Pós-graduado em Direito Concorrencial pela FGV-SP Mestre em Direito Processual Civil pela UFPE Doutor em Direito Empresarial pela PUC-SP Autor dos livros “Direito Empresarial Esquematizado” (Método) e “LEMP – Legislação Empresarial para Concursos” (JusPodivm) O “processo empresarial” é a arbitragem? – Não necessariamente. A arbitragem é muito usada nos litígios empresariais, mas o processo judicial também é. O novo CPC continua respeitando a arbitragem (art. 3º, §1º), e ainda previu a possibilidade do negócio jurídico processual (arts. 190 e 191). Existe um “processo empresarial”? – Não, mas existem alguns procedimentos que são inerentes ao direito empresarial, os quais geralmente são regulados em leis próprias (ex.: falência e recuperação judicial). O novo CPC tem regras que são típicas de litígios empresariais? – Sim. As mais relevantes são os arts. 133 a 137 (incidente de desconsideração da personalidade jurídica), 599 a 609 (ação de dissolução parcial de sociedade) e 861 a 866 (penhora de quotas, de estabelecimento empresarial e de faturamento da empresa). Incidente de desconsideração da PJ: – O novo CPC não criou nova hipótese de desconsideração, mas apenas disciplinou o seu procedimento. Em caso de litígios empresariais, os “pressupostos previstos em lei” a que se refere o art. 133, § 1º, são aqueles do art. 50 do CC: abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Em litígios consumeristas, “os pressupostos previstos em lei” serão os do art. 28 do CDC, e assim por diante. Incidente de desconsideração da PJ: – Atualmente, o STJ entende que a desconsideração pode ser decretada nos próprios autos, sem necessidade de citação, de modo que o sócio só pode defender-se após já realizada a constrição de seus bens pessoais. (...) 2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando- se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. (...) 4. Portanto, não se havendo falar em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, em razão da ausência de citação ou de intimação para o pagamento da dívida (art. 475-J do CPC), e sob pena de tornar-se infrutuosa a desconsideração da personalidade jurídica, afigura-se bastante - quando, no âmbito do direito material, forem detectados os pressupostos autorizadores da medida - a intimação superveniente da penhora dos bens dos ex-sócios, providência que, em concreto, foi realizada. (...) (REsp 1096604/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 16/10/2012) (...) Segundo a jurisprudência do STJ, a desconsideração da personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa. Precedentes de ambas as Turmas que integram a Segunda Seção do STJ. (...) (AgRg no REsp 1459784/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 14/08/2015) A partir da vigência do novo CPC, porém, parece-nos que essa jurisprudência do STJ terá de ser revista, sendo agora imprescindível citação do sócio ou da pessoa jurídica. Confira-se, a propósito, o que diz o art. 135: “instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”. O art. 134 do novo CPC deixa claro que “o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”. O § 2o desse dispositivo traz regra interessante: “dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”. Nesse caso, além de não haver a instauração do incidente, o processo, obviamente, não será suspenso. De acordo com o art. 136 do novo CPC, “concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno”. A decisão a que se refere a regra em questão é a que julga em definitivo o incidente, após a citação do sócio ou da pessoa jurídica e eventual instrução do feito. No entanto, é possível a concessão de liminar, em razão do poder geral de cautela do magistrado? O art. 137 do novo CPC diz o seguinte: “acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”. O dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 792, § 3º: “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. A dissolução parcial de sociedade no novo CPC: – Separação clara das etapas de resolução da sociedade e de apuração de haveres. – Aplica-se também às sociedades anônimas de capital fechado. – Houve o estabelecimento de critérios objetivos para fixação da data de resolução da sociedade, bem como para a apuração de haveres, quando o contrato não tiver cláusula nesse sentido. A dissolução parcial de sociedade no novo CPC: – A dissolução parcial é fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, com base no princípio da preservação da empresa: quando um sócio não queria mais a sociedade e pedia a sua dissolução total, muitas vezes os outros queriam continuar as atividades, de modo que a dissolução parcial foi construída para permitir que, nesses casos, o sócio dissidente se retirasse – recebendo seus respectivos haveres –, mas a sociedade permanecesse existindo com os demais. O novo CPC permitiu o uso da ação de dissolução parcial somente para a (i) resolução da sociedade empresária em relação a um sócio (em razão da sua morte, da sua exclusão ou de sua simples retirada), ou somente para a (ii) apuração de haveres de um sócio (pelos mesmos motivos). A ação pode também envolver ambas as hipóteses, caso em que terá uma fase inicial para decisão sobre a saída do sócio, e uma fase posterior para apuração dos seus haveres (art. 599). Se, por exemplo, (i) os sócios divergem apenas sobre se o vínculo societário entre eles está ou não desfeito, mas concordam com a avaliação da sociedade, a ação será proposta com base no art. 599, III, primeira parte; se, por outro lado, (ii) os sócios divergem apenas sobre a avaliação da sociedade, mas concordam com a sua dissolução parcial, a ação será proposta com base no