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Eduardo Meditsch

Janaíne Kronbauer
Juliana Freire Bezerra
(organizadores)

Pedagogia
do Jornalismo:
desafios,
experiências
e inovações
C onhecer e enfrentar os desafios, valorizar as
experiências e propor as inovações que se-
jam capazes de superá-los, para seguir em frente
em tempos de resistência e resiliência. Desafios,
Experiências e Inovações compõem as três se-
ções deste livro. Os 21 textos reunidos resultam
de trabalhos realizados na disciplina Pedagogia
do Jornalismo, ministrada no Programa de Pós-
graduação em Jornalismo da UFSC, de palestras
apresentadas no I Simpósio Catarinense de Peda-
gogia do Jornalismo e ainda de comunicações so-
bre o ensino levadas ao 17o Encontro Nacional de
Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor).
Pedagogia
do Jornalismo:
desafios,
experiências
e inovações
Eduardo Meditsch
Janaíne Kronbauer
Juliana Freire Bezerra
(organizadores)

Pedagogia
do Jornalismo:
desafios,
experiências
e inovações

A produção das pesquisas incluídas neste livro foi apoiada


por Bolsa de Produtividade do CNPq e bolsas de Doutorado
e Mestrado da Capes. A editoração dessa versão eletrônica
para distribuição gratuita foi financiada com verba
do Projeto 311040/2017 do CNPq.

Florianópolis
2020
Copyright © Eduardo Meditsch, Janaíne Kronbauer e Juliana Freire Bezerra
(organizadores), 2020

EDIÇÃO
Nelson Rolim de Moura

CONSELHO EDITORIAL
Dilvo Ristoff, Eduardo Meditsch, Jali Meirinho, Jéferson Silveira Dantas,
Nilson Cesar Fraga, Pablo Ornelas Rosa e Waldir José Rampinelli

REVISÃO E PLANEJAMENTO GRÁFICO


Estúdio Insular

CAPA
Lauriano Benazzi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
M491p Meditsch, Eduardo (org.).
Pedagogia do jornalismo: Desafios, experiências e inovações / Organizadores:
Eduardo Meditsch, Janaíne Kronbauer e Juliana Freire Bezerra. -- 1. ed. --
Florianópolis, SC : Editora Insular, 2020.
376 p.; gráfs.; tabs.; quadros; fotografias.
E-Book: 2,1 Mb; MOBI.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-88401-13-2
1. Desafios. 2. Experiências. 3. Inovações. 4. Jornalismo. Pedagogia do Jornalismo.
I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.
CDD 070.4:371.3
20-30246022 CDU 070:37.013

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Jornalismo; Didática - Métodos de ensino instrução e estudo – Pedagogia.
2. Jornalismo (imprensa).

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MEDITSCH, Eduardo; KRONBAUER, Janaíne; BEZERRA, Juliana Freire (org.). Pedagogia do jor-
nalismo: Desafios, experiências e inovações. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora Insular, 2020. EBook
(MOBI; 2,1 Mb). ISBN 978-65-88401-13-2.

Rua Antônio Carlos Ferreira, 537


Agronômica – Florianópolis – SC
CEP 88025-211
N (48) 3232-9591 / 3334-2729
E editora@insular.com.br
www.insular.com.br
Para
Alvaro Larangeira
Demétrio Soster
Ilka Goldschmidt
Silvio Melatti
Wilson Bueno
e tantos outros e outras.
Porque sem professores não há pedagogia.
SUMÁRIO

9 | PREFÁCIO
Marcelo Bronosky

11 | APRESENTAÇÃO
Eduardo Meditsch
Janaíne Kronbauer
Juliana Freire Bezerra

19 | PARTE 1 | Desafios
20 | Pedagogia do Jornalismo: para quê?
Edwin dos Santos Carvalho
37 | Lacunas na formação de professores de Jornalismo
Janaíne Kronbauer
53 | A Pedagogia de Paulo Freire e os saberes do Jornalismo
Fernanda Peres
70 | Jornalismo Popular e a práxis para a cidadania
Juliana Freire Bezerra
86 | Desafios para uma formação atenta à ética no ciberespaço
Sílvia Meirelles Leite
103 | Fotojornalismo no Brasil no início do século 21
Lauriano Benazzi
119 | Gênero e esporte na pesquisa de graduação em Jornalismo
Letícia de Castro

135 | PARTE 2 | Experiências


136 | Pedagogia hacker para o ensino teórico do Jornalismo
Isabel Colucci Coelho
148 | Disciplinas laboratoriais: aprendizado que passa pelo corpo
Cristiane Fontinha Miranda
Melina de la Barrera Ayres
160 | Ensino crítico de empreendedorismo
Pedro Aguiar
Victor Gabry
176 | Adaptações do ensino frente às DCNs em Sergipe
Flavio Santana
190 | Percepções de egressos da PUCRS sobre o futuro do Jornalismo
Alícia da Silva Cabral Porto
Mágda Rodrigues da Cunha
211 | Jornalismo Científico no ensino e na extensão da UFSC
Luiza Mylena Costa Silva
Rita de Cássia Romeiro Paulino
Eduardo Meditsch
230 | A pós-graduação em Jornalismo especializado em ciência
Leoní Serpa

246 | PARTE 3 | Inovações


247 | Jornalismo de Dados na América Latina – o perfil do ensino
Mariane Pires Ventura
Rita de Cássia Romeiro Paulino
262 | Gestão, produção e alcance do Jornalismo Digital
Antonia Alves Pereira
Sonia Virginia Moreira
280 | Jornalismo em Convergência no ensino brasileiro
Gabriel Lopes Witiuk
298 | Reflexões sobre podcasts e o ensino de Jornalismo
Luis David Falcão Padilha
308 | A inovação no telejornal laboratório Conexão UFSC
Paulo José Mueller
326 | Práxis de ao vivo e neurociência no telejornalismo
Thiago Malkowski
345 | Conhecimento e experimentações acessíveis no TJ UFSC
Letícia Paola Beilfuss
Cárlida Emerim

359 | AUTORAS E AUTORES


PREFÁCIO

Prof. Dr. Marcelo Engel Bronosky


Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Jornalismo

A s páginas que seguem seriam por si só relevantes ao aprofundamen-


to das questões relativas ao jornalismo e ao ensino do jornalismo no
Brasil: projetos pedagógicos, ações extensionistas, iniciação à pesquisa, do-
cência, aprendizagem, entre outros aspectos. Entretanto, no atual contexto,
a obra agrega outro destaque. Chamo a atenção aos ataques à democracia e
às instituições, materializados no aumento das agressões às e aos jornalistas.
Nesta medida, torna-se um problema que atravessa o cotidiano da prática,
alcançando o espaço pedagógico. Portanto, avançar no entendimento da pe-
dagogia do jornalismo revela-se, nestes termos, espaço de resistência e de
defesa ao estado democrático de direito e ao jornalismo de qualidade, pois
é por meio da escola que o estudante toma contato com os fundamentos da
atividade – teoria, ética, técnica –, conforma o ethos jornalístico; tem a opor-
tunidade de compreender o que singulariza a profissão e o jornalismo, para
então, colocá-lo a serviço da sociedade, de forma plural e humanizada.
Em forma de coletânea, a obra Pedagogia do Jornalismo: desafios, expe-
riências e inovações organizada por Eduardo Meditsch, Janaíne Kronbauer
e Juliana Freire Bezerra, reúne contribuições de pesquisadores e pesquisa-
doras sobre a história do ensino do jornalismo, a formação docente para
o jornalismo e as implicações das Diretrizes Curriculares específicas no
ensino, relacionadas ao pensamento freiriano e, portanto, a uma formação
emancipatória e humanizadora.
Fica claro ao longo do livro a noção de que o jornalismo e o ensino do
jornalismo são fundamentais para a sociedade, especialmente nesta con-
juntura de precarização das condições de trabalho, e que a reflexão críti-
ca precisa ser incorporada à cultura formativa nos cursos de jornalismo.
Sem ensino de qualidade e sem jornalismo comprometido com os proble-
mas sociais, o jornalista torna-se instrumento de alienação. Nesta direção,

9
apresenta a ética jornalística como condição na conformação do fazer e do
pensar jornalístico.
As reflexões sobre o ensino do jornalismo presentes na obra destacam,
ainda, a necessidade de integrar efetivamente o fotojornalismo na estru-
tura curricular, articulando suas potencialidades técnicas e estéticas como
instrumento de aproximação às múltiplas realidades sociais. Nesta mes-
ma direção, o debate sobre a questão de gênero também recebe atenção,
reforçando a importância de conteúdos que ampliem a compreensão e o
respeito às minorias.
A riqueza deste livro avança ainda mais por oportunizar espaço para
relatos de experiências de ensino aprendizagem. Gênero pouco explorado
em coletâneas científicas da área de comunicação, por exemplo. No caso
deste material, temos a grata satisfação de nos deparar com relatos cons-
truídos de forma crítica e reflexiva, oportunizando espaço de trocas, de
contato com práticas pedagógicas ricas e desafiadoras.
Somam-se a este movimento, análises voltadas à compreensão dos efeitos
das Diretrizes Curriculares Nacionais na organização dos cursos de jornalismo
após 2013, e, nesta medida, na formação profissional, tensionadas pelas novas
tecnologias e a pela reconfiguração da produção, circulação e consumo jorna-
lísticos. Contributos substantivos à avaliação e revisão das Diretrizes.
Por fim, o livro explora articulações entre ensino, pesquisa, extensão
a partir de reflexões sobre iniciativas no âmbito de projetos extensionistas
desenvolvidos por cursos de jornalismo, assim como pensa a pós-gradua-
ção na interface com a graduação.
Este conjunto de reflexões alcança não apenas docentes e especialistas
no ensino do jornalismo, mas também contribui para repensar o lugar do
jornalismo no atual momento.
Boa leitura

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APRESENTAÇÃO

Do ensino da referência
ao aprendizado da resiliência
Eduardo Meditsch
Janaíne Kronbauer
Juliana Freire Bezerra

V ivíamos ainda o “velho normal”, pré-pandemia de coronavírus, quan-


do este livro foi concebido, na segunda edição da disciplina Pedagogia
do Jornalismo, realizada no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da
UFSC, em 2019. Mas a normalidade de então se referia apenas ao fato de po-
dermos ter encontros presenciais em sala de aula e nos eventos acadêmicos. A
Universidade Pública estava sob bombardeio de uma guerra cultural insana
travada pela extrema direita, que assumira o Governo Federal e se apossara do
Ministério de Educação do Brasil, disposta a inviabilizá-la pelos cortes de ver-
bas e pela difamação de conteúdos fraudulentos, as tão propaladas fake news
plantadas em redes sociais. Para o então ministro responsável pela área, tudo
o que as instituições produziam era “balbúrdia”. E, por isso, as universidades
deveriam ser combatidas, como também a ciência, a imprensa, os direitos hu-
manos, o cuidado com a natureza, a democracia e a tolerância política.
Neste contexto, 2019 foi um ano de resistência. Organizaram-se mar-
chas em defesa da Educação por todo o Brasil, que mobilizaram milhares
de pessoas. Os estudantes da UFSC decidiram paralisar a Universidade em
protesto pelo que ocorria. A disciplina da pós-graduação foi também um es-
paço de reflexão sobre esses acontecimentos e sobre o papel da Educação na
sociedade, debatendo grandes pensadores brasileiros como Anísio Teixeira,
Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Na retomada das aulas, após a paralisação, a
disciplina promoveu o I Simpósio Catarinense de Pedagogia de Jornalismo,
que contou com palestrantes de várias universidades públicas e privadas do
estado. Algumas dessas palestras se transformaram em capítulos deste livro.
Outras contribuições vieram de autores que apresentaram trabalhos sobre o
tema no 17o Encontro Nacional de Pesquisadores de Jornalismo, realizado
em Goiânia, no mês de novembro. Estes textos convidados se somaram aos
dos docentes, doutorandos e mestrandos da UFSC para compor o livro.

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Daí veio a pandemia que, em seus primeiros seis meses, até o momento
em que se fecha a edição desta obra, já havia se tornado a principal causa
mortis do Brasil em 2020, com mais de 135 mil vítimas fatais e um número
incalculável de pessoas que carregarão sequelas pela vida. Milhões de projetos
pessoais e coletivos são afetados também pelas consequências econômicas do
negacionismo e da indiferença que regeram as políticas públicas do Governo
Federal em relação à expansão da doença. As universidades privadas estão
entre os setores mais afetados e promoveram milhares de demissões de pro-
fessores por todo o país, entre os quais dezenas de docentes de Comunicação
e Jornalismo. Em honra a estas e estes profissionais, dos quais nomeamos
apenas alguns, na dedicatória, entre os que têm se destacado no ensino do
jornalismo de referência e na pesquisa de excelência, torcemos para que a
universidade brasileira aprenda, com a maioria excluída de nossa população,
as lições de resiliência que esta tem nos dado ao longo da História.
Conhecer e enfrentar os desafios, valorizar as experiências e propor as
inovações que sejam capazes de superá-los, para seguir em frente. Desafios,
Experiências e Inovações compõem as três seções deste livro, e embora não
esgotem nenhum dos três temas, trazem contribuições ao debate dos mesmos.

Desafios

A pergunta Pedagogia do Jornalismo, para quê? abre o primeiro texto


desta seção. Edwin dos Santos Carvalho faz um panorama histórico do ensi-
no do jornalismo nos Estados Unidos, na Europa, de seu início no Brasil, e do
papel da Unesco na sua disseminação no até então chamado “terceiro mun-
do” – conceito hoje atualizado para “países em desenvolvimento”. O autor de-
tecta diferentes concepções de Pedagogia do Jornalismo, relata sua evolução
recente no país e ressalta a responsabilidade da universidade, concluindo que
estudar os modos como o jornalismo é ensinado pode ajudar a compreender
a forma como ele se configura dentro e fora do ambiente acadêmico.
A seguir, Lacunas na Formação de Professores de Jornalismo aponta o
desafio da falta de preparação para a docência na pós-graduação da área.
Na contramão do que sugere a Lei de Diretrizes e Bases, que atribui à pós-
graduação a tarefa da formação de professores universitários, apenas três
dos 56 programas brasileiros de Pós stricto sensu em Comunicação ofere-
cem disciplinas com essa temática. A autora Janaíne Kronbauer demonstra

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que o foco da Pós-Graduação em Comunicação é a formação de pesqui-
sadores, e não de professores, daí a sua indiferença em relação às teorias e
debates pedagógicos. Como consequência, a grande maioria de professores
da área, ouvidos em um survey desenvolvido especialmente para este estu-
do, confessou o seu despreparo quando teve que enfrentar pela primeira
vez uma sala de aula.
Em A Pedagogia de Paulo Freire e os saberes do Jornalismo, Fernanda
Peres busca na obra do educador, voltada à Educação, referências aplicáveis à
formação e ao exercício da prática jornalística. Confrontando os “saberes ne-
cessários à prática educativa” do Patrono da Educação Brasileira com as com-
petências perseguidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o egresso
do Curso de Jornalismo, e dialogando com outros pesquisadores que fizeram
esta ponte, a autora acredita vislumbrar “uma saída possível para a crise de
método, credibilidade e autoestima pela qual passa o Jornalismo”.
No capítulo Jornalismo popular e a práxis para a cidadania, Juliana
Freire Bezerra relata sua busca sobre a presença desta perspectiva em tra-
balhos acadêmicos acerca do ensino de jornalismo. Constata que a Co-
municação Popular esteve muito mais presente nos currículos nos Anos
1980 do que agora, embora as Diretrizes Curriculares atuais enfatizem a
necessidade do conhecimento da realidade social brasileira e incentivem
a perspectiva da práxis. Aponta casos que localizou na literatura, em que
o jornalismo popular é praticado principalmente em jornais-laboratório
e em projetos de extensão, discutindo suas realizações e limitações. Con-
clui que, embora haja pouca sistematização dessas práticas pedagógicas,
eles refletem o desafio da busca dos cursos “por fomentarem a formação
crítica, reflexiva e humanística, promotora de uma práxis jornalística me-
nos elitista e mais coerente com as demandas públicas de grande parte da
população brasileira”.
Em Desafios para uma formação atenta à ética no ciberespaço, Sílvia
Meirelles Leite aponta como a digitalização da informação trouxe novos
dilemas para o exercício do jornalismo, com a velocidade no processamen-
to de dados, a possibilidade de compartilhar e alterar conteúdos e a facili-
dade de publicar e comentar informações independentemente da posição
geográfica. Muitas dessas transformações remetem a novos cenários de
atuação do jornalismo e à necessidade de escolhas que não estavam previs-
tas em uma estrutura analógica. A partir da análise de uma série de casos
recentes, são apresentadas estratégias pedagógicas relacionadas ao tema,

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indicando possíveis caminhos para responder às novas demandas deonto-
lógicas da profissão.
Em seu capítulo Fotojornalismo no Brasil no início do século 21, Lau-
riano Benazzi aponta como esta área profissional foi esquecida tanto pelas
atuais Diretrizes Curriculares Nacionais quanto, historicamente, pelos cur-
rículos mínimos e também pela legislação profissional implantados duran-
te a ditadura. O autor argumenta que esta negligência com o fotojornalismo
fecha perspectivas aos alunos e prejudica a área profissional. No contexto
de uma sociedade que valoriza cada vez mais a comunicação por imagens,
e numa profissão que se expressa por múltiplas mídias, um curso de jorna-
lismo que não forma fotojornalistas aparece como um contrassenso.
Fechando a seção de Desafios, o capítulo Gênero e esporte na pesquisa
de graduação em Jornalismo discute outras duas ausências constatadas nas
Diretrizes Curriculares em vigor: a questão de gênero e o jornalismo espe-
cializado em esportes. Letícia de Castro constata que o Jornalismo Esporti-
vo segue sendo uma atividade predominantemente masculina enquanto a
categoria profissional é formada por uma maioria de mulheres. O capítulo
aponta esta questão como um desafio para os projetos pedagógicos, mas
vê como uma perspectiva positiva o fato de já haver estudos de alunos de
graduação tratando disto.

Experiências

A iniciativa de uma Pedagogia hacker para o ensino teórico do Jorna-


lismo é a experiência trazida por Isabel Colucci Coelho no texto que abre
essa seção. Esta estratégia pedagógica é inspirada por um lado em Paulo
Freire, por outro na ética dos hackers que usam seus conhecimentos téc-
nicos na afirmação de valores que consideram essenciais para a rede. No
ensino teórico, se embasa em sensibilização, ativação do repertório dos alu-
nos, socialização dos seus erros e proximidade com os estudantes. A autora
apresenta as técnicas didáticas que utilizou em quatro disciplinas a partir
desses princípios e discute seus resultados.
O texto Disciplinas laboratoriais: aprendizado que passa pelo corpo
também traz experiências de professoras da UFSC. Cristiane Fontinha
Miranda e Melina de la Barrera Ayres propõem que nestas disciplinas é
necessário que toda a informação e discussão teóricas se transformem

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em conhecimento e ação. E relatam suas vivências em disciplinas labo-
ratoriais da UFSC para ensinar os alunos a ver, ouvir, sentir, colocar as
mãos na massa, enfrentar a realidade, desenvolver autonomia, habilida-
des e competências jornalísticas.
O capítulo de Pedro Aguiar e Victor Gabry, Ensino crítico de empreen-
dedorismo, conta a experiência desenvolvida em disciplina optativa sobre
novos modelos de negócio no Jornalismo, ministrada na Universidade Fe-
deral Fluminense. Os autores relatam como a matéria foi desenvolvida, com
a noção de empreendedorismo contextualizada histórica e criticamente e
orientada pela ética profissional e os valores da profissão, para culminar
com a formulação de projetos de start-ups pelos alunos; trazem também a
avaliação dos professores e dos estudantes sobre a experiência.
Em Adaptações do ensino frente às DCNs em Sergipe, Flávio Santana
analisa a construção dos projetos pedagógicos de duas instituições sergi-
panas, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais: a Universidade Ti-
radentes, pioneira da área no estado, e a Universidade Federal de Sergipe.
Comparando vários aspectos das duas experiências, o autor observa dife-
renças importantes, o que o leva a levantar a hipótese de que também são
diferentes os perfis dos alunos das duas instituições.
Do Sul do país vem o capítulo Percepções de egressos da PUCRS sobre
o futuro do Jornalismo. Alícia da Silva Cabral Porto e Mágda Rodrigues da
Cunha realizaram a pesquisa com formandos do Curso da PUC-RS em Porto
Alegre. Nesta rara pesquisa sobre a recepção do processo de ensino-aprendi-
zagem, que utilizou questionários e entrevistas em profundidade, concluíram
que as etapas e espaços do curso dedicados às práticas profissionais foram
mais valorizados pelos concluintes do curso, que demonstraram dificuldade
de compreender a importância dos conteúdos teóricos estudados.
No capítulo Jornalismo Científico no ensino e na extensão da UFSC,
Luiza Mylena Costa Silva, Rita de Cássia Romeiro Paulino e Eduardo
Meditsch identificam como o jornalismo especializado em ciência perpas-
sa a formação dos estudantes da instituição, embora o currículo da federal
catarinense só tenha uma disciplina optativa especializada no tema, nem
sempre oferecida. A experiência com o Jornalismo Científico na UFSC não
é sistemática nem coordenada, mas aparece em uma dezena de disciplinas
ao longo do curso e também em projetos de extensão ali desenvolvidos,
tirando proveito de estarem inseridas em um contexto universitário de
pesquisa acadêmico-científica.

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O Jornalismo Científico no Brasil e em Portugal é o tema do capítulo
final desta seção, A pós-graduação em Jornalismo especializado em ciência.
A autora, Leoní Serpa, descreve e compara experiências dos dois países
neste nível de ensino, observando variações que dizem tanto da manei-
ra como este jornalismo especializado se desenvolveu em cada situação,
quanto da estrutura da pós nos respectivos sistemas de ensino superior.

Inovações

A seção de inovações é aberta pelo texto Jornalismo de Dados na Amé-


rica Latina − o perfil do ensino. Neste estudo, Mariane Pires Ventura e Rita
de Cássia Romeiro Paulino remontam às origens desta forma cada vez mais
valorizada de apuração jornalística e apontam a anedótica resistência dos
jornalistas a trabalhar com números. Por fim, analisam as matrizes curri-
culares de 36 instituições de doze países latino-americanos para investigar
como o Jornalismo de Dados está sendo tratado nelas. Concluem que a
oferta desse conteúdo nas IES da América Latina está crescendo, corrobo-
rando com o cenário descrito nos outros países.
No capítulo Gestão, produção e alcance do Jornalismo Digital, o es-
tudo foca três instituições públicas da região centro-oeste brasileira.
Por meio de um estudo comparado dos projetos pedagógicos, das re-
comendações das Diretrizes Curriculares e de um quadro conceitual
freireano sobre as exigências do ensinar, Antônia Alves Pereira e Sônia
Virgínia Moreira observam vários indicadores e concluem que os cur-
sos das três instituições estão superando uma visão puramente tecnicis-
ta do fazer jornalístico ao usar a tecnologia para compreender a cultura
digital comum aos jornalistas e seu público. Além disso, identificam
que as DCNs estão sendo atendidas no que propõem de articulação en-
tre teoria e prática operando para apresentar ao mercado um profissio-
nal generalista, humanista, crítico e reflexivo.
No texto Jornalismo em convergência no ensino brasileiro, Gabriel
Lopes Witiuk analisa como a questão da convergência está sendo en-
frentada nos cursos de jornalismo de dez instituições públicas e pri-
vadas das cinco regiões brasileiras. A partir da análise de seus projetos
pedagógicos, identifica disciplinas que fazem relação direta ou indi-
reta com o fenômeno, verifica os autores de referência sobre o tema

16
e compara suas estratégias. Conclui que os cursos incluídos na análise
estão preocupados em preparar os alunos para atuarem profissional-
mente no contexto da convergência, mas adverte que ainda não avança-
ram o suficiente nesta questão.
O capítulo Reflexões sobre podcasts e o ensino de Jornalismo discute
como a transição dos meios analógicos para os digitais ainda pode ser
problemática no jornalismo e em seu ensino. Luiz David Falcão Padilha
apresenta o contexto multimídia e descreve as características do podcast
como meio nativo digital que requer competências polivalentes do jorna-
lista. Conclui que o mercado exige atenção das escolas às novas formas de
expressão do jornalismo.
A inovação no telejornal laboratório Conexão UFSC é o primeiro dos
três textos finais desta seção, todos tratando de inovações desenvolvidas
no ensino de telejornalismo na UFSC. Paulo José Mueller parte do debate
sobre o conceito de inovação para observar como ela se realiza no tele-
jornalismo na transposição da TV analógica para o meio digital. Analisa
a experiência do telejornal Conexão UFSC mostrando como este produto
digital se enquadra neste contexto. Conclui que a inovação segue sendo um
desafio permanente para o ensino de jornalismo.
Em Práxis de ao vivo e neurociência no telejornalismo, Thiago Malko-
wski traz resultados preliminares de sua pesquisa de doutorado sobre o
uso intensivo do ao vivo para desenvolver capacidades cognitivas dos estu-
dantes de jornalismo. A partir do acompanhamento da produção de outro
telejornal laboratório, o TJ UFSC, o autor esboça um modelo de ensino
laboratorial para o telejornalismo, e prevê o seu aprofundamento e sofisti-
cação a partir de aportes interdisciplinares da área de ciências fisiológicas
da instituição.
O texto que fecha esta seção de Inovações é Conhecimento e experi-
mentações acessíveis no TJ UFSC. No capítulo é relatada uma experiência de
acessibilidade no telejornal laboratório diário da UFSC. Letícia Bielfuss e
Cárlida Emerim partem de uma exposição sobre o problema da acessibili-
dade na mídia que atinge parcelas da população com diversos tipos de defi-
ciência, e da função que podem desempenhar os laboratórios e projetos de
extensão em jornalismo no desenvolvimento de soluções para enfrentá-lo.
O capítulo relata a experiência do TJ UFSC Libras neste sentido e conclui
colocando a questão da acessibilidade em referência ao direito à informação
e ao jornalismo como conhecimento.

17
Seguindo em frente

Quando se publica este livro, vive-se no Brasil um contexto bastante


diferente do de uma década atrás, quando foram elaboradas e aprovadas as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Jorna-
lismo. Em 2009, vivia-se um momento de relativa prosperidade econômi-
ca, inclusão social e estabilidade democrática. Juntos, estes indicadores de-
lineavam uma conjuntura marcada pelo otimismo, e as DCNs expressaram
os avanços possibilitados pelo momento.
Num balanço dos textos reunidos nas três seções do livro, observa-se
que a Pedagogia do Jornalismo ainda tem muito que avançar, mas conta
com experiências significativas de onde partir e de uma perspectiva inédita
para inovar. Se os indicadores do contexto são radicalmente outros, tam-
bém é possível constatar como eles mudam, no Brasil, em ciclos históricos
relativamente rápidos, apesar de nossos profundos problemas estruturais.
Todos os poderes se acreditam eternos, mas a História mostra que to-
dos tem um fim. Não será diferente com os atuais. O Jornalismo e a Uni-
versidade, por mais que sejam atingidos pela conjuntura adversa, seguirão
vivos quando ela tiver passado. E serão fundamentais para esta superação.
Daí a necessidade da resistência ativa para garantir o que já foi conquista-
do, e do aprendizado da resiliência individual e coletiva para reconstruir
adiante os sonhos que tem agora seus caminhos interrompidos.
Como ensinou Paulo Freire, é preciso denunciar o atraso, mas tam-
bém anunciar o novo, para manter viva a esperança de que necessitamos
para construir nosso vir a ser. Torcemos para que esta obra possa inspirar
a criatividade neste sentido.

18
Parte 1
Desafios
PEDAGOGIA DO JORNALISMO: PARA QUÊ?

Edwin dos Santos Carvalho

Nos anos 1990, o educador José Carlos Libâneo lançou uma provo-
cação, transformada em livro: afinal, para que servem a pedagogia e os
pedagogos? Passadas mais de duas décadas, o questionamento continua
atual. Defensor da pedagogia como “ciência da educação”, ele argumen-
ta que a pedagogia é um campo de conhecimentos bastante amplo, que
ocupa-se não apenas “dos processos educativos, métodos, maneira de
ensinar”, mas da “problemática educativa em sua totalidade e historici-
dade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa”
(LIBÂNEO, 2002, p. 29).
Professores que lecionam nos cursos de Jornalismo geralmente come-
çam a dar aulas sem noções básicas de pedagogia. Em nível de graduação,
o curso prepara para o exercício profissional do jornalismo e não para a
formação de professores. Na pós-graduação, a ênfase é na pesquisa e não
no ensino, mesmo os pós-graduados enveredando naturalmente para o ca-
minho da docência. Sem bagagem teórica na área do ensino, a maioria dos
professores dos cursos brasileiros de Jornalismo aprende a dar aula na prá-
tica. Conforme aponta Meditsch (2018):

Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabe-


leça que a formação de professores universitários deva acontecer nos
cursos de pós-graduação, em nossa Área, como em muitas outras,
prevalece a prática de voltar a formação neste nível apenas para ca-
pacitar pesquisadores. Porém, como o mercado para estes pesquisa-
dores, em nosso país, segue sendo quase que só a docência, um es-
paço para o debate da Pedagogia deveria estar assegurado em todos
os mestrados e doutorados (MEDITSCH, 2018, p. 17).

