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PRIMERA PARTE - 0’00 - 18’56’’

O filme abre com a exibição do famoso "cogumelo". O espectador deve ter a


sensação de voltar a ver e ver, ao mesmo tempo, que "cogumelo" pela primeira
vez.
Deve ser muito ampliado, em câmera muito lenta, e seu desenvolvimento
acompanhado pelo primeiros compassos de G. Fusco.
Conforme aquele "cogumelo" sobe na tela, abaixo dele, vai aparecendo, aos
poucos, dois ombros nus.
Apenas aqueles dois ombros são visíveis, eles são cortados do corpo na altura da
cabeça e
quadris.
Esses dois ombros se abraçam e são como se estivessem encharcados de cinzas, de
chuva, de orvalho ou no suor, como você gosta.
O principal é que você tem a sensação de que aquele orvalho, aquela transpiração,
foi
depositado por [o "fungo" do BIQUINI], à medida que se afastava, à medida que
desapareceu.
Deve haver uma sensação muito violenta e contraditória de frieza e de desejo.
Os dois ombros abraçados são de cores diferentes, um é escuro e o outro claro.
A música de Fusco acompanha esse abraço quase escandaloso.
A diferenciação das duas respectivas mãos deve ser muito marcada.
A música de Fusco recua. A mão de uma mulher, [grandemente aumentada],
permanece
encostar no ombro amarelo, inclinar-se é uma forma de falar, agarrar-se seria mais
exatamente.
Uma voz de homem, fosca e calma, recitativa, anuncia:

ele. - Você não viu nada de Hiroshima. Nenhuma coisa.


Para usar à vontade.

Voz de mulher, muito velada, igualmente mate, voz de leitura recitativa, sem
pontuação, resposta:

ELA. - Eu vi tudo. Tudo

A música de Fusco é ouvida novamente, exatamente no momento em que a mão


da mulher
aperta novamente no ombro, libera-o, acaricia-o e enquanto dura no ombro
amarelo, o sinal das unhas brancas. Como se o arranhão pudesse dar a ilusão de
uma sanção de "Não, você não viu nada de Hiroshima ".

Então a voz da mulher é ouvida novamente, calma, igualmente recitativa e fosca:


ELA. - Por exemplo, o hospital que eu vi. Disso tenho certeza. Há um hospital em
Hiroshima. Como eu poderia parar de vê-lo?

O hospital, corredores, escadas, enfermos, com supremo desdém por parte da


câmera (
dois) (Ela nunca é vista vendo.)
Voltamos para a mão, agora contraindo implacavelmente o ombro amarelo.

ELE - Você não viu nenhum hospital em Hiroshima. Você não viu nada de
Hiroshima.
Então, a voz da mulher torna-se cada vez mais impessoal. Dando um condição
(resumo) para cada palavra.

Agora vemos o museu que desfila. O mesmo que sobre o hospital, luz ofuscante,
feio.
Imagens documentais. Vestígios de bombardeio.
Mockups. Ferros torcidos.
Peles, cabelos queimados, cera. Etc.

ELA. - Quatro vezes no museu …

ELE - Que museu em Hiroshima?


ELA. - Quatro vezes no museu de Hiroshima. Eu vi pessoas caminhando. Todos
O mundo anda pensativo no meio das fotografias, das reconstruções, na ausência
de outra coisa, por meio de fotografias, fotografias, reconstituições, por falta de
outra coisa, explicações, por falta de outra coisa.

Quatro vezes no museu de Hiroshima


Eu observei pessoas. Eu olhei pensativamente para o ferro.
O ferro queimado. O ferro quebrado, o ferro que se tornou vulnerável como carne.
eu tenho visto buquês de vagens, quem poderia imaginar? Peles humanas
flutuantes, sobreviventes,
com seus sofrimentos ainda recentes. Pedras Pedras queimadas. Pedras
quebradas.
Cabelos anônimos que as mulheres de Hiroshima encontraram inteiros, caídos,
pela manhã quando você acorda.

