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Anexo

Biblioteca Informa
nº 2059

Lei 11.941/09 - o RTT e a


harmonização do padrão contábil
brasileiro
24 de maio – 30 de maio, 2009

Autores • Giancarlo Chamma Matarazzo

• Jorge Ney F. Lopes Junior

Sócio e Associado da Área Tributária de Pinheiro Neto Advogados

1. Em 27.5.2009, foi sancionada a Lei nº 11.941 (“Lei 11.941/09”), resultado da


conversão em lei da Medida Provisória nº 449, de 3.12.2008 (“MP 449/08”). Dentre outras
importantes medidas, a Lei 11.941/09 confirmou a criação do chamado Regime Tributário de
Transição (“RTT”), o qual, em síntese, busca neutralizar os impactos da adoção dos novos
critérios contábeis instituídos pela Lei nº 11.638, de 28.12.2007 (“Lei 11.638/07”) e pelos
artigos 37 e 38 da própria Lei 11.941/09.

RTT

2. Na Exposição de Motivos do texto original da MP 449/08 já constava que o processo


de harmonização das normas contábeis do País com os padrões internacionais de
contabilidade – objetivo maior da Lei 11.638/07 – foi iniciado sem a adequação
concomitante da legislação tributária, o que vinha gerando insegurança jurídica entre os
contribuintes. Assim, a adoção do RTT se fez necessária para neutralizar os efeitos
tributários desse processo de harmonização, até que se possam regular definitivamente “o
modo e a intensidade de integração da legislação tributária com os novos métodos e
critérios internacionais de contabilidade”.

3. Para os anos de 2008 e 2009, ou seja, desde a entrada em vigor da Lei 11.638/07, o
RTT será facultativo, devendo a pessoa jurídica manifestar sua opção pelo regime na
Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica de 2009 – devida em
30.6.2009 e cujo programa gerador acaba de ser aprovado pela Instrução Normativa de nº
945, de 29.5.2009 (“IN 945/09”).

4. A opção pelo RTT será irretratável e será aplicável ao biênio 2008/2009, abrangendo
o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e a Contribuição Social sobre o Lucro

Compilado para uso exclusivo dos integrantes do escritório. Cópias dos atos noticiados neste boletim podem
ser solicitadas à Biblioteca. Orientação legal será dada exclusivamente pelos advogados — © 2009. Direitos
autorais reservados a Pinheiro Neto Advogados.
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Líquido (“CSL”) – para pessoas jurídicas sujeitas ao lucro real e presumido –, bem como a
Contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e a Contribuição ao Financiamento
da Seguridade Social (“COFINS”), nas sistemáticas cumulativa ou não cumulativa.

5. A partir de 2010, o RTT será obrigatório para todas as pessoas jurídicas sujeitas ao
IRPJ e à CSL segundo o lucro real, presumido ou arbitrado, assim como para o PIS e a
COFINS, em qualquer sistemática. O RTT então vigerá, nos termos do artigo 15, § 1º da Lei
11.941/09, até a entrada em vigor “de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.”

6. Com o intuito de garantir a referida neutralidade tributária, o artigo 16 da Lei


11.941/09 estabelece que, para as empresas sujeitas ao RTT, as alterações introduzidas pela
Lei 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da própria Lei 11.941/09, que “modifiquem o critério
de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido
do exercício (definido no artigo 191 da Lei das S.A)” não terão efeitos para fins de apuração
do lucro real, devendo ser considerados, para fins fiscais, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.

7. Segundo o parágrafo único do mesmo dispositivo, o mesmo se aplica para as normas


expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e pelos demais órgãos reguladores
que visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade,
dentre os quais se destacam os pronunciamentos emitidos com esse fim pelo Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (“CPC”), assim como as deliberações emitidas pelo Conselho
Federal de Contabilidade (“CFC”) e o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil
(“IBRACON”), dentre outros.