20
Se para o professor de jornalismo, a falta de embasamento teórico no
campo da pedagogia pode ser um entrave inicial para o exercício da docên-
cia, para os pesquisadores que se dedicam a analisar aspectos da formação
acadêmica dos jornalistas, o reduzido acervo de publicações científicas na
área torna o trabalho ainda mais difícil. Introduzidos por Danton Jobim
ainda na década de 1940 e continuados por Luiz Beltrão na primeira meta-
de dos anos 60, os estudos brasileiros sobre o ensino do jornalismo foram
perdendo espaço para outros temas de investigação científica.
Segundo Silva (2009), os estudos em Jornalismo têm sido caracterizados
por pesquisas ancoradas, principalmente, nos produtos e processos da mí-
dia noticiosa. A centralidade na materialidade da prática jornalística como
objeto predominante de pesquisa, na visão da autora:

mantém à distância as indagações epistemológicas que poderiam


propiciar não só o aprimoramento da Teoria do Jornalismo e de seu
objeto de estudo como também melhores orientações teóricas às
pesquisas parciais, quer empíricas ou não (SILVA, 2009, p. 2).

Se o campo profissional constitui o ambiente que imprime e traduz uma


cultura jornalística, é possível supor que o campo universitário é o ambiente
que insere os futuros profissionais neste ethos jornalístico. Afinal, vivências
acadêmicas, incluindo as experiências em disciplinas laboratoriais, projetos
de pesquisa e extensão, além do estágio curricular supervisionado, são etapas
importantes para o desenvolvimento da identidade vocacional do futuro jor-
nalista. Portanto, tão importante quanto estudar processos e rotinas profis-
sionais, é conhecer a fundo as bases que institucionalizam e buscam legitimar
o campo jornalístico. Uma dessas bases é a universidade.
Concordamos com Webb (2015, p. 6), para quem os problemas da área
do Jornalismo são originados nos modelos de formação dos jornalistas.
Para a autora, “o futuro do jornalismo não pode ser cedido a distribuidores,
em vez disso ele deve ser pesquisado e testado dentro da academia”. Estudar
a formação acadêmica do jornalista é uma das alternativas possíveis para
compreendê-lo como forma de conhecimento singular.
Neste capítulo lançamos uma provocação inspirada originalmente no
questionamento do professor Libâneo: afinal, para que serve a Pedagogia
do Jornalismo? Para isto inicialmente percorremos os caminhos teóricos
que ajudam a compreender as motivações que levaram à implantação de

21
diferentes modelos de ensino de jornalismo ao redor do mundo. Começa-
mos apresentando a evolução dos estudos em Pedagogia do Jornalismo, a
partir do pioneirismo dos norte-americanos, passando pelos europeus, até
chegarmos aos países em desenvolvimento da África e da América Latina,
sobretudo o Brasil. Também propomos uma breve análise das diferentes
abordagens dos estudos mais recentes dedicados à Pedagogia do Jornalis-
mo em nosso país e dos desafios que se impõem aos investigadores da área.

Os precursores

Internacionalmente, há uma discussão que já vem sendo travada há al-


gum tempo sobre como deve ser o ensino do jornalismo. Desde que o nor-
te-americano Walter Williams implantou a primeira escola de Jornalismo
do mundo, em 1908, na Universidade de Missouri, a preocupação acerca
de como deve ser a formação dos jornalistas tem mobilizado instituições e
pesquisadores de vários países. Rüdiger (2017, p. 18) aponta que os criadores
das primeiras escolas de Jornalismo dos Estados Unidos “pregavam a for-
mação acadêmica e o treinamento profissional de nível universitário como
meios de responder às suspeitas do público e ataques dos críticos”.
Joseph Pulitzer já defendia, desde o final do Século 19, a formação uni-
versitária dos profissionais da imprensa, contrariando o pensamento que
predominava na época de que o jornalismo se aprende no ambiente das re-
dações. A proposta de criação de uma escola de Jornalismo na Universidade
de Columbia, que só viria a ser efetivada um ano após sua morte, em 1912,
trazia recomendações do que deveria ser ensinado para os jornalistas: estilo,
o Direito, Ética, Literatura, a importância da verdade e da precisão, História,
Sociologia, Economia, Estatística, Línguas Modernas, o Estudo dos Jornais,
Temas Jornalísticos, a construção da notícia e os princípios básicos da pro-
fissão estavam entre os itens que compunham a proposta curricular, pautada
numa formação acadêmica predominantemente profissionalizante.

Como se aprende realmente na redação? Não é através do ensina-


mento intencional, apenas pelo treinamento acidental. Não é apren-
dizado, é trabalho, no qual se espera que cada participante conheça
sua tarefa. Ninguém numa redação tem tempo ou vocação para en-
sinar um repórter cru as coisas que deveria saber antes de realizar

22
o mais simples trabalho jornalístico [...] Casualmente, me arrisco a
afirmar que em minha própria experiência como repórter e editor de
jornal jamais recebi uma única lição de alguém (PULITZER, 2009, p. 16).

Outro defensor da necessidade de formação específica dos jornalistas


foi Robert Edward Lee, que instituiu um programa de ensino de Jornalis-
mo na Washington College, em 1925. A experiência estadunidense propu-
nha um modelo de formação acadêmica pautado no ensino da técnica, por
meio de disciplinas laboratoriais que familiarizassem o futuro profissional
com as práticas jornalísticas. Um modelo ancorado no “saber fazer” ado-
tado por escolas de Jornalismo de diversas partes do mundo, inclusive em
território africano, até os dias atuais.
A implantação das primeiras escolas superiores de Jornalismo em todo
o mundo coincide com a profissionalização da atividade e com o forta-
lecimento dos grandes jornais. Inspiradas, incentivadas e, em alguns ca-
sos, financiadas por organismos internacionais, como o Banco Mundial e
a Unesco, as universidades dos países em desenvolvimento, o que inclui o
Brasil, passaram a adotar predominantemente o modelo norte-americano
de jornalismo, introduzindo técnicas utilizadas até hoje, como o lead e a
pirâmide invertida no processo de produção da notícia.
Na Europa, o interesse acadêmico pela imprensa e pelos princípios que
regem o jornalismo remonta ao final do século 17, bastante anterior à forma-
ção específica na área. Considerado o precursor das teorias do Jornalismo, o
alemão Tobias Peucer publicou, em 1690, a primeira tese a respeito do fenô-
meno jornalístico, antevendo questões que permanecem atuais. No documen-
to composto por vinte e nove parágrafos, ele discute a questão da autoria, da
noticiabilidade, da verdade e da credibilidade; propõe critérios de seleção e
restrições ao que deve ser publicado; discute a forma e o estilo dos periódicos.
Diferente da perspectiva norte-americana, na universidade europeia não
houve interesse significativo no ensino profissionalizante do jornalismo. Ao
contrário da visão que predominava nos Estados Unidos, na Europa a ideia
era pensar o jornalismo como atividade intelectual, que agregasse reflexão
teórica e conhecimento interdisciplinar. O russo Konstantin Novitski, funda-
dor do Instituto Estatal de Jornalismo da Universidade de Moscou, em 1921,
defendia que, “ao treinamento técnico-profissionalizante, era preciso, aca-
demicamente, agregar formação científica: teoria e prática formavam uma
unidade da qual não estava livre o jornalismo” (RÜDIGER, 2017, p. 10).

23
Nos anos 1960, o então diretor do Instituto de Periodismo da Universi-
dade de Navarra, Ángel Benito (1967, p. 24), defendia que a tradição escolar no
campo do ensino de Jornalismo constituía “disciplina que pode ser ensinada
e aprendida em posição de estudo convertida em objeto apropriado de uma
nova ciência”. Desde aquela época, a instituição espanhola já publicava os
Cuadernos de Trabajo del Instituto de Periodismo, dedicados à ciência e ao
ensino dos profissionais da informação em diferentes partes do mundo.
Para Benito, os modelos de ensino de jornalismo adotados por Facul-
dades, Escolas e Institutos de Jornalismo espalhados pelo mundo são re-
sultados de complexo conjunto de fatores, tais como a situação cultural,
o processo de maturidade da imprensa, o regime político imperante e o
desenvolvimento dos meios de comunicação face ao horizonte econômico
e social de cada país. “A combinação desses fatores vem depurando os pla-
nos de ensino, o acesso à profissão, o tipo de centros a serem criados e o
mesmo tipo humano que é necessário preparar de acordo com o esquema
ideal” (BENITO, 1967, p. 24).
O “esquema ideal” de capacitação profissional na área do Jornalismo de-
veria, na visão do autor, contemplar planos de estudos estruturados em qua-
tro aspectos fundamentais: uma cultura geral ampla, incluindo disciplinas
que dessem ao futuro jornalista uma concepção básica do mundo, tais como
Ciências Políticas e Sociais, Direito Internacional, Literatura, História e Econo-
mia; uma disciplina da inteligência, de base filosófica e teológica; o domínio
das técnicas jornalísticas em seus aspectos teóricos e práticos e, por fim, o co-
nhecimento dos problemas específicos da imprensa nacional e internacional.
No Brasil, os primeiros registros a respeito do ensino de Jornalismo
datam do início do século 20:

Já em 1908, Gustavo de Lacerda, ao fundar a Associação Brasileira de


Imprensa (ABI), reivindicava uma escola de jornalismo para formar
repórteres. Em 1935, o educador Anísio Teixeira atendeu a essa de-
manda, criando o primeiro curso de jornalismo do país, experiência
que se frustrou com o fechamento da Universidade do Distrito Fede-
ral pela truculência do Estado Novo. Em consequência, a academia
só abriu suas portas aos jornalistas nos anos 40, quando o ensino de
jornalismo foi oficializado e as primeiras escolas foram autorizadas a
funcionar em São Paulo (1947) e no Rio de Janeiro (1948) (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2009, p. 8).

24
Um dos precursores brasileiros dos estudos em Pedagogia do Jorna-
lismo é Danton Jobim. Avanza (2007a, p. 3) aponta que, como professor de
jornalismo, “desde o final da década de 40, Jobim já levantava questões
presentes nas discussões acerca do ensino, como a integração da teoria
com a prática”. A tese produzida pela autora recupera a proposta de cur-
rículo que ele apresentou em 1964, até então disponível apenas no acervo
particular do professor José Marques de Melo. Qual a finalidade do ensi-
no do jornalismo? Jobim parte desta pergunta “para iniciar uma discus-
são sobre o tema, buscando, a partir daí, elucidar o caminho do proces-
so educativo, de forma a tornar possível planejar os métodos adequados
para estimular as mudanças responsáveis pela transformação do aluno”
(AVANZA, 2007b, p. 106).
Contemporâneo de Jobim, Luiz Beltrão também trouxe importantes
contribuições para a Pedagogia do Jornalismo. É dele a autoria de um
conjunto de obras voltado para a sistematização do ensino de Jornalis-
mo no país, dentre as quais o ensaio Iniciação à Filosofia do Jornalismo,
publicado em 1960, Metodologia de la Enseñanza del Periodismo, de 1963
e Técnica de Jornal (1964). Criador do primeiro centro brasileiro de es-
tudos acadêmicos sobre mídia, o Instituto de Ciências da Informação
(Inciform), na Universidade Católica de Pernambuco, o primeiro doutor
em Comunicação do Brasil (tese defendida em 1967, na Universidade de
Brasília) passou a ocupar a Cátedra de Pedagogia do Jornalismo do Cen-
tro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América
Latina (Ciespal).

Danton Jobim teve oportunidade de debater a via brasileira para


educar jornalistas profissionais com os professores de outros paí-
ses (França, Estados Unidos e América Latina). Tal esforço para
construir uma pedagogia brasileira de jornalismo foi continuado
por Luiz Beltrão, na cidade do Recife, onde implantou um mode-
lo alternativo para regiões em fase de desenvolvimento. Por isso
mesmo, ele foi imediatamente chamado a compartilhar essa ino-
vação com outros países latino-americanos. Na sequência histó-
rica, outras universidades do país aperfeiçoaram e consolidaram
tais métodos e processos de ensino-aprendizagem (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, on-line, p. 8).

25
A influência da Unesco

Darcy Ribeiro (1969) relata que projetos de americanização do ensi-


no superior foram trazidos ao Brasil por meio de programas internacio-
nais de ajuda financeira a pesquisadores brasileiros e latino-americanos.
Programas que continham “conteúdos políticos não explícitos” numa clara
tentativa de implantar uma “política internacional de colonização cultu-
ral” (RIBEIRO, 1969, p. 24). Instituições como a Unesco e fundações norte-
-americanas e europeias já produziram diretrizes e propuseram modelos
de formação de jornalistas direcionados principalmente a países latino
americanos e da África.
Criada em 4 de novembro de 1946 como o organismo da ONU “res-
ponsável pela promoção da liberdade de expressão e do acesso à informa-
ção e ao conhecimento” (UNESCO, 2010, p. 4), a Organização das Nações Uni-
das para a Educação, a Ciência e a Cultura, dedica, desde sua fundação,
especial atenção ao ensino de jornalismo, sobretudo nos países em desen-
volvimento. Em 1948, preocupada com a possibilidade de instrumentaliza-
ção do jornalismo a serviço do bloco socialista da Guerra Fria, “a Unesco
começou a criar centros de formação de professores de Jornalismo nas vá-
rias regiões do terceiro mundo” (MEDITSCH, 1992, p. 60).
Em 1956, após reunir em Paris jornalistas e professores de jornalismo
de 25 países, a entidade propôs uma política internacional para os meios de
informação, que incluía recomendações de como deveria ser o ensino do
jornalismo em todo o mundo. O documento produzido durante o encontro
enfatizava que “a qualidade da informação depende da compreensão, dos
conhecimentos, das qualidades profissionais e do sentido de responsabili-
dade do jornalista” (GABEL, 1967, p. 92).
Nos anos seguintes, a Unesco passou a oferecer sessões de estudos para
professores das escolas de jornalismo das universidades, especialmente dos
países em desenvolvimento. Os cursos eram ministrados pelo Centre uni-
versitaire d’enseignement du journalisme (CUEJ), da Universidade de Estras-
burgo, França, criado em 1957, “a fim de analisar os métodos de formação
de jornalistas” (TOPUZ, 1970, p. 147) e pelo Centro Internacional de Estudios
Superiores de Periodismo para América Latina (Ciespal), criado em Quito no
ano de 1959 com o mesmo objetivo do centro de formação francês.
Gabel (1967) relata que a primeira experiência de atuação da Unesco na
formação de jornalistas na África ocorreu em Dakar, Senegal, no ano de

26
1961, com um curso de quatro meses realizado no país com financiamento
da entidade. Em novo encontro realizado em Paris, em 1962, os membros
da Organização definiram que “a preparação para as Carreiras de Informa-
ção deveria beneficiar-se de uma destacada prioridade para o programa de
desenvolvimento dos Estados africanos” (GABEL, 1967, p. 94).
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por uma forte presença
da Unesco na formação dos jornalistas no continente africano. O Projeto
Regional de Treinamento para Estudantes da África Oriental e Central, le-
vado a efeito pela Organização, possibilitou a criação dos primeiros cursos
em países como o Quênia (na Universidade de Nairóbi).
De acordo com Allam e Amin (2017, p. 97), a origem do ensino de jor-
nalismo na África vem desde os anos 1930: a Igreja Metodista, por meio
da American University, já realizava programas acadêmicos em Jornalismo
e Comunicação de Massa no Egito. Cinco anos mais tarde, apontam os
autores, a Universidade do Cairo “estabeleceu uma instituição para edição,
tradução e jornalismo. A Faculdade de Comunicação de Massa a ser con-
siderada uma das mais importantes instituições de comunicação do mun-
do árabe”, reconhecida internacionalmente e recebendo estudantes de elite
vindos de diversos países. Até o início dos anos 1950, afirma Topuz (1970,
p. 147), “em toda a África não havia mais que duas escolas de jornalismo”.
Na África do Sul, informam Beer e Prince (2005, p. 139), o primeiro curso foi
criado em 1959, na Universidade de Potcheferoom. Nos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), os primeiros cursos superiores de
Jornalismo só foram implantados no início dos anos 2000.
Em 2005, o organismo das Nações Unidas teve a iniciativa de elabo-
rar um modelo curricular para o ensino superior de jornalismo em países
em desenvolvimento e democracias emergentes. Apresentada durante o 1o
Congresso Mundial de Ensino de Jornalismo, realizado em junho de 2007
em Cingapura, a concepção de currículo propõe uma formação que pos-
sibilite aos estudantes “a aquisição de conhecimentos gerais amplos, bem
como conhecimento especializado em um campo que seja importante para
o jornalismo” (UNESCO, 2010, p. 6).
Em 2013, a Organização publicou um novo compêndio de currículos,
incluindo a criação de disciplinas que abordam temas atuais como a susten-
tabilidade dos meios de comunicação social, gênero e jornalismo, jornalismo
de dados e tráfico de pessoas. Nos últimos trinta anos, a Unesco tem manti-
do presença constante nos países em desenvolvimento, atuando diretamente

27
nas áreas da Comunicação e do Jornalismo. O Programa Internacional para
o Desenvolvimento da Comunicação (IPDC), “único fórum multilateral do
sistema da ONU destinado a mobilizar a comunidade internacional para dis-
cutir e promover o desenvolvimento da mídia nos países em desenvolvimen-
to” (UNESCO, 2013, on-line), já mobilizou cerca de 100 milhões de dólares para
mais de 1.500 projetos em mais de 140 países em desenvolvimento e países
em transição, de acordo com o site oficial da Organização.

Pedagogia do Jornalismo no Brasil

Com uma proposta acadêmica inspirada em modelos de ensino de Jor-


nalismo importados principalmente dos Estados Unidos, as universidades
brasileiras implantaram matrizes curriculares com ênfase nas técnicas de
redação, em atendimento às necessidades de profissionalização da ativi-
dade, demandadas pelo mercado. Meditsch (2012, p. 50) aponta que “o en-
sino de Jornalismo foi implantado no Brasil como resultado do lobby de
jornalistas-redatores do serviço público, junto à ditadura a que serviam,
com o objetivo de melhorar seus salários obtendo um título de nível supe-
rior”. Entretanto, com o passar dos anos, a formação dos jornalistas passou
a ser direcionada não apenas para o atendimento das demandas mercado-
lógicas. Se por um lado, as universidades exerceram e continuam a exer-
cer influência na capacitação técnica dos jornalistas, por outro, também
passaram a abordar o jornalismo para além de seu caráter instrumental,
incluindo conteúdos que ultrapassavam a fronteira da técnica.
Em 1962 foi elaborado o primeiro currículo mínimo oficial para cur-
sos brasileiros de Jornalismo. Os anos que se seguiram foram marcados
pelo expressivo aumento da oferta de cursos na área, espalhados por todo
o país. Levantamento feito por Lopes (2013) aponta que, em final dos anos
60, existiam apenas vinte cursos de graduação em Jornalismo. Em 1999 já
eram 137, chegando a 365 em 2008. “O crescimento exponencial de cursos
superiores de Jornalismo chamou a atenção de atores sociais preocupados
com a formação desse profissional” (LOPES, 2013, p. 140).
Em 1995 foi criado o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo
(FNPJ), que em 2017 passou a se chamar Associação Brasileira de Ensino de
Jornalismo (ABEJ), que produz um dos repositórios normalmente consulta-
dos por quem se interessa pela dimensão pedagógica do jornalismo: a Revista

28
Brasileira de Ensino de Jornalismo (REBEJ). O periódico científico é uma pu-
blicação que tem se dedicado “ao tratamento de questões relacionadas ao
campo do Jornalismo, considerando métodos de ensino, relatos de experiên-
cias de atividades acadêmicas e pesquisas na área” (REBEJ, 2018, on-line).
Preocupada com a qualidade da formação e com a precarização da ati-
vidade profissional, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também
passou a produzir estudos e a realizar levantamentos sobre o ensino de Jor-
nalismo. Em 1997, a entidade lançou o Programa Nacional de Estímulo à
Qualidade do Ensino de Jornalismo, que gerou uma ampla discussão sobre
o papel do estágio supervisionado na formação acadêmica dos jornalistas.
No Brasil, os currículos das escolas de Jornalismo brasileiras devem
obedecer aos critérios estabelecidos previamente pelo Ministério da Edu-
cação. Em vigor desde 2013, as últimas Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos de Graduação em Jornalismo, instituídas pela Resolução
no 1, de 27 de setembro de 2013, da Câmara de Educação Superior do Con-
selho Nacional de Educação, definem os elementos estruturais que devem
ser contemplados pelo Projeto Pedagógico de Curso. Em 2009, uma Co-
missão de Especialistas foi nomeada pelo então ministro da Educação, Fer-
nando Haddad, para repensar o ensino de Jornalismo no Brasil. Compu-
nham essa Comissão, Alfredo Vizeu, Carlos Chaparro, Eduardo Meditsch,
Luiz Gonzaga Motta, Lucia Araújo, Sergio Mattos e Sonia Virginia Moreira,
sob a presidência de José Marques de Melo.
Uma das mais significativas mudanças da nova legislação é o retorno do
objeto de formação dos jornalistas, de Comunicação Social para Jornalismo,
como eram as primeiras experiências de ensino. Uma mudança apontada
como necessária pelos especialistas, uma vez que “a imposição do Curso de
Comunicação Social de modelo único, em substituição ao Curso de Jornalis-
mo, teve consequências prejudiciais para a formação universitária da profissão”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009, p. 11). Os defensores da mudança argumen-
tavam que a dissolução de conteúdos fundamentais como Teoria, Ética, Deon-
tologia e História do Jornalismo, em disciplinas gerais da área da Comunicação
não respondiam às especificidades suscitadas pela prática profissional.
O primeiro Programa de Pós-Graduação em Jornalismo do Brasil foi
implantado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com cur-
so de Mestrado oferecido desde 2007. O Programa é o primeiro na Améri-
ca Latina na oferta de curso de Doutorado. Com treze anos de existência,
o PPGJOR da UFSC tem empreendido esforços no sentido de produzir

29
dissertações e teses que contribuam para legitimar o Jornalismo como
disciplina científica e não apenas como uma técnica, uma atividade profis-
sional ou um subcampo da área da comunicação.
Algumas contribuições para o campo de estudos da Pedagogia do Jor-
nalismo já foram dadas pelo Programa de Pós-Graduação da UFSC, como
a dissertação produzida por Frighetto (2016), que analisa o conflito político
e as relações de poder travadas na elaboração do projeto pedagógico, as
práticas pedagógicas e os métodos de ensino/aprendizagem produzidos ou
reproduzidos pelo curso de graduação em Jornalismo da Instituição. Outra
recente produção é o livro O Ensino de Jornalismo sob as Novas Diretri-
zes: miradas sob projetos em implantação, organizado por Meditsch, Ayres,
Betti e Barcelos (2018), que apresenta os resultados de pesquisa exploratória
sobre as reformulações curriculares em 54 cursos brasileiros de Jornalismo
com as novas DCNs. Outros grupos e núcleos de pesquisa espalhados pelo
país também realizam estudos no tema.

Sobre a delimitação do objeto

Grande parte do que vem sendo produzido sobre Pedagogia do Jorna-


lismo nos últimos anos no Brasil restringe-se a relatos de experiências de
professores. Há reduzido número de trabalhos de investigação científica
que associe conhecimentos do campo teórico da pedagogia com os estudos
em jornalismo. Além de reduzidos, quando comparados às pesquisas sobre
produtos e processos da mídia, os estudos mais recentes na área da Pedago-
gia do Jornalismo são difusos e enfrentam problemas de ordem conceitual.
Falta clareza em relação à delimitação do objeto de pesquisa: sem definir o
que vem a ser uma Pedagogia do Jornalismo, pesquisadores têm utilizado o
termo com significados distintos.
Pelo menos três tipos de abordagens teóricas relacionadas ao termo
Pedagogia do Jornalismo podem ser identificados em trabalhos de inves-
tigação científica. A primeira delas diz respeito ao uso de produtos jor-
nalísticos como recurso pedagógico: a utilização de notícias publicadas
na imprensa em sala de aula para o debate de determinados temas é um
bom exemplo. Experiências educomunicativas, que introduzem estudan-
tes do ensino fundamental e médio ou comunidades periféricas em prá-
ticas jornalísticas, como a produção de jornais, revistas ou programas

30
de televisão comunitários, também têm sido analisadas por pesquisadores
que enxergam nas dinâmicas uma dimensão pedagógica.
A segunda abordagem é a que associa a Pedagogia do Jornalismo ao
caráter educativo das publicações jornalísticas. Em entrevista a Meditsch e
Faraco (2003, p.10), a viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, ressalta
que um dos mais respeitados intelectuais brasileiros vislumbrava o jorna-
lismo como uma prática educativa, para quem informar também era edu-
car. “Educativa para o bem ou para deformação, para ética ou antieticidade,
mas existe sempre como uma prática educativa”.
Park (2008, p. 65) já caracterizava a notícia como forma de conhecimen-
to, capaz de contribuir, “a partir do registro eventos não só para a história e
para a sociologia, mas para o folclore e a literatura; contribui não apenas para
as ciências sociais, mas também para as humanidades”. Na mesma linha de
pensamento, Genro Filho (1987, p. 24) afasta a ideia de que o jornalismo seja
apenas uma mera modalidade da informação em geral. Ao contrário, é uma
modalidade social de conhecimento que, apesar de expressar e reproduzir a
visão burguesa do mundo, “possui características próprias enquanto forma
de conhecimento social e ultrapassa, por sua potencialidade histórica con-
cretamente colocada, a mera funcionalidade ao sistema capitalista”.
A terceira abordagem teórica é a que insere a Pedagogia do Jornalismo
nos estudos dos modos como o jornalismo tem sido ensinado nas univer-
sidades e, no caso de alguns países, nos centros de formação profissional.
Trata-se de campo de investigação dedicado a analisar questões como mé-
todos de ensino, práticas pedagógicas, formação e qualificação de profes-
sores e estudantes, em síntese, elementos que compõem o processo de for-
mação acadêmica dos jornalistas.
Há ainda autores, como o professor Andrés Romero Rubio (1970, p. 178)
que fazem distinção entre a Pedagogia do Jornalismo e a Pedagogia da Infor-
mação. A primeira, ligada ao ensino do jornalismo e a segunda relacionada
ao caráter pedagógico dos conteúdos informativos produzidos e veiculados
pelos meios de comunicação de massa: “o especialista em ciências, técni-
cas e problemática da informação, em última análise, o jornalista comple-
to, é sim, involuntariamente, um educador da opinião pública, a quem há
de servir sempre com verdade, liberdade, responsabilidade e oportunidade”
(RUBIO, 1970, p. 179). Neste sentido, o jornalista é encarado como o artífice
dessa pedagogia da informação e a notícia com potencial valor pedagógico.
Para esses autores, o interesse pedagógico da informação consiste em “educar

31
o indivíduo, além de buscar sua perfeição integral com vistas ao papel que irá
desempenhar na sociedade a que pertence” (BARRIENTOS, 1966, p. 6).
O que é possível notar em todas as dimensões de análise é que não tem
havido uma preocupação por parte dos teóricos em conceituar o que vem
a ser uma pedagogia do jornalismo. Um dos desafios que se impõem aos
pesquisadores da área é o de avaliar a dimensão pedagógica do jornalis-
mo para além dos aspectos curriculares formais. De acordo com Goodson
(1999, p. 67), o currículo é uma construção social, que opera em dois níveis:
“primeiramente em nível da própria prescrição, mas depois também em
nível de processo e prática”.
Se em nível de prescrição, o currículo atua como um roteiro que orien-
ta e serve para legitimar o trabalho do professor, em nível de processo e
práticas, ele também revela saberes e fazeres da ação docente, para além
dos aspectos prescritivos. “Este roteiro indica o status curricular de deter-
minadas áreas de conhecimento, revela lutas e manifestações em defesa de
determinadas áreas, classifica saberes, classifica de forma oculta os profes-
sores que nele atuam” (SROCZYNSKI; GENTIL, 2008, p. 93).

Pedagogia do Jornalismo para quê?