Tenho sentido calor na Plaza de la Paz. Dez mil graus, na Plaza de la Paz. Já sei. O
temperatura do sol, na Plaza de la Paz. Como eu poderia não saber ...? A grama é
muito
simples…
A. - Você não viu nada em Hiroshima, nada.

O museu continua a desfilar.

Então, a partir da foto de uma cabeça queimada, descobrimos a Plaza de la Paz


(continuando aquela cabeça).
Vitrines do museu com manequins queimados.
Sequências de filmes japoneses (de reconstrução) sobre Hiroshima.
O homem desgrenhado.
Uma mulher sai do caos, etc.

ELA. - As reconstituições foram feitas o mais seriamente possível.


Os filmes foram feitos o mais seriamente possível.
A ilusão é muito simples, é tão perfeita que os turistas choram.
Sempre se pode zombar, mas o que mais um turista pode fazer senão
exatamente isso, chora?

ELA.- ... mas justamente chorar para suportar aquele espetáculo abominável de
todo o mundo. E deixá-lo triste o suficiente para não perder a cabeça.

ELA. - As pessoas ficam lá, pensativas. E sem ironia, pode-se dizer que nessas
ocasiões servem para fazer as pessoas pensarem que são sempre boas. E que os
monumentos, do que às vezes se sorri, são, no entanto, as melhores desculpas
para aquelas ocasiões ...
ELA. - Para aquelas ocasiões ... pensar. Geralmente, é verdade, quando se
apresenta a oportunidade de pensar ... com aquele luxo ... você não pensa nada.
O que não significa que o espetáculo dos outros, que deveriam estar pensando,
seja encorajando.

ELA. - A sorte de Hiroshima sempre me fez chorar. Sempre.

Visão panorâmica de uma foto de Hiroshima tirada após a bomba, um "deserto


novo ", sem qualquer semelhança com os outros desertos do mundo.

ELE. - Não.

A Plaza de la Paz desfila, vazia, sob um sol deslumbrante que lembra o da bomba,
cegando. E sobre esse vazio, novamente a voz do homem:

ELE - O que te faria chorar?

Passamos pela praça vazia (à uma hora da tarde)


Os noticiários tomados a partir de 6 de agosto de 45.
Formigas, vermes, saem da terra.
A alternância dos ombros continua. A voz feminina é ouvida novamente,
descontroladamente,
ao mesmo tempo que as imagens vão desfilando, loucas também.

ELA. - Eu assisti ao noticiário.

No segundo dia, diz a história, eu não inventei nada, desde o segundo dia,
Certas espécies animais surgiram das profundezas da terra e das cinzas.
Os cães foram fotografados.
Para sempre.
Eu os vi.
Eu vi as notícias.
Eu os vi.
Desde o primeiro dia.
No segundo dia.
No terceiro dia.

ELE (interrompendo-a). - Você não viu nada. Nenhuma coisa.

Cachorro amputado.
Pessoas, crianças.
Feridas
Crianças queimadas chorando.

ELA. "... do décimo quinto dia também."


Hiroshima estava cheia de flores. Em todos os lugares não havia nada além de
flores e gladíolos, e sinos e lírios que ressuscitaram das cinzas com extraordinário
vigor, desconhecido até então nas flores

ELA. - Eu não inventei nada.


ELE. - Você inventou tudo.
ELA. - Nenhuma coisa.

Da mesma forma que existe essa ilusão no amor, essa ilusão de ser capaz de não,
nunca se esqueça, eu também tive a ilusão antes de Hiroshima de que nunca irei
esquecer.
Assim como no amor.

A pinça cirúrgica é colocada no olho para removê-la.

A notícia continua.
ELA. - Eu também vi os sobreviventes e aqueles que estavam no ventre de
mulheres de Hiroshima.

Uma linda criança volta para nós. Então vemos que ele tem um olho só.

Uma menina queimada se olha no espelho.

Outra menina cega de mãos torcidas toca citara.

Uma mulher ora com seus filhos moribundos.

Um homem está morrendo porque não consegue dormir há anos. (Uma vez por
semana que seus filhos o trazem.)

