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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE
ALFABETIZAÇÃO, TEORIAS E
PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 3.0

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CURSO DE
Alfabetização, teorias e processo de
aprendizagem.

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição
do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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TEÓRICOS

10 CÉLESTIN FREINET

O homem é produto e produtor do meio em que vive. E, se assim o é, a


educação, enquanto meio essencial de produção do conhecimento, deveria ser uma
prática colada à vida imediata e cotidiana, de forma que o homem se percebesse
como sujeito histórico que, ao construir o mundo, constrói a si mesmo. A escola
precisa recuperar a relação trabalho-educação, para que o mundo seja entendido
como resultado do pensar e do agir humano: o homem precisa entender-se como
escultor e mentor de sua própria vida, de sua própria história. Há que se construir
uma educação na qual o homem não se distancie de sua essência de ser que faz e
ser que pensa, pela qual o homem perceba o mundo como obra de sua prática
humana, construída na necessária relação dialógica com os outros homens, seus
iguais.
O objetivo deste é resgatar os fundamentos da Pedagogia do bom-senso, de
Cèlestin Freinet. Pedagogia essa que se baseia na necessidade natural do homem
de sobreviver e interagir com os outros, para satisfazer suas necessidades e,
consequentemente, construir a si e ao mundo. A pedagogia de Freinet recupera a
necessidade de uma educação da vida enquanto um construto humano, que se faz
pelo trabalho nas relações sociais.

10.1 VIDA E OBRA DE CÈLESTIN FREINET

“Mostra-me a qualidade do teu cotidiano e dir-te-ei que mundo e que sociedade sonhas
construir”.
Alder J. Calado

Cèlestin Freinet mostrou, dia a dia, o mundo e a sociedade mais justa que
sonhou construir. Nascido em 15 de outubro de 1896, numa aldeia francesa de

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Gars, nos Alpes Marítimos, onde o pastoreio predominava. Um homem de família
humilde e de pouca cultura, que revolucionou a educação na França. A primeira
atividade de Freinet foi o pastoreio; já na adolescência, mudou-se para a cidade de
Nice, onde iniciou o curso magistério na escola normal. A Primeira Guerra eclodiu e
a exigência de alistar-se o impediu de continuar estudando. Da Guerra, Freinet
trouxe uma infecção pulmonar, causada por gases tóxicos, que o acompanhou pelo
resto da vida.
Em 1920, começa a lecionar em uma pobre escola de Bar-Sur-Loup, mesmo
sem diploma. Terminada a guerra, Freinet volta a estudar e, enquanto tenta obter o
diploma inicia suas experiências didáticas. Na observação direta de seus alunos,
começa a questionar as rígidas normas da escola, a forma de ensinar, o ambiente
da sala e a natureza lá fora, que encantava os alunos. Dessas observações, surgem
suas primeiras experiências: a aula-passeio, a imprensa escolar e o livro da vida. Em
1927, edita o livro A imprensa na Escola, cria a revista La Gerbe (O ramalhete) em
que publica poemas infantis e funda a Cooperativa de Ensino Leigo. Nos anos
seguintes, Freinet muda-se para a Vila Saint-Paul de Vence, onde cria as "Técnicas
de Avaliação" e o "Plano de Trabalho". Por ser um grande crítico das cartilhas
convencionais, Freinet propõe os "Fichários de Consulta e de Autocorreção". As
realizações feitas na escola, à criação da cooperativa e o intenso movimento postal
provocaram desconfianças e hostilidades políticas, que culminaram na sua
exoneração do cargo de professor.
Mesmo tendo abandonado a escola de Saint-Paul, Freinet continua
administrando a cooperativa. Em 1935, consegue construir sua própria escola na
cidade de Vence. No mesmo ano, por ocasião do Congresso Internacional de
Ensino, iniciou um movimento em defesa da criança chamado "Frente da Infância".
Esse movimento foi aderido pela recém-formada "Liga da Educação Francesa",
inspirando a reforma do ensino francês. As perseguições políticas continuaram. Em
1940, Freinet foi preso como perigoso editor clandestino. Ainda preso, foi mandado
para o campo de concentração alemão em Var. Um ano mais tarde, foi libertado e
passou a lutar na Resistência Francesa, até o fim da Guerra. Terminada a segunda
Guerra, Freinet volta à cidade de Vence, onde organiza a "Cooperativa e o Manifesto
pela Modernização da Escola". Em 1956, inicia uma campanha intitulada "25 alunos
por classe", a qual foi aprovada pela opinião pública e aderida pela maioria das

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escolas francesas. Neste mesmo período, escreveu “Conselho aos Pais, Ensaio de
Psicologia Sensível e Educação pelo Trabalho”. Em 1957, funda a "Federação
Internacional dos Movimentos da Escola Moderna" (FIMEM), que hoje é reconhecida
pela UNESCO como importante ONG do campo da educação.

11 O MÉTODO NATURAL

Um aspecto central da pedagogia freinetiana é o trabalho como mola mestra


das atividades educativas. Preocupado com as relações capitalistas de seu tempo,
que geravam desigualdades sociais e o domínio de uma classe sobre a outra,
Freinet buscou na Escola Ativa, de Adolphe Ferrière, os pressupostos necessários
para a criação de uma pedagogia do trabalho, direcionada especialmente às
crianças de famílias operárias, para as quais ele pretendia transmitir o valor de uso
do produto do trabalho (WHITAKER, 1989).

Que as crianças aprendam os gestos, os sinais e os mecanismos exigidos


pela função de estudantes e, mais tarde, pela de empregados, camponeses
ou operários, é uma necessidade como a que obriga o pastor a cuidar do
rebanho e o jardineiro a produzir frutos e flores (...). Mas que não se limitem
a ser estudantes. Que ultrapassem já essa profissão, para chegar aos
gestos e aos atos que talvez nunca possam converter-se em dinheiro, mas
que, nem por isso, deixam de ser um aspecto exaltante de uma exigência
de cultura - cunho nobre da educação a serviço do "Homem" (FREINET,
1985, p. 133).

