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JOUVENEL, Bertrand de. O crescimento das ideias públicas.

IN: As origens do Estado


Moderno: uma história das ideias políticas no século XIX. Zahar Editores, Rio de Janeiro: 1976.
p.319
Depois de 1 50 anos o Estado sofreu metamorfoses profundas quanto às suas tarefas, quanto ao
seu princípio e quanto à sua estrutura. Auguste Comte formulou, em 1822, a seguinte crítica às
ideias liberais, conforme ele as compreendia: "O Governo que, em toda situação particular, é o
chefe da sociedade, o guia e o propulsor da ação geral, é sistematicamente despojado, por essas
doutrinas, de todo princípio de atividade. Privado de toda participação importante na vida de
conjunto do corpo social, vê-se reduzido a um papel puramente negativo.

p.318
O que importa nesse texto é a imagem do Estado que o autor opõe às doutrinas por ele
combatidas, imagem esta que é a de um Estado que é o chefe da sociedade e reúne num feixe
(note-se o termo que será redescoberto por Mussolini) as atividades individuais. O enunciado
de Comte é normativo: ele nos diz o que quer.

318-319
Mill no segundo capítulo de sua obra Governo Representativo que 'as funções que cabem ao
Governo não são uma coisa invariável, mas algo que muda conforme os diferentes estados da
sociedade, uma coisa muito mais vasta num povo atrasado que não povo avançado". Ainda
estamos em 1861; o regime francês é o do Segundo Império, e Mill o explica por uma disposição
psicológica dos franceses, não por uma tendência histórica.

p.320
(Gabriel Tarde) encerra antes de mais nada um prognóstico de crescimento do poder, prognóstico
que se realizou. Mas ainda inclui uma coisa muito mais interessante, qual seja a distinção entre
duas funções do poder, a função protetora e a função diretora.

p.320-321
Realmente, é fácil compreender que, à medida que progride a divisão do trabalho social - que
constitui o grande tema de Emile Durkheim -, o Estado tenha de proteger interesses mais
variados, e que se veja obrigado a multiplicar e tornar mais precisos. os regulamentos dentro dos
quais essas atividades deverão manter-se para não se embaraçarem mutuamente. Mas não se
torna evidente a priori que, para fazer cumprir esses regulamentos, o poder executivo deva
crescer mais depressa que a própria sociedade.

p.321
Nomocracia significa o governo das normas. Num regime puramente nomocrático (que só
poderia corresponder a um tipo ideal), a única função do executivo consistiria em velar pela
observação,
por parte dos particulares, das normas elaboradas pelo poder legislativo. Se um sistema como
esse pudesse existir em seu estado puro (possibilidade que a experiência desmente), não
comportaria um Governo propriamente dito, mas simplesmente um grupo de encarregados ela
execução das leis, que velariam pela conformidade das rnn<luta s individuais com as prescrições
legais. Ao que parece, é em Thomas Paine (1737-1809) que encontramos a doutrina nomocrática
levada a seus extremos lógicos.
p.322
Geralmente se tem
entendido que o regime nomocrático comporta uma administração geral. Mas quanto mais nos
aproximamos da noção monocrática pura, mais vemos na administração uma simples executora
das instruções expedidas pelo legislador. Evidentemente, sua tarefa será tanto mais fácil quanto
mais a lei esteja "internalizada" na consciência dos cidadãos. [...] Mas como conceber um regime
em que o Governo não tenha objetivos? E, uma vez que haja um objetivo, haverá uma ação para
a sua realização. O caráter telocrático surge com a fixação, pelas autoridades públicas, dos
objetivos que elas se proponham a alcançar. [...] transformação do Estado no século XX:
corresponde ao aumento do número e da importância dos objetivos, para voltarmos à linguagem
de Tarde.

p.323
a atribuição de um funcionário numa nomocracia é de natureza totalmente diversa. Sua tarefa é
cuidar para que as normas prescritas não sejam transgredidas, e a finalidade das normas não
consiste na eficiência da empresa. Dessa forma o funcionário é, por assim dizer, uma sentinela
que não deixa passar o ato proibido [...] já não se trata de executar fielmente os atos de sua
competência, mas de cumprir eficientemente certa missão. O caráter da administração muda .de
acordo com sua natureza.

p.324
Evidentemente o papel do · executivo muda de feição se, em vez de ser o controlador supremo
de órgãos vinculados a certas atribuições, for o generalíssimo de exércitos em campanha. Nesse
caso caber-lhe-á impulsionar a marcha de cada indivíduo e enquadrá-la na manobra do conjunto.

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