ELA. - Tenho visto a paciência, a inocência, a doçura aparente com que os


sobreviventes improvisados ​de Hiroshima estavam se acomodando a um destino
tão injusto que a imaginação, geralmente tão fecunda, se fecha sobre eles.
Sempre voltamos ao abraço perfeito dos corpos.

ELA [em voz baixa] Ei … Escuta


Sei tudo.
Tudo continua.

ELE - Nenhuma coisa. Você não sabe nada.

Nuvem atômica.
Atomium que gira.
As pessoas caminham pela rua na chuva.
Pescadores afetados pela radioatividade.
Um peixe não comestível.
Milhares de peixes não comestíveis enterrados.

ELA. - As mulheres correm o risco de dar à luz filhos deformados, monstros, mas
tudo segue. Os homens correm o risco de serem atacados com esterilidade, mas
tudo continua.
A chuva é assustadora.
Chuvas de cinzas nas águas do Pacífico.
As águas do Pacífico matam.
Pescadores do Pacífico morreram.
A comida é assustadora.
A comida de uma cidade inteira é jogada fora.
A comida de cidades inteiras é jogada fora.
Uma cidade inteira está em fúria.
Cidades inteiras estão em fúria.
Noticiários: algumas manifestações.

ELA. - Contra quem, a ira de cidades inteiras?


A raiva de cidades inteiras, queiram ou não, contra a desigualdade
estabelecido como princípio por certos povos contra outros povos, contra
desigualdade estabelecida como princípio por certas raças contra outras raças,
contra desigualdade estabelecida como princípio por certas classes contra outras
classes.
Procissões de manifestantes.
Discursos "mudos" nos alto-falantes.

ELA (calmamente). - Ei...


Como você, eu conheço o esquecimento.
ELE. - Não, você não conhece o esquecimento.
ELA. - Como você, sou dotado de memória. E eu conheço o esquecimento.
ELE. - Não, você não é dotada de memória.
ELA. - Como você, eu também tentei lutar com todas as minhas forças contra o
esquecimento.

Eu esqueci, como você. Como você, gostaria de ter uma memória inconsolável,
uma memória de sombras e pedra.

A sombra "fotografada" na pedra de uma pessoa desaparecida de Hiroshima.

ELA. - Lutei sozinho, com todas as minhas forças, todos os dias, contra o horror de
não
entendo por que lembrar. E como você, esqueci ...
Lojas nas quais, em cem exemplares, se encontra a maquete reduzida do Palácio
do
Industria, o único monumento cuja estrutura retorcida permaneceu de pé após a
bomba, e que tem sido mantida assim desde então.
Loja abandonada.
Treinador de turismo japonês.
Turistas na Plaza de la Paz.
Gato cruzando a Plaza de la Paz,

ELA. - Por que negar a necessidade óbvia de memória ...?


Frase que martela nas plantas do esqueleto do Palácio da Indústria.
ELA. - ... Ei ... eu sei mais. Isso será repetido.

Duzentos mil mortos.


Oitenta mil feridos.
Em nove segundos.
Esses números são oficiais. Isso será repetido.
Árvores.
Igreja.
Carrossel.
Hiroshima reconstruída. Vulgaridade.

ELA. - Haverá dez mil graus na terra. Dez mil sóis, eles dirão. O asfalto vai queimar.

Igreja.
Propaganda japonesa.

ELA. - Uma profunda desordem reinará. Uma cidade inteira será levantada do chão
e voltará às cinzas …

Areia. Um maço de cigarros "Peace". Uma planta gorda se espalha como uma
aranha na areia.

ELA. - Novas vegetações brotam nas areias …

Quatro alunos "mortos" conversam nas margens do rio.


O Rio.
As marés.
As docas diárias de Hiroshima reconstruídas.

ELA. —... Quatro alunos esperam uma morte fraternal e lendária juntos.

Os sete braços do estuário no delta do rio Ota se esvaziam e se enchem no


momento de
hábito, exatamente nas horas habituais, de uma água doce e venenosa, cinza ou
azul de acordo com o tempo e as estações. Ao longo das margens lamacentas, não
há mais pessoas olhando para a lenta subida da maré nos sete braços do estuário
no delta do rio Ota.
O tom recitativo cessa.
As ruas de Hiroshima, as ruas de novo. Pontes.
Passagens cobertas.
Ruas.
Arredores. Trilhos
Curiosidades universais.