Ao perceber o interesse das crianças por atividades práticas, Freinet


estabeleceu o trabalho como motor da ação educativa. Para ele, uma vez que a
ação é o prolongamento natural da vida e o meio pelo qual o homem transforma o
mundo, a aprendizagem deve ser uma construção ativa. O trabalho como princípio
educativo deve ser essencialmente cooperativo. Todas as atividades, coletivas e/ou
individuais, devem ser organizadas como plano de trabalho para não perder o
caráter de coisa comum. Na pedagogia freinetiana, o professor deve ser gerenciador
das atividades e o intermediário das relações, garantindo as condições de trabalho,
informando, sugerindo e estimulando o aprendizado (WHITAKER, 1989).
A Pedagogia do Bom-senso baseia-se na necessidade natural do homem de

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sobreviver e, consequentemente, de interagir por meio do trabalho para suprir suas
necessidades. Se for da natureza do homem a utilização de suas habilidades
intelectuais e manuais para, na interação com o outro, modificar o meio suprindo
suas necessidades e perpetuando sua espécie, é, também, da natureza humana, o
ato de aprender e de ensinar por meio do trabalho, que garante a sobrevivência
humana. (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Foi como autodidata na educação e na ciência que Freinet iniciou suas
observações da prática escolar, atentando especialmente para o desenvolvimento
intelectual das crianças. Com base nessas observações, Freinet construiu, sem
muito embasamento científico, uma prática peculiar de ensino.
Os princípios que norteiam o processo educativo freinetiano são: a confiança
e o respeito mútuo entre os seres humanos; a necessidade de uma escola aberta e
flexível; a livre expressão; o cooperativismo; a coletividade; o trabalho enquanto
agente central do processo educativo e formador (WHITAKER, 1989).
Para construir sua pedagogia, o autor baseou-se na cotidianidade e na
importância fenomenológica que as interações sociais têm para o processo de
aprendizagem do homem.
Para ele, ficou claro que o interesse das crianças estava lá fora, nos
bichinhos que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, pois percebia que,
nos momentos de leitura dos livros de classe, o desinteresse era total. Nessas
ocasiões, os olhares dos meninos atravessavam as janelas e acompanhavam o voo
dos pássaros ou das abelhas zumbindo e batendo nos vidros das janelas
empoeiradas (WHITAKER, 1989, p. 15).
Para o autor, a criança aprende pela experimentação concreta no mundo
real, na relação com o mundo, com as pessoas, enfim, com o meio social, pois
Freinet acreditava que um experimento, qualquer que seja, deixa uma marca
indelével e é com essas marcas que a criança constrói seu conhecimento
(FREINET, 1979).
A Pedagogia do Bom-senso deve importar-se principalmente com a
observação da criança na construção de suas próprias opiniões. Nesse processo, o
erro deve ser considerado uma fase fundamental da produção do conhecimento. O
ato de errar é um elemento-chave na aprendizagem, já que é um desafio, um
estímulo para o conhecer e para o descobrir, que são, por sua vez, impulsos inatos

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ao homem (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Freinet criticou a escola convencional e seus métodos por acreditar que esta
não respeitava a natureza do aprendizado, uma vez que se baseava na repetição e
na memorização. Para o autor, o aprendizado infantil deve partir de ideias e coisas
sensíveis que tenham significado real à criança. A partir do tripé Pedagogia do Bom-
senso, Trabalho e Êxito, Freinet defendeu uma educação na qual: a criança fosse
respeitada como sujeito construtor de conhecimento, a livre expressão fosse
valorizada, a satisfação das necessidades vitais fosse motivada. Por meio de
trabalhos úteis, criativos e organizados. Todo esse processo educativo, para ser
revolucionário, deve resultar na formação de cidadãos autônomos e cooperativos.

Na pedagogia de Freinet, a livre expressão, em todas as manifestações da


criança e do professor, define uma postura pedagógica que torna a escola
um verdadeiro lugar da vida e da produção, onde se faz a aprendizagem da
democracia pela participação cooperativa. A livre expressão é
acompanhada de responsabilidade; a criança exerce a liberdade, mas arca
com tudo o que ela comporta: frustrações, limitações e necessidade de
organização para o desenvolvimento do trabalho (WHITAKER, 1989, p.
210).

11.1 O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO

A primeira atividade desenvolvida por Freinet foi a aula-passeio. Essa


atividade deve ser articulada com outras atividades educativas. A organização deve
ser coletiva, de forma que seja proporcionada a todos a livre expressão, o
desenvolvimento da criatividade, da prática de pesquisa e da reflexão (WHITAKER,
1989; FREINET, 1979).

11.1.1 Imprensa escolar

A imprensa escolar foi desenvolvida por Freinet com o objetivo de divulgar e


socializar os trabalhos infantis. Essa atividade pode ser usada desde as séries
iniciais tendo como base os textos livres escritos pelas crianças a partir de
atividades como a entrevista e a aula-passeio. Antes de serem divulgados, os textos

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passam por uma triagem coletiva. Após a seleção dos textos, inicia-se o processo de
correção coletiva para que todas as crianças se sintam contempladas.
A impressão dos textos também deve ser coletiva, a fim de que a
aprendizagem da leitura e da escrita seja o mais natural possível. Para Freinet, o
aprendizado da língua deve ser um processo natural, pois ela é um elemento
fundamental nas relações homem-homem e homem-mundo. Parafraseando Freinet,
numa necessidade psicológica e funcional de interagir com outros, o homem lança-
se no aprendizado dos gestos, das expressões, dos gritos, dos sons, dos trejeitos,
até que ele domine totalmente a fala. Nesse processo, porém, o homem não
aprende sozinho, mas com o auxílio dos outros e na interação com os outros.
Nesse sentido, a expressão oral, que leva à construção permanente de
frases e da linguagem verbal como um todo, deve ser o fio condutor do processo de
ensino-aprendizagem da leitura e da escrita (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

Texto livre

Partindo da premissa de que a expressão infantil deve ser respeitada e


estimulada, Freinet propôs o texto livre como mecanismo viabilizador da criação, no
qual a inspiração, forma, tema e tempo de realização são respeitados em cada
criança. Na pedagogia freinetiana, o texto livre tem uma estrutura flexível, já que
desenho e poemas também são considerados como tal. Respeitando o princípio de
liberdade, o texto nunca deve ser exigido pelo professor, mas, sim, estimulado
constantemente. Se a criança desejar que seu texto seja divulgado, ele precisará,
necessariamente, passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET,
1979).

Livro da vida

O livro da vida, que tem características de diário de classe, objetiva reunir os


trabalhos desenvolvidos pelas crianças no cotidiano escolar. O livro da vida também
é uma produção coletiva e tanto os alunos quanto os professores têm acesso a ele.
Essa atividade é uma forma de registro muito primária, uma vez que é formada por
contribuições pessoais e espontâneas de todo o grupo: qualquer trabalho é sempre

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bem-vindo, podendo ser incorporado ao livro sem passar pela correção coletiva
(WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

11.2 INTERCÂMBIO INTERESCOLAR

Freinet acreditava que a troca de informações e o contato com realidades


diferentes estimulam o aprendizado. Dessa forma, as produções escritas somente
teriam sentido se fossem divulgadas para além dos que as produziram. Pela
correspondência, a criança descobre um novo meio de comunicação. Interagindo,
relacionando-se com outras pessoas e outras realidades, num contato direto com o
mundo exterior, a criança aprende e desenvolve novos comportamentos.
Conhecendo culturas e pessoas diferentes, aprende a respeitar e admirar as
especificidades dos outros e suas próprias particularidades (WHITAKER, 1989;
FREINET, 1979).
Não há dúvida de que a Pedagogia do Bom-senso ou Método Natural, como
queiram, tem muito de revolucionário, principalmente em relação à escola
convencional. Freinet teve o mérito de estabelecer uma nova racionalidade na
educação francesa; racionalidade essa que se estende pelos quatro cantos do
mundo.
A título de análise, é importante destacar o fato de que os pressupostos
marxistas da relação homem-capital-trabalho que fundamentam a pedagogia
freinetiana são secundarizados, à medida que as atividades práticas são efetivadas
de forma descolada, alheia à realidade em que o processo educativo é
desenvolvido. Em muitos casos, a aplicação do método natural tem reforçado,
apenas, o teor técnico e psicológico da pedagogia de Freinet, sem a necessária
relação do processo educativo com as condições sociais, econômicas e políticas da
realidade dada.
Outra questão relevante, que precisa ser posta em discussão, é a relação
teoria versus prática na pedagogia de Freinet. Embora muitos o acusem de ter
priorizado as atividades práticas em detrimento dos pressupostos teóricos, Freinet
dá grande importância à sistematização do conhecimento, que vai sendo forjado na