O jornalismo é constantemente acusado de contribuir para o fortaleci-


mento das desigualdades, para a manutenção do status quo. “Manipuladas,
não raro à sua revelia, pelas grandes agências internacionais e pela lógica
da concorrência que as opõe” (BOURDIEU, 2001, p. 61), as mídias estariam
utilizando o jornalismo para promover uma política de despolitização,
desprovida de reflexão, formando um público conformado ou no máximo
ressentido com os sistemas político e econômico vigentes, mas inerte em
seu próprio ressentimento. Porém, ao atribuir a crise ética do jornalismo
exclusivamente aos agentes que fazem dele um negócio ou um instrumento
ideológico nas mãos de grupos político-partidários, o debate deixa de fora
um agente fundamental: a universidade.
Estudar as dimensões pedagógicas do Jornalismo é também discutir o
papel da formação acadêmica dos jornalistas. Mas, afinal, para que serve a
universidade? Até que ponto o ensino de jornalismo tem contribuído para
manutenção do status quo? Como a questão da violência simbólica tem sido
tratada no processo de formação acadêmica dos jornalistas, sobretudo em

32
países cuja imprensa ainda enfrenta limitações para o exercício da liberdade
de expressão? Como as escolas de Jornalismo debatem a relação entre o Es-
tado e a mídia? Os cursos estão preparando os futuros profissionais para um
exercício ético do jornalismo? Um jornalismo diferente é possível?
Embora pedagogia e jornalismo estejam situados em áreas do conheci-
mento distintas, a proposta freireana pode ser pensada a partir da realidade
do campo jornalístico. Segundo Pierre Bourdieu (em obras como Sobre a
Televisão e A Reprodução), o sistema de ensino e a atividade jornalística
têm em comum o elevado grau de heteronomia, uma vez que ambos so-
frem grande influência de outros campos, especialmente o econômico. Em
outras palavras, educação e jornalismo são caracterizados por sofrerem
constantes pressões que os impedem de serem utilizados plenamente como
instrumentos de transformação social.
Ao defender um modelo de ensino superior que atenda aos interesses
do desenvolvimento nacional autônomo, ocupando seu papel no processo
produtivo mundial de conhecimento, Darcy Ribeiro (1969, p. 36) afirma ser
imperativo para a universidade “levar adiante um esforço de reflexão sobre
si mesma com o objetivo de definir o papel que lhe cabe na luta contra o
subdesenvolvimento”.
Na mesma linha de raciocínio de Ribeiro, Paulo Freire (2016, p. 65) pro-
põe “uma pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da refle-
xão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta
por sua libertação, em que essa pedagogia se fará e se refará”. Em ambos
os casos, trata-se da defesa de um trabalho coletivo de educação voltado
para o combate às desigualdades, forjado “com” o oprimido e não “para” o
oprimido. Algo que só será possível quando a massa de oprimidos – o ter-
mo massa aqui compreendido como contingente populacional e não como
totalidade homogênea – tiver consciência do lugar que ocupa e, principal-
mente, de sua capacidade de subverter a lógica da estrutura dominante.
O processo de formação acadêmica é complexo, envolve fatores que
ultrapassam os regimentos dos cursos e os limites físicos da sala de aula.
Silva (2013, p. 13-14) observa que a pedagogia, “sendo fundamentalmente
educação, portanto um aspecto mais abrangente do que apenas instruir,
apresenta-se simultaneamente como uma filosofia, uma ciência, uma arte e
uma técnica de educação”. Estudar os modos como o jornalismo é ensinado
pode ajudar a compreender a forma como ele se configura dentro e fora do
ambiente acadêmico.

33
Referências

ALLAM, R.; AMIN, H. Journalism education in Egypt: benchmarking academic


development and professional needs. In: GOODMAN, R.; STEYN, E. (edits.) Glo-
bal journalism education: In the 21st century challenges & innovations. Austin:
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36
LACUNAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DE JORNALISMO

Janaíne Kronbauer

A ampliação do acesso ao ensino superior no Brasil nas últimas dé-


cadas tem gerado um descompasso entre a preparação de docentes para
atuar nos cursos de graduação e o perfil dos estudantes que acessam a Uni-
versidade. A pós-graduação, ao ignorar esse fato e voltar-se intensamente
para a pesquisa, revela não estar atenta ao que acontece em seu entorno,
argumento não raramente utilizado para criticar o papel que ela exerce e os
efeitos derivados dessa postura de distanciamento.
A partir dessa perspectiva e com foco na dimensão formativa de pro-
fessores universitários, discutimos, nesse capítulo, a quase inexistência de
disciplinas voltadas à preparação para o exercício docente no âmbito da
pós-graduação brasileira, especificamente nas áreas da Comunicação e
do Jornalismo. Para isso, além de buscar os documentos que regem a pós-
graduação brasileira e regulam as diretrizes de seus programas, realizamos
um survey on-line com professores-pesquisadores vinculados à Associação
Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor) e ouvimos especialistas
das áreas da Educação e da Comunicação a respeito do tema.
Antes de avançar nesses aspectos, no entanto, importa esclarecer que é a
partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), do Parecer
977 da Comissão de Ensino Superior (C.E.Su) e da Resolução no 7, da Câma-
ra de Educação Superior (CES) que são delineadas a oferta de cursos e exis-
tência de programas de pós-graduação (PPGs) no Brasil. A LDB determina
as responsabilidades e competências da União, estados e municípios quanto
às políticas da educação formal. Em seu artigo de número 66, consta que
“A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de
pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”1.

Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.


1

37
O Parecer 977, cuja inspiração é norte-americana, apresenta indicativos
quanto ao modelo de organização adotado nos cursos de pós-graduação lato
e stricto sensu no país. Já a Resolução no 7, aponta especificidades a serem
cumpridas pelos PPGs, não avançando, contudo, quanto à definição de suas
disciplinas e/ou componentes curriculares.
Esses três textos legais não versam sobre qualquer possível formação
pedagógica pela qual pós-graduandos em formação deveriam/poderiam
passar antes de alcançar os mais elevados graus de estudo em relação às
suas áreas. Em última análise, isso significa que a formação de pós-gra-
duandos pode prescindir da preparação para o exercício da docência no
ensino superior, algo que contrasta com a realidade a ser encontrada por
egressos de cursos de pós-graduação, especialmente de doutorado, frente
ao que se delineia no horizonte da busca por inserção profissional2 e, mais
do que isso, contraria a própria indicação da LDB.
Ainda que disponham de sólida formação em suas áreas, com graus de
mestrado e/ou doutorado (em muitos casos, até pós-doutorado), os poten-
ciais docentes do ensino superior, na maior parte das vezes, não recebem, a
priori, capacitação quanto à especificidade de práticas pedagógicas de ensi-
no-aprendizagem voltadas a esse nível de ensino. Considerando esses fato-
res, discutimos aqui a necessidade de oferta de uma formação mais robusta
por parte da pós-graduação brasileira, em específico junto à PPGs de Co-
municação e de Jornalismo, no que tange à preparação de seus estudantes
para que atuem na docência – segmento que concentra o maior potencial
de inserção desses profissionais após a conclusão formal de seus cursos3.
A pergunta que suscitou essa produção e as reflexões a ela adjacentes,
no entanto, é anterior às resoluções legais que determinam e subsidiam a
ação dos PPGs – ela está relacionada com a arte de ensinar algo a alguém,
denominada, no campo da Pedagogia, de didática. É acerca desse tema que
apresentamos as reflexões que seguem.

2
A docência no ensino superior é a principal oportunidade de trabalho para egressos de doutorado no
Brasil, pois é quase inexistente a possibilidade de atuação exclusivamente em pesquisa no país. Tanto nas
universidades quanto nas empresas não se identifica a existência de vagas para atuar unicamente com
pesquisa. Exceção a essa constatação é um projeto piloto em teste na Unicamp: por meio dele, tem sido
recrutados exclusivamente pesquisadores. A responsabilidade do contratado é realizar pesquisa, se ele for
ministrar uma aula é por que alguém a convidou; o mote de sua contratação é a pesquisa.
3
O relatório Mestres e doutores 2015: Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira, publicado
em 2016 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) revela que, em 2015, 75% do contingen-
te desses profissionais trabalhava com educação. Portanto, a adequada preparação para o exercício do
magistério superior é um obstáculo a ser considerado. Disponível em: <https://www.cgee.org.br/docu-
ments/10182/734063/Mestres_Doutores_2015_Vs3.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2020.

38
Os caminhos da ensinagem4

Vinculada à área do conhecimento das ciências humanas, a Pedagogia


ou, Teoria da Educação (GHIRALDELLI JR., 2012; LIBÂNEO e PIMENTA, 2002),
é uma disciplina composta por várias dimensões. A didática é um de seus
elementos e se relaciona especificamente à arte ou técnica de ensinar, ten-
do sido Jan Amos Komenský (1592-1670) o primeiro educador a discutir,
propor e publicar reflexões acerca do tema com a obra Didática magna ou
tratado de arte universal de ensinar tudo a todos (1657).
O foco da didática é a ensinagem organizada que tem como agentes o
aluno, o professor e o conhecimento. A ação didática se relaciona ao campo
da pedagogia, a qual, por sua vez, se ocupa da intersecção dessa tríade no
contexto da sala de aula, espaço em que estão presentes diversas e hetero-
gêneas variáveis ambientais (que denotam a complexidade própria a esse
campo do conhecimento).
É o professor quem assume o papel de mediar o conhecimento no
ambiente da sala de aula para que este seja apreendido/assimilado de
modo ativo pelo aluno, mobilizando, a partir da interação com e entre os
demais agentes da troca informativa (colegas, professores, coordenado-
res pedagógicos etc.) o desenvolvimento de valores e atitudes cognitivo-
-comportamentais. O processo de ensino, mediado pelo professor, “põe
em movimento os elementos constitutivos da Didática”, formados tanto
por objetivos e conteúdos quanto por práticas de ensino e aprendizagem,
os quais são “referidos às condições de cada situação didática concreta”
(LIBÂNEO, 2004, p. 91). Assim,

A Didática, fazendo a mediação escolar de objetivos sociopolíticos


e pedagógicos, por sua vez articulados com o processo de ensino e
aprendizagem, orienta o trabalho docente, tendo em vista a inser-
ção e atuação dos alunos nas diversas esferas da vida social – profis-
sional, política, cultural etc. (LIBÂNEO, 2004, p. 91, grifo nosso).

Nessa mediação, como propõem Delizoicov, Angotti e Pernambu-


co (2003), as principais estratégias a serem acionadas pelo professor são a

4
Neologismo cunhado por Anastasiou e Alves (2004), o termo “ensinagem” designa “uma prática so-
cial, crítica e complexa em educação entre professor e estudante” (CORREIA; COSTA; AKERMAN,
2017, p. 24).

39
problematização inicial, a organização do conhecimento e, por fim, sua
sistematização5. A partir dessa perspectiva, Libâneo (2004, p. 94) aponta que:
“a força motriz fundamental do processo didático é a contradição entre as
exigências de domínio do saber sistematizado e o nível de conhecimentos”
que os alunos já possuem. Dessa intersecção deriva o “conhecimento pode-
roso” de que trata Young (2007, p. 1.294):

Esse conceito não se refere a quem tem mais acesso ao conhecimen-


to ou quem o legitima, embora ambas sejam questões importantes,
mas refere-se ao que o conhecimento pode fazer, como, por exem-
plo, fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a
respeito do mundo.

Nem sempre, porém, os instrumentos utilizados pelo professor univer-


sitário (atividades expositivo-dialogadas, seminários, trabalhos em grupo,
etc.) são suficientes para garantir a qualidade no desenvolvimento de uma
aula, pois apesar de sua expectativa ser a de que “os estudantes iniciem a
formação universitária bem preparados”, em boa parte das vezes o que se
visualiza são “dificuldades de integração dos estudantes em relação à vida
acadêmica”, a qual demanda “uma nova postura: a do trabalho científico”
(ROLDÃO et al., 2020, p. 48).
A partir de um cenário não idealizado, mas que considere situações
reais da sala de aula, os recursos mobilizados pela Pedagogia e pela didáti-
ca se apresentam como alternativa para buscar resolver um pano de fundo
maior e sintomático: as peculiaridades de cada indivíduo e de cada turma
de estudantes – seja na educação básica, no ensino superior ou na pós-
graduação. Assim, conhecer as principais linhas condutoras da educação e
da ação didática é uma necessidade elementar àqueles que pretendem atuar
na docência, algo nem sempre atendido.

5
As partes de uma aula, a partir da didática, podem ser descritas em três etapas ou, momentos pedagógi-
cos, como propõem Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2003, p. 52): 1) problematização inicial, com as
considerações em torno da realidade dos alunos, questões contextuais e de conhecimentos preexistentes;
2) organização do conhecimento, com a problematização sobre o que já se conhece e a intervenção do-
cente; 3) sistematização do conhecimento, instante em que se pretende que “dinâmica e evolutivamente,
se vá percebendo que o conhecimento, além de ser uma construção historicamente determinada, está
disponível para que qualquer cidadão faça uso dele – e, para isso, deve ser apreendido”.

40
Preparo para a docência: percepções de professores
de jornalismo

Voltamos o olhar, a partir daqui, à discussão que mobilizou nossa pro-


dução: o reduzido espaço concedido à preparação de estudantes de pós-gra-
duação para sua possível futura atuação na docência no ensino superior. A
partir de levantamento realizado na plataforma Sucupira6 junto aos 56 PPGs
avaliados e reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) na área de Co-
municação, verificou-se que 53 destes não oferecem qualquer disciplina com
foco na formação de seus alunos para a docência. Apenas três programas
têm disciplinas relacionadas a essa temática: Programa de Pós-graduação em
Comunicação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (PPGCOM-
-UFMS), Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Ceará (PPGCOM-UFC) e Programa de Pós-graduação em Jorna-
lismo, da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGJOR-UFSC).
O PPGCOM-UFMS ofereceu a disciplina Docência no Ensino Supe-
rior em três momentos, no segundo semestre dos anos de 2015, 2016 e
2017. O PPGCOM-UFC tem em sua grade o componente Didática do Ensi-
no Superior, mas ele ainda não foi oferecido, conforme informação repassa-
da pela atual coordenação do curso via e-mail. O PPGJOR-UFSC, por sua
vez, introduziu a disciplina de Pedagogia do Jornalismo a partir da criação
do curso de doutorado, em 2014, e, desde então, o componente, que é ele-
tivo, já foi oferecido duas vezes: em 2016/2 e 2019/2. O perfil da disciplina
é voltado a aspectos relacionados à Pedagogia, mas não a partir de um viés
que contemple dimensões didáticas.
A par dessas informações, realizamos uma pesquisa exploratória on-li-
ne, não probabilística, com professores universitários brasileiros de cursos
de graduação em Jornalismo. Seu propósito foi o de identificar as percep-
ções dos respondentes quanto à necessidade de haver ou não uma formação
específica para o exercício da atividade docente em cursos de graduação de
universidades e/ou faculdades. O survey, com perfil quantitativo, ocorreu
entre 10 de dezembro de 2019 e 10 de janeiro de 2020 e o convite para que
participassem da pesquisa foi enviado à lista de Sócios da SBPJor7.

6
Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/quantitativos/
quantitativoIes.jsf?areaAvaliacao=31&areaConhecimento=60900008>. Acesso em: 03 dez. 2019.
7
Pretendíamos levantar dados acerca da percepção de pós-graduandos sobre a questão, no entanto, opta-
mos por explorar essa outra dimensão em estudo futuro.

41
Responderam ao questionário 27 professores, vinculados a 18 ins-
tituições de ensino superior brasileiras de perfil público federal (10) e
estadual (3), além de instituições privadas (4). Do total de respondentes,
18 atuam na docência há mais de 10 anos e nove entre seis e 10 anos.
Representantes de todas as regiões do país, em diferentes proporções, res-
ponderam à pesquisa.

Tabela 1
Região Sul Sudeste Centro-oeste Norte Nordeste

No de respostas 11 5 7 2 2

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

A primeira pergunta do survey remetia ao período de início da atua-


ção dos professores em sala de aula. A existência de dificuldades foi apon-
tada por mais de 90% deles.

Gráfico 1

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

Aos professores que sentiram dificuldades, solicitou-se que as indicas-


sem, tendo sido destacadas as alternativas metodologias de ensino, plane-
jamento e preparação de aulas e, avaliação, como ilustra o gráfico a seguir.

42
Gráfico 2

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

Na sequência, todos os professores foram questionados sobre uma


possível preparação para o exercício da atividade docente a partir de suas
pós-graduações.

Gráfico 3

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

Como o gráfico acima demonstra, 16 professores afirmaram não ter


tido qualquer formação pedagógica para atuar na docência. Em contrapar-
tida, outros 11 informaram ter realizado algum estágio, disciplina específi-
ca ou outro tipo de formação. Essa informação revela que há, em algumas
instituições/programas, um cuidado com essa dimensão formativa.

43
O quinto questionamento indagava sobre a suficiência do estágio de
docência como recurso preparatório para ministrar aulas no ensino supe-
rior. Vinte e cinco professores (mais de 90% deles) responderam “não”.

Gráfico 4

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

A sexta pergunta questionava sobre a oferta de formação pedagógica


por parte das instituições de ensino superior (IES) às quais os professores
estão/estavam vinculados. A grande maioria dos professores (22), respon-
deu que essa oferta ocorre. Não dispomos de dados para referir, mas muitas
IES realizam encontros/cursos de formação pedagógica com seus docentes
no início dos períodos letivos.8

Gráfico 5

Fonte: Survey Avaliação do curso (2020).

8
Nas IES públicas, participar desses cursos é um requisito da fase de estágio probatório.

44
Encerramos o survey com a pergunta indicada no gráfico acima. Das
respostas obtidas, 23 foram negativas, ou seja, mais de 85% dos professo-
res que participaram da pesquisa entende que os cursos de pós-graduação
apresentam deficiências quanto à formação de potenciais futuros docentes
de ensino superior. Esse indicativo, de algum modo, confirma uma percep-
ção que tínhamos no início do estudo.
A partir dos dados levantados na pesquisa exploratória identificamos,
ainda que de modo não generalizável, a existência de um descompasso en-
tre a oferta de cursos de pós-graduação em Comunicação e Jornalismo e
a respectiva preparação para a atividade docente dos pós-graduandos. O
fato de a grande maioria dos professores ter sentido dificuldades ao entrar
no ambiente da sala de aula, pela primeira vez, como professor, revela que
essa lacuna existe efetivamente, não se trata apenas de uma suspeita. As-
sociamos a essa constatação, o fato de que as dificuldades encontradas se
relacionam intensamente às metodologias de ensino (apontadas 16 vezes),
seguidas de atividades de planejamento e preparação de aulas (assinaladas
11 vezes) e de avaliação (9 marcações).
Mesmo que 11 professores tenham realizado estágios de docência ou
disciplina formativa específica, ao contrastar essa informação com o nú-
mero de 25 professores que considera que o estágio de docência seja insu-
ficiente para preparar pós-graduandos para lecionar na graduação e, ainda,
aos 23 docentes que entendem que os próprios cursos de pós-graduação
apresentam deficiências em preparar seus estudantes para a atividade do-
cente, verifica-se o delineamento de uma hiato de considerável impacto
junto à formação de quadros docentes para atuar em cursos de graduação
em Jornalismo do país.
Apesar de o instrumento de que nos valemos não ter atingido uma
margem estatística representativa de toda a área, o que já era esperado, des-
considerar a existência de uma área em descoberto em relação à formação
oferecida pelos PPGs seria um equívoco. Em decorrência desse entendi-
mento, a seguir, avançamos na busca por interpretar o contexto em que
os dados extraídos do survey se inserem e, para isso, os conjugamos com
informações reunidas a partir do contato com especialistas das áreas da
educação e da comunicação.

45
Preparo para docência no ensino superior –
a perspectiva de especialistas

Para melhor compreender as causas e as possíveis implicações dos da-


dos da pesquisa exploratória e visualizar a posição de especialistas na área
da Educação em torno do assunto, mantivemos contato com os professo-
res-pesquisadores Liana Gottlieb9, Lucídio Bianchetti10 e Greicy França11.
A partir daqui, apresentamos algumas de suas considerações sobre a for-
mação de pós-graduandos para o exercício da docência, além de elementos
que participam da conformação desse cenário12.
Foco na formação de pesquisadores – Atualmente, para o professor
Lucídio Bianchetti, é evidente a “ampliação no número de cursos e pro-
gramas de pós-graduação nas IES brasileiras, com ênfase na formação de
pesquisadores”. Com isso, cria-se uma espécie de “silenciamento ou suposi-
ção de que isso [a formação em nível de pós-graduação] habilitaria alguém
para ser professor também”. Como a atual diretriz preconizada pela CAPES
é o fomento à pesquisa, o investimento na formação de professores acaba
sendo contraído. De acordo com o professor da UFSC, até a década de
1990, o principal objetivo da CAPES era formar professores que já atuavam
no ensino superior, mas que ainda não tinham formação stricto sensu.
Para a professora Liana Gottlieb outro fator a contribuir para a não exi-
gência de formação específica para a docência no ensino superior seriam
acordos costurados por conglomerados universitários particulares com ór-
gãos vinculados ao governo federal. Para a pesquisadora, “trata-se de uma
contradição e afronta tanto aos professores quanto aos estudantes e, por
consequência, à sociedade”. A educadora paulista indaga: “Que pesquisas
sérias já foram feitas tanto com estudantes quanto com professores inician-
tes para comprovar tal crença?”.
9
Doutora em Ciências da Comunicação (ECA/USP), Mestre em Teoria e Ensino da Comunicação
(UMESP), Especialista em Didática do Ensino Superior, Pedagoga, Membro Fundador e do Conselho do
NCE (Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USP).
10
Coordenador do PPG em Educação da UFSC. Vice-Presidente da Associação Nacional de Pós-graduação
e Pesquisa em Educação, pela região Sul (2003-2005). Membro suplente do Comitê de Avaliação da Área
de Educação do CNPq (2015-2018). Hoje é professor voluntário no PPGE-UFSC. Coordenador do Grupo
de Pesquisa Trabalho e Conhecimento na Educação Superior – TRACES/UFSC/CNPq. Pesquisador 1A
do CNPq.
11
Doutora em Comunicação Social pela UMESP. Atualmente é professora colaboradora do Mestrado em Comu-
nicação da UFMS. Ministrou, por três vezes, a disciplina Docência do Ensino Superior no PPGCOM-UFMS.
12
Os apontamentos presentes ao longo do texto foram coletados a partir de: 1) entrevista concedida pelo
professor Dr. Lucídio Bianchetti a esta autora e, 2) respostas a questionários enviados por e-mail às pro-
fessoras Dra. Greicy França e Dra.Liana Gottlieb.

46
Associa-se a essas constatações o fato de ter havido uma reação das
diferentes áreas do conhecimento, em maior ou menor proporção, contra
a necessidade de a formação de professores estar diretamente condiciona-
da à atuação de profissionais da Educação, momento em que, segundo o
professor Bianchetti, “pejorativamente se falava em pedagogês, em dida-
tiquês”. Ainda conforme ele, quando na pós-graduação o foco passou a
ser a formação de pesquisadores, criou-se “uma espécie de suficiência dos
próprios cursos de todas as áreas”. Nos próprios PPGs, de acordo com o
professor da área de Educação da UFSC, “é possível identificar quais dis-
ciplinas garantem e dão um suporte para a formação de professores”. Para
isso, basta que seja feita uma busca nas linhas de pesquisa dos programas.
É a partir delas que se desenham a preocupação ou, não, com a formação
de futuros professores.
Hoje, a oferta de disciplinas de didática ou de metodologia de ensino
nos PPGs em Comunicação e Jornalismo do país é absolutamente reduzida
(cerca de 5% de um total de 56 programas). O PPGCOM-UFMS é exce-
ção e a partir de contato com a professora responsável pelo componente
Docência do Ensino Superior naquele Programa, revelou-se que a procura
dos pós-graduandos pela disciplina foi expressiva (especialmente nas duas
últimas edições): em 2015/2, foram 15 alunos; em 2016/2, 30 e em 2017/2,
25. A professora Greicy França, mencionou que “além de ter ocorrido uma
grande demanda pelos alunos regulares, houve procura por alunos de ou-
tras pós-graduações da UFMS”.
No entendimento da professora Greicy, é de “fundamental importân-
cia o oferecimento da disciplina”, pois cabe à pós-graduação “proporcio-
nar as principais técnicas didático pedagógicas para que ele [aluno] possa
ir para uma sala de aula com competência suficiente para ser professor”.
A professora sul-mato-grossense, conta ainda que ela e o professor Mário
Luiz Fernandes13, “discutimos sempre que a disciplina Docência do Ensino
Superior deveria ser oferecida em todas as pós-graduações para que se pos-
sa oferecer ao ensino superior docentes capacitados, evitando que ingres-
sem em uma sala de aula e que tenham que aprender a ser professores na
tentativa e erro”.14

Docente do PPGCOM-UFMS e ex-coordenador do Programa.


13

Na entrevista a professora informou que a disciplina não é mais oferecida desde 2017 devido a docente
14

ter se aposentado: “Desde então atuo como professora colaboradora do mestrado e estou aguardando
autorização do colegiado para voltar a ministrar a disciplina”.

47
O exemplo do PPGCOM-UFMS é ilustrativo do potencial que a oferta
de componentes curriculares voltados à preparação para o exercício da do-
cência no ensino superior pode alcançar. No entanto, como à Universidade,
no Brasil, cabe fazer ensino, pesquisa e extensão (atividades convergentes,
mas que têm especificidades), dificuldades podem surgir, especialmente
porque há afinidades maiores e menores por parte dos docentes em relação
às atividades de base da Universidade.
Muitos se veem obrigados a ir para a sala de aula quando sua maior
habilidade e/ou afinidade é com a pesquisa ou, vice-versa. Nesse sentido,
o professor Bianchetti indica haver professores que “não se preocupam
muito com a didática. Aí eles vão dar a aula e, se o aluno aprendeu, apren-
deu, se não, ele [professor] cumpriu sua tarefa e pronto”. O professor da
UFSC revela ser “partidário da perspectiva de que existem especificida-
des ou haveria até, no extremo, violências no fazer pedagógico se você
coloca uma camisa de força obrigando o indivíduo a fazer pesquisa, a
ensinar e fazer extensão”.
Mesmo sem ter obtido uma formação específica para atuar na docên-
cia, o professor apreende, de forma tácita, noções de como exercer essa
função por já ter tido contato com professores e orientadores. Isso ocasiona
a “reprodução das práticas que já se experienciou”, o que corrobora a ideia
de que “somos muito em função dos professores que tivemos”. No entanto,
“prever que um curso, uma disciplina ou um professor sejam capazes de
habilitar alguém para ser professor é muita pretensão”, pondera o professor
catarinense. Ele entende que a formação de um professor ocorre a partir da
união de fatores variados, é uma construção paulatina. Isso significa que
ser professor é uma atividade constante de formação do indivíduo, seja na
relação que estabelece consigo mesmo, seja na interação com os outros. É
uma profissão que exige dedicação, estudo, pesquisa, trocas e que, por essa
razão, não se dá por encerrada.
Indiferença frente às teorias da educação – Na visão da professora
Gottlieb, “há conhecimentos que são imprescindíveis para que alguém
consiga trabalhar com outras pessoas, em qualquer área profissional, no-
tadamente na lida com estudantes, muitos deles ainda saindo ou em plena
adolescência”. Nesse sentido, “é fundamental o conhecimento de filosofia
da educação e psicologia da educação, para falar no mínimo”. Outro as-
pecto a considerar é a importância do conhecimento a ser assimilado e a
adequação das aulas aos múltiplos perfis de inteligência.

48
Há também competências interpessoais e intergrupais a desenvolver,
algo relacionado tanto a docentes quanto a discentes. Ainda se insere nessa
perspectiva a questão do sofrimento imposto àqueles que se dispõem a ser
professores, pois se não ocorre uma preparação mínima para que atuem
na docência, conflitos dentro e fora da sala de aula tornam-se inevitáveis e
podem surtir efeitos no processo de ensinagem (quando a mediação a ser
conduzida pelo professor assume um papel fundamental).

No arcabouço teórico de Vigotski (2001)15 [...] cabe ao professor en-


volver-se na mediação da aprendizagem tanto no que se refere aos
aspectos cognitivos, quanto aos aspectos emocionais nela implica-
dos (ROLDÃO et al.; 2020, p. 51).

Nesse sentido, o estágio de docência, possibilidade oferecida em mui-


tos cursos de pós-graduação, se estabelece como alternativa para inserir o
pós-graduando no contexto da atividade letiva. O depoimento da professo-
ra Gottlieb é ilustrativo, pois associa estágio e disciplina voltada à docência:

Durante anos consegui implantar, além de Didática do Ensino Su-


perior, a disciplina Prática do Ensino Superior na pós-graduação da
Faculdade Cásper Líbero (creio que éramos o único curso de pós em
Comunicação que oferecia a preparação didático-pedagógica). Num
semestre, os estudantes cursavam comigo Didática do Ensino Supe-
rior e, no seguinte, Prática do Ensino Superior, e tinham que fazer
estágio, seguindo minhas orientações.

Mesmo sendo um recurso para que se possa ter dimensão da comple-


xidade que é estar à frente de uma turma de estudantes, o estágio de docên-
cia apresenta problemas. Neles, hoje, o pós-graduando está sujeito a passar
por realidades bastante distintas. Há programas, por exemplo, em que o
estudante participa de momentos de observação das rotinas e intervêm em
momentos pontuais da aula (também se responsabilizando pela condução
de um encontro letivo, pelo menos). Entretanto, há casos em que o pro-
fessor responsável designa ao estagiário que assuma a condução das aulas

VYGOTSKI, L. S. Estudio del desarrollo de los conceptos científicos en la edad infantil. In: VYGOTSKI,
15

L. S. Obras Escogidas II: problemas de psicología general. 2. ed. Madrid: Visor, 2001, p. 181-286.

49
(isso sem que o pós-graduando disponha de qualquer espécie de suporte
ou orientação).
Independentemente do tipo de estágio de docência que ocorra, raros
são os momentos em que o pós-graduando consegue estabelecer uma rela-
ção mais próxima com o professor responsável pela disciplina para propor,
aprender e refletir sobre o planejamento e a ministração de aulas. Isso se
deve tanto à sobrecarga na agenda dos professores responsáveis pelas disci-
plinas quanto a uma postura negligente e/ou com baixo comprometimento
do docente com a realização de um estágio de qualidade em sua disciplina.
A professora Gottlieb argumenta que “a construção de um papel não
se dá só pela atribuição desse papel, é preciso um caminhar supervisionado
para que se possa atingir seu estado de arte criativa, e me refiro aqui ao pa-
pel de professor/educador”. Assim, o estágio de docência é um instrumento
para inserir o pós-graduando no ambiente da sala de aula, mas jamais será
suficiente para satisfazer de modo integral a demanda para a formação de
um professor. “O estágio é o início da construção desse papel profissional.
A meu ver, a área profissional ‘professor universitário’, é uma área que de-
manda educação continuada e reciclagem permanente”, finaliza a especia-
lista em didática do ensino superior.
Para o professor Bianchetti, “Se houver uma humildade pedagógica, tão
necessária e tão fustigada, haverá busca, por parte de cursos e de coordena-
dores, de aportes, onde eles estiverem, para complementar uma formação”.
Ainda, conforme seu entendimento, quando a primazia é pelo atendimento a
questões burocráticas da universidade, com o preenchimento da carga horária
de um professor, por exemplo, a parte da formação acaba sendo sacrificada.

