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REFLEXOS DO NOVO CPC NO DIREITO EMPRESARIAL

ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS

Pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-RJ


Pós-graduado em Direito Concorrencial pela FGV-SP
Mestre em Direito Processual Civil pela UFPE
Doutor em Direito Empresarial pela PUC-SP
Autor dos livros “Direito Empresarial Esquematizado” (Método) e
“LEMP – Legislação Empresarial para Concursos” (JusPodivm)
O “processo empresarial” é a arbitragem?
– Não necessariamente. A arbitragem é muito usada
nos litígios empresariais, mas o processo judicial
também é. O novo CPC continua respeitando a
arbitragem (art. 3º, §1º), e ainda previu a
possibilidade do negócio jurídico processual (arts. 190
e 191).
Existe um “processo empresarial”?
– Não, mas existem alguns procedimentos que
são inerentes ao direito empresarial, os quais
geralmente são regulados em leis próprias
(ex.: falência e recuperação judicial).
O novo CPC tem regras que são típicas de litígios
empresariais?
– Sim. As mais relevantes são os arts. 133 a 137
(incidente de desconsideração da personalidade
jurídica), 599 a 609 (ação de dissolução parcial de
sociedade) e 861 a 866 (penhora de quotas, de
estabelecimento empresarial e de faturamento da
empresa).
Incidente de desconsideração da PJ:
– O novo CPC não criou nova hipótese de desconsideração, mas
apenas disciplinou o seu procedimento. Em caso de litígios
empresariais, os “pressupostos previstos em lei” a que se
refere o art. 133, § 1º, são aqueles do art. 50 do CC: abuso de
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade
ou pela confusão patrimonial. Em litígios consumeristas, “os
pressupostos previstos em lei” serão os do art. 28 do CDC, e
assim por diante.
Incidente de desconsideração da PJ:
– Atualmente, o STJ entende que a desconsideração pode
ser decretada nos próprios autos, sem necessidade de
citação, de modo que o sócio só pode defender-se após já
realizada a constrição de seus bens pessoais.
(...) 2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como
um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-
se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica,
bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao
cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. (...) 4. Portanto, não se havendo
falar em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, em razão da ausência de citação ou de
intimação para o pagamento da dívida (art. 475-J do CPC), e sob pena de tornar-se infrutuosa
a desconsideração da personalidade jurídica, afigura-se bastante - quando, no âmbito do
direito material, forem detectados os pressupostos autorizadores da medida - a intimação
superveniente da penhora dos bens dos ex-sócios, providência que, em concreto, foi
realizada. (...) (REsp 1096604/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 02/08/2012, DJe 16/10/2012)
(...) Segundo a jurisprudência do STJ, a desconsideração da
personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser
decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se
garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da
ampla defesa. Precedentes de ambas as Turmas que integram a
Segunda Seção do STJ. (...) (AgRg no REsp 1459784/MS, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015)
A partir da vigência do novo CPC, porém, parece-nos que
essa jurisprudência do STJ terá de ser revista, sendo agora
imprescindível citação do sócio ou da pessoa jurídica.
Confira-se, a propósito, o que diz o art. 135: “instaurado o
incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para
manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de
15 (quinze) dias”.
O art. 134 do novo CPC deixa claro que “o incidente de
desconsideração é cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada
em título executivo extrajudicial”. O § 2o desse dispositivo traz regra
interessante: “dispensa-se a instauração do incidente se a
desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição
inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”.
Nesse caso, além de não haver a instauração do incidente, o
processo, obviamente, não será suspenso.
De acordo com o art. 136 do novo CPC, “concluída a instrução, se
necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe
agravo interno”. A decisão a que se refere a regra em questão é a
que julga em definitivo o incidente, após a citação do sócio ou da
pessoa jurídica e eventual instrução do feito. No entanto, é possível
a concessão de liminar, em razão do poder geral de cautela do
magistrado?
O art. 137 do novo CPC diz o seguinte: “acolhido o pedido de
desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida
em fraude de execução, será ineficaz em relação ao
requerente”. O dispositivo deve ser interpretado em conjunto
com o art. 792, § 3º: “nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir
da citação da parte cuja personalidade se pretende
desconsiderar”.
A dissolução parcial de sociedade no novo CPC:
– Separação clara das etapas de resolução da sociedade e de
apuração de haveres.
– Aplica-se também às sociedades anônimas de capital fechado.
– Houve o estabelecimento de critérios objetivos para fixação da
data de resolução da sociedade, bem como para a apuração de
haveres, quando o contrato não tiver cláusula nesse sentido.
A dissolução parcial de sociedade no novo CPC:
– A dissolução parcial é fruto de construção doutrinária e
jurisprudencial, com base no princípio da preservação da empresa:
quando um sócio não queria mais a sociedade e pedia a sua
dissolução total, muitas vezes os outros queriam continuar as
atividades, de modo que a dissolução parcial foi construída para
permitir que, nesses casos, o sócio dissidente se retirasse –
recebendo seus respectivos haveres –, mas a sociedade
permanecesse existindo com os demais.
O novo CPC permitiu o uso da ação de dissolução parcial somente
para a (i) resolução da sociedade empresária em relação a um sócio
(em razão da sua morte, da sua exclusão ou de sua simples
retirada), ou somente para a (ii) apuração de haveres de um sócio
(pelos mesmos motivos). A ação pode também envolver ambas as
hipóteses, caso em que terá uma fase inicial para decisão sobre a
saída do sócio, e uma fase posterior para apuração dos seus
haveres (art. 599).
Se, por exemplo, (i) os sócios divergem apenas sobre se o vínculo societário
entre eles está ou não desfeito, mas concordam com a avaliação da sociedade,