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ação. O movimento ação-reflexão-ação está presente em todas as atividades
propostas por Freinet, e, para que não haja uma relação dicotômica e/ou excludente
entre teoria e prática, o planejamento do processo educativo é fundamental.
Por fim, é importante lembrar que nenhuma pedagogia e base
epistemológica podem ser tomadas como uma verdade cerrada, mas como uma
dentre tantas alternativas de construção de uma educação emancipadora. A
pedagogia de Freinet pode ser uma alternativa para o desenvolvimento de uma
educação emancipadora, desde que o ensino-aprendizagem seja compreendido
como processo histórico construído pelo homem por meio do trabalho, na relação
com os outros homens e dentro de um contexto determinado.

11.3 MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA

Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não somente


fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas
chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e
sociais, que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da
reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída
sobre o estudo científico do homem desconhecido. (MONTESSORI, 1985)

O objetivo é discutir os fundamentos teóricos da Pedagogia Montessoriana.


Nesse sentido, trataremos de apresentar a filosofia, os princípios, o sistema e as
implicações pedagógicas dos estudos desenvolvidos por Maria Montessori sobre o
desenvolvimento da criança.
Montessori concebe a educação como uma prática natural e que, portanto,
deve ter como ponto de partida o mundo concreto, homem concreto. No contexto
educativo, a criança é concebida como o elo entre as gerações, aquele que gera o
desenvolvimento, que cria e recria a cultura e que possui a tarefa histórica de
transmiti-la ao novo homem e à nova mulher.
Maria Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade de
Chiaravalle, no leste da Itália. Filha única de Alessandro Montessori e Renilde
Stoppani e neta de um famoso geólogo e naturalista, Antonio Stoppani. Aos 12 anos
de idade, a modesta família de Montessori muda-se para Roma, a fim de oferecer-
lhe oportunidades de uma educação mais completa.

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Montessori, a princípio, estudou em escola pública e, nesse período, não
teve destaque como aluna. Por meio das relações estabelecidas na capital italiana,
onde surgiam novas ideias fomentadas pelo movimento de Reunificacão da Itália e
pelo desenvolvimento de novas instituições democráticas nesse país, Montessori foi
dando mostras de sua personalidade revolucionária. Foi a primeira mulher a cursar
uma universidade na Itália; a primeira médica da Itália; teve filho sem se casar.
Seu caráter forte, seu senso de dever, sua natureza assertiva, suas
convicções e sua forma vigorosa de defender suas ideias renderam-lhes muitos
seguidores e muitos opositores.
Maria Montessori construiu sua história pessoal, intelectual e científica
dedicando-se, por mais de meio século, ao estudo e à pesquisa do mais
fundamental e difícil problema do homem - a sua formação: Montessori acreditava
que somente por meio do entendimento da formação do homem seria possível
intervir em questões decisivas - sua conservação e seu desenvolvimento.
Montessori viveu de forma intensa a história de seu tempo, dedicou-se de forma
integral a novos experimentos, descobertas e alternativas; contestou os dogmas, as
tradições e buscou responder às novas necessidades de uma educação que
pudesse formar homens mais humanos.

11.3.1 Sistema Montessori

A educação montessoriana não pode ser entendida como um método


separado de sua concepção filosófica; mesmo constituindo-se de partes
hierarquicamente organizadas e tendo fronteiras que demarcam a função de cada
uma delas, somente é possível entender educação montessoriana na articulação de
suas partes como um todo.
Na pedagogia montessoriana, a criança é vista como um ser biológico que,
na interação com o meio, torna-se social, e é exatamente por conta disso, diz
(Montessori, 1985, p. 51), "que qualquer pessoa que se ocupa de ajudar a vida, na
educação da criança, não pode prescindir de considerar a criança como um ser vivo
e qual é o seu lugar na biologia; isto é, no campo total da vida".

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Para a autora, a criança estabelece uma relação muito particular com o
meio, diferente da relação estabelecida pelo adulto: Segundo Montessori (1985):

Os adultos admiram o ambiente, podem recordá-lo, mas a crianças


absorve-o em si. Não recorda as coisas que vê, mas essas coisas vão
paulatinamente fazendo parte de sua inteligência, ou seja, a criança
internaliza as coisas como elas são (MONTESSORI, 1985, p. 55).

Nesse sentido, Montessori acredita que a autoconstrução, quer dizer, a


formação da estrutura psíquica da criança, desenvolve-se a partir de uma força
interior, numa relação de influência recíproca entre o meio. Dito de outra forma, o
amadurecimento intelectual da criança dá-se na relação com o mundo, à medida
que sua maturação biológica evolui. Esse processo fica mais claro a partir dos
períodos de desenvolvimento da criança criados por Montessori.
Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade
Nesse período, a criança realiza sua própria construção por meio da
exploração e da absorção do meio ambiente que a circunda. Sua inteligência
funciona em função do mundo externo e das relações superficiais entre os objetos e
suas qualidades e significados: o que orienta a ação intelectual da criança nesse
período são suas necessidades imediatas - comer, dormir etc. Por conta disso, esse
período é concebido como sendo essencialmente sensorial (MONTESSORI, 1985).
Segundo período: dos seis aos doze anos de idade.
Nesse período, as ações da criança já não são mais comandadas por suas
necessidades imediatas; suas atitudes têm relação direta com o mundo concreto,
com aquilo que vê, ouve e sente. A criança já é capaz de relacionar e entender os
fatos que acontecem ao seu redor à luz da razão; reflete e questiona sobre o mundo.
Portanto, nessa fase, há uma busca incessante dos "como" e dos “porquês" das
coisas. É à entrada da criança no mundo das abstrações (MONTESSORI, 1985).
Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade.
Nesse período, o adolescente interessa-se de forma mais aberta pelas
causas e efeitos dos problemas que lhe são postos. Os fatos da vida começam a ser
vistos como consequências de determinada ação e/ou atitude; a capacidade de
abstração já está totalmente desenvolvida (MONTESSORI, 1985).
Em sua obra Educação como ciência, Montessori defende que a educação
pode ter uma pedagogia científica, desde que respeite as leis de desenvolvimento

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da criança em suas fases evolutivas. Em outra obra, Educação Cósmica, a autora
diz que a educação deve respeitar as leis que regem a relação entre natureza, vida
e sociedade humana. Segundo a autora, a tarefa cósmica de cada ser humano é
que mantém a harmonia da vida e torna possível a evolução do homem. Nesse
sentido, a natureza, o ritmo da vida é que deve reger a prática educativa.