8. O artigo 17 da Lei 11.941/09 detalha a ordem dos procedimentos que devem ser
observados pelas empresas sujeitas ao RTT em caso de eventuais conflitos entre a lei
tributária e as novas normas contábeis, qual seja: (i) apurar o resultado do exercício de
acordo com as disposições da Lei das S.A., com as modificações dadas pela Lei 11.638/07 e
pelos artigos 37 e 38 da Lei 11.941/09, bem como as normas emitidas pela CVM, no caso das
companhias abertas e outras que optem pela sua observância; (ii) proceder aos ajustes
específicos no lucro líquido do período no Livro de Apuração do Lucro Real (“LALUR”), de
forma a reverter o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes daqueles
vigentes em 31.12.07; e (iii) realizar os demais ajustes no LALUR para a adição, exclusão e
compensação dos valores prescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração
da base de cálculo do imposto.

9. Em síntese, para as empresas sujeitas ao RTT, a determinação das bases de cálculo


do IRPJ, da CSL, do PIS e da COFINS será efetuada com base na legislação fiscal atual

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aplicada sobre os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.07, ou seja, sem levar em
conta os efeitos das alterações contábeis introduzidas pela Lei 11.638/07, pelos artigos 37 e
38 da Lei 11.941/09, ou ainda pelos normativos da CVM ou pronunciamentos do CPC.

10. Cabe notar que o artigo 23 do texto final da MP 449/08 foi vetado pelo Presidente da
República. Tal dispositivo estabelecia que “a fim de preservar a neutralidade tributária
prevista no § 1o do art. 15 desta Lei, os métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei
no 11.638, de 28 de dezembro de 2007, relativos às contrapartidas de aumentos ou
diminuições de valores atribuídos a elementos do ativo e do passivo, em decorrência de sua
avaliação a valor justo ou a valor presente, não produzirão efeitos para fins de imposto de
renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social - COFINS e da Contribuição para o PIS/PASEP”.

11. O referido veto suscitou debates a respeito da eventual possibilidade de esses ajustes
– de elementos do ativo e do passivo a valor justo ou a valor presente, conforme exigido pelos
artigos 183, I, “a” e 184, III, da Lei das S.A. – terem ficado excluídos da neutralidade
tributária do RTT. Em que pesem as chances de o fisco eventualmente vir a adotar essa
posição, acreditamos que a melhor interpretação é no sentido de que os artigos 16 e 17 da Lei
11.941/07 garantem a neutralidade tributária para toda e qualquer receita, custo ou despesa
gerada a partir da adoção dos novos métodos contábeis, ou seja, para as receitas, custos e
despesas que não seriam reconhecidas para fins fiscais se fossem aplicados os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31.12.2007. Nesse conjunto, portanto, estariam naturalmente
incluídos na neutralidade tributária do RTT os efeitos fiscais decorrentes dos ajustes de
elementos do ativo e do passivo a valor justo e a valor presente.

12. A corroborar esse entendimento está o fato de que o RTT foi concebido no texto
original da MP 449/08 sem o artigo 23 que agora foi vetado pelo Presidente da República.
Ao sugeri-lo na Proposta de Emenda nº 117, datada de 10.12.2008, o Deputado Tião Vargas,
do PT-RS, afirmou que o objetivo do dispositivo era dar segurança jurídica aos contribuintes,
uma vez que os ajustes decorrentes do novo método contábil para a mensuração do valor
justo dos ativos, embora registrados como receita financeira, não refletem acréscimo
patrimonial, de modo que se pretendia evitar que a fiscalização viesse a adotar interpretação
diversa e capaz de levar à tributação desses valores.

13. Porém, as próprias razões do veto ao artigo 23 da Lei 11.941/09 reforçam que o RTT
foi criado para funcionar sem esse dispositivo e, do modo como redigido, o dispositivo vetado
poderia até mesmo instituir isenção tributária que permaneceria vigente mesmo após o
término do RTT, quando da edição de lei que venha a disciplinar os efeitos fiscais das novas
normas contábeis.