ELA. - ... E eu te encontro.


Eu lembro de você.
Quem é ?
Você está me matando.
Você é minha vida.
Como poderia imaginar que esta cidade foi feita para o amor?
Como posso imaginar que você foi feito sob medida para o meu próprio corpo?
Eu gosto de você. Que evento. Eu gosto.
Quão lento, de repente.
Que doçura.
Você não pode saber.
Você está me matando.
Você é minha vida.
Você está me matando.
Você é minha vida.
Tenho muito tempo.
Peço.
Me devore.
Deforme-me em feiura.
Porque não você
Por que não você, nesta cidade e nesta noite tão parecida com as outras que
confuso com eles?
Peço…

De repente, o rosto da mulher parece muito terno, esticado em direção ao rosto do


homens.

ELA. - É uma loucura como sua pele é linda.

O gemido de felicidade do homem.

ELA. - Você!

O rosto do japonês aparece depois do da mulher numa risada extática (risada), que
não vem à mente na conversa. Se volta:
ELE- Eu sim. Você terá me visto.
Os dois corpos nus aparecem. A mesma voz de uma mulher muito velada, mas
desta vez não declamatório.
ELA. - Você é japonês ou não é?
ELE - De todo. Eu sou japonês.
ELE- Seus olhos são verdes. Não é isso?
ELA. - Oh, eu acho ... sim ... eu acho que eles são verdes.

Ela olha. Afirme suavemente:


ELE - Você é como mil mulheres ao mesmo tempo ...
ELA. - Porque você não me conhece. Por isso.
ELE - Talvez não seja só por causa disso.
ELA. - Não me importo de ser mil mulheres ao mesmo tempo por você.

Ele beija o ombro dela e afunda a cabeça no oco desse ombro. A cabeça dele virou
em direção à janela aberta, em direção a Hiroshima, à noite. Um homem passa na
rua e tosse. (Você não pode vê-lo, só pode ouvi-lo.) Ela se endireita.

ELA. - Ei ... São quatro horas ...


ELE - Por que ?
ELA. - Não sei quem é. Acontece todos os dias às quatro. E ele tosse.

Fique quieto. Eles olham um para o outro.

ELA. - Você estava em Hiroshima ...


Ele ri. Como antes de uma criança.
ELE. - Não. Claro que não.
Ela acaricia seu ombro nu novamente. Esse ombro é realmente lindo,
intacta.

ELA. - Oh. É verdade ... Como sou estúpida.


Quase sorrindo.
Ele olha para ela de repente, sério e hesitante, e termina dizendo:
ELE - Minha família estava em Hiroshima. Eu estava na guerra.
Ela interrompe o gesto dele por cima do ombro.

Timidamente, desta vez, com um sorriso, ele pergunta:


ELA. - Sorte sua, hein?
Ele desvia o olhar, pesa os prós e os contras:
ELE - Sim.
Ela acrescenta, muito gentil, mas afirmativa:
ELA. - Que sorte para mim também.
Pausa.

ELE - Como é que você está em Hiroshima?


ELA. - Um filme.
ELE- Como assim um filme?
ELA. - Trabalho em um filme.
ELE. - E antes de estar em Hiroshima, onde você estava?
ELA. - Em Paris.

Outra pausa, ainda mais longa.


ELE. - E antes de estar em Paris ...?
ELA. - Antes de estar em Paris ...? Eu estava em Nevers. Nevers.
ELE. - Nevers?
ELA. - Ele está em Niévre. Você não conhece .

Uma pausa. Ele pergunta, como se tivesse acabado de descobrir um link


HIROSHIMA-NEVERS:

ELE. - E por que você queria ver tudo em Hiroshima?

Ela se esforça para ser honesta:


ELA. - Estou interessada. Tenho minhas idéias a esse respeito. Por exemplo,
olhando de perto as coisas, na verdade… Eu acredito que a gente aprende.

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