Somente a natureza, que estabeleceu algumas leis e determinou algumas


necessidades no homem em via de desenvolvimento, pode ditar o método
educativo determinado pelo fim, que é o de satisfazer as necessidades e as
leis da vida. Tais leis e necessidades a criança mesma deve indicar, nas
suas manifestações espontâneas e no seu progresso: na manifestação da
sua paz e da sua felicidade; na intensidade dos seus esforços e na
constância das suas livres escolhas. (MONTESSORI, 1985, p. 67-68)

11.3.2 A Metodologia Montessoriana

Maria Montessori considerava as crianças um grupo social de grandes


dimensões. Para a autora, a criança é a verdadeira potência do mundo e somente
por meio dela é possível alimentar a esperança de construção de um mundo melhor.
Nesse sentido, cabe ao homem a tarefa de continuar, coletivamente, o trabalho da
criação, descobrindo a inteligência, as infinitas possibilidades que a natureza oferece
e, dessa forma, recriar e proteger o meio cultural.
Em função disso, Montessori buscou criar métodos que dessem condições e
permitissem às crianças a manifestação de suas ações e de sua inteligência, de
acordo com as necessidades internas. A autora defende que o objetivo da educação
deve ser buscar dentro da criança a força que impulsiona e sustenta seu processo
de autoformação e de construção. Á educação, então, cabe a tarefa de favorecer, no
seu sentido mais completo, o desenvolvimento do potencial criativo, da iniciativa, da
independência, da disciplina interna e da confiança em si mesmo (MONTESSORI,
1985).
Todos esses aspectos da educação montessoriana estabelecem uma
diferença fundamental entre essa pedagogia e a educação tradicional. O método
tradicional interfere diretamente no desenvolvimento da criança, buscando modelá-la
de acordo com o que está preestabelecido. O método de Montessori, ao contrário,

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parte do princípio de que a matéria-prima do desenvolvimento da criança está dentro
dela mesma e que, por isso mesmo, a escola somente precisa estimular na criança a
descoberta de suas potencialidades (MONTESSORI, 1985).
Dessa forma, o papel do educador é de extrema importância, cabendo a ele
estimular na criança o desenvolvimento de seus sentidos, por meio do contado
direto com objetos materiais e com o próprio mundo. Como diz Montessori (1985, p.
153), "os sentidos, sendo os exploradores do ambiente, abrem caminhos a
consciência. Os materiais para educação dos sentidos são dados como uma espécie
de chave para abrir uma porta à exploração das coisas e pormenores que, na
escuridão (no estado inculto), não se poderiam ver".
O educador deve, também, considerar o ritmo de cada criança, respeitar seu
desenvolvimento natural e buscar o caminho do respeito à diversidade e não
homogeneização. Por conta disso, na pedagogia montessoriana, o processo
educativo torna-se mais produtivo, quando se viabiliza as crianças a convivência e a
troca de conhecimentos com crianças de idades e ritmos de aprendizagem
diferentes. Esses ambientes estimulam a solidariedade, o companheirismo, o
crescimento mútuo, a ajuda ao próximo (MONTESSORI, 1985).
Para a autora, a educação deveria ser capaz de atender, na mesma classe,
crianças com idades e ritmos diferentes, transformando a escola num ambiente de
exercício do equilíbrio entre a liberdade individual e a necessidade do grupo. Assim,
Montessori pretendia construir uma educação, capaz de formar adultos
responsáveis, solidários, generosos, competentes, críticos e independentes.

11.3.3 A Filosofia Montessoriana

A filosofia de Montessori deve ser entendida como um começo, uma busca


constante de respostas à educação e à vida da criança. Nesse sentido, a base da
educação montessoriana são as experiências da própria criança e não as do mundo
adulto (MONTESSORI, 1985).
A partir de suas observações diretas sobre o mundo infantil, estabeleceu os
seguintes princípios:

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É agindo que a criança adquire conhecimentos. Por meio de uma ordenação
de atividades gradativamente crescentes, a aprendizagem pode ser desenvolvida
com maior possibilidade de sucesso. A autoconfirmação imediata dos resultados do
trabalho garante uma aprendizagem mais eficiente. Intervenções indevidas dos
adultos podem comprometer a aprendizagem. Cada criança tem um ritmo próprio
que deve ser rigorosamente respeitado. A observação direta pode facilitar a
aprendizagem de novas ações e atitudes a serem adquiridas. A aprendizagem de
muitas ações, hábitos e atitudes podem ocorrer mais cedo que o habitualmente
previsto.
Fornecer à criança a consciência do homem no planeta, na história, fazer
com que ela se sinta responsável pela vida na sua totalidade e introduzi-la no mundo
são objetivos centrais da pedagogia montessoriana. A criança precisa ter a
possibilidade de explorar, de descobrir, de entusiasmar-se com as descobertas e de
sentir um desejo incessante pela busca de coisas novas.
Montessori acreditava que, à medida que a educação oferecesse às
crianças um ambiente escolar que refletisse seu próprio mundo, respeitando seu
ritmo, suas possibilidades e suas limitações físicas e intelectuais, a aprendizagem
poderia tornar-se um ato prazeroso.
Para tanto, a escola precisaria garantir, também, relações interpessoais
(entre educadores e educandos) nas quais prevalecesse o respeito e a confiança
mútua, em que cada criança pudesse sentir-se peça fundamental no processo de
seu próprio desenvolvimento.
Na pedagogia montessoriana, a educação é uma extensão da natureza
humana. Portanto, nada mais natural que a educação aflore da criança, de suas
necessidades e de suas habilidades naturais. Nesse sentido, a escola deve tomar a
vida como o ponto de partida para a construção de seres humanos capazes de
reconstruir um mundo onde o homem, enquanto expressão viva da natureza seja
orientando no sentido de construir-se como criatura autônoma, solidária, criativa e
verdadeiramente humana.

11.4 JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA

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Não há dúvida de que os educadores são imagens que se reproduzem e
refletem-se nos novos homens e nas novas mulheres que ajudamos a formar; cada
ação, cada gesto, cada palavra, cada valor é uma peça fundamental que se soma na
construção histórica de um novo ser humano. Nesse sentido, o conhecimento das
bases psicológicas de desenvolvimento da aprendizagem pode contribuir para o
forjar de uma nova prática educativa; uma prática educativa que seja mais humana,
democrática e conduzida no sentido da emancipação do novo homem e da nova
mulher.
Somente é possível conduzir o processo educativo no sentido de uma
prática afetiva, crítica e libertadora à medida que assumimos o desafio de irmos
além do repasse mecânico de conhecimento e abraçamos o compromisso de
entender o processo educativo como um processo construído por homens e
mulheres, enquanto sujeitos históricos, produtores e produtos da sociedade. A
Epistemologia Genética de Jean Piaget pode ser o ponto de partida para a
compreensão do processo educativo enquanto construção humana. Nesse sentido,
busca-se explicitar a base teórica piagetiana que serve de fundamento para o
desenvolvimento de práticas alternativas de educação.