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14. Cumpre notar, também, que o artigo 15, § 1º, da Lei 11.941/09 é claro quanto à
intenção do Governo de estabelecer o princípio da neutralidade fiscal para as mudanças
inseridas no padrão contábil brasileiro. Assim, em casos de dúvida de interpretação, a
disposição contida no artigo 15, § 1º, da Lei 11.941/09 favorece sempre a interpretação que
assegure a neutralidade fiscal da adoção dos padrões internacionais de contabilidade.

Subvenções de investimento e prêmios na emissão de debêntures

15. Tendo em vista que o artigo 195-A da Lei das S.A., acrescentado pela Lei 11.638/07,
determinou que as subvenções para investimento e as doações recebidas do Poder Público,
assim como os prêmios na emissão de debêntures, devem todos transitar pelo resultado das
companhias, o RTT tratou especificamente dos mecanismos para garantir a neutralidade
fiscal dessas regras, preservando a isenção do imposto de renda aplicável ao recebimento
desses valores, desde que mantidos em reservas específicas e observadas as demais condições
estabelecidas nos artigos 18 e 19 da Lei 11.941/09.

Lucro Presumido

16. Para as empresas tributadas pelo lucro presumido e optantes do RTT nos anos de
2008 e 2009, a opção aplica-se a todos os trimestres de 2008, sendo que, nos dois primeiros,
a eventual diferença entre o valor devido com base na opção pelo RTT e o valor antes
apurado e pago deverá ser recolhida – se a menor – ou poderá ser utilizada para
compensação do imposto devido em trimestres posteriores – se a maior –, com os
acréscimos de juros moratórios previstos na legislação tributária.

Outras alterações na Lei das S.A.

17. O capítulo V da Lei 11.941/09 traz ainda outras disposições que alteram a regulação
dada pela Lei 11.638/07 e complementam o processo de harmonização do padrão contábil
brasileiro, “inclusive aperfeiçoando a redação de alguns artigos com o objetivo de tornar
mais claro o entendimento dos dispositivos introduzidos pela referida Lei e aproximar a
qualidade da informação contábil brasileira aos padrões internacionais.” Dentre as
alterações introduzidas, destacamos abaixo as principais inovações.

Demonstrações Financeiras

18. O artigo 177, § 2º, da Lei das S.A. foi alterado para excluir a possibilidade, criada pela
Lei 11.638/07, de adoção de um “balanço tributário” como base da escrituração, que
posteriormente seria ajustado para fins de apuração da escrituração mercantil (“LALUC”).

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19. Com a nova redação dada ao dispositivo pela Lei 11.941/09, a companhia observará
exclusivamente em livros ou registros auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração
mercantil e das demonstrações reguladas na Lei das S.A., as disposições da lei tributária, ou
de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto, que prescrevam, conduzam
ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem
registro, lançamento ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.

20. Foi também revogado o parágrafo 7º do artigo 177 da Lei das S.A., que havia sido
introduzido pela Lei 11.638/07 e estabelecia que não poderão ser base de incidência de
impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários os lançamentos de
ajuste efetuados exclusivamente para a harmonização de normas contábeis e as
demonstrações e apurações com eles elaboradas. Em verdade, como confirmado na
Exposição de Motivos da MP 449/08, esse dispositivo tornou-se inócuo em face da
instituição do RTT, que já garante a neutralidade fiscal da adaptação das regras contábeis
brasileiras aos padrões internacionais.

Exclusão da conta ativo diferido

21. A Lei 11.941/09 extinguiu a conta contábil de “ativo diferido”, sendo que, o artigo
299-A, acrescentado à Lei das S.A., estabelece que o saldo existente no ativo diferido em
31.12.08 e que, pela sua natureza, não puder ser alocado a outro grupo de contas, poderá
permanecer no ativo sob essa classificação até sua completa amortização, sujeito à análise
sobre a recuperação de que trata o artigo 183, § 3º, da Lei das S.A.