Considerações finais

Ao analisar o espaço concedido para a preparação docente no ensino


superior junto a programas de pós-graduação brasileiros da área de Jor-
nalismo e Comunicação, identificamos que o foco na formação de pesqui-
sadores e a indiferença frente às teorias da educação são dois fatores que
contribuem de modo substancial para que esse seja o atual cenário confor-
mado. O fato de mais de 80% dos respondentes do survey reconhecer ter
tido dificuldades para atuar em sala de aula quando do início dessa função,
corrobora essa constatação.

50
Diante desse cenário, entendemos que os potenciais futuros docentes
do ensino superior precisam buscar alguma espécie de capacitação para
entender suficientemente os processos didático-pedagógicos e desenvolver
formas de atuar nesse contexto. Isso não significa, no entanto, que seja pre-
ciso fazer um mestrado e/ou doutorado na área da Educação. É preciso re-
conhecer, igualmente, que não basta vincular à titulação acadêmica a posse
das competências e habilitações necessárias ao exercício docente, pois ao
se fazer isso, ignora-se toda a produção de um campo do conhecimento já
consolidado e de reconhecido valor, que é o da Pedagogia.
Apesar de ser um problema que atinge a praticamente todas as áreas do
conhecimento (em menor medida às ligadas aos cursos de licenciatura, que
formam educadores), a inserção de professores – ainda que altamente qua-
lificados em termos acadêmicos – na atividade docente de nível superior,
tende a valorizar predicados que não os necessariamente vinculados às me-
lhores práticas pedagógicas possíveis. Assim, a ausência de formação para
a docência no ensino superior se constitui em uma lacuna para o desen-
volvimento de quadros profissionais nas distintas áreas do conhecimento.
Ainda que pareça uma deficiência facilmente contornável, as Teorias
da Educação precisam ser incorporadas ao cotidiano do exercício docente,
inclusive no ensino superior. Somente assim, a partir de uma abordagem
interdisciplinar, será possível que o ensino ocorra de maneira mais harmô-
nica, inclusiva e menos atomizada.

Referências

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para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu. Disponível em:

51
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pinas, v. 28, n. 101, p. 1287-1302, 2007.

52
A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE
E OS SABERES DO JORNALISMO

Fernanda Peres

A obra de Paulo Freire, voltada à formação de docentes, nunca foi tão


necessária e aplicável à formação e ao exercício da prática jornalística. O
pensamento do filósofo, educador e Patrono da Educação Brasileira, morto
há 23 anos, segue vivo, e o resgate de seus ensinamentos parece apontar
uma saída possível para a crise de método, credibilidade e autoestima pela
qual passa o Jornalismo. Se, como ele ensinava, mudar é difícil, mas é pos-
sível, o primeiro passo pode ser calcado na formação dos profissionais que
estão se preparando para entrar em cena.
Para entender a contribuição que Freire pode dar à formação de novos
jornalistas, recorreremos aos saberes elencados na obra Pedagogia da Auto-
nomia, considerados pelo autor como essenciais para os docentes. Dos 27
saberes citados, encontramos relação entre 18 deles e a prática do Jorna-
lismo. Partiremos da ideia de que o Jornalismo, assim como a Educação, é
capaz de produzir conhecimento, ainda que de forma diferente daquele que
advém da Ciência. Assim, muito do que Freire propõe pode e deve ser uti-
lizado como bússola na formação de jornalistas nos cursos de graduação.
Conforme Cerqueira (2018), o produto do jornalismo é o conhecimento,
ainda que condicionado ao contexto histórico, político, social e cultural nos
quais o jornalista está inserido.
Em seu estudo, Laerte Cerqueira avaliou que a maioria dos saberes des-
critos por Freire para a prática da docência são os mesmos “que o jornalista
precisa dominar para produzir um conhecimento embasado, contextuali-
zado, crítico e até transformador, alicerces do jornalismo como instituição
social legitimada na sociedade” (CERQUEIRA, 2018, p. 21). Os saberes descri-
tos por Freire são: rigorosidade metódica; exigência de pesquisa; respei-
to aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporeificação
das palavras pelo exemplo; risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer

53
forma de discriminação; reflexão crítica sobre a prática; reconhecimento e
a assunção da identidade cultural; consciência do inacabamento; reconhe-
cimento do ser condicionado; respeito à autonomia do ser do educando;
bom senso; humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educa-
dores; apreensão da realidade; alegria e esperança; convicção de que a mu-
dança é possível; curiosidade; segurança, competência profissional e gene-
rosidade; comprometimento; compreensão de que a educação é uma forma
de intervenção no mundo; liberdade e autoridade; tomada consciente de
decisões; saber escutar; reconhecer que a educação é ideológica; disponibi-
lidade para o diálogo; querer bem aos educandos.
Para fazermos um diálogo entre os saberes da obra freireana e o que os
novos profissionais têm aprendido na academia, utilizaremos também as
competências a serem desenvolvidas ao longo da formação dos jornalistas,
descritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de
graduação em Jornalismo. As DCNs definem, em nível macro, a estrutura
dos cursos, os elementos estruturais que possibilitarão a operacionalização
do projeto pedagógico e, mais detalhadamente, discorrem sobre as com-
petências desejadas aos egressos da graduação. Finalmente, organizam o
conteúdo em seis eixos de formação, que ajudarão na divisão de espaço
entre as disciplinas de forma equilibrada dentro da carga horária exigida
(no mínimo três mil horas), e abrangem diferentes habilidades teóricas e
práticas que o profissional precisa ter ao fim do curso. Estabelecem, ain-
da, questões relacionadas às avaliações, estágios curriculares, trabalhos de
conclusão de curso (TCCs), atividades complementares, entre outros. Em
nossa analogia com a obra freireana, nos debruçaremos sobre as competên-
cias que o documento detalha entre o Art. 2o e o seu Parágrafo único.

Jornalismo e conhecimento

Ainda que nunca tenha colocado o Jornalismo como ponto central em


suas obras, as ideias de Freire podem ser aplicadas não só no ensino, mas
também na prática do exercício da profissão, por serem universais e terem
diversos ensinamentos com pontos de intersecção com habilidades neces-
sárias também aos jornalistas. Apesar desse potencial, Meditsch e Faraco
(2003) pontuam que o pensamento freireano pouco tem sido aproveitado
pelos pesquisadores em Jornalismo.

54
Diversos teóricos defendem que o Jornalismo tem um papel social
como forma de conhecimento. Adelmo Genro Filho, em O Segredo da Pirâ-
mide, de 1987, foi o primeiro a propor esta abordagem no Brasil, criticando
o que era estudado a respeito até então nas escolas de Comunicação. Para
ele, o Jornalismo é muito mais do que uma forma de integração do indi-
víduo com seu papel na sociedade, tendo uma função política, inerente à
prática diária, de mediador entre opressor e oprimido.
Segundo Vizeu (2014, p. 2), o Jornalismo “deve ter como preocupação
contribuir para o acesso e a compreensão de homens e mulheres do mun-
do que os cerca”, sendo, neste sentido, um “lugar de referência” a partir do
qual constroem o conhecimento a respeito da sociedade na qual estão in-
seridos, com base no conteúdo que consomem pela mídia. Neste contexto,
as competências necessárias ao profissional responsável pela produção de
conteúdo, o jornalista, encontram-se com a habilidade desejável ao profes-
sor, que, segundo Freire (1996), deve ser capaz de criar as possibilidades
para a produção ou construção do conhecimento, em vez de simplesmente
transferi-lo ao educando.

No entanto, é importante atentar que o tipo de conhecimento pro-


duzido pelo Jornalismo não substitui, na formação do indivíduo,
aquele apreendido no ambiente escolar ou familiar. A analogia com
a Educação ocorre por conta da aproximação inevitável quando se
pensa no papel do Jornalismo como produtor de conhecimento na
contemporaneidade. Não se trata de colocar o fazer jornalístico em
pé de igualdade com o conhecimento escolar, nem de dizer que o
substitui. A dimensão pedagógica que trazemos aqui está relaciona-
da a uma espécie de força motriz que pode ajudar o jornalista, como
produtor de conhecimento, ir em busca da melhor informação, da
maneira mais ética e correta (CERQUEIRA, 2018, p. 17).

Citando Margarita Rivière, o autor afirma, ainda, que “a atividade pro-


move a educação permanente das pessoas quando cria preferências, rea-
firma e cristaliza valores, hábitos culturais, mitos e antimitos, costumes”
(CERQUEIRA, 2018, p. 120). A autora, segundo Cerqueira, também destaca
que a palavra educação é usada com o sentido de “transmissão de hábitos,
ideias, costumes e informações que em seu conjunto vão interferir na vida
social, nas relações e decisões do cotidiano” (CERQUEIRA, 2018, p. 121-122).

55
Com um papel tão central nas sociedades democráticas, a principal
preocupação do Jornalismo deve ser municiar os cidadãos com informa-
ções a respeito da realidade que os cerca, condição para que homens e mu-
lheres se tornem o que Freire chama de “sujeitos da procura, da decisão,
da ruptura, da opção” (FREIRE, 1996, p. 10), capazes de interferir na história
e mudá-la a seu favor. Para que a leitura de mundo feita pela audiência
seja mais próxima da realidade, tanto é necessário que este público seja
adequadamente educado a ler, interpretar e criticar o que consome pela
mídia, quanto é fundamental que o jornalista compreenda seu papel e atue
nele da forma mais ética possível, de acordo com uma metodologia bem
definida e a apreensão da realidade apurada e holística. “O Jornalismo atua
na construção da realidade, mas é constituído por essa própria realidade.
Não existe construção do real se não há uma audiência ativa e interativa,
que interpreta e reinterpreta os fatos” (VIZEU, 2014, p. 5).
Sendo Educação a palavra-chave para que o processo de comunicação se
dê da forma mais próxima da realidade entre jornalistas e público, a formação
deste profissional deve ser vista como parte fundamental do sucesso na intera-
ção entre estes atores sociais. No Brasil, neste fim da segunda década do século
XXI, em que sua obra é atacada pela corrente política no poder, invocar o pen-
samento de Paulo Freire como modelo para o ensino do Jornalismo mostra-
-se como uma saída possível para embasar a formação de profissionais que
defendam os valores democráticos de forma crítica, como apregoam as DCNs.
“A solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade
menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem na
formação democrática uma prática de real importância” (FREIRE, 1996, p. 23).
Apesar da carência de referências diretas ao ensino de Jornalismo na
obra do educador pernambucano, o estudo realizado em 2002 e publicado
no ano subsequente por Meditsch e Faraco (2003, p. 28) nos permite com-
preender que a postura dele em relação à imprensa era crítica e, em muitos
pontos, “análoga a seu pensamento sobre educação”. Exemplo disso é uma
entrevista de 1987, recuperada pelos pesquisadores, em que Freire se mos-
trou interessado na concepção de Genro Filho a respeito do “Jornalismo
enquanto forma social de produção de conhecimento” (MEDITSCH; FARA-
CO, 2003, p. 10). No mesmo estudo, os pesquisadores entrevistaram familia-
res e profissionais ligados ao educador, entre eles a esposa de Freire, Ana
Maria Araújo Freire, categórica ao afirmar que a prática jornalística é uma
prática educativa. Na conclusão do trabalho, os autores pontuam que:

56
Freire não apenas considerava o jornalismo como atividade intelec-
tual com uma particular “sensibilidade da existência”, como pessoal-
mente utilizava intensivamente a mídia como fonte de informações
sobre o mundo. Distinguia entre o bom e o mau jornalismo e apon-
tava a questão política como o maior obstáculo para que o primeiro
se realizasse, embora, como na educação, não aceitasse uma posição
fatalista neste sentido e apontasse o enfrentamento real da prática
como uma necessidade, tanto para orientar uma crítica consistente
quanto para lhe dar sentido (MEDITSCH; FARACO, 2003, p. 42).

Segundo Fonseca, a prática pedagógica proposta por Freire “é capaz de


fornecer um instrumental prático-teórico radicalmente favorável ao atual
contexto histórico do ensino superior brasileiro” (FONSECA, 2013, p. 4), con-
forme veremos a seguir.

Freire e as DCNs

Para compor o documento que regulamenta as Diretrizes Curriculares


Nacionais dos cursos de Jornalismo em todo o país, o MEC convocou, por
meio de Edital, as instituições de ensino superior brasileiras a encaminha-
rem suas propostas de currículo para os cursos. Estas contribuições, acres-
cidas da participação pública por meio de debates e seminários on-line e
presenciais, foram remetidas a uma comissão de especialistas para a conso-
lidação do documento. A partir do proposto, as universidades passaram a
compor seus projetos pedagógicos com base em seis eixos que definem os
saberes essenciais ao egresso do curso de Jornalismo, levando em conside-
ração os desafios impostos pela constante atualização das tecnologias e das
formas de se comunicar com os diversos públicos.
As DCNs começaram a ser implantadas em 2013, com prazo de dois anos
para sua total adoção pelas instituições de ensino superior. Sendo o modelo
vigente de formação nos bancos universitários, e nos valendo do já exposto so-
bre a importância da Educação, em todos os níveis, para que o processo comu-
nicacional entre jornalistas e público seja efetuado com sucesso, optamos por
utilizar as Diretrizes para basear parte de nossa analogia com a obra freireana.
Partimos da necessidade de o jornalista se enxergar enquanto ator social,
produtor de conhecimento e capaz de intervir no mundo que o cerca. Freire

57
acredita que “ensinar exige compreender que a educação é uma
(1996, p. 51)
forma de intervenção no mundo”. Para ele, a partir da Educação, homens
e mulheres despertam para a compreensão de seus condicionamentos e se
tornam capazes de intervir, romper, optar, lutar, sempre alicerçados em pre-
ceitos éticos. Assim também é para o Jornalismo, forma de intervenção no
mundo a partir do momento em que possibilita o conhecimento do público
acerca de informações que podem influenciar a tomada de decisão e atitudes
concretas e, também por isso, tem a obrigação de se ater a princípios éticos.

A tomada consciente de decisões convoca o jornalista a assumir a


impossibilidade de ser neutro, com consciência de que é possível agir
eticamente. Exige coerência, capacidade de luta e respeito às diferen-
ças. A tomada consciente de decisões permite ao jornalista enxergar
o alcance de sua atuação na construção da realidade. Permite o re-
conhecimento de virtudes, dos defeitos, dos caminhos para entregar
à sociedade o melhor produto informativo, que não é neutro na sua
natureza, mas honesto, ético (CERQUEIRA, 2018, p. 175, grifo no original).

Para Vizeu (2014, p. 12), a tomada de consciência é um tema fundamen-


tal para o Jornalismo e se materializa na superação da “esfera espontânea
da realidade” para uma “esfera crítica”, com foco na “objetividade possí-
vel, na ética e qualidade da informação”, obtida por meio da investigação.
Informar não é somente reportar fatos, mas fornecer as ferramentas para
sua mudança. Daí a responsabilidade social da atividade jornalística: sua
capacidade de trazer à tona questionamentos sobre temas importantes ao
debate e à reflexão.
Freire (1996, p. 22) convoca os educadores a se assumirem como seres
sociais e históricos, pensantes e comunicantes. “Uma das tarefas mais im-
portantes da prática educativo-crítica”. Mas este chamado poderia ser feito
também ao jornalista, capaz de influenciar e colaborar para o aprimora-
mento da sociedade e da cidadania. A partir do momento em que perce-
be seu poder de interferir no mundo que o cerca, ele pode fazer escolhas,
éticas ou não. Essa assunção traz ao jornalista a obrigação de se compro-
meter com seu posicionamento. Ao perceber sua importância no contexto
social, cabe ao profissional, conforme as Competências Gerais descritas nas
DCNs, “identificar e reconhecer a relevância e o interesse público entre os
temas da atualidade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3).

58
E para ter a capacidade de bancar suas escolhas, a autonomia, ponto cen-
tral da obra freireana, é uma necessidade fundamental do jornalista no exer-
cício diário da profissão. Freire (1996, p. 31) a descreve como “um imperativo
ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Dentro
das DCNs, ela é encorajada logo no Art. 2o, que define que as metodologias
devem privilegiar a “participação ativa do aluno na construção do conhe-
cimento” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 1). Para Fonseca, o incentivo
à autonomia vem na esteira da modernização dos currículos, combatendo
“certa cultura pedagógica retrógrada, historicamente ligada a nossa socieda-
de estruturada sobre uma velha ordem familiar” (FONSECA, 2013, p. 3), que im-
punha limitações no desenvolvimento profissional dos estudantes. Ele avalia
que, da forma como estão descritas, as DCNs estimulam uma educação que
fuja do que Freire chama de “bancária”, ou seja, que não ensina o aluno a pen-
sar, mas tem nele um mero “depósito” do conhecimento repassado pelo pro-
fessor. As DCNs superam este modelo principalmente no que diz “respeito à
liberdade na organização dos estudos, ao reconhecimento das competências
dos alunos, à formação ético-política para a crítica da realidade e sobretudo
ao compromisso profissional com a cidadania” (FONSECA, 2013, p. 12).
Ao ser, em parte, autônomo sobre o rumo que sua formação irá tomar,
o estudante terá outro saber respeitado e potencializado: a experiência que
traz como bagagem de sua vida e sua realidade para a sala de aula. Além de
moldar suas escolhas, a vivência de cada estudante enriquece o ambiente da
sala de aula, numa troca com o professor e os demais alunos. “Quem forma
se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser
formado” (FREIRE, 1996, p. 13).
Essa ideia de inacabamento como algo inseparável da condição humana
irá moldar as escolhas que o profissional fará ao longo de toda sua jornada.
A consciência de que todos nós, mulheres e homens, somos seres inacabados
é o que nos permite seguir em busca de conhecimento. Aqui, as DCNs mais
uma vez se aproximam da obra freireana ao recomendarem que os estudan-
tes cultivem a “humildade em relação ao conhecimento” e a compreensão
de que “o aprendizado é permanente” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3).
O documento institui, ainda, a “graduação como etapa de formação profis-
sional continuada e permanente” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 2), em
uma alusão à necessidade de frequente atualização profissional. Esse dever é
imposto não somente pela evolução tecnológica que influencia a prática do
jornalista, mas também pelo transcorrer da história humana e suas relações.

59
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicio-
nado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além
dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser de-
terminado. A diferença entre o inacabado que não se sabe como tal e
o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de
saber-se inacabado (FREIRE, 1996, p. 28).

Se detivesse todo o conhecimento, a capacidade de argumentação e de


explicar os fatos a partir de suas próprias experiências, o jornalista não preci-
saria de suas fontes, sua atividade seria bem mais solitária. Mas nenhum ser
humano é capaz disso. Para tentar explicar os fatos que compõem a realidade
ao seu redor, o profissional deve ser capaz de ir atrás de fontes que o ajudem
a esclarecer e compreender o que se passa, sejam elas pessoas, instituições,
documentos etc. Para Cerqueira (2018, p. 192) esta humildade nada tem a ver
com acomodação ou subserviência, ao contrário, é uma demonstração de
“coragem, confiança em nós mesmos, respeito a nós mesmos e aos outros”.
De forma integrada a outros saberes, ela ajuda, segundo Freire (1996), a reco-
nhecer nossa ignorância e nos coloca a necessidade de escutar e pesquisar.
Sobre estes condicionantes da prática jornalística, Clóvis Rossi defende que:

Entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comu-


nicação de massa, há a mediação de um jornalista (não raro, de vá-
rios jornalistas), que carrega consigo toda uma formação cultural,
todo um background pessoal, eventualmente opiniões muito firmes
a respeito do próprio fato que está testemunhando, o que o leva a
ver o fato de maneira distinta de outro companheiro com formação,
background e opiniões diversas. É realmente inviável exigir dos jor-
nalistas que deixem em casa todos esses condicionamentos e se com-
portem, diante da notícia, como profissionais assépticos, ou como
a objetiva de uma máquina fotográfica, registrando o que acontece
sem imprimir, ao fazer o seu relato, as emoções e as impressões pu-
ramente pessoais que o fato neles provocou (ROSSI, 1988, p. 10).

Reconhecer este condicionamento e aceitá-lo no sentido de superá-


-lo por meio do aperfeiçoamento continuado é apenas um dos passos no
caminho da evolução. Ao longo da jornada, os futuros jornalistas irão de-
parar-se, ainda, com outra sorte de condicionamentos que limitarão seu

60
trabalho, como as pressões, relações de poder e interesses diversos ligados
à prática jornalística. Cerqueira (2018, p. 183) defende que estar consciente
deles e da necessidade de superá-los faz os profissionais se lembrarem que
“o inacabado é construção permanente e que limites ideológicos, políticos,
mercadológicos não são impedimentos para realizar um trabalho ético e
honesto”. Ou seja, apesar de todos os condicionantes, ele acredita, assim
como Freire, que é possível manter a credibilidade no exercício da profissão
e que ela é uma garantia de resistência e legitimidade junto ao público.
A superação dos condicionamentos passa, inevitavelmente, pela neces-
sidade de se exercer a atividade jornalística com rigor metodológico. Assim
como “ensinar exige rigorosidade metódica” (FREIRE, 1996, p. 14), a tarefa do
jornalista não pode ser desprovida de método. Esta é a “força motriz, jus-
tificativa de existência” (CERQUEIRA, 2018, p. 175) do Jornalismo e que dife-
rencia o conhecimento por ele oferecido à sociedade das informações que
circulam a partir de fontes desconhecidas, algo comum em uma sociedade
hiperestimulada com excesso de informações.

O enfraquecimento do método enfraquece o jornalismo, seja no que


diz respeito à forma de apurar, de narrar, seja na confiança que a
sociedade, ao longo dos anos depositou na atividade. A busca pela
informação correta, que instrui, orienta e gera o debate social, é iní-
cio do processo de construção da realidade de maneira responsável
e pedagógica no jornalismo. Não há correção sem apurar os fatos,
levantar dados, ouvir diferentes vozes e contextualizar o aconteci-
mento (CERQUEIRA, 2018, p. 175-176).

Ao utilizar o método para se aproximar de seu objeto, o jornalista


aproxima-se também da exatidão, já que é impossível chegar à verdade ab-
soluta. Mas quanto maior a aproximação, maior a exatidão aferida, o que só
ocorre graças à investigação. O método é tão importante, segundo Vizeu,
que implica diretamente três pilares da atuação jornalística: a ética, a obje-
tividade e a verdade:

Na investigação jornalística é preciso uma descrição correta dos fa-


tos. Publicar unicamente informações cuja origem se conhece, ou
senão acompanhá-las das reservas necessárias; não suprimir infor-
mações essenciais; não alterar textos, nem documentos; e retificar

61
uma informação publicada que se revele inexata. Esses procedimen-
tos, apresentados de uma forma resumida, devem fazer parte do co-
tidiano do Jornalismo. Na medida em que um jornalista procura ser
objetivo, se aproximar da verdade dos fatos, ele está tendo uma pos-
tura ética com a sua atividade. Ele está imbuído de algo que é central
no Jornalismo: o respeito intransigente ao ser humano e a dignidade
no tratamento com homens e mulheres (VIZEU, 2014, p. 13).

Na academia, o método é ensinado ao se oferecerem condições aos


alunos para que aprendam de forma crítica. Daí, a ideia de se ensinar a
pensar certo, implícita nas DCNs, na descrição das Competências Gerais,
quando se diz que a formação do jornalista deve dar a ele a capacidade de
“distinguir entre o verdadeiro e o falso a partir de um sistema de referências
éticas e profissionais” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3) Para isso, é ne-
cessário que a formação o municie de conhecimentos básicos da realidade
e da capacidade de “contextualizar, interpretar e explicar” (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2013, p. 4) tudo ao público.
Quando impõe ao crivo do rigor metodológico seus questionamentos,
fruto de seu inacabamento, o jornalista promove sua curiosidade ingênua
a um conhecimento crítico. Cerqueira lembra o ensinamento de Freire
(1996) de que, a partir da criticidade, a curiosidade ingênua se transfor-
ma em epistemológica. Aplicando-se ao Jornalismo, a cobrança é a mesma
feita por Freire aos educadores: busquem informações de forma curiosa,
crítica, insatisfeita e indócil no questionamento de fontes oficiais, testemu-
nhas, especialistas, sob risco de se transformarem em meros “repetidores
de fórmulas e técnicas” (CERQUEIRA, 2018, p. 179).
A curiosidade, aliás, é a mola-mestra que dá impulso ao aprendizado,
ensina Freire (1996). É ela, também, que instiga jornalistas a investigarem
terrenos ainda não explorados. De acordo com as DCNs, “cultivar a curio-
sidade sobre os mais diversos assuntos e a humildade em relação ao conhe-
cimento” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3) é uma competência geral a
ser estimulada nos estudantes. E o que é a atividade do jornalista se não a
de fazer perguntas? E, a partir delas, apreender tudo possível sobre temas
que, em muitos casos, não domina. Cerqueira (2018, p. 188) defende que “a
curiosidade é forma motriz da atuação de um jornalista”, assim como, para
Freire (1996), é o que move o processo de conhecimento. No caso do Jor-
nalismo, as questões que movem a curiosidade ingênua à epistemológica,

62
ou seja, que o levam a pesquisar, ir atrás do contexto como um todo, têm
relação direta com o interesse público. Ao ter sua curiosidade reprimida, o
jornalista tem prejudicadas sua apuração, “a diversidade e a pluralidade da
construção do conhecimento cotidiano” (CERQUEIRA, 2018, p. 189).
Da curiosidade à pesquisa é questão de tempo. O caminho natural de
qualquer dúvida é procurar suas respostas onde elas estiverem. O papel da
pesquisa está intimamente ligado à consciência do inacabamento e é, tam-
bém, uma atividade essencialmente jornalística. Em sua obra basilar O que
é Jornalismo, Clóvis Rossi (1988, p. 50) ensina que o jornalista, “ao partir para
a coleta de informações, deve estar municiado do maior número possível
de dados sobre o assunto de que vai tratar”, e dispor de um bom briefing da
situação permite a ele “questionar seriamente o seu entrevistado, evitando,
assim, transformar-se num mero gravador de luxo, que transcreve meca-
nicamente tudo aquilo que o entrevistado afirma. Para Cerqueira (2018, p.
176), “não há rigor na apuração sem busca, sem investigação”. A pesquisa é
inerente às várias etapas da produção jornalística, da elaboração da pauta à
finalização do material.
Do ponto de vista acadêmico, com o objetivo de ampliar a atuação do
Jornalismo quanto a campos e “contextos ainda não delineados no presen-
te” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 2), a pesquisa também é estimulada
pelas DCNs. O documento considera função dos cursos de Jornalismo, e
que deve ser levado em consideração quando da elaboração de seus pro-
jetos pedagógicos, “estimular o espírito empreendedor e o domínio cien-
tífico, de forma que sejam capazes de produzir pesquisa” (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2013, p. 2).
Mas pouco vale um profissional habilidoso na pesquisa se não é capaz
de fazer relações entre diferentes informações, sem capacidade crítica de
compreender e transpor esse conhecimento acumulado para o contexto, sem
capacidade de aprender. Para Freire (1996, p. 36), esse saber está ligado a “cons-
truir, reconstruir, constatar para mudar”. Deriva daí a necessidade, também
defendida pelas DCNs, dos conhecimentos gerais e humanistas que o jorna-
lista deve dominar, além daqueles inerentes à prática jornalística. Eles estão
descritos no eixo de fundamentação humanística, que orienta a organização
dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação a “capacitar o jornalista
para exercer a sua função intelectual” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4),
propiciando conhecimentos históricos, jurídicos, políticos, geográficos, cultu-
rais, entre outros que vão servir de base para a contextualização da realidade

63
que se apresenta no exercício diário da profissão. O jornalista que domina a
habilidade da apreensão da realidade colabora com a promoção do debate
público e proporciona ainda mais credibilidade ao conteúdo que produz.
Um profissional capaz de pensar certo, apreender a realidade e trazer
isso para seu exercício diário jamais será, por exemplo, reprodutor de um
discurso calcado em preceitos discriminatórios. “É próprio do pensar certo
a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou
acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não
é apenas o cronológico” (FREIRE, 1996, p. 19). Poucas coisas podem ser mais
nocivas a uma sociedade democrática do que um jornalista preconceituoso,
que desrespeita a diversidade inerente à coletividade. Para Cerqueira (2018,
p. 195), “qualquer carga de discriminação contamina a construção social da
realidade”, tão necessária ao fazer jornalístico. Estando cientes de que a sub-
jetividade é inescapável à prática jornalística, em certo nível, “isso não justi-
fica ratificação de preconceitos e reafirmação de atos discriminatórios” (CER-
QUEIRA, 2018, p. 195). As DCNs consideram uma Competência Pragmática o
“rigor e independência” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4) na escolha e
relacionamento com suas fontes, mirando “o princípio da pluralidade, o fa-
vorecimento do debate, o aprofundamento da investigação e a garantia social
da veracidade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4). Para isso, o documento
ainda exalta como uma Competência Geral o desenvolvimento da capacida-
de de “interagir com pessoas e grupos sociais de formações e culturas diver-
sas e diferentes níveis de escolaridade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3).
Isso se daria a partir do estímulo à “interação entre o ensino, a pesquisa e a
extensão, propiciando suas articulações [dos alunos] com diferentes segmen-
tos da sociedade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4).
Saber ouvir o outro é uma habilidade fundamental a qualquer jorna-
lista. Quem pergunta, deve ouvir a resposta e, com ela, aprender ou am-
pliar seu questionamento. É fundamental ao jornalista ter contato com os
mais diversos atores sociais. Saber escutar, compreender, empatizar com
o interlocutor, são habilidades inseparáveis do exercício do bom jornalis-
mo, aquele que ajuda a construir uma sociedade mais justa. Em artigo so-
bre O que Paulo Freire pode nos ensinar sobre jornalismo?, a pesquisadora
Juliana Freire Bezerra lembra que, assim como o processo educacional, o
de “feitura do conhecimento jornalístico também ocorre muito de forma
dialógica” (BEZERRA, 2019). Cerqueira adverte que “jornalistas que não es-
cutam, perguntam para si e respondem ao mesmo tempo, num ciclo de

64
‘autoinformação’” (CERQUEIRA, 2018, p. 191). Ao escutar o que a fonte diz,
desarmadamente, é possível diminuir a incidência de erros e enxergar
realidades distintas. O autor defende que a atividade “fortalece o rigor do
método” (CERQUEIRA, 2018, p. 191) e ajuda a praticar a humildade. A partir
da escuta é possível e necessário que se faça o diálogo, a oposição e até a
discordância, como defende Freire.
Daí que, ainda mais do que escutar, o ato de dialogar seja enriquecedor
à pesquisa, à prática e, consequentemente, ao produto final do Jornalismo.
Na acepção de Freire (1996), o diálogo está ligado ao respeito às diferenças,
à disponibilidade para ouvir quem pensa diferente ou, em termos atuais, a
“sair da bolha” social onde estamos acostumados a debater com nossos pa-
res. A ideia não é ter a intenção de mudar a forma do outro pensar, nem o
contrário, mas se encontrar com outro olhar, outra perspectiva de mundo,
outro lugar de fala.