art. 599, III, parte final; finalmente, se (iii) os sócios divergem sobre ambas as coisas – resolução do vínculo societário e avaliação da sociedade – o fundamento da ação serão os incisos I e II do art. 599, e nesse caso o juiz terá que decidir, primeiramente, sobre o término do vínculo societário, e depois sobre a avaliação das quotas do sócio que está saindo. Nessa terceira situação descrita no slide anterior, pode ser que as partes, uma vez ajuizada a ação, concordem sobre a resolução do vínculo societário. Aplica-se, então, o art. 603: “havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação”. A fim de facilitar esse tipo de acordo, o § 1º desse dispositivo legal prevê que, “na hipótese prevista no caput, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas serão rateadas segundo a participação das partes no capital social”. Quando as partes concordam com a resolução do vínculo societário, mas divergem quanto ao valor das quotas de quem está saindo, é comum que os sócios remanescentes usem a ação de dissolução parcial para protelar o pagamento delas. A fim de evitar essa manobra, o novo CPC previu o seguinte no art. 604, §§§ 1º, 2º e 3º: “O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos. § 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores. § 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa”. Na fase de liquidação, quando já acordada ou decidida a resolução do vínculo societário, restando apenas apurar o valor a ser recebido pelo sócio que está saindo, é imprescindível que se definam claramente (i) a data de resolução da sociedade e (ii) o critério de apuração de haveres. Atualmente muitas ações desse tipo são julgadas sem que o juiz, na sentença, defina de forma clara essas duas coisas, dificultando sobremaneira a liquidação do julgado. Por isso, o novo CPC determinou, em seu art. 604, o seguinte: “para apuração dos haveres, o juiz: I – fixará a data da resolução da sociedade; II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e III – nomeará o perito”. Este perito, é importante destacar, deve ser preferencialmente um especialista em avaliação de sociedades (art. 606, parágrafo único). Quanto à fixação da data de resolução da sociedade, o novo CPC preocupou-se em estabelecê-la claramente, levando em conta o motivo que deu causa à dissolução parcial (morte, exclusão etc.), e o juiz deve estrita obediência ao comando normativo. Assim, de acordo com o art. 605, “a data da resolução da sociedade será: I – no caso de falecimento do sócio, a do óbito; II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III – no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV – na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V – na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado”. Quanto à fixação do critério de apuração de haveres, o juiz deve obediência ao contrato social, não podendo estabelecer critério diverso do previsto no ato constitutivo. Se o contrato social não estabelecer nenhum critério, aplica-se o art. 606: “em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”. Penhora de quotas, de estabelecimento e de faturamento no novo CPC: – A sociedade tem prazo razoável para decidir o que fazer em caso de penhora de quotas de um sócio, e esse prazo pode até ser ampliado. – A penhora de estabelecimento é tratada como medida realmente excepcional, e o administrador tem que apresentar um plano de administração. – A penhora de faturamento também é tratada como medida excepcional, e não houve a previsão de percentual mínimo ou máximo. O CPC de 1973 previa a possibilidade de penhora de quotas em seu art. 655, VI, mas não detalhava o seu procedimento. O novo CPC, porém, fez isso em seu art. 861. Enfim, havendo penhora de quotas, podem correr, basicamente, três situações, sucessivamente: (i) os próprios sócios fazerem a aquisição delas, nos termos do art. 861, II; (ii) caso os sócios não as adquiram, a própria sociedade pode fazê-lo, usando seu fundo de reserva e colocando-as em tesouraria, nos termos do art. 861, § 1º; e, finalmente, (iii) caso nem os sócios nem a sociedade adquiram as quotas, elas serão postas à venda em leilão judicial. Quanto à segunda hipótese (aquisição das quotas pela própria sociedade, para manutenção em tesouraria), a antiga Lei das Limitadas autorizava tal prática expressamente em seu artigo 8º. O Código Civil de 2002, no entanto, não tem regra no mesmo sentido, de modo que a partir da sua vigência passou-se a discutir se tal prática continuaria ou não sendo permitida. O DREI, no anexo II da Instrução Normativa 10/2013, prevê no item 3.2.10.2 que “a aquisição de quotas pela própria sociedade não está autorizada pelo novo Código Civil”. No entanto, parece-nos que o DREI será obrigado a rever o seu entendimento, já que o novo CPC prevê expressamente a possibilidade de a sociedade limitada adquirir suas próprias quotas quando elas forem penhoradas e nenhum sócio deseje adquiri-las. O CPC de 1973 já previa a penhora de estabelecimento comercial em seu art. 677. O novo CPC manteve a regra em seu art. 862, mas ainda acrescentou outras, tratando o assunto de forma mais detalhada. Corroborando o entendimento jurisprudencial do STJ, no sentido de que a penhora de estabelecimento empresarial é medida excepcional, o art. 865 do novo CPC determina o seguinte: “a penhora de que trata esta subseção somente será determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito”. Finalmente, cumpre destacar que não se deve confundir a penhora do estabelecimento aqui tratada com a penhora da sede do estabelecimento, que também é admitida excepcionalmente, nos termos do enunciado 451 da Súmula do STJ