11.4.1 Vida e Obra de Jean Piaget

Jean Piaget, nasceu em 9 de agosto 1896, na Suíça, cidade de Neuchâtel,


filho de uma família abastada e culta. Aos sete anos de idade, Piaget já revelava sua
capacidade científica e, aos 10, publica um artigo sobre o Pardal Branco, na revista
da Sociedade dos Amigos da Natureza de Neuchâtel. Aos 11 anos, torna-se
assessor do Museu de História Natural Local de sua cidade natal.
Desde o ensino ginasial, Piaget mostrava-se interessado por Filosofia e
Psicologia, mas é em Biologia que ele se forma, em 1915. Em 1918, defende sua
tese de doutorado sobre moluscos e inicia, em Zurique, estudos sobre Psicologia,
especialmente Psicanálise. No ano seguinte, ingressa na Universidade de Paris,
onde é convidado a trabalhar com testes de inteligência infantil. Em 1921, passa a

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fazer pesquisas destinadas à formação de professores no Instituto Jean Jacques
Rousseau, em Genebra. Em 1923, lança seu primeiro livro, intitulado A linguagem
do pensamento da criança. Em 1925, começa a lecionar Psicologia, História da
Ciência e Sociologia, na cidade em Neuchâtel. Em 1929, passa a lecionar História
do Pensamento Científico, em Genebra, e assume o Gabinete Internacional de
Educação dedicado a estudos pedagógicos.
Na década de 30, escreve vários trabalhos sobre as fases do
desenvolvimento por meio de observações diretas de seus filhos. Na década de 40,
Piaget torna-se sucessor de Claperède e assume como professor-diretor, o
Laboratório de Psicologia. Em 1941, com a colaboração de alguns pesquisadores,
publica trabalhos sobre a formação de conceitos matemáticos e físicos. Em 1946,
participa da constituição da UNESCO, tornando-se membro do Conselho Executivo
e assumindo, diversas vezes, a subdireção geral do Departamento de Educação.
Nos anos 50, publica a Epistemologia Genética, sua primeira tese sobre teoria do
conhecimento. Em 1955, assume o lugar do filósofo Merleau-Ponty, lecionando na
Universidade de Sorbonne Paris. No mesmo ano, na cidade de Genebra, Piaget
funda o Centro Internacional de Epistemologia Genética, destinado a pesquisas
interdisciplinares sobre a formação da inteligência.
Em 1967, Piaget escreve Biologia e Conhecimento, considerada a principal
obra de sua maturidade. Em 16 de setembro de 1980, na cidade de Genebra, morre
Jean Piaget.

11.4.2 Epistemologia Genética

A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de


interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas. (PIAGET,
1967)

Para criar e demonstrar sua teoria de construção do conhecimento e, ainda,


para chegar ao equilíbrio na interação homem e meio ambiente, Piaget desenvolveu
uma análise crítica às teorias, empirista e inatista do conhecimento. Para os

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empiristas, a construção do conhecimento é o resultado positivo das experiências
concretas do homem com o mundo sensível, por meio da percepção. Nesse sentido,
o homem nasce com a capacidade mental extremamente reduzida e apenas o
contato direto com o exterior possibilita a assimilação e criação de conhecimentos.
Por outro lado, os inatistas ou pré-formistas acreditam que o homem já nasce com
sua estrutura cognitivo-biológica formada, ou seja, ela e inata ao ser humano, pois,
ao nascer, o homem traz consigo a estrutura cognitiva necessária a construção de
conhecimentos.
A crítica de Piaget aos empiristas, parte do pressuposto de que toda
experiência, apesar de ser externa, depende de uma base cognitiva interna, que faz
parte da estrutura biológica do homem e/ou que vai sendo construída no processo
de desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, embora a experiência sensível seja
extremamente importante ao desenvolvimento cognitivo, ela não pode ser tomada
como o único mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber. Opondo-
se também aos inatistas, Piaget afirma não ser possível que a estrutura cognitiva
esteja completamente formada desde o nascimento, visto que grande parte dessa
estrutura e construída e aprimorada a partir das experiências concretas. Ainda que
alguns aspectos da cognição existam desde o nascimento, eles somente poderão
desenvolver-se no contato direto com o mundo.

Piaget tem mostrado que, desde o princípio, a própria criança exerce


controle sobre a obtenção e organização de sua experiência do mundo
exterior. Acompanha com os olhos os objetos, seu olhar explora em torno,
volta a cabeça; com as mãos, agarra, solta, joga, empurra; explora com os
olhos e mãos alternadamente, cheira, leva a boca, prova etc. (GOULART,
1995, p. 16).

Para Piaget, grande parte do conhecimento construído pelo homem é


resultado do seu esforço em compreender e dar significado ao mundo. Nessa
tentativa de interação e compreensão do meio, o homem desenvolve alguns
equipamentos neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual. Para
explicar a construção do conhecimento, Piaget criou um modelo biológico de
interação do homem com o ambiente, que parte da seguinte lógica: o organismo do
homem é essencialmente seletivo, por organizar os alimentos que podem ser úteis;
esses alimentos vão sendo adaptados de acordo com as necessidades biológicas. Á
medida que o homem seleciona os alimentos e inicia a adaptação destes ao

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organismo, acontece à assimilação, ou seja, a estrutura biológica acomoda os
alimentos para a satisfação das necessidades do corpo.

O Construtivismo piagetiano é essencialmente biológico. A perspectiva


lógica de Piaget não é senão o correspondente de sua perspectiva
biológica, isto é, o desenvolvimento é visto como um processo de
adaptação, que tem como modelo a noção biológica do organismo em
interação constante com o meio (GOULART, 1995, p. 17).

Segundo Piaget, esse mesmo processo dá-se quando da organização,


assimilação e adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva. A organização
seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente de interação do
homem com meio ambiente, por meio da apreensão do que e útil e necessário a
adaptação do homem no mundo.
Na adaptação, a estrutura cognitiva altera-se para receber o novo
conhecimento. O ajuste feito pela cognição para receber novas informações é
denominado por Piaget de acomodação. O processo de organização, adaptação e
assimilação de um novo conhecimento depende de esquemas assimilativos, como a
repetição e a generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões e as
representações, ao serem repetidas diversas vezes em situações, diferentes,
tornam-se novas estruturas, novos conhecimentos. Dito de outra forma, ao se repetir
uma mesma ação em diferentes situações a assimilação dessa ação aumenta,
aumentando também a compreensão de que esta mesma ação pode ser
generalizada a outros momentos, ficando cada vez mais clara a sua identificação e
reconhecimento, em qualquer situação.
Pode-se, então, dizer que a repetição reforça os conhecimentos assimilados,
ou preexistentes, reforçando-os e tornando-os mais consistentes, o que facilita a
aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência. Em resumo, para Piaget, a
estrutura cognitiva vai construindo-se e aprimorando-se paulatinamente e
concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio da busca natural do
homem por adaptar-se ao meio ambiente.
As críticas feitas a Piaget vão ao sentido de uma omissão de sua parte, no
que diz respeito à condição histórica do homem e á biologização de sua teoria. Não
há duvida de que suas obras sobre o desenvolvimento da aprendizagem estão
coladas aos seus estudos sobre a estrutura biológica do homem. Entretanto, Piaget
concebe o homem como sujeito ativo dentro do processo de produção de