É no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência


entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas.
É na minha disponibilidade à realidade que construo a minha se-
gurança, indispensável à própria disponibilidade (FREIRE, 1996, p. 69).

Presente em toda forma de interação humana, a questão ética é exaus-


tivamente apontada por Paulo Freire (1996, p. 11) como algo “absolutamente
indispensável à convivência”. Para o educador, ao se tornar consciente de
seu inacabamento, o ser humano se torna um ser ético, de opção. Ele pode
mantê-la ou transgredi-la, o que é uma possibilidade, mas não uma virtude
e nem seria aceitável. Assim como Freire (1996), as DCNs abordam o tema
repetidamente, em trechos como o que encoraja o aluno a lidar com pro-
blemas reais na interação com “fontes, profissionais e públicos do jornalis-
mo” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 1) e para assumir as responsabilida-
des inerentes à prática, de acordo com o grau de autonomia já conquistado.
O documento do MEC também valoriza a ética como uma Competência
Geral a ser desenvolvida, junto ao que Freire (1996) chama de pensar certo,
citando a necessidade de o estudante desenvolver a aptidão para “distinguir
entre o verdadeiro e o falso a partir de um sistema de referências éticas e
profissionais” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3). No mesmo trecho, a
habilidade se une à virtude da humildade, também apontada na obra de
Freire (1996), quando o documento define como competência própria do

65
jornalista saber manter sua independência e o distanciamento necessário
em relação às fontes, sem se deixar envolver pela aura de fama, poder e
celebridade que envolvem determinados meios.
O conhecimento da ética da profissão é valorizado, ainda, como uma
Competência Cognitiva, junto com outras como questões técnicas e esté-
ticas do fazer jornalístico. Dentro das Competências Pragmáticas, a busca
pela precisão dos fatos apurados e a adoção de “critérios de rigor e inde-
pendência na seleção das fontes e no relacionamento profissional com elas”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4) são, na prática, exemplos de como o
jornalista deve, a partir de sua formação, saber se posicionar no dia a dia.
Vizeu (2014, p. 14) defende que “a ética é da essência do Jornalismo e pode-
mos chegar a isso com o rigor do método”. Finalmente, como Competência
Comportamental, o documento do MEC cita a necessidade do estudo e
análise de questões éticas do Jornalismo, além do respeito a seus princípios
e normas e a avaliação da atividade com base na ideia de que a atividade
jornalística tem em si uma responsabilidade social.
Como um exercício de autocrítica, de humildade e, por que não dizer, de
ética, Freire (1996) propõe aos educadores que promovam uma reflexão crítica
sobre sua prática. Estendendo este conceito ao Jornalismo, além de proporcio-
nar uma melhora no produto final, a reflexão crítica é um ato de responsabili-
dade e fala sobre a forma como o profissional trata os assuntos e atores envol-
vidos no processo de produção do material jornalístico, que, no outro extremo
da construção do conhecimento, é capaz de destruir reputações.

Busca-se corrigir erros, identificar suas próprias manchas, descobrir


e corrigir equívocos em seu método de construção da realidade e
interpretação do mundo, o jornalismo e suas várias formas, como o
telejornalismo, que atinge milhares ao mesmo tempo, tem obrigação
de olhar para dentro da sua prática, ampliando seu espectro (CER-
QUEIRA, 2018, p. 182).

Para incentivar a reflexão crítica, as DCNs preconizam a integração


entre teoria e prática jornalística, ao formar profissionais “para atuarem
criticamente na profissão, de modo responsável” (MINISTÉRIO DA EDUCA-
ÇÃO, 2013, p. 2), que tenham a capacidade pragmática de “avaliar criticamen-
te produtos e práticas jornalísticas” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4),
suas ações e efeitos.

66
A percepção do poder e da responsabilidade inerentes à prática jorna-
lística apontadas pela preocupação com o preparo dos novos profissionais
para a exercerem de forma crítica e, principalmente, autocrítica nos traz
aos dois últimos pontos de nossa analogia entre a formação que almeja-
mos dos futuros jornalistas e os saberes que Paulo Freire (1996) deseja aos
responsáveis pela prática educativa. A obra freireana é permeada por uma
ideia de esperança no futuro, mas não no sentido passivo da palavra e sim
no sentido prático.

A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição


se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser huma-
no não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de
um movimento constante de busca e, segundo se buscasse sem espe-
rança (FREIRE, 1996, p. 37).

É, em outras palavras, enxergar o “futuro como problema e não como


inexorabilidade”, como algo passível de mudança. “O mundo não é. O
mundo está sendo” (FREIRE, 1996, p. 39-40). Para Cerqueira (2018, p. 185), essa
crença move a prática jornalística:

Nenhum jornalista age com retidão, com rigor ao método, de ma-


neira ética, preocupa-se com a estética atrativa ou se interessa em
aprender a realidade de maneira contextual, se não internalizado
o desejo de mudar. E mudar significa questionar o que está posto,
refletir criticamente, problematizar. Acreditar que a mudança, vi-
sualmente necessária, pode ocorrer, mesmo com dificuldade e com
condicionantes.

Ele questiona: “Qual a função do jornalismo se não buscar a mudança?


Se não contestar o que está posto?” (CERQUEIRA, 2018, p. 186). E é justamente
na crença de que a mudança social é possível e, mais do que isso, necessá-
ria, que finalizamos nossa análise. Na certeza de que ela está indissociavel-
mente ligada à atuação ética, comprometida, respeitosa, humilde, metodo-
lógica, curiosa, livre de preconceitos, dialógica e crítica da imprensa livre e
democrática, como parte fundamental desta engrenagem.

67
Considerações finais

A formação de jornalistas imbuídos de todos os preceitos aqui mencio-


nados não garante, por si, que a atividade jornalística irá mudar para melhor
apenas com a ascensão de uma nova geração, formada a partir deles com a
aplicação das DCNs nos cursos de graduação. Isso porque as pressões institu-
cionais nos mais diversos ambientes onde os profissionais atuam não depen-
dem somente do jornalista, mas partem dos níveis hierárquicos mais altos, e
que, em muitos casos, têm pouca ou nenhuma intimidade com a prática e os
valores jornalísticos. O que se espera é que, ao internalizarem os valores apre-
endidos nos bancos da academia, esses novos profissionais sejam capazes de se
organizarem melhor, de argumentarem melhor, de fazerem melhores escolhas.
A comunicação é uma via de mão dupla, impossível fazê-la sem que seja por
meio do diálogo. É um “movimento de ida e vinda”, como diz Cerqueira (2018).
Nosso desejo ao pensar em uma formação pautada em saberes tão pro-
fundamente humanos, utilizando o sentido adjetivado da palavra, é que os
ensinamentos de Paulo Freire colaborem na formação de um profissional
instigado por algo que vá além das habilidades técnicas, algo que o permi-
ta olhar para o outro e construir seu conhecimento, e o do outro, a partir
dessa sensibilidade, sempre pautado pela compreensão de seu papel na so-
ciedade e da responsabilidade inerente a ele.

Se o Jornalismo é produção de conhecimento diferente daquele pro-


duzido pela Ciência, tem importância social muito maior do que se
tem atribuído a ele. No conhecimento do mundo produzido pelo
Jornalismo, talvez possamos encontrar pistas que nos ajudem a en-
tender a crescente irracionalidade da civilização racional e científica.
E, dando atenção a esta irracionalidade, quem sabe poderemos nos
reaproximar dos sentimentos do público e, com isso, reencontrar o
seu interesse. Se o jornalismo é produção de conhecimento, temos que
revisar radicalmente a pedagogia de nossas escolas, que até agora o via
só como forma de comunicação. Não basta formar comunicadores, é
necessário formar produtores de conhecimento (MEDITSCH, 1992, p. 20).

Ao refletirmos sobre o conhecimento que o Jornalismo produz, sua im-


portância, sua função e seus desafios, acreditamos que podemos contribuir
para o fortalecimento da atividade, cuja imagem está, atualmente, desgastada

68
devido, em parte, à carência de reflexão crítica sobre a prática, por escolhas
eticamente questionáveis e pela concorrência com as múltiplas fontes de infor-
mação que transitam na sociedade paralelamente ao jornalismo “tradicional”.
Se “somos seres condicionados, mas não determinados”, como diz Freire (1996,
p. 11), é preciso “reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de
determinismo, que o futuro [...] é problemático e não inexorável”. Sendo as-
sim, somente por meio de uma análise profunda e da tomada de consciência
de nossas limitações poderemos enxergar as possibilidades que nos levarão à
reconstrução de nossa atividade mantendo sua relevância junto à sociedade.

Referências

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Observatório da Ética Jornalística. 2019. Disponível em: <https://objethos.word-
press.com/2019/08/19/o-que-paulo-freire-pode-nos-ensinar-sobre-jornalismo/>.
Acesso em: 20 dez. 2019.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução 01/CNE/CES/2013, de 27 de setem-
bro de 2013. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de gradua-
ção em Jornalismo, bacharelado, e dá outras providências. Brasília, 2013.
CERQUEIRA, L. A função pedagógica do telejornalismo − e os saberes de Paulo
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FONSECA, A. A. A pedagogia de Paulo Freire e o projeto pedagógico de Jornalis-
mo. Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 3, n. 13, p. 168-184,
jul./out. 2013. Disponível em: <http://www.fnpj.org.br/rebej/ojs/index.php/rebej/
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FREIRE, P. A pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MEDITSCH, E. O Conhecimento do Jornalismo. Florianópolis: Editora da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina, 1992.
MEDITSCH, E.; FARACO, M. B. O pensamento de Paulo Freire sobre Jornalismo
e Mídia. Intercom−Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v.
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ROSSI, C. O que é jornalismo. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
VIZEU, A. E. P. J. Jornalismo e Paulo Freire: o conhecimento do desvelamento. Re-
vista FAMECOS mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 860-877,
set./dez. 2014. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/
revistafamecos/article/view/17810/12567>. Acesso em: 27 jan. 2020.

69
JORNALISMO POPULAR
E A PRÁXIS PARA A CIDADANIA

Juliana Freire Bezerra

A cobertura jornalística veiculada na imprensa corporativa acerca de


realidades marcadas pela pobreza é alvo frequente de críticas entre especia-
listas no assunto e cidadãos de condição social popular. Ambos observam
que estes contextos são representados frequentemente pelo prisma único
da carestia ou da violência urbana e rural, como se neles não houvesse uma
potencialidade cidadã, cultural, econômica que igualmente merecesse ser
noticiada. Por este viés, a pesquisadora Marília Budó (2008) destaca que o
jornalismo corporativo comumente reproduz discursos oficiais do sistema
penal, relacionando a criminalidade ao estigma da pobreza social, bem
como simplificando e ocultando as causas estruturais dos conflitos evi-
denciados pelos movimentos sociais. Morel (1986), por sua vez, aponta que
moradores de favelas cariocas constroem iniciativas de jornalismo popular
para apresentarem contrapontos sobre a realidade onde habitam, promo-
vendo a autoestima social local e fomentando a luta contra as privações
sociais nas comunidades1.
A explicação sobre os motivos que condicionam o jornalismo corpo-
rativo a representar desta maneira as comunidades, os seus moradores e
os movimentos sociais é complexa. Envolve problemáticas de violência
estrutural e histórica contra minorias políticas, bem como questões eco-
nômico-ideológicas dos poucos conglomerados midiáticos aos quais está
ligada a grande imprensa brasileira. Certamente também está relacionada
a uma formação jornalística aquém da necessária para gerar produtores

Entende-se que a significação em torno do termo Jornalismo Popular é um campo em disputa. Neste estudo,
1

o termo faz referência ao jornalismo de cunho alternativo-popular voltado ao preenchimento de lacunas de


informação deixadas pelo jornalismo corporativo acerca das comunidades. Em seu sentido mais radical, o
Jornalismo Popular é feito pelo povo e para o povo; mas há experiências, como a maioria verificada neste
artigo, em que os jornalistas, apesar de não pertencerem às classes populares, estabelecem com elas um
compromisso emancipacionista na criação de narrativas que fortalecem as lutas por cidadania e contribuem
para a desconstrução de estereótipos que historicamente violentam as comunidades e seus moradores.

70
intelectuais conscientes do seu papel social e com aptidões para produzir
conhecimentos emancipadores sobre as diferentes realidades nacionais.
De acordo com Miani (2012), disciplinas que visam aproximar os es-
tudantes da realidade concreta das camadas populares, como Comunica-
ção Popular e Comunitária, não são comuns nas estruturas curriculares
dos cursos de Jornalismo e nem de outros cursos da área de Comunicação
no Brasil, revelando uma lacuna na formação discente, sobretudo dos que
aspiram ser jornalistas. “O resgate do valor histórico, social e acadêmico
desse e de outros setores da comunicação é condição essencial para a for-
mação integral do comunicador, enquanto agente de transformação social”
(MIANI, 2012, p.1). As pesquisadoras Cristiane Bernardo e Inara Leão (2012)
também constataram, ao analisar as matrizes curriculares dos cursos de Jor-
nalismo em todo o Brasil que, em um retrato da média nacional, as discipli-
nas sobre realidades regionais e locais configuram-se como casos isolados2.
No quadro geral que as autoras sistematizaram acerca desses currículos, as
disciplinas Comunicação/Jornalismo Comunitário e/ou Popular sequer apa-
recem. Sobre este último ponto, Cláudia Lahni e Sônia Virgínia Moreira
(2016, p. 194) afirmam que a discussão acerca do ensino de disciplinas com
esse perfil também é pouco presente nas revistas acadêmicas de referência da
área3. Concluem que para atender às atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) para os cursos de graduação em Jornalismo é necessário a “inclusão
de pontos atinentes à cidadania e à democratização entre os temas essenciais
para a formação em Comunicação/em Jornalismo”.
Sobre os aspectos específicos acerca da relação entre jornalismo e
cultura popular, as DCNs em vigor pontuam como uma das competências
gerais do egresso: “h) interagir com pessoas e grupos sociais de forma-
ções e culturas diversas e diferentes níveis de escolaridade” (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3). Em relação às competências pragmáticas, espe-
cifica-se também a necessidade do formando saber “l) elaborar, coorde-
nar e executar projetos de assessoria jornalística a instituições legalmente
constituídas de qualquer natureza, assim como projetos de jornalismo
em comunicação comunitária, estratégica ou corporativa” (p. 4, grifo
2
Na época da realização das pesquisas produzidas por Miani (2012) e Bernardo e Leão (2012), as atuais
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso de Jornalismo ainda não tinham sido instituídas pelo
Conselho Nacional de Educação. Isso só ocorreu em 2013 e o prazo para entrarem em vigor nos cursos
foi o segundo semestre de 2015. Contudo, desde 2009, está disponível publicamente o relatório sobre o
assunto produzido pela Comissão de Especialistas em Jornalismo, constituída para subsidiar o Ministério
da Educação (MEC) neste trabalho.
3
As pesquisadoras analisaram no estudo as revistas Rebej, RBCC e E-compós entre os anos de 2009 e 2012.

71
nosso). De forma mais abrangente, o primeiro dos seis eixos formativos das
Diretrizes, o de fundamentação humanística, indica que as disciplinas
devem contemplar conhecimentos sobre as realidades e as culturas brasi-
leiras, regionais e locais, como4:

formação histórica, estrutura jurídica e instituições políticas con-


temporâneas; sua geografia humana e economia política; suas raízes
étnicas, regiões ecológicas, cultura popular, crenças e tradições; arte,
literatura, ciência, tecnologia, bem como os fatores essenciais para o
fortalecimento da democracia, entre eles as relações internacionais,
a diversidade cultural, os direitos individuais e coletivos; as políticas
públicas, o desenvolvimento sustentável, as oportunidades de espor-
tes, lazer e entretenimento e o acesso aos bens culturais da huma-
nidade, sem se descuidar dos processos de globalização, regionali-
zação e das singularidades locais, comunitárias e da vida cotidiana
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 4-5).

As DCNs também direcionam uma mudança quanto ao entendimento


do ensino do Jornalismo de maneira geral. Diferentemente do que ocorria
desde a ditadura militar brasileira, o curso deixou de ser uma habilitação
do Curso de Comunicação Social, para se estabelecer como uma gradua-
ção específica, bacharelado em Jornalismo. O objetivo, segundo Meditsch
(2014), foi propiciar uma aproximação entre a teoria e a prática no ensino do
Jornalismo, sem desvinculá-lo de uma perspectiva generalista e humanísti-
ca de formação crítica, técnica e estética.
Tal orientação pedagógica caminha em consonância com os funda-
mentos da educação popular de Paulo Freire (2011). Neste sentido, é possí-
vel refletir que, além do conhecimento teórico acerca das raízes históricas
das realidades brasileiras, regionais e locais, o estudante de Jornalismo pre-
cisa ser formado no sentido da práxis. Ou seja, precisa, a partir da realidade
concreta a que observa, progredir reflexivamente na elaboração de um en-
tendimento crítico sobre o mundo e a este retornar como ação consciente,
materializada no quefazer de um jornalismo atravessado pelos aprendiza-
dos que as camadas populares lhe ajudam a construir.
4
Os seis eixos são: I − Fundamentação Humanística, II − Fundamentação Específica, III − Fundamentação
Contextual, IV − Formação processual, V − Aplicação processual e VI − Prática Laboratorial. Em todos
eles há brechas para que disciplinas relacionadas ao jornalismo e à comunicação populares, bem como à
necessidade de democratização da comunicação sejam abarcadas.

72
Neste sentido, a aproximação em termos teóricos e concretos entre
estudantes de Jornalismo e camadas populares pode propiciar que ambos
avancem no entendimento das razões políticas, sociais e econômicas que
geram a pobreza e estabeleçam juntos uma nova relação: solidária, empá-
tica e humana, bem como comprometida com a democratização social e
com a denúncia das injustiças do mundo. Visando entender como os cur-
sos de graduação em Jornalismo vêm incentivando esta perspectiva for-
mativa, questiona-se neste trabalho quais são os caminhos metodológicos
adotados neles para o ensino do Jornalismo Popular.
Para responder essa pergunta, analisa-se artigos científicos e rela-
tos de experiência que versaram sobre o assunto e foram publicados em
cinco revistas acadêmicas da área. Duas delas, a Revista Internacional de
Folkcomunicação (RIF) e a Altejor, voltam-se especificamente à temática do
Jornalismo e/ou da Comunicação Popular. As demais pertencem a algumas
das principais entidades científicas da área, a saber: Revista Brasileira de
Ciências da Comunicação (RBCC), ligada à Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), Brazilian Journalism Rese-
arch (BJR), ligada à Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
(SBPJor) e Revista Brasileira de Ensino do Jornalismo (Rebej), ligada à As-
sociação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ). Artigos relacionados
à temática também foram procurados no livro Reflexões sobre o Ensino do
Jornalismo no Brasil (ORMANEZE; BAZI, 2014), promovido pelo Fórum Na-
cional de Professores de Jornalismo (FNPJ).
A seleção dos conteúdos acadêmicos se deu a priori pela análise
dos sumários do livro e de cada edição das respectivas revistas desde a
sua primeira publicação disponibilizada em formato digital até a última
referente ao mês de dezembro de 20195. Nos artigos que tematizaram
o ensino do jornalismo, além da leitura dos resumos e das conclusões
dos trabalhos, foram empregadas as seguintes palavras-chave: popular,
comunitário/a, sindical, periferia, movimento social, minorias. Após
essa triagem, apenas 11 artigos que versavam sobre o ensino univer-
sitário do Jornalismo Popular ou abordavam o ensino superior em
Jornalismo a partir de uma perspectiva de jornalismo popular foram

5
Altejor (2009-2019), BJR (2005-2019), RIF (2003-2019), Rebej (2007-2019). A exceção se deu apenas na
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação (RBCC-Intercom), em que o ponto de partida da análise
foi a edição de 1985, apesar do acervo eletrônico da revista conter edições mais antigas, datadas do ano
1980. O motivo desta escolha se relaciona à pouca legibilidade de algumas edições antigas digitalizadas
em arquivo único e/ou à publicação parcial do conteúdo.

73
encontrados6. Isso resulta em pouca reflexão e sistematização teórico-
-metodológica do ensino desse tipo de jornalismo7.
A etapa seguinte foi a de leitura e de análise desse material por cate-
gorias, a partir do que a análise do empírico tornou mais evidente sobre
as escolhas metodológicas adotadas para o ensino do jornalismo popular.
As disciplinas onde ele acontece, o referencial teórico promovido sobre o
assunto em sala de aula, as motivações que levam os cursos a adotarem
tais experiências pedagógicas, bem como suas possíveis limitações foram
as principais questões mapeadas.

O caráter teórico-prático do ensino em Jornalismo Popular

Na década de 1980, quando o Curso de Jornalismo ainda era conside-


rado uma das habilitações em Comunicação Social, a disciplina Comunica-
ção Comunitária se configurou como o espaço privilegiado para a aproxi-
mação entre estudantes de Comunicação e comunidades empobrecidas e/
ou setores populares organizados. Segundo Paiva (2014), a obrigatoriedade
desta disciplina em muitos cursos brasileiros esteve relacionada ao avanço
da crítica acadêmica latino-americana eclodida dez anos antes acerca dos
modelos tradicionais de comunicação.
Neste contexto científico e histórico, autores como Mario Kaplún (1983)
e Luis Ramiro Beltrán ([1981], 2012) não se limitaram a criticar os mode-
los clássicos de comunicação, os quais se colocavam à serviço dos países
desenvolvidos no processo de dominação dos países em desenvolvimento.
Propuseram o anúncio de outra comunicação possível para a América La-
tina, embasada em preceitos democráticos, que incluíam a participação dos
setores populares nos processos de comunicação e desenvolvimento social.
De acordo com Beltrán ([1981], 2012), o pensamento do pedagogo brasileiro
Paulo Freire, ainda que tenha se debruçado sobre a área da Educação, se
configurou como um marco teórico para a abertura dessa visada intelectual
entre pesquisadores latino-americanos acerca da Comunicação Social.
Além disso, as críticas à educação tradicional e a proposição de uma
perspectiva pedagógica voltada à emancipação das camadas populares –

6
Outras cinco publicações, apesar de fazerem alguma referência ao ensino universitário do jornalismo popu-
lar, não tratam desta questão de forma central. Por conta disto, não compuseram o corpus deste trabalho.
7
Dos conteúdos analisados, seis foram encontrados na Rebej, um no livro promovido pela FNPJ, um na
RIF e três nas RBCC.

74
ancoradas no que Meditsch (2016) chamou de primado da prática no pen-
samento freiriano – também pressionaram as universidades a repensarem
a formação que estavam ofertando aos seus estudantes. É que, para Freire
(1996), o ensino tradicional comumente privilegiava a teoria sobre a prática,
contribuindo para a geração de verbalismos teóricos distantes da realidade
concreta a que deveriam estar à serviço. Segundo o autor, era no caminho
inverso, o do compromisso com a realidade concreta e o da perspectiva hu-
manista de pedagogia direcionada à transformação social, que o pensar certo
sobre o mundo deveria se constituir. Disso não decorre que a prática pres-
cinde da teoria, nem vice-versa. Ambas precisam ser integradas para a reali-
zação da ação transformadora das grandes questões nacionais (FREIRE, 1996).
Essa metodologia pedagógica chamada de práxis toma, dessa forma, o mun-
do real com suas problemáticas como ponto de partida por onde a reflexão
teórica deve caminhar e para onde deve retornar em forma de ação conscien-
te. Segundo Paula (2013, p. 17), é com Paulo Freire que a universidade efetiva o
seu compromisso pedagógico com a transformação da realidade, bem como
“descobre e desenvolve instrumentos que a aproximam dos setores populares
[...]”, a exemplo da extensão universitária alinhada às causas dos excluídos.
Em virtude desse norte teórico e metodológico que influenciou não
só a formulação da concepção de Comunicação Popular, mas também o
seu ensino, as iniciativas pedagógicas em Jornalismo Popular parecem des-
toar da comum dicotomia, sinalizada por Meditsch (2014), entre teoria e
prática dos cursos de Comunicação no Brasil. Foi verificada que a práxis
se constitui como uma preocupação metodológica em todos os conteúdos
científicos que compõem o corpus deste trabalho8. No artigo mais antigo
aqui analisado, Botão (1994) pontuou a preocupação que se dava em tor-
no da disciplina Comunicação Comunitária em mesclar ensino, pesquisa
e extensão como método pedagógico, visando contribuir com a formação

São estes: 1 − O ensino laboratorial de Jornalismo e as Novas Diretrizes Curriculares (BARBOSA; CARVA-
8

LHO, 2014), 2 − Experiências de apoio, diálogo e interação com movimentos sociais na Agência de Jorna-
lismo da UEPG (WOITOWICZ; CAMARGO; GADINI, 2011), 3 − Uma breve reflexão sobre a experiência
de ensino no curso de Jornalismo de Alto Araguaia, Mato Grosso (SILVA, 2013), 4 − O jornal-laboratório
como instrumento de desenvolvimento local: a experiência do jornal A Notícia (MOTA, 2010), 5 − O jornal-
-laboratório como crítica da cidade: saneamento básico, moradia e mobilidade urbana nas páginas do Foca
Livre (PONTES; BAN, 2016), 6 − A contribuição da extensão para a formação integral do discente e valori-
zação das identidades locais (MENESES; SOUSA; TESKE, 2018), 7− As novas Diretrizes Curriculares Na-
cionais e a formação do jornalista para a cidadania (BAZZO; BRAGA, 2018), 8 − O jornalismo cultural em
perspectiva folkcomunicacional: reflexões sobre práticas de ensino, extensão e pesquisa na formação cidadã
jornalística (BRONOSKY; GADINI, 2015), 9 − Comunicação Comunitária: uma disciplina de formação
sociopolítica e intervenção social (MIANI, 2014), 10 − Curso de graduação em Jornalismo da Terra: cons-
truindo uma outra comunicação pela vivência de uma cidadania insurgente (NUNES; OLIVEIRA, 2016),
11− Comunicação comunitária e cidadania: uma experiência de ensino (BOTÃO, 1994).

75
crítica do estudante de Comunicação Social no período de redemocratiza-
ção do país. Trabalhos de assessoria de imprensa e jornais de linha editorial
popular eram realizados pelos estudantes em projetos voltados à comuni-
dade e aos movimentos populares, após a discussão teórica acerca dos pre-
ceitos da Comunicação Popular. Miani (2014, p. 267) igualmente relata que,
na Universidade Estadual de Londrina (UEL), a natureza teórico-prática da
disciplina Comunicação Comunitária:

possibilitou a constituição de um programa pedagógico que assumiu


como objetivo a construção de uma perspectiva crítica para os estu-
dos da comunicação e de produção de uma experiência de interven-
ção social que pudesse potencializar aos estudantes a oportunidade
de vivenciar uma prática comunicativa de natureza não convencio-
nal e baseada em pressupostos contra-hegemônicos.

Juntamente com a extensão, os jornais-laboratórios foram os principais


caminhos por que seguiram disciplinas com esse perfil justamente pelo cará-
ter prático demandado. Dessa forma, dos 11 conteúdos científicos analisados,
quatro têm como objeto de estudo jornais-laboratório de suas Instituições de
Ensino Superior (IES) e, três, projetos de extensão9. Os demais artigos, embo-
ra não tomem esses instrumentos pedagógicos como objeto central de estu-
do, sinalizam o uso deles para o ensino do Jornalismo Popular. Neste sentido,
por exemplo, Nunes e Oliveira (2016) afirmam que a característica prático-
-teórica do ensino superior em jornalismo popular rural analisado por elas
integra o tempo-escola, para discussão teórica, e o tempo-comunidade, para
a aplicação do conhecimento teórico aprendido sobre jornalismo popular em
assentamentos rurais, semelhante ao que ocorre na extensão universitária.

