uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf. Acesso em 05/2020.
LLORENTE, José Antonio. A Era da Pós-Verdade: realidade versus percepção. In: A era da pós-
verdade: realidade versus percepção. Revista Uno, n. 27. São Paulo: Llorente & Cuenca, 2017, p.9.
Disponível em: https://www.revista-uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf.
Acesso em 05/2020.
MANJOO, Farhad. True Enough: Learning to live in a post-fat society. John Wiley & Sons: New
Jersey, 2008.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.