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conhecimento, fato que se evidencia à medida que o autor entende o conhecimento
e a aprendizagem como o resultado da interação homem-meio. Ora, ao se relacionar
o homem não se despoja de sua condição individual, de sua condição de sujeito
ativo, "na verdade, o homem produz a si próprio ao produzir a realidade na qual vive,
ao se relacionar com o meio e com os outros homens" (WACHOWICZ, citado por
MATUI, 1995, p. 62).
A despeito da ausência de uma obra que trate especificamente da condição
histórica do homem para Piaget, alguns conceitos-chave, desenvolvidos por ele,
apontam para essa temática e enfatizam a condição ativa do homem no processo de
produção de conhecimento. Por outro lado, ainda que o enfoque da obra de Piaget
seja biológico, é necessário considerar que o homem é "sujeito histórico na medida
em que traduz sua organização biológica pelas ações próprias da cultura na qual
vive, a qual e, por sua vez, produto do homem enquanto sujeito histórico" (MATUI,
1995, p 62).

11.4.3 Os Estágios de Desenvolvimento Cognitivo da Criança

Piaget não concebe uma epistemologia científica que não seja genética.
Barbel Inhelder

Observando seus filhos na interação com o meio, Piaget percebeu que as


crianças possuem uma forma particular de pensar e aprender. O erro e o acerto são
conceitos que estão no cerne do raciocínio infantil e foi a partir da relação
erro/acerto que Piaget desenvolveu sua teoria de estágios do desenvolvimento
cognitivo da criança.
Segundo Piaget, o processo de desenvolvimento possui quatro estágios
sucessivos, que indicam o grau de desenvolvimento da criança:
Estágio - Sensório-motor: de zero a dois anos, aproximadamente. No estágio
sensório-motor, a inteligência da criança é essencialmente prática e as ações de
reflexo predominam. A relação com o meio ambiente não se dá pelo raciocínio lógico
ou pela representação simbólica, mas pela ação e experimentação direta.

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Estágio - Pré-operatório: de dois a sete anos, nesse estágio pré-operatório,
predomina o egocentrismo, pois a criança não consegue colocar-se abstratamente
no lugar do outro. A leitura da realidade é parcial e incompleta, visto que a criança
prioriza aspectos que são mais relevantes aos seus olhos. Sua percepção abstrata
começa a ser aguçada à medida que aumenta sua capacidade de simular, imaginar
situações, figuras e pessoas semelhantes.
Estágio - Operações Concretas: de 7 a 12 anos, aproximadamente. O
estágio das operações concretas é o período em que a lógica começa a
desenvolver-se e a criança já consegue ao seu modo, organizar e sistematizar
situações e relacionar aspectos diferentes da realidade. Sua compreensão do
mundo não é mais tão prática, mas ainda depende do mundo concreto para realizar
abstrações.
Estágio - Operações formais e Pensamento Hipotético-dedutivo: Nesse
estágio, predomina a lógica formal, a criança já pode realizar abstrações sem
necessitar de representações concretas e pode, também, imaginar situações nunca
vistas ou vivenciadas por ela.
As questões acima tratadas podem ser consideradas como a base
epistemológica, ou a lógica, a partir da qual Piaget construiu sua teoria de
desenvolvimento da cognição e da aprendizagem. Teoria essa que culminou em
práticas alternativas de educação em que o aluno é, antes, um sujeito produtor de
conhecimento, e o educador, um facilitador do processo ensino-aprendizagem.
Embora tenhamos tratado, nesse primeiro momento, da base teórica que sustenta
as práticas educativas construtivistas/piagetianas, não podemos tomar a teoria
dissociada de sua dimensão prática, mas, sim, articular teoria e prática num
processo contínuo. Piaget não teorizou no vazio, ao contrário, buscou na vida
cotidiana a materialidade capaz de dar as suas obras um caráter de verdade
histórico. Nesse sentido, as implicações educativas da teoria piagetiana sobre o
desenvolvimento da criança serão discutidas no próximo texto. Serão trabalhados
também outros conceitos centrais da obra de Piaget, como, por exemplo: linguagem,
moral, autonomia, dentre outros.

11.4.4 A Interação Social na Teoria de Piaget

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21
Em uma de suas passagens, Piaget diz que o homem normal: Segundo
(Piaget, 1973, p. 424) “não é social da mesma maneira aos seis meses, ou aos vinte
anos de idade, e, por conseguinte, sua individualidade pode não ser da mesma
qualidade, nesses dois diferentes níveis". Nessa afirmação de Piaget, está explícita
a presença inevitável das relações sociais interferindo no desenvolvimento humano;
o termo homem social expressa a condição humana de ser que vive em sociedade e
que, portanto, influencia e é influenciado pelas relações sociais.
A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um
elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais: um adulto
não pode comportar-se como uma criança de cinco anos e isso ele aprendeu ao
longo de seu desenvolvimento na relação com os outros homens. Piaget pensa o
Ser Social como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus semelhantes, de
forma equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito interessante sobre
relação equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir entre pessoas que
estejam no mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE, 1992).
Expliquemos melhor: lembrem-se dos estágios de desenvolvimento da
criança; o equilíbrio a que Piaget se refere somente pode existir entre pessoas que
estejam no mesmo nível de desenvolvimento, ou seja:

A maneira de ser social de um adolescente e uma, porque é capaz de


participar de determinadas relações (...) e a maneira de ser social de uma
criança de cinco anos é outra, justamente porque ainda não é capaz de
participar de relações sociais que expressam e que demandam um
equilíbrio de trocas intelectuais (TAILLE, 1992, p. 14).

Portanto, dependendo do estágio em que a criança se encontre, poder-se-á


falar de um grau maior ou menor de socialização. Nesse caso, a compreensão dos
estágios de desenvolvimento é fundamental para a compreensão da socialização da
pessoa.
Para Piaget, no estágio sensório-motor não é possível falar “em real
socialização da inteligência" (TAILLE, 1992, p. 15), pois nesse período, a criança é
essencialmente individual. No estágio pré-operatório, quando o processo de

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aquisição da linguagem já está em franco desenvolvimento, já se pode falar de uma
inicial:
Socialização afetiva da inteligência, embora a ausência de algumas
características, como, por exemplo, significados comuns em relação a
conceitos e ideias, ainda limitam a possibilidade de a criança estabelecer
trocas intelectuais equilibradas (TAILLE, 1992, p. 15).