As DCNs em vigor potencializando a formação praxiológica

A natureza prático-teórica do ensino do Jornalismo Popular parece ter


sido ainda mais potencializada com as orientações das DCNs. É que, dos 11
conteúdos científicos analisados sobre o assunto, dez foram escritos após o

Os artigos que possuem a extensão como objeto de estudo são os de autoria de Woitowick e Camargo (2011);
9

Meneses, Sousa e Teske (2018) e Bronosky e Gadini (2015). Já os que têm o jornal-laboratório como objeto
de estudo são os escritos por Barbosa e Carvalho (2014); Silva (2013); Mota (2010) e Pontes (2016).

76
documento ter se tornado público em 2009, e quatro o utilizam para enfa-
tizar a necessidade de integração entre teoria e prática no ensino do jorna-
lismo, através de projetos de extensão e/ou disciplinas laboratoriais onde
práticas jornalísticas de viés popular ocorrem. Barbosa e Carvalho (2014)
afirmam que o jornal-laboratório, como espaço de experimentação nos
cursos de Jornalismo, atende às orientações das DCNs, visto que possibili-
ta a construção de projetos editoriais definidos, com publicação regular e
orientados a públicos reais. Em outros dois artigos, a extensão universitária
foi citada como uma tentativa para resolver as problemáticas dos estágios
profissionais obrigatórios demandados pelas DCNs (WOITOWICZ; CAMAR-
GO; GADINI, 2011) e para fomentar uma formação jornalística mais aproxi-
mada do que os estudantes vivenciarão, quando formados, no mercado de
trabalho (MENESES; SOUZA; TESKE, 2018). Já Bazzo e Braga (2018) observam
de que maneira os cursos vêm ensinando o jornalismo em consonância
com os preceitos da cidadania, conforme previsto pelas DCNs. Este foi,
inclusive, o único artigo em que o documento foi utilizado para justificar
a escolha pedagógica de iniciativas laboratoriais e extensionistas pela linha
editorial popular. A despeito disto, pontos que tratam especificamente das
questões populares nas DCNs não foram mencionados.

A interdisciplinaridade como horizonte metodológico

Em virtude da natureza extensionista e/ou laboratorial do ensino do jor-


nalismo de perspectiva popular, e em conformidade com as orientações rea-
lizadas pelas DCNs em vigor, alguns artigos e relatos de experiência retratam
a interdisciplinaridade como método pedagógico de ensino desse jornalis-
mo. Mais especificamente, dos seis conteúdos científicos que mencionam em
quais disciplinas o ensino do jornalismo popular é realizado, quatro indicam
que isso se dá de forma colaborativa entre diferentes disciplinas10.
Por este viés, Bronosky e Gadini (2015) realçam como três projetos de
extensão na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) favorecem que
alunos de turmas e disciplinas distintas atuem colaborativamente na pro-
dução de projetos de assessoria e jornalismo populares. Disciplinas como
Apenas nos conteúdos científicos escritos por Silva (2013) e Botão (1994), a interdisciplinaridade não foi
10

mencionada, enfatizando-se que o ensino do Jornalismo Popular é realizado na disciplina de Planejamen-


to Gráfico II − Jornal Laboratório Impresso e na de Comunicação Comunitária, respectivamente. Neste
último caso, o artigo foi escrito antes das DCNs de 2009.

77
Webjornalismo, Comunicação Comunitária, Fotojornalismo e Telejornalismo
são, desta forma, trabalhadas em conjunto tendo em vista uma mesma pers-
pectiva editorial: a preocupação com a cidadania e a abordagem de culturas
plurais. Meneses, Sousa e Teske (2018, p. 23), também observam a interdiscipli-
naridade como escolha metodológica na Universidade Federal do Tocantins
(UFT) no ensino de práticas jornalísticas de linha editorial popular:

A partir das análises de projetos de extensão e de ensino-extensão


realizados nas disciplinas Comunicação Comunitária (atualmente
substituída por Jornalismo e Cidadania a partir da atualização do
projeto pedagógico e adequação às Novas Diretrizes Curriculares
dos Cursos de Jornalismo), Fotojornalismo e Folkcomunicação (esta
optativa) pudemos observar que tais projetos se estreitam com o jor-
nalismo comunitário, alternativo ou popular.

Barbosa e Carvalho (2014) afirmam que a disciplina de jornal-laborató-


rio, chamada de Produção e Edição de Impressos no curso de Jornalismo da
Universidade Católica de Brasília, é uma maneira de atender a orientação
das DCNs por integrar o ensino do jornalismo impresso aos demais eixos
formativos previstos nelas, numa perspectiva interdisciplinar. “Dentro das
rotinas produtivas do jornal, desde o segundo semestre de 2010 o curso
vem realizando uma parceria com a disciplina de Fotojornalismo e com o
Núcleo de Fotografia Captura, em busca de aumentar a integração curri-
cular” (BARBOSA; CARVALHO, 2014, p. 60). Miani (2014) também observa esta
parceria entre a disciplina Comunicação Comunitária, Direitos Humanos e
Terceiro Setor nos cursos de Comunicação da UEL.

A dimensão teórica

Em relação à discussão teórica mobilizada no ensino do Jornalismo


Popular, foi verificado que, embora todos os conteúdos científicos relatem
que as iniciativas fomentam uma reflexão crítica acerca do jornalismo e
da sociedade brasileira, poucos especificam como isso é realizado. Al-
guns apontam a aproximação concreta entre estudantes e as comunidades
como promotora dessa reflexão crítica. Outros que as disciplinas labora-
toriais e os projetos de extensão incentivam os estudantes e os professores

78
a formularem reflexões acadêmicas materializadas em monografias, arti-
gos científicos e grupos de pesquisa. Mota (2010), por exemplo, apesar de
destacar que a linha editorial do jornal-laboratório A Notícia, do curso da
Favip, em Caruaru, assumiu os contornos da discussão sobre a Comunica-
ção Rural para o Desenvolvimento Local, não especifica como é realizada
essa reflexão teórica com os alunos.
Apenas os conteúdos científicos escritos por Silva (2013), Miani (2014),
Nunes e Oliveira (2016) e Botão (1994) explicitam como se desenvolve a di-
mensão teórica das iniciativas pedagógicas. Neste sentido, Silva (2013) relata
que, na disciplina de Planejamento Gráfico II − Jornal Laboratório, na Uni-
versidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), em Alto Araguaia, antes de
partirem para a prática de confecção de um jornal popular, os estudantes,
juntamente com o professor, realizam uma discussão sobre jornalismo im-
presso, imprensa de orientação democrática e sociedade contemporânea.
Essas discussões, segundo o autor, são fundamentais:

para direcionar o olhar dos alunos de maneira mais contestadora ao


posicionamento ocupado pela imprensa, em especial, pelos periódicos
nacionais e locais, em relação ao espaço público contemporâneo e em
movimento. A leitura, balizada por artigos, capítulos e livros de autores
clássicos do jornalismo impresso, do design gráfico, de ética na impren-
sa e globalização, constituiu a base teórica para a elaboração dos relató-
rios sobre a produção laboratorial do jornal (SILVA, 2013, p. 117).

Miani (2014) destaca, por sua vez, que a discussão teórica da disciplina
Comunicação Comunitária na UEL parte do conceito de comunidade. Este
conceito, segundo o autor, é entendido como espaço político concreto de
resistência a partir dos estudos de Raquel Paiva (MIANI, 2014, p. 274).

Outra temática fundamental prevista no programa da disciplina é o


conceito de participação. Para tanto, assumimos plenamente as con-
tribuições apresentadas por Cicília Peruzzo (1998) e por Pedro Demo
(1996) [...]. Na sequência dos debates da disciplina, são conduzidas aná-
lises críticas dos conceitos de exclusão e de cidadania. A respeito desse
último tema, tomamos como pressuposto a polissemia do conceito e
apresentamos a perspectiva de alguns autores de referência, como José
Murilo de Carvalho (2001) e Maria Victória Benevides (1991).

79
Nunes e Oliveira (2016, p. 26) esclarecem que o projeto curricular do
curso de graduação em Jornalismo da Terra na Universidade Federal de
Ceará (UFC) se ancorou nas problemáticas vivenciadas nos assentamentos
rurais e na “compreensão da comunicação como uma prática humana e
histórica”. Além disso, segundo as autoras, houve uma adaptação das dis-
ciplinas ofertadas no curso de Jornalismo regular da UFC aos “processos
comunicacionais que pudessem aprimorar o exercício de comunicação
por parte dos assentados e assentadas” (NUNES; OLIVEIRA, 2016, p. 26). Desta
forma, disciplinas optativas, como oficinas de Rádio Comunitária e de Ví-
deo, bem como Tópicos Especiais para a Comunicação e Reforma Agrária
compuseram a grade curricular do curso de Jornalismo da Terra. Já Botão
(1994) relata que o ensino da disciplina Comunicação Comunitária na Uni-
versidade Metodista de Piracicaba, partia de uma discussão teórica sobre
os conceitos de comunidade, comunicação comunitária e a história política
mais recente à época, que abarcava o combate à ditadura e o papel decisivo
dos movimentos sociais para a reabertura política brasileira.

Das motivações às dificuldades do ensino


do Jornalismo Popular

Barbosa e Carvalho (2014, p. 57) sintetizam as principais motivações


para o ensino extensionista e laboratorial do jornalismo a partir de uma
perspectiva popular na Universidade Católica de Brasília:

a) Dar conta, jornalisticamente, de uma realidade social que é mar-


ginalizada na cobertura diária dos veículos de referência do DF;
b) Estimular os estudantes a diversificarem o olhar jornalístico para
além das pautas agendadas pelas assessorias de imprensa, pelas
redes sociais e pelos próprios meios de comunicação;
c) Aprofundar os laços com uma comunidade intensamente impac-
tada pela presença da universidade e marcada por indeléveis con-
tradições socioeconômicas e culturais;
d) Exercitar as técnicas de produção jornalística, notadamente as que
dizem respeito ao texto, voltadas para um público-alvo concreto,
embasado por meio de indicadores, e também distinto daquele
com o qual, costumeiramente, se trabalha no ensino do Jornalismo;

80
e) Praticar o exercício de pensar conceitualmente um projeto edi-
torial e tentar aplicá-lo ao longo do semestre, o que implica em
maior cuidado com sugestão de pautas, angulação e abordagem
de matérias;
f) Estreitar a vocação extensionista da universidade, que estende sua
atuação para várias dessas comunidades que, durante o semestre,
se tornam público-alvo e espaço de abrangência do veículo.

Além destas razões, como já mencionado, as iniciativas visam contri-


buir para a formação crítica dos estudantes e a realização de um ensino
condizente com as necessidades das populações locais, apresentando-se
como contraponto à mídia comercial, sobretudo em cidades do interior
(SILVA, 2013; PONTES; BAN, 2016). Ainda é endossada a necessidade de estabe-
lecer dentro das comunidades o sentimento de pertencimento, atributo in-
dispensável para o exercício coletivo da cidadania (MENESES; SOUSA; TESKE,
2018), e de fomentar a pluralidade cultural (BRONOSKY; GADINI, 2015), bem
como de recuperar a relevância social do jornalismo diante de um contexto
de crise da profissão (BAZZO; BRAGA, 2018).
Sobre as dificuldades para a consolidação destas experiências, desta-
cam-se: variação da periodicidade dos produtos jornalísticos em virtude
da entrada de turmas novas a cada semestre (BARBOSA; CARVALHO, 2014;
BOTÃO, 1994), dificuldade para estimular uma comunicação participativa e
o compromisso político dos estudantes com os grupos populares com os
quais trabalham (NUNES; OLIVEIRA, 2016), ausência de equipamentos labo-
ratoriais adequados (SILVA, 2013), recursos financeiros insuficientes para os
deslocamentos em direção às comunidades populares, bem como a reali-
dade de estudantes que frequentam os cursos nos períodos noturnos, uma
vez que geralmente trabalham durante o dia e possuem tempo escasso para
desenvolver atividades extensionistas (MENESES; SOUSA; TESKE, 2018).

Considerações finais

Tendo em vista a crítica intensa em relação à cobertura realizada


pelo jornalismo corporativo sobre realidades populares, o ensino su-
perior em Jornalismo parece, com as iniciativas pedagógicas relatadas
nos conteúdos científicos analisados, contribuir para formar jornalistas

81
mais conscientes do seu papel social, enquanto agentes de cidadania. As
tentativas de aproximação entre estudantes e contextos sociais empo-
brecidos, associadas à reflexão realizada em sala de aula, método cha-
mado de práxis, são realçadas em todos os conteúdos científicos anali-
sados como caminho pedagógico para o ensino do Jornalismo Popular.
O objetivo principal com o método é propiciar uma formação universi-
tária coerente com os princípios democráticos do Jornalismo, por meio
de vínculos de compromisso com os setores excluídos socialmente. O
destaque à dimensão prática desse horizonte metodológico de ensino
ajuda a compreender por que, dos 11 conteúdos científicos analisados,
sete possuem como objeto de estudo projetos de extensão e/ou jornais-
-laboratório de linha editorial popular. Além disso, justifica o motivo
que levam os demais conteúdos científicos a enfatizarem o uso das mes-
mas estratégias pedagógicas para a integração entre teoria e prática em
disciplinas como Comunicação Comunitária.
Em relação às dificuldades para o estabelecimento do caráter prático
desse ensino, destacam-se: a insuficiência de recursos financeiros e equipa-
mentos laboratoriais em muitas IES, bem como a dificuldade para estimu-
lar uma comunicação participativa e o compromisso político dos estudan-
tes com os grupos populares com os quais trabalham. Uma estratégia uti-
lizada para dirimir este último ponto é indicada em quatro dos conteúdos
científicos analisados neste estudo. Trata-se da reflexão coletiva, a partir da
realidade concreta, para o fortalecimento da formação cidadã. A exclusão
social dos setores sociais empobrecidos e a proposição de outro jornalismo
possível são tematizadas em sala de aula com este objetivo. A discussão
teórica em torno da prática mobiliza conceitos como comunidade, comu-
nicação comunitária, cidadania e participação.
A utilização da práxis como perspectiva metodológica do ensino do
Jornalismo é ainda reforçada pelas demandas expostas nas DCNs em vi-
gor. Somada a isso, a natureza laboratorial-extensionista do ensino do
Jornalismo Popular favorece o uso de outro método de ensino: a inter-
disciplinaridade. Neste sentido, a análise evidenciou que comumente o
ensino do Jornalismo Popular é desenvolvido numa perspectiva orgânica,
ao longo de todo o curso, por meio do trabalho conjunto entre estudantes
e professores ligados a disciplinas e projetos de extensão diversos. Em
razão desses espaços comuns, é possível observar dois formatos em que
o ensino universitário em Jornalismo Popular se evidencia. Um, em que

82
pode ser vislumbrado nas entrelinhas de disciplinas e projetos técnicos
que não necessariamente recebem a denominação popular na grade cur-
ricular, mas adotam essa linha editorial como condutora dos produtos
gerados pelos discentes. Outro, em que, mesmo se desenvolvendo em dis-
ciplinas específicas nomeadas de Jornalismo Comunitário ou algo similar,
integra-se a espaços diversos, mobilizando igualmente a metodologia in-
terdisciplinar. Além disso, foi possível observar na análise a existência de
uma experiência universitária pontual voltada especificamente ao ensino
do Jornalismo Popular no curso de graduação em Jornalismo da Terra
realizado na UFC, entre os anos 2010 e 2013.
Do exposto conclui-se que, embora haja poucos conteúdos científicos
sistematizando tais práticas pedagógicas, eles refletem algo de suma im-
portância para o ensino superior em Jornalismo: a busca dos cursos por
fomentarem a formação crítica, reflexiva e humanística, promotora de uma
práxis jornalística menos elitista e mais coerente com as demandas públicas
de grande parte da população brasileira.

Referências

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83
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2011.

85
DESAFIOS PARA UMA FORMAÇÃO
ATENTA À ÉTICA NO CIBERESPAÇO

Sílvia Meirelles Leite

Este capítulo propõe uma reflexão sobre a formação de profissio-


nais comprometidos com a ética jornalística no exercício da profissão
no ciberespaço, elencando estratégias pedagógicas e os seus desafios na
atividade docente relacionada com essa temática. Ao enfocar a difusão
da internet e sua presença na prática jornalística, destaca-se que as re-
lações construídas no ciberespaço apresentam dilemas que ainda não
estão explicitados nos códigos deontológicos da profissão. Esses dile-
mas evidenciam a necessidade de se refletir sobre questões éticas viven-
ciadas em situações próprias da cibercultura, bem como a necessidade
de se pensar em possíveis caminhos para o exercício de um jornalismo
socialmente responsável.
Para identificar dilemas da prática profissional no ciberespaço e
possibilitar uma reflexão conceitual sobre o assunto, são abordados o
conceito de ética e de normas morais e jurídicas, apontando relações
com a prática do jornalismo e a necessidade de fazer escolhas no exercí-
cio da profissão. Nessa leitura, a ética é individual e coletiva ao mesmo
tempo, considerando como o jornalista relaciona as normas morais e
jurídicas e os valores da profissão ao colocá-los em prática. Também
evidencia a indissociabilidade entre ética e técnica, de modo que os
padrões metodológicos adotados no jornalismo podem contribuir para
sustentar as escolhas realizadas no processo de produção e difusão de
conteúdos jornalísticos.
Ao refletir sobre a formação ético-profissional dos cursos de jornalis-
mo no Brasil, Christofoletti (2011) destaca que, tanto a academia quanto as
demandas do mercado concordam que a formação profissional não pode
se limitar a competências técnicas, observando-se uma preocupação com
a ética profissional. Entretanto, o autor também aponta que nos currículos

86
de cursos de graduação em jornalismo não existe um consenso sobre como
trabalhar a ética jornalística na formação desses profissionais. Apesar das
diferentes abordagens e de existirem poucas referências sobre experiências
pedagógicas e docência de ética jornalística, a ética sempre foi uma matéria
nos cursos de jornalismo no Brasil.
Patrício (2013), ao relatar uma experiência pedagógica na disciplina de
Ética ofertada a alunos do último semestre do curso de Jornalismo, destaca
que, ao propor que os alunos entrevistassem profissionais do jornalismo,
foram evidenciados dilemas éticos presentes no exercício da profissão, os
quais contribuíram para o debate da disciplina. Também se observou que
todos os profissionais entrevistados destacaram a importância do debate e
da reflexão sobre a ética e a atuação profissional no jornalismo, principal-
mente durante a formação superior.
Ao considerar a importância do trabalho pedagógico com ética jorna-
lística nos cursos de graduação em jornalismo, entende-se que a formação
em um curso superior possibilita que o profissional conheça mais sobre
o histórico da profissão, identificando erros e acertos do jornalismo. Isso
lhe dá embasamento para não cometer os mesmos erros e fazer escolhas
mais assertivas sobre como atuar junto à sociedade. Ou seja, quando a prá-
tica docente propõe que os alunos de cursos de jornalismo reflitam sobre
a cobertura de casos conhecidos na história da profissão, possibilita que
os futuros profissionais ponderem sobre o fazer jornalístico, antecipando
situações e fazendo escolhas mais seguras.
Assim, o trabalho pedagógico com a ética jornalística no exercício da
profissão no ciberespaço não se resume à definição de quais normas morais
são condizentes com a profissão. Considera-se a importância de investir
em estratégias pedagógicas que possibilitem: refletir acerca de situações re-
correntes na profissão, buscando elementos que enriqueçam o debate; tra-
balhar a deontologia profissional, construindo subsídios para interpretar
situações que ainda não foram identificadas, e examinar situações viven-
ciadas pelos alunos no ciberespaço, partindo de dilemas éticos para debater
sobre o tema. Nesse processo, busca-se contextualizar as especificidades
da prática jornalística no ciberespaço, subsidiando um debate sobre ética
jornalística e elucidando os valores da profissão diante dos desafios apre-
sentados pela comunicação digital.

87
A digitalização da informação e o exercício
do jornalismo no ciberespaço

A comunicação no ciberespaço caracteriza-se pela digitalização das


informações: trabalha-se com uma informação que está codificada em
linguagem binária e que pode ser copiada e replicada indefinidamente
sem perda de qualidade técnica. O processamento dessas informações
pode ser automatizado, rápido e em grande escala, possibilitando que um
conteúdo digital seja alterado e compartilhado inúmeras vezes. Com isso,
impôs-se uma maior velocidade ao jornalismo, tornou-se mais rápido
publicar e divulgar informações, o que interferiu no tempo da produção
e da circulação jornalística. Também se possibilitou uma maior proxi-
midade entre o profissional de jornalismo e suas fontes, bem como do
jornalista com o seu público.
A digitalização da informação influenciou a comunicação no ciberes-
paço desde os seus primórdios, mesmo quando as trocas entre os inter-
nautas eram realizadas através de uma conexão discada e as mensagens
eram baseadas em textos e emoticons construídos com caracteres do tecla-
do. Atualmente, junto às possibilidades dos sites de redes sociais na difusão
de informações, têm-se o potencial da mobilidade dos dispositivos conec-
tados. Os smartphones com suas câmaras cada vez mais precisas captam
imagens, que podem ser compartilhadas e comentadas através de aplicati-
vos. Nesse contexto, o estudante de jornalismo é instigado a refletir sobre o
exercício profissional e, como Karam (2017) destaca, vislumbra-se a necessi-
dade de situar as potencialidades e os limites do uso das novas tecnologias
na atuação cotidiana da profissão.
O engendramento do ciberespaço traz novos dilemas para o exercí-
cio profissional, tanto que o jornalismo brasileiro apresenta casos que se
destacaram pelas escolhas realizadas por veículos e profissionais. Traba-
lhar com esses casos é a primeira estratégia pedagógica a ser detalhada ao
se refletir acerca de uma docência voltada à formação ético-profissional
de estudantes de jornalismo. É nesse cenário que se identifica um dos
desafios de trabalhar a formação de profissionais comprometidos com a
ética jornalística: saber identificar e analisar casos que suscitem o deba-
te sobre ética jornalística relacionada ao exercício da profissão no cibe-
respaço. Apresentar esses casos e debater com graduandos de jornalis-
mo a repercussão e as consequências das situações apresentadas, ajuda

88
a conhecer melhor como a prática jornalística pode afetar a vida das
pessoas. Com isso, como Christofoletti (2008) aponta, investe-se em um
ambiente de reflexão ética voltado à formação dos recursos humanos que
atuarão nos espaços de produção jornalística.
Dentre esses casos está a cobertura do Portal Catraca Livre sobre a
queda do avião que levava o time da Chapecoense para a final da Copa
Sul-Americana de Futebol na Colômbia, o que causou a morte de 71
pessoas em novembro de 2016. Assim que o acontecimento foi divulga-
do pela imprensa, o Catraca Livre, que é um nativo digital, compartilhou
na sua página do Facebook manchetes de textos jornalísticos publicados
pelo portal em datas anteriores, fazendo relações com a notícia da Cha-
pecoense. Foram compartilhadas manchetes como: “10 fotos de pessoas
em seu último dia de vida”, “Passageiros que filmam pânico em avião”1
e “10 mitos e verdades sobre viajar de avião”2. Além de destacar essas man-
chetes, o Catraca Livre também divulgou fotos publicadas nos perfis pesso-
ais dos jogadores da Chapecoense com imagens deles dentro do avião antes
da tragédia. As postagens na página geraram uma reação negativa nas redes
sociais, com críticas dos internautas sobre a postura do portal ao divulgar
esse tipo de conteúdo em um momento de sofrimento. Diante das críticas,
o jornalista Gilberto Dimenstein, que respondia pelo veículo, publicou pe-
didos de desculpas, os quais também receberam críticas dos internautas.
A postura do Catraca Livre, que foi interpretada como desrespeitosa,
investiu numa ação caça-cliques para o portal, baseada apenas na geração
de receita de publicidade on-line, o que acabou por fomentar um debate
sobre a difusão de informações jornalísticas nas redes sociais. O caso da
cobertura do Catraca Livre sobre a tragédia da Chapecoense remete ao
trabalho desenvolvido pelos portais de notícias nos sites de redes sociais.
Os portais de notícias também atuam nos sites de redes sociais, seus per-
fis e páginas são usados tanto na divulgação de manchetes de conteúdos
jornalísticos publicados nos portais, quanto na divulgação de informação
em tempo real e de conteúdos trabalhados especificamente para as redes
sociais digitais. Com isso, ampliam o alcance do portal de notícias e do
nome do veículo. Ao explorar os recursos do Facebook para divulgar no-
tícias antigas, relacionando-as com a tragédia da Chapecoense, o portal
1
Disponível em: <https://catracalivre.com.br/entretenimento/passageiro-filma-momento-da-queda-de-
-aviao-em-que-estava-bordo/>. Acesso em: 27 mai. 2019.
2
Disponível em: <https://catracalivre.com.br/viagem-livre/10-mitos-e-verdades-sobre-viajar-de-aviao/>.
Acesso em: 27 mai. 2019.

89
Catraca Livre investiu em uma ação para aumentar o acesso ao seu site,
sem trabalhar especificamente com a divulgação da notícia da queda do
avião do time da Chapecoense. De acordo com Karam (2017), não se está
mais tratando de liberdade de imprensa quando se investe no simples
rendimento financeiro a qualquer custo ou num espetáculo mórbido sem
o devido cuidado com os desdobramentos noticiosos. O Catraca Livre
ultrapassou os limites da liberdade de imprensa ao atentar apenas aos
ganhos financeiros na sua ação no Facebook.
Outro caso que repercutiu na imprensa brasileira foi o de um perfil
falso do Instagram que, com o nome de Eduardo Martins, apresentava um
fotógrafo brasileiro que trabalhava como voluntário em missões humani-
tárias da ONU no Iraque e na Síria. O perfil apresentava a história de um
jovem brasileiro que superou problemas pessoais e de saúde e atuava como
voluntário em áreas de conflito do Oriente Médio. Nesse perfil, eram apre-
sentadas fotos que haviam sido roubadas de bancos de imagens de fotó-
grafos profissionais. Para dificultar a identificação da foto original, eram
realizadas alterações no editor de imagens, incluindo o flip horizontal. O
caso ganhou repercussão em setembro de 2017, com a publicação de uma
reportagem da BBC Brasil intitulada “Como ruiu a história do falso fotó-
grafo da ONU que enganou jornalistas, mulheres e 120 mil seguidores no
Instagram”3. Antes dessa reportagem, em julho de 2017, a BBC Brasil pu-
blicou um texto com fotos e vídeos desse perfil, abordando a preocupação
do falso fotógrafo em divulgar a vida dos refugiados da Síria e do Iraque.
Outros veículos como Vice, Al Jazeera e The Wall Street Journal 4 também
utilizaram material publicado no perfil falso. Conteúdos jornalísticos fo-
ram produzidos com essas imagens e a história pessoal de Eduardo Martins
também foi contada como uma pauta jornalística. O perfil falso do Insta-
gram foi utilizado como fonte na produção jornalística. Tanto a BBC Brasil,
quanto a Vice Brasil apagaram os conteúdos com as imagens manipuladas
e apresentaram uma nova reportagem esclarecendo o caso e pedindo des-
culpas aos internautas. A BBC ressaltou que o caso servirá para reforçar os
procedimentos de verificação do veículo.
Nesse caso do perfil falso noticiado pela BBC Brasil, têm-se duas es-
pecificidades relacionadas ao exercício do jornalismo no ciberespaço:

3
Disponível em: <www.bbc.com/portuguese/salasocial-41131215>. Acesso em: 27 mai. 2019.
4
Conforme informações disponibilizadas pela Vice Brasil em: <www.vice.com/pt_br/article/zmmdx5/o-
-fotografo-que-nao-existia>. Acesso em: 27 mai. 2019.