22. Embora a adoção do RTT já garanta a inexistência de conseqüências tributárias


relativas às mudanças contábeis adotadas pela Lei 11.638/07, o artigo 299-A dá maior
segurança jurídica aos contribuintes ao assegurar a aplicação das regras contábeis anteriores
à amortização dos elementos do ativo diferido que não puderem ser reclassificados, tais
como o ativo diferido decorrente da incorporação de sociedades que foram adquiridas com o
pagamento de ágio justificado na expectativa de rentabilidade futura da empresa adquirida.

Contabilização de operações de fusões, incorporações, cisões e incorporação de ações

23. A Lei 11.941/09 modificou também o artigo 226, § 3º, da Lei das S.A. e acrescentou-
lhe o artigo 185-A, determinando que a CVM estabelecerá normas especiais de avaliação e
contabilização aplicáveis à aquisição de controle, participações societárias ou segmentos de
negócios, bem como às operações de fusão, incorporação e cisão que envolvam companhia
aberta. O novo parágrafo 4º do artigo 252 da Lei das S.A. esclarece que essa competência da
CVM alcança também operações de incorporação de ações que envolvam companhias
abertas.

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24. Essa alteração foi importante, pois a antiga redação do artigo 226, § 3º, da Lei das
S.A. criava uma regra confusa e de limitada aplicação para a avaliação dos ativos a valor de
mercado em operações de incorporação de sociedades independentes e vinculadas à
transferência de controle. A nova redação desse dispositivo e a criação do artigo 185-A dão
maior flexibilidade para a CVM estabelecer o adequado tratamento contábil para essas
operações.

Juros sobre o Capital Próprio

25. O artigo 59 da Lei 11.941/09 esclarece que não se incluem entre as contas do
patrimônio líquido, para fins do cálculo de juros sobre o capital próprio, os valores relativos a
ajustes de avaliação patrimonial a que se refere o artigo 182, § 3º, da Lei das S.A., com a
redação dada pela Lei 11.638/07 e pela própria Lei 11.941/09. Este dispositivo da Lei das
S.A. trata das contrapartidas de aumentos e diminuições de valor atribuídos a elementos do
ativo e do passivo em decorrência de sua avaliação a valor justo, de modo que esses valores
não serão considerados para fins do cálculo de juros sobre o capital próprio.

Definição de coligadas e controladas

26. A Lei 11.941/09 também altera a qualificação dos investimentos sujeitos à avaliação
pelo método da equivalência patrimonial, em virtude da alteração do artigo 243 da Lei das
S.A. O objetivo foi o de adequar a definição de coligada àquela prevista nas normas
internacionais de contabilidade, que não estabelecem um percentual mínimo para que uma
sociedade investida seja classificada como coligada.

27. Com a nova redação do artigo 243 da Lei das S.A., considera-se coligada a sociedade
na qual a investidora tenha influência significativa sobre a administração da investida, sem
controlá-la. O parágrafo 4º do artigo 243 dispõe que há influência significativa quando a
investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou
operacional da investida, sem controlá-la. Essa influência será presumida quando a
investidora detiver 20% ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la.

Conclusão

28. A Lei 11.941/09 é fruto de intenso debate entre o Executivo e as duas Casas
Legislativas, onde sofreu cerca de 400 propostas de emendas por deputados e senadores até
que se chegasse ao texto finalmente submetido a sanção presidencial. É natural, portanto,
que surjam debates em torno da necessidade e alcance de certos dispositivos. No geral,
porém, a Lei 11.941/09 será muito bem recebida pelo meio empresarial brasileiro,

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particularmente quanto à criação do RTT, que tranqüiliza os contribuintes ao garantir que


sejam neutros, do ponto de vista fiscal, os efeitos do processo de adoção das normas
internacionais de contabilidade do Brasil.

São Paulo, 29 de maio de 2009.

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