Resumidamente, para Piaget, a socialização possui vários graus. Começa


no grau zero, quando a criança é recém-nascida, até o grau máximo, representado
pelo conceito de personalidade. A personalidade significa, portanto, o momento de
autonomia do indivíduo, quando ele já superou o egocentrismo e consegue
estabelecer uma relação - trocas intelectuais - recíproca com os outros.
Para Piaget, as relações interindividuais pressupõem dois tipos de relações
sociais: a coação e a cooperação.
A coação social é toda relação entre dois indivíduos em que estão presentes
os elementos da autoridade e do prestígio. Nesse tipo de relação, não há diálogo.
Segundo Taille (1992, p. 19) "uma vez que um fala e outro se limita a ouvir e a
memorizar". O indivíduo coagido é levado a acreditar no que diz a outra pessoa,
que, por ter mais poder, tem também, autoridade e prestígio, sem que seja preciso
verificar a veracidade ou procedência dos fatos.
As relações de cooperação, por sua vez, representam o mais alto nível de
socialização e desenvolvimento mental, visto que pressupõem reciprocidade e
diálogo entre indivíduos autônomos. Aqui, a relação não se baseia em uma pessoa
que fala e outra que acredita, cegamente, no que é dito; aqui, o ato de acreditar não
está submetido à autoridade e ao prestígio de outrem, mas na capacidade de
discernimento de cada pessoa ou, ainda, como diz Taille (1992, p. 20), "agora não
há mais assimetria, imposição, repetição, crença (...) Há discussão, troca de pontos
de vista, controle mútuo dos argumentos e das provas".
Em sua obra “O julgamento moral da criança” (1930), Piaget estabelece que
a moral se desenvolve em um processo crescente que vai da dependência moral á
autonomia moral. O desenvolvimento da autonomia, por sua vez, é um processo
mediado pelos adultos, crianças e adolescentes, com os quais a criança se relaciona
cotidianamente. No desenvolvimento da autonomia, há dois mecanismos
fundamentais , a cooperação e a reciprocidade, que comportam dois tipos de
sanções: as sanções expiatórias, e as sanções de reciprocidade.

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Sanções expiatórias: essas sanções caracterizam-se por não apresentar
qualquer relação entre a falta cometida e a punição recebida, porque estão
baseadas, apenas, na autoridade dos adultos.
Sanções de reciprocidade: nessas sanções, há relação estreita entre o ato e
a punição, por isso, apresenta "elo de reciprocidade", de coerência.
Em geral, as regras são praticadas e internalizadas pela criança em três
momentos subsequentes: anomia, heteronomia e autonomia.
Anomia: nesse momento, a criança não segue regras, mas busca satisfazer
seus interesses. Aqui, não importa para a criança participar de atividades coletivas
regidas por regras estabelecidas em comum acordo.
Heteronomia: nessa fase, já começa a ser desenvolvido certo interesse por
atividades coletivas, com regras estabelecidas mutuamente.
Autonomia: na autonomia, a criança já consegue jogar e relacionar-se,
obedecendo a regras que são estabelecidas em comum acordo.
Esta claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma
construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é capaz
de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio
desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha e sim
como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do erro denuncia a
ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência da aprendizagem.
Visto que a socialização e a moral vão sendo consolidadas ao longo da
infância, o trabalho coletivo, em Piaget, tem o papel de mediador das relações e de
instigador da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O trabalho
coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança perceber-se
como parte de uma coletividade, superando seu egocentrismo.
No Construtivismo piagetiano o educador não é o detentor do saber, mas o
facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de
conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação professor-
aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação.
É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O
conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma teoria
deve servir como uma possibilidade, dentre tantas, de construção de educação
diferenciada.

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24
A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista como
um palco onde se experimenta, se inventa e se recria o ato de ensinar: nesse palco,
podem surgir outras teorias.
Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade
sociocultural dos alunos, para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar
mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em
determinado lugar não, necessariamente, pode responder às necessidades de outra
e diversa realidade.

11.5 LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO

Podemos dizer, sem o risco de equívocos, que a matéria do


socioconstrutivismo de Lev Vygotsky foi o tempo presente, os homens presentes, a
vida presente. Sua teoria sobre a aprendizagem e a produção do conhecimento
esteve, desde a origem, intimamente ligada ao fato de o homem ser social e
histórico ao mesmo tempo, de ser produto e produtor de sua história e de sua cultura
pela e na interação social.
Como o próprio nome diz, o Interacionismo pressupõe a aprendizagem como
produto das relações sociais, que os homens estabelecem em determinado
momento histórico. O Interacionismo tem o materialismo histórico dialético como
base epistemológica e, por conta disso, para compreender Vygotsky, é preciso,
antes, entender a centralidade de alguns conceitos que estão presentes em sua
teoria, quais sejam: a cultura, a linguagem e as relações sociais.

11.5.1 Vida e Obra de Lev Vygotsky

Lev Vygotsky foi cotidiano como todo homem, mas, como poucos,
suspendeu o cotidiano e colocou-se diante da vida questionando-a dia a dia.
Nascido em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, na Rússia, filho de uma

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família culta, Vygotsky teve desde muito cedo uma riqueza intelectual que o fazia
questionar-se sobre o homem e a criação de sua cultura. Passou a adolescência na
cidade de Gomel e mostrava-se, desde então, interessado por literatura, poesia e
filosofia. Estudou francês, hebraico, latim e grego. Foi educado em casa até os 15
anos, quando ingressou no curso secundário.
Em 1914, matriculou-se em Medicina na Universidade de Moscou e,
paralelamente, estudou Direito. Cursou, ainda, Filosofia, Psicologia, Literatura e
História na Universidade Popular de Shanyavsky. Em 1917, em plena Revolução
Russa, forma-se em Direito e volta para Gomel, onde começa a lecionar Literatura,
História da Arte e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola de
professores. Em 1924, apresenta-se casualmente no Congresso Panrusso de
Psiconeurologia, quando foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de
Moscou. É quando conhece e começa a trabalhar com Aleksander Luria e Aleksei
Leontiev, seus seguidores, colaboradores e amigos. Em 1925, embora estando
gravemente doente (tuberculose), inicia um período de intensas produções,
conferências e pesquisas direcionadas principalmente às crianças portadoras de
deficiências visuais e auditivas.
Sua paixão pela arte o mantinha muito próximo de intelectuais e artistas. Por
conta disso, em 1927, foi publicamente considerado, pelo cineasta Sergei
Eisenstein, como um dos psicólogos mais brilhantes da época, capaz de ver o
mundo com claridade celestial. Em 1929, concluiu sua tese “A psicologia da Arte”,
baseada em Hamlet, de Shakespeare. Em 1932, prefaciou o livro “A linguagem e o
pensamento da criança”, de Jean Piaget. Vygotsky morreu precocemente, aos 37
anos de idade, em 11 de junho de 1934. Mas, em sua curta vida, deixou uma grande
herança teórica que foi silenciada por quase meio século: em 1936, Josef Stalin
acusa Vygotsky de idealismo e proíbe suas obras por 20 anos.
As inquietações de Vygotsky sobre o desenvolvimento da aprendizagem e a
construção do conhecimento perpassavam pela produção da cultura, como resultado
das relações humanas. Por conta disso, ele procurou entender o desenvolvimento
intelectual a partir das ralações histórico-sociais, ou seja, buscou demonstrar que o
conhecimento é socialmente construído pelas e nas relações humanas.
Para Vygotsky (1991), o homem possui natureza social visto que nasce em
um ambiente carregado de valores culturais: na ausência do outro, o homem não se