90
a checagem das fontes do ciberespaço e a alteração de conteúdos com erro
jornalístico. A BBC Brasil não teve o cuidado de analisar as imagens publi-
cadas no Instagram pelo perfil do falso fotógrafo, sem questionar se as fotos
realmente eram de sua autoria e se a história narrada no perfil era verdadei-
ra. O veículo desconsiderou a possibilidade de um conteúdo digitalizado
ser manipulado e replicado. E, ao publicar as fotos do perfil, infringiu os
direitos autorais dos autores das fotos. Com isso, evidencia-se a indisso-
ciabilidade entre técnica e ética. Nesse caso, se mostrou importante com-
parar as imagens acessadas no Instagram com outras imagens disponíveis
na internet. Para isso, existem sistemas que fazem esse tipo de comparação
através da pesquisa reversa de imagens e indicam a existência e localização
de imagens semelhantes. O falso fotógrafo deu entrevistas, mas ele não era
encontrado pessoalmente, pois supostamente estava em áreas de conflito, e
a comunicação era realizada através de aplicativos de trocas de mensagens.
No processo de checagem, o veículo buscou o contato com a fonte, mas
faltou checar as imagens.
A BBC disponibiliza em suas diretrizes editoriais5 orientações com
normas e procedimentos considerados condizentes com a proposta do
veículo. A última edição dessas diretrizes traz atualizações sobre as novas
mídias, destacando princípios a que o veículo deve atentar. No que se refere
ao gerenciamento de conteúdo on-line, é destacado que o arquivo deve fi-
car acessível permanentemente e só será removido por razões legais, riscos
de segurança pessoal ou uma violação grave de padrões editoriais que não
podem ser corrigidos. Essa segunda orientação foi evidenciada no caso do
falso fotógrafo; o conteúdo publicado com a informação falsa foi removido
por questões legais e por não atender padrões editoriais do veículo. A re-
portagem disponível atualmente no site da BBC Brasil e citada nesse artigo
explica os motivos pelos quais o material foi retirado do ar e os cuidados
tomados pelos jornalistas para elaborar a nova reportagem.
Trazer casos, como os descritos, para o debate com estudantes de jor-
nalismo mostra a relevância de pensar a ética jornalística no ciberespaço,
considerando que a ética jornalística não mudou por estar em um am-
biente diferenciado de apuração, produção e difusão, mas que é impor-
tante dar visibilidade às peculiaridades da informação digital e aos novos
dilemas éticos que se apresentam. Patrício (2013), ao refletir sobre a ética

5
Disponível em: <www.bbc.co.uk/editorialguidelines>. Acesso em: 06 jun. 2019.

91
na formação do jornalista, problematiza a pressa em encontrar o furo
jornalístico e fazer a informação circular em tempos de internet. O autor
destaca que, apesar da velocidade da internet e dos novos dilemas que
a comunicação digital apresenta, o primeiro compromisso do jornalista
deve ser com a responsabilidade social da profissão, o que reverbera para
a aproximação entre produção jornalística, interesse público e qualidade
da informação.
Os códigos deontológicos do jornalismo, que tem como característica
apresentar os valores da profissão e indicar padrões e posturas aos profis-
sionais, podem contribuir para as escolhas dos jornalistas e dos veículos,
mas nem sempre eles estão atentos às especificidades das mídias digitais.
Christofoletti (2017) destaca que, ao analisar 30 códigos deontológicos de
cinco continentes, procurou identificar movimentos para adaptação destes
às novas tecnologias de mídia, entretanto esses movimentos ainda são in-
cipientes e apenas dois códigos explicitam como o jornalista deve proceder
nas redes sociais digitais e com as novas tecnologias.
Em 2018, o Grupo Globo divulgou diretrizes com recomendações so-
bre o uso de redes sociais por jornalistas da empresa6, defendendo a isenção
dos jornalistas e destacando que os profissionais também são responsáveis
pela imagem dos veículos onde atuam. Nas diretrizes, está estabelecido que
os jornalistas do Grupo Globo não podem expressar opiniões políticas ou
promover e apoiar partidos e candidaturas, o que inclui “curtir” e “compar-
tilhar” publicações ou eventos relacionados à luta político-partidária. As
diretrizes para redes sociais foram problematizadas por diferentes profis-
sionais, dentre eles o jornalista e pesquisador Felipe Pena, que publicou em
sua coluna do Jornal Extra (pertencente ao Grupo Globo) uma receita de
bolo com o título “Receita de bolo de pamonha”7.
Ao refletir sobre como o jornalismo utiliza informações coletadas em
redes sociais, Martins (2019) destaca entidades de Portugal (Entidade Re-
guladora para Comunicação Social − ERC) e do Reino Unido (Independent
Press Standards Organisation − IPSO) que se manifestaram em relação ao
uso dessas informações na prática jornalística. As entidades são favoráveis
6
Mais informações em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/grupo-globo-divul-
ga-diretrizes-sobre-o-uso-de-redes-sociais-por-jornalistas.ghtml>. Acesso em: 29 jan. 2020.
7
 Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/brasil/contra-a-corrente/receita-de-bolo-de-pamonha-
22842329.html>. Acesso em: 29 jan. 2020. A atitude de Felipe Pena foi interpretada como uma referência
às receitas de bolos publicadas nas páginas destinadas à publicação de conteúdos que passaram por censura
prévia no período do Regime Militar no Brasil. Assim, publicar receita de bolo em espaços destinados a
conteúdos jornalísticos configurou-se como uma prática de protesto no jornalismo brasileiro.

92
à publicação de informações disponíveis em perfis de redes sociais, consi-
derando que, se não tiver configurações de privacidade, os conteúdos são
de domínio público. Mesmo informações de natureza privada, quando de
interesse público, podem ser divulgadas. Quando necessário, os veículos
de comunicação devem investir em um trabalho de seleção, edição e trata-
mento de vídeos e imagens obtidos na internet, também devem resguardar
vítimas, pessoas em situação de dor e menores de idade, avaliando a pri-
vacidade dos envolvidos. É importante destacar que muitas pessoas não
têm noção do risco que correm ao publicarem conteúdos íntimos e que os
profissionais precisam estar atentos aos direitos pessoais.
Os valores do jornalismo explicitados nos códigos deontológicos es-
tão presentes nas escolhas dos jornalistas ao executarem as técnicas pro-
fissionais. Com base neles, pode-se discutir as escolhas do Catraca Livre
de falar sobre a tragédia da Chapecoense enquanto compartilhava man-
chetes relacionadas com desastres de avião e fotos de pessoas prestes a
morrer. Também pode-se refletir sobre notícias baseadas em informações
imprecisas de sites de redes sociais, como aconteceu com o perfil falso do
fotógrafo que publicava fotos que não eram suas e que foram trabalha-
das jornalisticamente pela BBC Brasil. Ou, ainda, analisar a publicação
de uma receita de bolo de pamonha na coluna do Jornal Extra. Assim,
a reflexão sobre a prática jornalística no ciberespaço com alunos de jor-
nalismo tem como alicerce os valores e padrões explicitados nos códigos
deontológicos da profissão.
Ao evidenciar a importância dos princípios éticos para a prática jorna-
lística, Karam (2004, 2017) destaca que qualquer texto jornalístico apresenta
valores identificados como humanos e trazem uma forma de ver o mundo.
Mesmo com a crise do modelo de negócio do jornalismo e com as mudan-
ças tecnológicas, ainda estão mantidos os valores profissionais como a ho-
nestidade com o leitor, a verdade e a responsabilidade de apurar, ouvir, con-
textualizar e narrar, com base em princípios éticos e referências técnicas.
O trabalho com os códigos deontológicos e com os valores na forma-
ção profissional de um jornalista contribui para que este, no decorrer da
atuação profissional, saiba identificar conflitos e subsidiar as suas escolhas.
Para entender melhor como são fundamentadas as escolhas no processo
de produção jornalística, que, além de respeitar preceitos técnicos, deve
observar os valores da profissão, propõe-se uma reflexão sobre conceitos
como ética, normas morais e normas jurídicas.

93
Ética e deontologia jornalística no ciberespaço

A moral orienta o comportamento humano para a vida em sociedade,


trazendo subsídios para as escolhas das pessoas e indicando o que deve
ou não ser feito. Através da moral é possível vislumbrar os valores de um
determinado grupo social, sendo que esses valores são sistematizados em
normas, as quais explicitam o que as pessoas podem ou não podem fazer e
quais os seus direitos.
Os valores e as normas são resultado de mudanças histórico-sociais e
estão localizados em um determinado tempo e espaço. Entretanto, como
destaca Piaget (1994; 1973), o valor não apresenta uma estrutura cognitiva e,
por isso, é espontâneo e pode variar de acordo com as circunstâncias. Por
outro lado, a norma apresenta uma estrutura cognitiva e uma pré-disposi-
ção do grupo social, de modo que não está tão à deriva das condições im-
postas pelo momento e de escalas de valores individuais. As normas visam
uma melhor convivência entre os membros de uma sociedade, sendo que
essas normas podem ser morais ou jurídicas.
Gomes (2004), ao refletir sobre a norma moral e a jurídica, destaca os
recursos coercitivos e a aplicação de penalidades como a principal caracte-
rística para diferenciar os dois tipos de normas. A norma moral “refere-se
a preceitos vindos da tradição cultural, das crenças religiosas, dos valores
de um segmento cultural” (GOMES, 2004. p. 21). Nesse caso, as penalidades
são sustentadas pela dinâmica de grupo, as sanções podem ou não estar
sistematizadas e como a pessoa que infringiu a norma vai responder pelo
seu ato depende da dinâmica entre os envolvidos. Por exemplo, quando um
jornalista publica uma notícia com informações divulgadas por um ami-
go em uma rede social digital privada, considerando que as informações
são de interesse público. Nessa situação, pode-se interpretar que não existe
uma punição regimentada para esse jornalista, mas o amigo que divulgou a
informação pode escolher como sanção romper os laços de amizade com o
jornalista ou não publicar mais informações neste grupo.
Mesmo quando a ação da pessoa está restrita a um ambiente privado,
não tem visibilidade de um público e não responde ao controle social, a
norma moral pode influenciar nas escolhas pessoais. A norma moral pode
ser colocada em prática devido à convicção pessoal, de modo que as ações
são orientadas por essa convicção e não porque existe uma punição prees-
tabelecida. A possibilidade da punição depende da consciência individual.

94
A norma jurídica “embora possa ter preceitos da primeira [norma
moral], organiza-se em forma de lei reconhecida pelo Estado como poder
administrativo” (GOMES, 2004, p. 21). As normas jurídicas estão previstas em
uma legislação ou em um código formal, de modo que, se o indivíduo não
cumprir essa norma poderá ser punido por uma autoridade competente.
Existe uma formalização do que pode ou não ser feito, garantindo que as
pessoas que respondem a essa norma possam cobrar algum direito ou de-
vam exercer uma determinada ação. Por exemplo, se um jornal veicular
a foto que uma pessoa publicou de forma privada em suas redes sociais
digitais, essa pessoa pode processar judicialmente o jornal exigindo o pa-
gamento referente aos direitos autorais da foto. No Brasil, existe uma legis-
lação que resguarda os direitos dos autores em obras literárias, artísticas
e científicas8. Se o autor de uma obra fotográfica publicou a sua foto (em
formato digital ou analógico), essa foto não poderá ser usada e/ou alterada
sem o consentimento do autor no período estabelecido pela lei (70 anos).
Além disso, pode-se considerar que o jornal obteve ganhos financeiros com
o conteúdo da foto e esses ganhos não foram repassados ao autor.
Ao considerar as normas jurídicas em relação aos direitos autorais de
fotografias e as normas morais que orientam o jornalismo, entende-se a
postura da BBC Brasil e da Vice de retirar do acesso ao público suas notícias
sobre o falso perfil do fotógrafo, principalmente por conter fotos alteradas
de outros profissionais. Do ponto de vista das normas morais que orientam
a convivência nas redes sociais, também se entende a preocupação dos in-
ternautas com a postura do Catraca Livre na tragédia da Chapecoense, que
expôs as vítimas do acidente e desconsiderou os sentimentos de familiares
e de pessoas próximas aos jogadores.
Essa leitura sobre ética é necessária para subsidiar decisões na atuação
jornalística, sendo pertinente sua abordagem com graduandos em jorna-
lismo. Ao elucidar regras morais e jurídicas, possibilita-se que os alunos
possam pensar sobre os seus valores morais e como eles estão presentes nas
suas decisões, considerando que nem sempre esses valores são conscien-
tes (PIAGET, 1994; 1973). Entretanto, quando a formação ético-profissional
se resume a essa abordagem acerca de normas morais e jurídicas, corre-
-se o risco de cair numa abordagem pedagógica legalista. Essa abordagem
é necessária, mas não é suficiente. Como Christofoletti (2011) argumenta,
8
Mais informações sobre a Legislação Federal para Direitos Autorais estão disponíveis em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm>. Acesso em: 23 mai. 2019.

95
é necessária uma atenção à Deontologia Jornalística. O exercício da profissão
no ciberespaço apresentará novos dilemas, muitos dos quais ainda não foram
identificados e analisados. Nessa perspectiva, apresenta-se a segunda estraté-
gia pedagógica de uma prática docente voltada à formação ético-profissional
de estudantes de jornalismo: trabalhar a deontologia jornalística, construin-
do subsídios para interpretar dilemas que ainda não foram identificados. O
desafio dessa abordagem está em investir em “uma dimensão essencial da
constituição do sujeito-jornalista” e no “jornalismo como um campo que de-
tém um ethos próprio” (CHRISTOFOLETTI, 2011, p. 151).
Na vida profissional, existem situações em que um jornalista entra em
conflito por não saber como atender o que gostaria de fazer, as regras morais
que considera importantes e as regras jurídicas vigentes. Ou seja, vivencia um
dilema ético por não saber quais ações devem ser adotadas. No caso da BBC
Brasil sobre o perfil do falso fotógrafo, pode-se imaginar a situação hipotética
de que o jornalista vivenciou um dilema ético ao descobrir que a informação
era inverídica: o que fazer com a informação incorreta enquanto está passan-
do por um novo processo de apuração? Algumas possibilidades podem ser
apresentadas: 1) remover a notícia e o endereço em que foi publicada para
que ela não continue circulando? 2) manter o endereço da publicação com
o aviso de que a notícia foi removida e que o veículo errou? ou 3) manter o
endereço da publicação com o aviso de que a notícia está sendo apurada?
A resolução da situação descrita no parágrafo anterior envolve ques-
tões racionais, emocionais e relações profissionais, de modo que, para fazer
uma escolha mais profissional e menos impulsiva, o jornalista precisa re-
correr às normas morais e jurídicas, interpretando-as a partir dos códigos
deontológicos da profissão. Ao fazer uma escolha e agir de acordo com
essa escolha para resolver o dilema ético, pode-se vislumbrar a ética sendo
colocada em prática. Como Christofoletti (2008, p. 16) destaca: “a ética é o
pensamento sobre as regras e nossas relações com o mundo: se vamos ou
não acatar as normas, e porque fazemos uma coisa e não outra”. Fazemos
escolhas o tempo todo e a ética está em como relacionamos as normas e os
valores para fazer essas escolhas.
A ética é individual e social ao mesmo tempo, somos influenciados
pelas normas que são construídas socialmente e que orientam as ações hu-
manas. Entretanto, como Karam (2004) e Christofoletti (2008) apontam, a
ética profissional não pode ser pautada apenas pela ética humana, pois os
valores profissionais e os códigos deontológicos de uma profissão indicam

96
sua principal função. Nesta perspectiva, apresentar a verdade9 pode ser in-
terpretada como a principal função do jornalismo, o que ajuda a enten-
der e sustentar as escolhas feitas por jornalistas. Com base nos autores,
considera-se que a ética pode ser entendida como “um conjunto de pro-
cessos mentais e reflexivos que derivam em práticas concretas na vida”
(CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 18), de modo que as escolhas realizadas no exer-
cício do jornalismo carregam uma responsabilidade e tem consequências.
O estudo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros10 pelos estu-
dantes é um ponto de partida importante para iniciar o debate sobre de-
ontologia, mas não é o único para refletir sobre os valores morais e as con-
dutas da atividade profissional. Como Patrício (2013) destaca, um código
de ética profissional deve ser atualizado, buscando atentar para avanços
de técnicas e descobertas científicas e para a modificação de costumes e
valores outrora consagrados. Entretanto, o Código de Ética dos Jornalis-
tas Brasileiros foi alterado pela última vez no ano de 2007 e não apresenta
problemáticas relacionadas a novos dilemas profissionais no ciberespaço.
Além das diretrizes de empresas jornalísticas reconhecidas internacional-
mente, como a BBC11 e a Reuters12, o trabalho docente voltado à forma-
ção de profissionais atentos à prática profissional no ciberespaço também
pode buscar referências em recomendações de associações internacionais
que trazem elementos para pensar os novos dilemas, tais como a Entidade
Reguladora para Comunicação Social (ERC)13 e a Independent Press Stan-
dards Organisation (IPSO)14.

O trabalho com dilemas éticos

Conforme destacado anteriormente, a digitalização da informação e as


configurações do ciberespaço trouxeram novos dilemas para o exercício do
jornalismo, o que reverbera para um debate junto a alunos de graduação

9
Considerando que uma das funções do jornalismo é informar com verdade, destaca-se a incapacidade de
atingir verdades estáveis e a possibilidade de se trabalhar com uma “verdade objetiva relativa” (COSTA,
2009, p. 24), interpretada como uma posição verdadeira construída com base em verdades parciais. O
trabalho com a verdade jornalística não se esgota na divulgação de um fato, ela é construída com base em
verdades parciais que subsidiam proposições verdadeiras (COSTA, 2009).
11
Disponível em: <www.bbc.co.uk/editorialguidelines>. Acesso em: 31 jan. 2020.
12
Disponível em: <http://handbook.reuters.com>. Acesso em: 31 jan. 2010.
13
Disponível em: <www.erc.pt>. Acesso em: 31 jan. 2020.
14
Disponível em: <www.ipso.co.uk>. Acesso em: 31 jan. 2020.

97
sobre as escolhas realizadas por jornalistas e veículos. A velocidade no pro-
cessamento de dados, a possibilidade de compartilhar e alterar conteúdos
e a facilidade de publicar e comentar informações independentemente da
posição geográfica reportam a novos cenários de atuação do jornalismo
e à necessidade de escolhas que não estavam previstas em uma estrutura
analógica. Isso desafia os cursos de jornalismo a pensarem como formar os
alunos para os novos dilemas.
A velocidade na troca de informações no ciberespaço repercutiu no
exercício do jornalismo, interferindo no processo de apuração, o que pode
ser observado nos casos apresentados nesse artigo. Dentre as especifici-
dades apontadas está: o uso de material disponibilizado em sites de redes
sociais como fonte para o jornalismo, a difusão de notícias através de per-
fis de redes sociais, a restrição de empresa jornalísticas que proíbem seus
profissionais de falarem sobre preferências político-partidárias e a exclu-
são e alteração de conteúdos das páginas dos jornais. Outras problemáticas
podem ser suscitadas: como proceder no caso de conteúdos alterados ou
removidos?; o que fazer com o material que está disponível on-line duran-
te o novo processo de rechecagem?; quais os limites de uso das redes so-
ciais para ampliar a circulação de informações jornalísticas?; como investir
no engajamento de internautas em determinadas pautas sem resumir-se a
uma promoção por mais cliques?; é possível usar memes na produção jor-
nalística sem infringir direitos autorais?; é profissional usar perfis pessoais
e grupos de aplicativos para divulgar as próprias produções jornalísticas?.
Inúmeros dilemas podem ser apresentados quando se evidencia a atuação
do profissional do jornalismo no ciberespaço. As normas para esse ambien-
te não estão completamente estabelecidas e muitas vezes as estabelecidas
para os sistemas analógicos anteriores não dão conta das situações encon-
tradas nas novas dinâmicas profissionais.
Atualmente, muitos alunos chegam aos cursos universitários com
fluência nos recursos da internet, demonstrando experiência na adminis-
tração das redes sociais, na produção de conteúdo audiovisual e na utili-
zação de sistemas de gestão de conteúdo. Assim, apresenta-se a terceira
estratégia pedagógica voltada à formação ético-profissional de estudantes
de jornalismo: refletir sobre situações vivenciadas pelos alunos no cibe-
respaço, partindo dos seus dilemas éticos para debater sobre o tema. Nes-
sa proposta, os estudantes podem trabalhar suas experiências como um
caminho para entender o engendramento do ciberespaço, identificando

98
o que influenciou as suas escolhas e quais dúvidas surgiram. Mais do que
um debate sobre as possibilidades técnicas e padrões estéticos da internet,
investe-se num ambiente propício à identificação de dilemas éticos.
Assim, considera-se como desafio da prática docente o fato de que:
se, por um lado, os alunos têm fluência em recursos técnicos da internet,
mesmo não dominando muitas ferramentas específicas da profissão, por
outro, dependendo do tempo de formação de ensino superior, não apre-
sentam embasamento suficiente para pensar a ética e a deontologia jorna-
lística, bem como identificar dilemas específicos da profissão. Trabalhar
com os dilemas éticos pessoais pode ser um caminho para que os alunos
possam identificar o que é um dilema e onde buscar subsídios para fazer
as suas escolhas. Conforme abordado anteriormente, concorda-se com
Karam (2004) e Christofoletti (2008) no sentido de que a ética profissional
não pode ser orientada apenas pela ética humana. Entretanto, visibilizar
dilemas éticos pessoais pode ser um caminho para saber identificar di-
lemas profissionais e operar com esses conflitos no campo profissional,
vislumbrando a responsabilidade das escolhas e as consequências das de-
cisões pessoais.

Considerações finais

Ao propor uma reflexão sobre formação de estudantes dos cursos de


jornalismo atentos à ética profissional no ciberespaço, o capítulo traba-
lhou com estratégias que podem contribuir para a prática docente relacio-
nada com a temática, elucidando seus desafios. A abordagem apresentada
nesse artigo parte da leitura do jornalismo como uma atividade humana
que produz uma forma social de conhecimento, a qual trabalha com a
apropriação social do homem sobre a realidade (GENRO FILHO, 1987). A
formação de um jornalista vai além da instrumentalização técnica, ela
também trabalha competências teóricas, estéticas e éticas, o que possibi-
lita uma cuidadosa observação do entorno e a construção de narrativas
sobre o que é observado.
Nesta perspectiva, investe-se numa leitura sobre dilemas profissionais
relacionados às especificidades do ciberespaço, possibilitando que o aluno
conheça a história da profissão e identifique erros e acertos do jornalismo.
Também se investe na identificação de dilemas pessoais presentes no uso

99
de recursos da internet, contribuindo para que os alunos entendam o que
é um dilema ético e problematizem as normas e os valores que orientaram
as suas decisões.
Ao refletir sobre a prática docente na formação de jornalistas atentos à
ética jornalística na atuação profissional no ciberespaço, são apresentadas
estratégias pedagógicas relacionadas ao tema, indicando possíveis cami-
nhos e desafios concernentes a essas estratégias. Como primeira estratégia,
elucidou-se a possibilidade de refletir acerca de situações recorrentes na
profissão, trabalhando a partir de casos concretos e analisando como o jor-
nalismo atuou e quais as suas consequências. Propostas pedagógicas desse
âmbito trazem elementos que enriquecem o debate com os alunos, possi-
bilitando conhecer mais sobre os erros e acertos da profissão e subsidiando
decisões profissionais mais consistentes. Entretanto, esse tipo de proposta
contempla saber escolher os casos e pesquisar como eles se desenvolveram,
elucidando as escolhas profissionais e as consequências dessas escolhas, o
que nem sempre é transparente no processo de produção jornalística.
A segunda estratégia pedagógica abordada nesse artigo contempla o
trabalho com a deontologia profissional, a fim de construir subsídios para
interpretar situações que ainda não foram identificadas. Sabe-se que novos
dilemas estão sendo apresentados ao exercício da profissão, muitos deles
são decorrentes das dinâmicas de comunicação do ciberespaço, o que torna
impossível a tentativa de classificar dilemas e possíveis soluções. Para tanto,
é necessário investir na visibilidade dos valores profissionais, da constitui-
ção de um sujeito-jornalista e de um campo com ethos próprio, o que sub-
sidiará como os futuros profissionais interpretarão e colocarão em prática
as regras morais e jurídicas.
Por fim, como terceira estratégia pedagógica, evidencia-se a possibili-
dade de examinar situações vivenciadas pelos alunos no ciberespaço, par-
tindo de dilemas éticos pessoais para debater o tema. Destaca-se que a ética
jornalística não é pautada apenas pela ética humana, por outro lado, ao
trabalhar dilemas éticos pessoais são apresentadas referências para o futuro
profissional identificar o que é um dilema e quais os possíveis caminhos
para subsidiar suas escolhas. Tendo em vista toda a estrutura social e tec-
nológica da atualidade, é cada vez mais comum os alunos ingressarem nas
universidades com fluência nos recursos técnicos da internet e com expe-
riências no ciberespaço, o que pode ser problematizado pedagogicamente.
Entretanto, dependendo da etapa do curso em que o aluno se encontra, ele

100
pode não apresentar maturidade e embasamento suficiente para identificar
dilemas específicos da profissão.
Entende-se, como Christofoletti (2011) argumenta, que o trabalho com
valores jornalísticos voltados à reflexão sobre melhores escolhas e conduta
profissional integra um conjunto de experiências próprias da dimensão for-
mativa, o qual deve ser contemplado pelos currículos de cursos de graduação.
Assim, com esse capítulo, não se quer apresentar uma receita sobre como tra-
balhar ética jornalística na formação de estudantes de cursos de jornalismo
ou, ainda, estabelecer como uma disciplina de ética deve ser ministrada. A re-
flexão apresentada busca suscitar possibilidades de trabalho docente que tra-
gam subsídios para os novos dilemas concernentes à dinâmica do ciberespaço.
Também se acredita que a problemática não está esgotada: outras estratégias
pedagógicas, como a apresentada por Patrício (2013), na qual os estudantes
entrevistaram profissionais que atuam no mercado, podem ser contempladas
numa formação ético-profissional atenta às mudanças do jornalismo. Assim,
a partir das questões desenvolvidas neste capítulo, busca-se contribuir para
uma reflexão sobre a formação de jornalistas com maior capacidade de análise
da prática profissional e atentos aos questionamentos de natureza ética.

Referências

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sos e necessários. In: NEVES, M. P.; SAMPAIO, R. Ética Aplicada: Comunicação
Social. Portugal: EDIÇÕES 70, p. 293-315, 2017.
CHRISTOFOLETTI, R. Pedagogias, metodologias e tecnologias na formação éti-
co-profissional dos cursos de Jornalismo no Brasil. REBEJ – Revista Brasileira de
Ensino de Jornalismo, Ponta Grossa, v. 1, n. 8, p. 129-177, 2011.
CHRISTOFOLETTI, R. Ética no Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
COSTA, C. T. Ética, jornalismo e nova mídia: uma moral provisória. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2009.
GENRO FILHO, A. O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jorna-
lismo. Porto Alegre: Editora Ortiz. 1987.
GOMES, M. R. Ética e Jornalismo: uma cartografia dos valores. 2ª ed. São Paulo:
Escrituras Editores, 2004.
KARAM, F. Valores do Trabalho Jornalístico. In: NEVES, M. P.; SAMPAIO, R.
Ética Aplicada: Comunicação Social. Portugal: EDIÇÕES 70, p. 229-246, 2017.

101
KARAM, F. A Ética Jornalística e o Interesse Público. São Paulo: Summus, 2004.
MARTINS, P. Redes sociais como fontes de informação jornalística: as novas fron-
teiras da privacidade. In: CHRISTOFOLETTI, R. Privacidad, transparencia y éti-
cas renovadas. Sevilha: Ediciones Egregius, p. 11-32, 2019.
PATRÍCIO, E. Dilemas éticos e produção do jornalismo: percepções a partir da
tecnologia. Brazilian Journalism Research, v. 9, n. 2, 2013.
PIAGET, J. O Juízo Moral na Criança. 2. ed. São Paulo: Summus, 1994.
PIAGET, J. Estudos Sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

102
FOTOJORNALISMO NO BRASIL
NO INÍCIO DO SÉCULO 21

Lauriano Benazzi

Quais os desafios vividos pelos professores de fotojornalismo? Inúme-


ras são as inquietações que cercam ou que estão no âmago dessa atividade
docente. Algumas estão voltadas para o futuro do fotojornalismo, com a
era digital e a convergência de mídias, inovações tecnológicas e novas di-
nâmicas de produção, difusão e consumo das notícias, somadas a novas
conjunturas, discussões éticas e transformações no campo profissional. Na
mesma estrada, tem-se o Jornalismo vivendo essas transformações e o en-
sino de graduação ainda sob impacto das novas Diretrizes Curriculares.
Para os professores que estão ingressando na docência de fotojorna-
lismo, há um amplo espectro de interrogações nesse tudo-ao-mesmo-tem-
po-agora. Para os profissionais que estão há mais tempo no cotidiano do
ensino, tem-se novos paradigmas e desafios. Em outras palavras, em uma
instância, docentes egressos de programas de pós-graduação, com ampla
bagagem teórica, mas que não terão a bagagem prática, uma vez que o fo-
tojornalismo como o conhecemos (ou conhecíamos) pode se restringir a
uma tropa de elite de profissionais ligados às agências internacionais de
notícia e aos sobreviventes veículos da tradição impressa. Já em outra ins-
tância, docentes com vasta experiência profissional, que dispunham de mé-
todos convencionais de ensino das práticas e que se fizeram presentes na
formação da hoje velha guarda do jornalismo, ainda com o olhar ligado a
um tempo em que as imagens não tinham a profusão que têm na contem-
poraneidade e tendo como esteio o processo analógico, um facilitador no
processo de aprendizagem. Se laboratórios em preto e branco auxiliavam
no ensino, o verso da moeda é que tais profissionais são advindos de um
período de escassez de referenciais bibliográficos específicos e com forma-
ção docente que era esculpida a fórceps, pois se dava na prática e no dia a
dia da sala de aula.