a ação será proposta com base no art. 599, III, primeira parte; se, por outro
lado, (ii) os sócios divergem apenas sobre a avaliação da sociedade, mas
concordam com a sua dissolução parcial, a ação será proposta com base no art.
599, III, parte final; finalmente, se (iii) os sócios divergem sobre ambas as coisas
– resolução do vínculo societário e avaliação da sociedade – o fundamento da
ação serão os incisos I e II do art. 599, e nesse caso o juiz terá que decidir,
primeiramente, sobre o término do vínculo societário, e depois sobre a
avaliação das quotas do sócio que está saindo.
Nessa terceira situação descrita no slide anterior, pode ser que as partes,
uma vez ajuizada a ação, concordem sobre a resolução do vínculo
societário. Aplica-se, então, o art. 603: “havendo manifestação expressa e
unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se
imediatamente à fase de liquidação”. A fim de facilitar esse tipo de
acordo, o § 1º desse dispositivo legal prevê que, “na hipótese prevista no
caput, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma
das partes, e as custas serão rateadas segundo a participação das partes
no capital social”.
Quando as partes concordam com a resolução do vínculo societário, mas
divergem quanto ao valor das quotas de quem está saindo, é comum que os
sócios remanescentes usem a ação de dissolução parcial para protelar o
pagamento delas. A fim de evitar essa manobra, o novo CPC previu o seguinte
no art. 604, §§§ 1º, 2º e 3º: “O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que
nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres
devidos. § 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores. § 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento
dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte
incontroversa”.
Na fase de liquidação, quando já acordada ou decidida a resolução do vínculo
societário, restando apenas apurar o valor a ser recebido pelo sócio que está saindo,
é imprescindível que se definam claramente (i) a data de resolução da sociedade e (ii)
o critério de apuração de haveres. Atualmente muitas ações desse tipo são julgadas
sem que o juiz, na sentença, defina de forma clara essas duas coisas, dificultando
sobremaneira a liquidação do julgado. Por isso, o novo CPC determinou, em seu art.
604, o seguinte: “para apuração dos haveres, o juiz: I – fixará a data da resolução da
sociedade; II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no
contrato social; e III – nomeará o perito”. Este perito, é importante destacar, deve ser
preferencialmente um especialista em avaliação de sociedades (art. 606, parágrafo
único).
Quanto à fixação da data de resolução da sociedade, o novo CPC preocupou-se em
estabelecê-la claramente, levando em conta o motivo que deu causa à dissolução
parcial (morte, exclusão etc.), e o juiz deve estrita obediência ao comando normativo.
Assim, de acordo com o art. 605, “a data da resolução da sociedade será: I – no caso de
falecimento do sócio, a do óbito; II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte
ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III – no recesso, o
dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV – na retirada
por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a
do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V – na exclusão
extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado”.
Quanto à fixação do critério de apuração de haveres, o juiz deve
obediência ao contrato social, não podendo estabelecer critério diverso
do previsto no ato constitutivo. Se o contrato social não estabelecer
nenhum critério, aplica-se o art. 606: “em caso de omissão do contrato
social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por
referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo,
tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser
apurado de igual forma”.
Penhora de quotas, de estabelecimento e de faturamento no novo CPC:
– A sociedade tem prazo razoável para decidir o que fazer em caso de
penhora de quotas de um sócio, e esse prazo pode até ser ampliado.
– A penhora de estabelecimento é tratada como medida realmente
excepcional, e o administrador tem que apresentar um plano de
administração.
– A penhora de faturamento também é tratada como medida
excepcional, e não houve a previsão de percentual mínimo ou
máximo.
O CPC de 1973 previa a possibilidade de penhora de quotas em seu art.
655, VI, mas não detalhava o seu procedimento. O novo CPC, porém, fez
isso em seu art. 861. Enfim, havendo penhora de quotas, podem correr,
basicamente, três situações, sucessivamente: (i) os próprios sócios
fazerem a aquisição delas, nos termos do art. 861, II; (ii) caso os sócios
não as adquiram, a própria sociedade pode fazê-lo, usando seu fundo de
reserva e colocando-as em tesouraria, nos termos do art. 861, § 1º; e,
finalmente, (iii) caso nem os sócios nem a sociedade adquiram as quotas,
elas serão postas à venda em leilão judicial.
Quanto à segunda hipótese (aquisição das quotas pela própria sociedade, para
manutenção em tesouraria), a antiga Lei das Limitadas autorizava tal prática
expressamente em seu artigo 8º. O Código Civil de 2002, no entanto, não tem regra
no mesmo sentido, de modo que a partir da sua vigência passou-se a discutir se tal
prática continuaria ou não sendo permitida.
O DREI, no anexo II da Instrução Normativa 10/2013, prevê no item 3.2.10.2 que “a
aquisição de quotas pela própria sociedade não está autorizada pelo novo Código
Civil”.
No entanto, parece-nos que o DREI será obrigado a rever o seu entendimento, já
que o novo CPC prevê expressamente a possibilidade de a sociedade limitada
adquirir suas próprias quotas quando elas forem penhoradas e nenhum sócio deseje
adquiri-las.
O CPC de 1973 já previa a penhora de estabelecimento comercial em seu art. 677. O
novo CPC manteve a regra em seu art. 862, mas ainda acrescentou outras, tratando o
assunto de forma mais detalhada.
Corroborando o entendimento jurisprudencial do STJ, no sentido de que a penhora
de estabelecimento empresarial é medida excepcional, o art. 865 do novo CPC
determina o seguinte: “a penhora de que trata esta subseção somente será
determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito”.
Finalmente, cumpre destacar que não se deve confundir a penhora do
estabelecimento aqui tratada com a penhora da sede do estabelecimento, que
também é admitida excepcionalmente, nos termos do enunciado 451 da Súmula do
STJ

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