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faz homem. Partindo desse pressuposto criou uma teoria de desenvolvimento da
inteligência, na qual afirma que o conhecimento é sempre intermediado.
Sendo a convivência social fundamental para transformar o homem de ser
biológico a ser humano social, e a aprendizagem que brota nas relações sociais
ajuda a construir os conhecimentos que darão suporte ao desenvolvimento mental.
Segundo o autor, a criança nasce apenas com funções psicológicas
elementares e, a partir do aprendizado da cultura, essas funções transformam-se em
funções psicológicas superiores. Entretanto, essa evolução não se dá de forma
imediata e direta; as informações recebidas do meio social são intermediadas, de
forma explícita ou não, pelas pessoas que interagem com as crianças. É essa
intermediação que dá às informações um caráter valorativo e significados sociais e
históricos.
As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são
construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo,
mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano
cria as formas de ação que o distinguem de outros animais (OLIVEIRA, 1992).
Vale dizer que essas informações não são interiorizadas com o mesmo teor
com que são recebidas, ou seja, elas sofrem uma reelaboração interna, uma
linguagem específica em cada pessoa. Em outras palavras, cada processo de
construção de conhecimentos e desenvolvimento mental possui características
individuais e particulares. Dito de outra forma, os significados socioculturais
historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual e, por
isso, ganham um sentido pessoal; "a palavra, a língua, a cultura relaciona-se com a
realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo" (LANE, 1997, p.
34)
11.5.2 Cultura e Linguagem

Não é possível falar sobre a perspectiva vygotskyana de desenvolvimento da


aprendizagem e de produção do conhecimento, sem fazer referência a centralidade
da cultura e da linguagem em sua teoria.

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Para Vygotsky, o homem constitui-se enquanto tal a partir da relação que
estabelece com o outro, enquanto ser social. Dessa forma, "a cultura torna-se parte
da natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da
espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem" (OLIVEIRA,
1992, p. 24), ou seja, o desenvolvimento intelectual do homem está intimamente
ligado às relações sociais, que têm como produto a cultura, o conhecimento.
Nesse processo de interação humana, que produz cultura e transforma o
homem em ser social, a linguagem é o sistema simbólico fundamental de mediação
entre os homens e desses com o mundo concreto. A linguagem possui, portanto,
dupla importância na construção do saber, pois, além de intermediar a relação entre
os homens (relação essa que produz conhecimento), "a linguagem simplifica e
generaliza a experiência, ordenando os fatos do mundo real em conceitos cujo
significado é compartilhado pelos homens que, enquanto coletividade, utilizam a
mesma língua" (OLIVEIRA, 1992, p. 27).

11.5.3 A Aprendizagem

Para Vygotsky, a aprendizagem é um processo contínuo e a educação é


caracterizada por saltos qualitativos de um nível de aprendizagem a outro. "A
aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem
ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas" (OLIVEIRA, 1992, p. 33).
Daí, a importância das relações sociais e da cultura, como produto dessas relações,
no desenvolvimento intelectual da criança. Para explicar o processo de
aprendizagem, Vygotsky desenvolveu os conceitos de Desenvolvimento Potencial e
Mediador, Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Proximal.
Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - A zona de
desenvolvimento potencial ou mediador e toda atividade e/ou conhecimento que a
criança ainda não domina, mas que se espera que ela seja capaz de saber e/ou
realizar, independentemente de sua etnia, religião ou cultura.
Zona de desenvolvimento real - A zona de desenvolvimento real é
caracterizada por tudo aquilo que a criança já é capaz de realizar sozinha. Nessa

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zona, está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as
atividades que realiza.
Zona de desenvolvimento proximal - A zona de desenvolvimento proximal é
a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é
capaz de desenvolver com o auxílio de alguém. Na zona de desenvolvimento
proximal, o aspecto fundamental e a realização de atividades com o auxílio de um
mediador. Por isso, segundo Vygotsky, essa é a zona cooperativa do conhecimento.
O mediador ajuda a criança a concretizar o desenvolvimento que está próximo, ou
seja, ajuda a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real.
Não há duvida de que a teoria de Vygotsky oferece uma nova racionalidade
a partir da qual é possível entender o desenvolvimento interno da aprendizagem e
da produção do conhecimento. A criança somente consegue fazer com o auxílio de
outra pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha amanhã recoloca a relação
erro/acerto numa outra perspectiva: a de que o ato de errar não deve ser um
indicador de incapacidades, mas um elemento fundamental para entender-se que
conhecimentos precisam ser reforçados e estimulados, no aluno.
Por outro lado, a importância da cultura, da linguagem e das relações sociais
na teoria de Vygotsky fornece a base para uma educação em que o homem seja
visto na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com outros; na sua
especificidade cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em processo de
construção e reconstrução permanente.
Ao longo de seus estudos, Vygotsky preocupou-se em demonstrar como os
processos mentais superiores desenvolvem-se no ser humano. Por processos
mentais superiores entende-se que:

O controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade


do indivíduo em relação às características do momento e do espaço
presentes; em outras palavras, todas as ações e pensamentos inteligentes
(não instintivos) que somente estão presentes nos homens (OLIVEIRA,
1993, p. 26).

Portanto, o que coloca o homem a frente dos outros animais e a


intencionalidade é a liberdade de escolha em suas ações. O conceito de mediação
está no cerne de todas as ações intencionais e voluntárias do ser humano. Isso
significa que o contato do homem com os outros homens e com o meio em que vive

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é sempre mediado por alguma experiência e/ou conhecimento, anteriormente
assimilado.
Já dissemos em outros momentos que todo conhecimento é limitado e
relativo, nenhuma teoria pode ser tomada como verdade única e absoluta. Toda
verdade é histórica, passageira, e como tal precisa ser utilizada: precisamos
procurar sempre o equilíbrio entre o ceticismo retrógrado e a fé cega, que fecha
qualquer possibilidade para o novo.
Não podemos duvidar do caráter revolucionário da teoria vygotskyana, mas
sempre como um dos instrumentos que pode auxiliar na busca incessante por uma
educação que recupera e reforça, no homem, o que ele tem de melhor: sua
criatividade, sua autonomia, sua condição histórica de sujeito e não de objeto a ser
modelado.
Há ainda que atentar para o fato de que toda educação é direcionada para
uma realidade específica, e é a partir das peculiaridades, culturais e sociais, de cada
realidade que as teorias do conhecimento e da aprendizagem devem ser pensadas
no âmbito da prática escolar. É um erro pensar a educação descolada da vida
cotidiana e imediata dos indivíduos, de seus limites e de suas possibilidades.
Uma educação, de fato, transformadora caminha no sentido de promover o
respeito pela diferença, de estimular a riqueza da diversidade; o contrário disso é
homogeneizar, e não permitir que um rico mosaico cultural seja pincelado por cada
homem e por cada mulher: diferentes nas suas particularidades, mas únicos
enquanto humanidade.

FIM

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