103
A partir de tais inquietações, o autor deste capítulo se lançou numa
pesquisa ampla para desenhar um panorama sobre essa atividade de ensi-
no. O ponto de partida foi o mergulho em suas décadas de vínculo com o
fotojornalismo1, imersão que resultou numa extensa lista de desafios que
acompanham os profissionais do ensino, não só de fotojornalismo, mas do
Jornalismo como um todo. A pertinência e relevância desse artigo, que se
soma às pesquisas, aos mapeamentos e aos relatos de outros docentes que o
antecedem, encontra combustível e se concentra em algumas mazelas que
ainda rodeiam o fotojornalismo:

I. Nos 40 anos em que o diploma para o exercício da profissão de


jornalista era obrigatório2, o mesmo não valia para a atividade de
fotojornalista, vide Leis de Ide 1969 e de 1979 (BRASIL, 1969; BRA-
SIL, 1979), que caracterizavam o trabalho de repórter-fotográfico
como função técnica que prescindia da formação superior3;
II. No início dos anos 2010, o fotojornalismo ainda era visto como
algo de menor importância no ensino de Jornalismo, conforme
levantamento qualitativo feito por Jorge Carlos Felz Ferreira
(2012), que analisou trabalhos apresentados no Congresso Brasi-
leiro de Ciências da Comunicação (Intercom). Seu diagnóstico
é que o descaso reverberava nas produções científicas da área.
À época, Ferreira apontava que as escolas de Jornalismo não ti-
nham a intenção de formar repórteres fotográficos, apenas equi-
par os futuros profissionais da imprensa com a compreensão da
atividade, simplesmente como mais uma função do Jornalismo.
É evidente que passados quase dez anos, o estudo precisaria de
um recall, mas pode-se levantar a premente hipótese de que as
escolas continuam a não formar fotojornalistas;
III. O “descaso” apontado vai de encontro ao esquecimento da inclusão
objetiva, explícita e contextualizada do fotojornalismo nas novas Di-
retrizes Curriculares para os cursos de Jornalismo (BRASIL, 2013).

1
Vínculo que vem de família, nas mais diversas áreas da fotografia profissional, experimental e artística,
que remontam aos anos 1980, somada às experiências profissionais como jornalista e repórter-fotográfico,
estas iniciadas nos anos 1990, conforme relato pessoal disponível em: <www.laurianobenazzi.wordpress.
com/history>.
2
O diploma de jornalista foi obrigatório de 1969 até 2009 (com hiato durante a vigência de medidas limi-
nares contrárias).
3
Sinônimo de fotojornalista. Nomenclatura utilizada em leis federais voltadas à imprensa e ao campo de
trabalho.

104
Esses três parâmetros demonstram a necessidade de se cravar a bandei-
ra do fotojornalismo enquanto campo profissional e de estudo. Um quarto
elemento que, tal qual os expostos acima, é fulcral para essa prospecção, é
a importância que as imagens têm nos dias atuais, outro viés que requer
aprofundamento das escolas, na formação dos futuros profissionais.

As regras do jogo

Em uma escala hierárquica, dois aspectos que encadeiam toda a dis-


cussão sobre o ensino de fotojornalismo são os currículos e as leis que re-
gem a profissão. Diante da construção positivista e tecnicista de muitos dos
currículos no ensino superior no Brasil, como ocorre em geral nas ciências
sociais aplicadas, somado às especificidades acadêmicas do Jornalismo, não
há como dissociar esses dois elementos: regulamentação profissional e for-
mação profissional. Numa análise frontal e numa alusão direta, esses dois
elementos se desdobram, de certa forma, em teoria e prática. Mesmo as no-
vas Diretrizes Curriculares de Jornalismo (BRASIL, 2013) dão ênfase não ape-
nas à formação humanística, mas também ao mercado de trabalho (aspecto
que, evidentemente, tem importância). Mas a compreensão aqui defendida
é que aspectos filosóficos, sociológicos, psicológicos, linguísticos, literários
e artísticos estão acima de qualquer âmbito técnico, em relação ao papel da
proposta formativa humana da universidade. Por outro lado, o que se tem
é uma profissão com ênfase nas práxis. Portanto, é salutar o equilíbrio entre
o fulcro iluminista, com as teorias e com as técnicas. Esta, voltada não ape-
nas para os procedimentos inerentes à profissão, mas que também requer
referencial e metodologia específicos.
É justamente esse aspecto que começa nas leis ao entorno da profissão.
A Medicina, as Licenciaturas, o Direito e as Engenharias têm, além de seus
códigos de conduta, suas legislações específicas. Com o Jornalismo não po-
deria ser diferente, mas este ainda carece de epistemes específicas. O po-
rém, conforme explicitado nos escopos introdutórios, é que no âmbito da
legislação em vigor, o fotojornalismo, enquanto atividade que deveria ser
relegada a jornalistas, sempre esteve em desvantagem em relação às outras
atividades de imprensa, como edição, reportagem e telejornalismo. Além
dos códigos deontológicos e éticos da profissão de jornalista, o que precisa
avançar para de fato se defender a profissão não é apenas a volta da obriga-
toriedade do diploma para o exercício do jornalismo, mas que seja incluída

105
a obrigatoriedade para o exercício de atividades como o fotojornalismo e a
cinegrafia jornalística.
A Lei que regulamenta o exercício da profissão de jornalista foi editada
durante o regime ditatorial militar, através do Decreto-Lei no 972/19694 (BRA-
SIL, 1969). O texto, em seu Art. 2o, destaca as atividades que envolvem o fazer
jornalístico, mas não faz referência à produção de fotografias jornalísticas.
Na sequência, em seu Art. 4o, destaca a necessidade de registro profissional
junto ao Ministério do Trabalho e à obrigatoriedade do diploma. No Art. 6o,
dissocia a função de repórter-fotográfico das funções de redator, noticiarista,
repórter, repórter de setor, rádio-repórter, arquivista-pesquisador e revisor,
colocando-a no mesmo espectro que as atividades de ilustrador, repórter-
-cinematográfico e diagramador (que por sua vez, também não são menores
ou menos importantes que as que requerem o diploma).

Art. 4o − O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro


no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdên-
cia Social que se fará mediante a apresentação de: [...] V − diploma
de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no
Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este creden-
ciada, para as funções relacionadas de “a” a “g” no artigo 6o. [...]
Art. 6o − As funções desempenhadas pelos jornalistas profissionais,
como empregados, serão assim classificadas: a) Redator [...]; b) No-
ticiarista [...]; c) Repórter [...]; d) Repórter de Setor [...]; e) Rádio-Re-
pórter [...]; f) Arquivista-Pesquisador; g) Revisor [...]; h) Ilustrador
[...]; i) Repórter-Fotográfico [...]; j) Repórter-Cinematográfico [...];
l) Diagramador [...] (BRASIL, 1969)5.

A Lei complementar veio em 1979, assinada por Ernesto Geisel, penúl-


timo general do governo pós-golpe de 1964 e que deu início ao processo
de abertura política. O Decreto no 83.284, de 13 de março de 1979 trouxe
elementos complementares à Lei anterior, como o enquadramento profis-
sional dos jornalistas provisionados e a proibição do estágio em jornalis-
mo que era, de certa forma, uma reivindicação das entidades profissionais.

4
Promulgada pela junta militar que comandou o país no período, composta pelos comandantes das Forças
Armadas, que chefiaram o país de 31 de agosto a 21 de outubro de 1969, após a morte de Artur da Costa e
Silva e o impedimento da posse do Pedro Aleixo, deputado federal, civil, advogado, jornalista e professor.
5
Formatação e grifo nosso.

106
No descritivo acerca das atividades que são desenvolvidas eminentemente
por jornalistas (Art. 2o), novamente não consta a atividade que remete ao
fotojornalismo. Nos demais incisos que envolvem direta e indiretamente o
trabalho do repórter-fotográfico, estão:

Art. 4o − O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro


no órgão regional do Ministério do Trabalho, que se fará mediante a
apresentação de: [...] III – diploma de curso de nível superior de Jor-
nalismo ou de Comunicação Social, habilitação Jornalismo, forneci-
do por estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para
as funções relacionadas nos itens I a VII do artigo 11; Parágrafo
único: aos profissionais registrados exclusivamente para o exercício
das funções relacionadas nos itens VIII a XI do artigo 2o é vedado o
exercício das funções constantes dos itens I a VII do mesmo artigo
[...]
Art. 11 − As funções desempenhadas pelos jornalistas, como em-
pregados, serão assim classificadas: [...] IX – Repórter Fotográfico:
aquele a quem cabe registrar fotograficamente quaisquer fatos ou as-
suntos de interesse jornalístico [...] (BRASIL, 1979).6

Como pode ser percebido, excetuando-se algumas mudanças de sin-


taxe, no que concerne ao fotojornalismo, a Lei manteve o crivo original
da legislação de 1969, enquadrando a atividade de repórter-fotográfico no
mesmo invólucro das funções de repórter cinematográfico, de diagrama-
dor e de ilustrador/chargista, por estas serem consideradas artísticas, com
necessidade de domínio criativo específico.
Em paralelo aos dispositivos que regem a profissão estão os currículos
voltados para o Jornalismo. Agda de Aquino (2018) traçou um panorama
das transformações nos documentos que regem o ensino de Jornalismo,
publicados em 1943, 1946, 1947, 1962, 1965, 1969, 1978, 1984, 2001 e 2013
(AQUINO, 2018). Nas primeiras quatro décadas, as diretrizes não faziam
menção direta à fotografia na imprensa. Em 1964, o jornalista Pompeu de
Souza criou o curso de Comunicação de Massa na Universidade de Bra-
sília (UnB). Anos antes, tinha sido um dos responsáveis, juntamente com
Danton Jobin, pela introdução da estrutura informativa e da objetividade

6
Formatação e grifo nosso.

107
no jornalismo no Diário Carioca. Tais transformações foram de grande
impacto na imprensa, na linha de mudanças já realizadas pelo Jornal do
Brasil, com a estrutura da pirâmide invertida e o lead no início dos textos
jornalísticos, dentre outras inovações (MENDEZ, 2005; SILVA, 1981). Apesar do
currículo inovador da graduação da UnB, Pompeu de Souza elegeu a foto-
grafia jornalística como arte, e não como Jornalismo (MARQUES DE MELO,
1974). Somente em 1984 é que o ensino de fotojornalismo foi incorporado
aos currículos dos cursos de Jornalismo, com a obrigatoriedade dos labo-
ratórios fotográficos (AQUINO, 2018; SANTOS; PEREIRA, 2019) 7.
Essas mazelas curriculares prevaleceram até o final dos anos 1980,
quando os cursos desmembraram as áreas de Jornalismo, Relações Públi-
cas (RP) e Publicidade e Propaganda (PP) em habilitações da Comunica-
ção Social, com o aluno ingressante podendo optar pela área já na inscri-
ção do vestibular8. Com a Lei das Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996),
as IES passaram a ter mais autonomia sobre suas matrizes curriculares,
adaptando-as às suas realidades. No entanto, a regulamentação, que fixou
pontos importantes para o ensino no Brasil, não foi devidamente usada
pelos cursos de Jornalismo que poderiam, já nos anos 2000, focar em
nichos mercadológicos específicos, não apenas no jornalismo impresso
e no telejornalismo, suprindo as demandas nas áreas de fotojornalismo,
diagramação, cinegrafia, assessoria de imprensa, bem como do jornalis-
mo voltado para as interfaces digitais, que começava a se firmar, nos pri-
meiros anos da web no Brasil.
O foco no empreendedorismo também poderia estar em pauta há pelo
menos duas décadas, uma vez que são muitas as zonas geográficas não co-
bertas pelo jornalismo no país, além de nichos com falta de profissionais
em áreas audiovisuais (MOREIRA, 2018) (em que se enquadra o fotojorna-
lismo) ou mesmo no radiojornalismo, que na grande maioria das cidades
do interior do Brasil é produzido por radialistas que não possuem forma-
ção superior específica. As escolas tinham essa oportunidade desde a im-
plantação da LDB. Por questões das mais diversas (e até mesmo disputas

7
À época habilitação da Comunicação Social e ligado aos dispostos do Currículo Mínimo do Curso de
Comunicação Social, e suas habilitações em Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Re-
solução do MEC, no 002, de 24 de janeiro de 1984 (MOURA, 2001, p. 64), conforme também apontam
Santos e Pereira (2019).
8
Exemplo disso é o curso da Universidade Estadual de Londrina (UEL), de certo modo espelhado nos cur-
rículos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Até 1988 o ingresso
era em Comunicação Social (sem as habilitações) e o estudante podia optar por Jornalismo (ou a outra
área) somente nos semestres finais.

108
internas), os departamentos e colegiados negligenciaram tal situação, até a
implantação das novas Diretrizes Curriculares (BRASIL, 2013).
Dos currículos dos anos 1980 até a última reforma curricular, grande
parte dos cursos alocavam a disciplina de fotojornalismo e a introdutória
“fotografia básica” (ou congêneres) nos primeiros semestres letivos. Uma
das explicações para o fato era o alto índice de evasão de estudantes: em
universidades públicas o número de formandos chegava a menos de 50%
do número de ingressantes de uma mesma turma9. Quando os cursos de
Comunicação Social em IES particulares se proliferaram no país, nos anos
2000, tal índice se replicou10. Em outro sentido estava o argumento de que
fotojornalismo servia de base introdutória para as aulas de telejornalismo,
como pode ser aferido nas ementas dos programas da época. No entanto,
a argumentação não tem sentido, pois fotojornalismo e telejornalismo são
áreas distintas, com especificidades e linguagens também distintas.
Diante do argumento da evasão, para “segurar o aluno”, os coordena-
dores pedagógicos do período abarcado pelas diretrizes vigentes de 1984
até 2014, defendiam a manutenção das disciplinas ligadas ao fotojorna-
lismo no primeiro ano, como uma forma de manter o aluno no curso. A
justificativa eram os aspectos lúdicos, práticos e criativos da atividade, que
– sobretudo no processo analógico – encantavam aos estudantes. O porém
é que essa prática gerava um hiato, com os estudantes tendo novamente
contato com câmeras fotográficas somente no último ano de curso, quando
necessitavam do fotojornalismo para os jornais laboratórios.
A ausência de vínculo direto do estudante de graduação com o foto-
jornalismo no transcurso dos quatro anos, somada à não obrigatoriedade
do diploma para o exercício da atividade de repórter-fotográfico, foram
fatores que resultaram na falta de estímulo para que muitos jornalistas bus-
cassem o fotojornalismo enquanto atividade. Esse reflexo mercadológico
tinha como paralelo acadêmico o baixo número de produções científicas
voltadas para o fotojornalismo até os anos 2000.
Ana Thaís Portanova Barros (2019), que também analisou várias fases
curriculares no ensino de fotojornalismo, referenda tal situação ao descre-
ver que “a perspectiva jornalística se resumia a uma espécie de aplicação

9
Casos da UEL, USP e UFPR e outras, conforme vivência empírica e comprovações decorrentes de partici-
pação em representações estudantis (de CA à Enecos), no início dos anos 1990.
10
Vide experiência pessoal, com base na proliferação de faculdades e universidades no norte de Paraná (em
momento pré-EAD), que teve seis novos cursos de Jornalismo somente entre 1999 e 2003.

109
da fotografia, não sendo então o fotojornalismo mais do que um gênero
da fotografia” (BARROS, 2019). O resultado de tal estrutura de ensino vigente
em muitas instituições até meados dos anos 2010 é um mercado de traba-
lho com poucos profissionais de fotografia formados em Jornalismo. Um
parênteses que deve ser feito é que aqueles profissionais que têm forma-
ção em áreas como o design gráfico, artes visuais e afins, ainda desfrutam
de referenciais teóricos advindos da graduação. No entanto, há uma gama
enorme de profissionais que têm apenas a bagagem adquirida do dia a dia,
sem formação superior em área que traga atributos voltados à estética e às
teorias da imagem. Sabem compor imagens fantásticas, buscar o melhor
ângulo, correr atrás da informação, e valorizam o spot flagrante do ins-
tante decisivo. Mas também podem se deixar levar por aspectos capitais e
mais figurativos do jornalismo contemporâneo, replicando padrões, sem
um aprofundamento mais crítico do que é de fato a produção jornalística.
Com todos esses aspectos, a falta de formação específica em jornalismo
e os déficits curriculares, no acúmulo de décadas, geraram uma distância
entre escola e chão-de-fábrica. Na via contrária, na academia, há poucos
professores com a experiência do dia a dia das redações.
Com as novas Diretrizes Curriculares para o ensino de Jornalismo,
mudança que surgiu do ideário do então Ministro da Educação, Fernan-
do Haddad, cujo foco norteador foi o de transformar as áreas de Saúde,
Comunicação e Direito, essenciais para a consolidação de qualquer nação,
buscou-se adequar o curso às novas demandas e à formação humanista.
Entre os objetivos estava o foco no empreendedorismo, além de dinamizar
a estrutura das grades de ensino. Agda Aquino (2018), destaca que “pela
primeira vez, as diretrizes tentam promover uma maior interação entre
a prática e a teoria”. Uma das polêmicas, que gerou calorosos debates em
reuniões de departamento, com manifestações descontentes daqueles que
se fechavam na área maior, “marcou a separação definitiva do curso de Jor-
nalismo da Comunicação Social” (AQUINO, 2018), deixando o primeiro de
ser uma mera habilitação que disputava espaço burocrático com RP e PP.
Ao analisarem diversos aspectos ligados à presença das imagens téc-
nicas11 nos Programas Pedagógicos de Curso (PPCs) de dez instituições de
ensino de Jornalismo, públicas e privadas, após a implantação das novas
Diretrizes Curriculares, Sílvio da Costa Pereira e Marcelo de Franceschi

11
Rótulo advindo dos conceitos de Wilhelm Flusser (2002).

110
dos Santos (2019) apresentam um diagnóstico do impacto das transforma-
ções nas disciplinas ligadas ao fotojornalismo. Entre os apontamentos está
a necessidade de integração entre disciplinas, o que supriria uma lacuna
antiga dessa relação teoria e prática. Mesmo com os novos currículos, por
dificuldades das mais diversas, na maioria das IES, tal integração ainda se
encontra no universo da utopia. Apesar de tal mazela, Barros (2019) ressal-
ta que com a nova formatação foi possível trabalhar conteúdos fotojorna-
lísticos desde o primeiro momento, “havendo espaço para o desenvolvi-
mento da narrativa fotográfica, da compreensão e reflexão crítica sobre a
sintaxe fotojornalística”.
O amplo esforço dos professores da comissão de especialistas nomeada
pelo Ministério da Educação, responsável pelas proposições, resultou em
avanços extraordinários para o campo do Jornalismo: o viés humanístico;
a formação profissional que agrega a multiplicidade intrínseca aos tempos
atuais; o reforço de práticas laboratoriais; a inclusão de disciplinas voltadas
ao empreendedorismo; as preocupações com a formação tanto para a ciên-
cia e para a pesquisa, quanto para o mercado de trabalho; o destaque para
nichos como a assessoria de imprensa (até então com pouca atenção); a ên-
fase no horizonte da convergência; e o consequente aumento significativo (e
positivo) da carga horária, além do estabelecimento do estágio obrigatório.
Estes e outros escopos foram conquistas necessárias. Mas como nem tudo
são flores, por alguma razão, ou por simples esquecimento dos relatores, no
documento final, com as novas proposições para a estruturação dos currí-
culos de Jornalismo (BRASIL, 2013), não foram incluídas referências diretas
e objetivas ao fotojornalismo. As diversas buscas no documento, através
dos softwares de leitura, com uso das palavras fotojornalismo, fotografia,
imagem, imagético e visual não tiveram êxito. Essenciais para os estudos
da imagem e sobretudo para o jornalismo, tais palavras simplesmente não
existem, não constam, não aparecem, não figuram nas novas DCNs.
O que pode ter sido um simples lapso, contornável na implantação dos
novos currículos, para Aquino (2018) reflete um discurso que “não reconhe-
ce a fotografia enquanto campo de atuação essencial na formação do jor-
nalismo”. Para a autora, as diretrizes de 2013 “demonstram a dificuldade de
entendimento do fotojornalismo enquanto área de trabalho do jornalista
profissional e da fotografia enquanto linguagem da informação jornalística
(AQUINO, 2018). Em um dado paralelo, José Marques de Melo, que esteve à
frente da comissão de notáveis nomeada pelo MEC, havia reorganizado,

111
nos anos 1980, os estudos classificatórios de gêneros do Jornalismo no
Brasil, dando-lhes nova roupagem e incluindo o fotojornalismo com um
gênero específico (MARQUES DE MELO, 1992). No entanto, na última ver-
são de sua taxonomia, o fotojornalismo foi simplesmente deixado de lado
(MARQUES DE MELO; ASSIS, 2010). Obras mais recentes, que abordam aspec-
tos ligados à convergência de mídias e ao jornalismo on-line, também não
incluem o fotojornalismo enquanto gênero jornalístico (SEIXAS, 2009).
Em seu ensaio, Vera Simonetti (2007) destaca diversos aspectos que vão
moldar o futuro profissional do fotojornalismo e referencia o protagonis-
mo do ensino. Ao utilizar a expressão “que tipo de profissional uma escola
de jornalismo pode formar” (SIMONETI, 2007, p. 135), faz referência ao con-
junto de caraterísticas inerentes à academia e ao professor. Tal questão se
alinha com o que já fora aqui discutido e pode mergulhar na episteme e em
uma deontologia específica para a área. Mas a questão vai além e pode ser
explicitada em forma de interrogação: que tipo de profissional do fotojor-
nalismo uma escola de Jornalismo pode formar, se a legislação e as regras
pedagógicas que regem a profissão de jornalista são as primeiras a discri-
minar, mesmo que de forma silenciosa, e diminuir a atividade?

Considerações finais

Como exposto, a localização do fotojornalismo nas regras da profis-


são e do ensino de jornalismo já começa sem destaque, sendo sua prática
profissional exercida, em muitos veículos, por fotógrafos formados em
outras áreas, decorrente da contínua falta de exigência de formação de
nível superior para seu exercício. Por sua vez, no cenário acadêmico, em
muitas instituições os professores designados para as aulas de fotojorna-
lismo sequer são jornalistas e em outros tantos casos não cobriram pautas
de “buraco de rua” no batente diário das redações. No campo bibliográfi-
co, outro porém, como apontado por Pereira e Santos (2019), pois os prin-
cipais referenciais adotados nos programas de ensino ainda trazem gran-
de verve artística ou semiológica. Não que tais elementos não devam ser
aprendidos e explorados pelos estudantes, como as influências de escolas
como a Bauhaus e da vanguarda soviética do início do século 20, passan-
do pela hiperplasticidade imagética presente nas visões surrealistas e em
outros momentos e movimentos.

112
É salutar que além do cânone de dezenas de grandes nomes da his-
tória do fotojornalismo (SOUSA, 2004) – cujo escrete-base tem inevitavel-
mente nomes como os de Lewis Hine, Erich Salomon, Dorothea Lange,
Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Margaret Bourke-White, passando
pelo Bang Bang Club (MARINOVICH; SILVA, 2003) até chegar-se aos grandes
prêmios internacionais do fotojornalismo na contemporaneidade –, que
os cursos tragam referências aos principais expoentes da fotografia no sé-
culo 20 enquanto arte visual, como a presença de nomes como Alexander
Rodchencko, Andre Kertész, August Sanders, Edward Weston, El Lissitzky,
Diane Arbus, Man Ray, Moholy Nagy, Philippe Halsman e Salvador Dali
(MIBELBECK, 2007), além de uma infinidade de mestres e mestras do olhar,
que expuseram em imagens suas loucuras, poéticas, lirismos, ousadias, re-
alismos, hiper-realismos e transgressões. Tais nuances e inovações também
devem ser ensinadas, aprendidas e compreendidas, riqueza estética que
transforma o modo de ver o mundo e pode aprimorar a percepção dos
futuros fotojornalistas, bagagem visual que se converte em referências ima-
géticas como as nuances do neorrealismo do cinema italiano, incorporadas
em trabalhos de Sebastião Salgado.
Porém, isso não deveria ser o endosso para não jornalistas assumirem
postos de repórteres-fotográficos nas redações. O fotojornalismo não deve-
ria ser ocupado por profissionais das artes, da moda, do design, da mesma
forma que o profissional jornalista não deve assumir uma cadeira de esti-
lista sem a devida preparação acadêmica. Em síntese, o que discute-se aqui
é que fotojornalismo tem que ser feito por jornalistas.
Em outra linha estão as transformações advindas da convergência de
mídias e da revolução tecnológica, que incidiram com grande impacto so-
bre o Jornalismo – que ainda vive momento de transformação e busca se
adaptar enquanto modelo de negócio, com sequelas no campo trabalhista.
A preocupação aqui levantada é de que com a inovação haja um revés pro-
fissional. Com a multimidialidade – que requer profissionais polivalentes
– e as mudanças no modo de se fazer jornalismo, somado à não obriga-
toriedade do diploma e ao diminuto foco (que ainda existe) da academia
sobre o fotojornalismo, o grande risco é a profissão de fotojornalista perder
ainda mais espaço.
Portanto, esse modelo de atuação profissional, vulnerável por ser juri-
dicamente desprotegido, cujo nascimento acadêmico é frágil, é que precisa
ser transformado. A formação específica para o exercício da profissão de

113
fotojornalista faz parte da formação do jornalista, “essencial para garantir
o direito ao desenvolvimento de uma esfera pública democrática na so-
ciedade brasileira contemporânea, caracterizada pela complexidade” (DIB;
AGUIAR; BARRETO, 2019). Nesse âmbito, é necessário que se lute pela valo-
rização do fotojornalismo nas futuras reformas curriculares. Na análise de
Aquino (2018), sua ausência nas novas Diretrizes repercutiu nas estruturas
curriculares, com pouca presença da atividade. Em contrapartida, na nar-
rativa de sua vivência docente, Barros (2019) expõe de forma positiva as
transformações em uma universidade federal. No entanto, ao analisar as
estratificações realizadas por Santos e Pereira (2019), especificamente nos
PPCs de universidades particulares, é possível fazer uma leitura de que o
fotojornalismo não foi tão enfatizado. Esse antagonismo, que coloca insti-
tuições públicas e privadas nos muros opostos de um grande cânion, preci-
sa ser revisto. Por outro lado, as IES também não podem ser rotuladas pois
tiveram que se adequar às novas perspectivas com os recursos temporais e
humanos de que dispunham.
Todavia, uma hipótese a ser levantada é se os professores de fotojor-
nalismo participaram efetivamente da elaboração das novas grades e se ti-
veram o mesmo poderio que seus colegas das demais subáreas, sendo que
é de conhecimento e como exposto, que muitas IES particulares realocam
docentes das artes ou publicidade para ministrar fotojornalismo. De modo
pragmático, em outro caminho, pode-se imaginar chefes de departamento,
coordenadores e integrantes de colegiado e membros de NDEs, debruçan-
do-se sobre as novas Diretrizes, com um hipotético diálogo: “já que temos
que mudar, vamos ver o que o MEC está pedindo”. Como no pedido, na
“receita”, não havia menção ao fotojornalismo, talvez por isso, mais uma
vez, os citados verbetes não presentes nas diretrizes de 2013, ficaram com
menor representatividade.
Os conclusos deste artigo são que as regras do jogo deste díspar tensio-
namento, cujas sequelas têm impacto na formação e na atuação profissio-
nal, colocam em pauta a legislação em vigor e os currículos de jornalismo,
comprovando que o fotojornalismo não teve (e ainda não tem) o espaço
necessário para um maior desenvolvimento, mesmo exercendo papel de
protagonista do processo informacional contemporâneo e pós-moderno,
nesse amálgama de imagens complexas (CATALÁ, 2005), com uma sociedade
midiatizada por imagens (DEBORD, 1997), em que as trocas comunicacionais
se dão muito mais pelo imagético do que por palavras.

114
Em texto que integra o livro Fotografia e Jornalismo: a informação pela
imagem (BUITONI; PRADO, 2011), Vera Simonetti (2007, p. 137) define como
um dos propósitos das disciplinas de fotojornalismo “entender a complexi-
dade dos fatores que envolvem o fazer fotográfico e suas conexões com as
demais instâncias de comunicação”. Para tanto, é necessário congregar con-
teúdos oriundos dos estudos em jornalismo com questões atuais, “apon-
tar o futuro sem descartar o que ajudou a moldar a profissão no passado”
(GOMES; EVANGELISTA, 2019, p. 55). Para Joseph Català, acerca da densidade
que envolve as imagens e, por consequência, o debruçar sobre o imagético
na academia de jornalismo,

[...] é desta arquitetura que combina o interno e o externo, o fixo


e o móvel, o espaço e o tempo, o subjetivo e o objetivo que sur-
ge a verdadeira complexidade visual (...) Tratava-se de pensar as
imagens, mas também de pensar com as imagens, para colocar sua
particular fenomenologia e os problemas epistemológicos, cogni-
tivos e estéticos que as envolvem (CATALÀ, 2005, p. 22, apud BUITONI;
PRADO, 2011, p. 161).

Dib, Aguiar e Barreto (2010, s.p.) pactuam desse entendimento, ao afir-


marem, no espectro do Jornalismo, que “as sociedades complexas requerem
qualificações profissionais e formações acadêmicas específicas para diver-
sas profissões; com o jornalismo, não pode ser diferente”. Teoria e prática
precisam caminhar juntas, com a informação, a técnica e a estética conver-
tendo-se na tríade de referenciais específicos do fotojornalismo, com uma
bibliografia própria. No ensino, além da já abordada interdisciplinaridade,
a ética no fotojornalismo e a história do fotojornalismo constituem dois
outros densos campos que inflam o corpus teórico das disciplinas. Essen-
ciais, podem ser rearranjados em uma nova etapa de adequação dos currí-
culos. O analógico, que é um escopo mais histórico e retórico, pode ter uma
releitura já no espectro da fotografia digital, que está na vanguarda, mas
que também precisa de pontuais ajustes. Transformar para melhorar, com
conexão com a convergência de mídias, com a imagem na contempora-
neidade e com o modo como as novas gerações as absorvem, as produzem
e as consomem. Isso tudo num mesmo kit pós-moderno, que tem como
elemento transversal dessas discussões um personagem preponderante: o
professor de fotojornalismo.

115
Referências

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