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PANORAMA E PERSPECTIVAS

PARA O GÁS NATURAL


NO BRASIL
Agosto / 2020

Luiz Augusto Barroso1,2


Rafael Kelman2
Luana de Souza Gaspar2
ÍNDICE

PRINCIPAIS MENSAGENS 4

1 INTRODUÇÃO 7

2 USOS DO GÁS NATURAL E AS PROJEÇÕES DA EPE 22

2.1. Indústria 25

2.1.1.
Cimento 26

2.1.2.
Cerâmica 28

2.1.3.
Siderurgia 29

2.1.4.
Indústria Química 32

2.1.5. Sensibilidade da conversão industrial


ao preço e crescimento do PIB 34

2.2. O Setor de Transportes – veículos leves e pesados 35

2.3. O Gás Natural na geração elétrica 39

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 46

Anexo I 52
Anexo II 56
Anexo III 57
4 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

PRINCIPAIS MENSAGENS

• Ao criar as bases regulatória e jurídica para criar condições


de concorrência no setor, a aprovação do Projeto de Lei nº
6.407/2013 na Câmara e seu encaminhamento para o Senado é
um ato positivo que contribui para entregar gás (e subprodutos)
a preços competitivos ao consumidor, beneficiando o
desenvolvimento do país. O Projeto resulta de um consenso
político e sua aprovação deve ser buscada. Existem outros
aperfeiçoamentos fundamentais para a dinâmica de mercado,
como harmonização de práticas regulatórias na distribuição
de gás, que ainda serão discutidos mesmo após a aprovação
da Lei, e outras pré-condições importantes como a garantia da
concorrência sem a criação de campeões nacionais, que pode
ter impacto negativo em vários outros setores.

• Se a competição introduzida com a Lei reduzir o preço médio


do gás de 14 US$/MMBTU para algo entre 5 e 7 US$/MMBTU
entregues ao consumidor industrial, haveria condições
econômicas para um significativo aumento de seu consumo
na indústria pela substituição de energéticos e pelo estímulo à
competitividade da indústria brasileira, reduzindo importações.
Haveria ainda amplo espaço para deslocar o óleo diesel no
transporte, principalmente de carga. Tudo considerado,
cerca de 28 Mtep de gás natural poderiam ser direcionados
para a indústria e transporte, demanda maior do que todo
o consumo final atual. Tanto no caso da indústria quanto no
transporte, o gás estaria deslocando combustíveis fósseis mais
poluentes, permitindo a redução das emissões de CO2 e de
outros compostos nocivos ao meio ambiente e à saúde do ser
humano. O crescimento do consumo pelo setor industrial pode
ocorrer segundo a lógica de mercado, por mérito econômico,
com intervenção governamental mínima e, se necessária,
apenas para garantir um bom funcionamento do mercado
induzido pela nova lei. Por outro lado, o setor de transporte
talvez precise de um programa governamental para iniciar o
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 5

processo de substituição de diesel, visando reduzir as importações,


tornar o frete de carga mais barato com importantes ganhos
indiretos e ainda reduzir as emissões de CO2 em 15%.

• O uso do gás associado do Pré-sal para a produção de energia


elétrica é a opção que precisa ser avaliada com atenção,
considerando a queda de preços das fontes renováveis e perspectiva
de precificação de carbono. Além disso, por ser associada à produção
do óleo, essa geração não teria a flexibilidade operativa que será
crescentemente demandada pelos sistemas de potência com a
maior penetração de renováveis. No entanto, a preços de gás na
faixa de 4-5 US$/MMBTU entregues na térmica, o gás inflexível
pode ser competitivo economicamente com as demais opções de
expansão quando ambas competem valendo-se de seus próprios
atributos, gerando uma demanda adicional de 14 Mtep ao ano
do gás natural. Nesse caso, o possível aumento de emissões com o
deslocamento de renováveis pode ser evitado com a variante Gas
to Wire with Carbon Capture and Storage, com eletricidade sendo
gerada diretamente nas plataformas offshore e transmitida por cabos
submarinos. O gás carbônico da queima é injetado nos reservatórios
junto com o CO2 original, contribuindo para o aumento da produção
de óleo e a neutralização das emissões.

• Investimentos em nova infraestrutura devem ser feitos por valor


econômico aportado, considerando que o gás natural é um
combustível de transição para uma economia de baixo carbono,
seja pela eletrificação de atividades que hoje utilizam combustíveis
fósseis (transporte de passageiros) ou pela produção de outros
energéticos limpos, como o hidrogênio verde e carriers derivados
(ex. metanol ou amônia). Neste contexto, e sempre que possível,
deve-se otimizar o uso da rede de gasodutos existente, aumentando
a produtividade desses ativos e evitando a necessidade de novos
investimentos na infraestrutura de gás não economicamente
justificados, que apresentam o risco de se tornarem subutilizados.
6 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

O objetivo desse texto é apresentar indica a importância da otimização do uso


possibilidades para o mercado de da infraestrutura existente, por exemplo
gás natural no Brasil a partir do no transporte do gás, dado o tempo de
aproveitamento das reservas de gás amortização possivelmente curto de
natural no mar, especialmente do Pré- futuros investimentos, assim como a
Sal. Procura-se responder duas perguntas maior resiliência, inclusive financeira, de
neste relatório: o quanto a concorrência opções que desloquem outras fontes mais
pode ampliar o mercado de gás no Brasil? poluentes ou possibilitem o sequestro
A expansão do gás pode ser feita de forma de carbono.
sustentável, evitando ativos “encalhados” e
grande aumento de emissões? O enfoque Por outro lado, a perspectiva de
de nossa análise será através da busca precificação de atributos ambientais
por eficiência e produtividade, utilizando e a evolução tecnológica das energias
como princípios a competição, como renováveis introduz riscos ao trancamento
ferramenta para ampliação do mercado e tecnológico envolvido nos investimentos
aproveitamento do recurso, a minimização na infraestrutura de gás.
do risco de ativos sub-utilizados e um
Emerge dos diversos estudos e cálculos
enfoque de sustentabilidade (preferência
reportados nesse documento que a
ao deslocamento de fontes mais
expansão da demanda pelo gás
poluentes). A análise do potencial uso
natural no país depende de uma
do gás desenvolvida nesse documento
convergência do seu preço para a faixa
complementa diversos estudos recentes3,
de US$ 4 a 7/MMBTU entregue ao
consolidando resultados e apontando
consumidor para ser compatível com a
convergências. Também são elaboradas,
eficiência econômica. Essa é a faixa de
de forma inédita, potencialidades como
preço que permite que o gás natural seja
no transporte de carga pesada em escala
competitivo com outras fontes de energia
nacional e implicações pouco discutidas
na indústria, no transporte e mesmo na
fora do âmbito acadêmico, mas de grande
geração elétrica4.
potencial, como a geração termelétrica
offshore (gas-to-wire) com a captura e
Não há fórmula única para eventual
sequestro de carbono, além de aspectos
redução do preço do gás natural no Brasil,
logísticos relativos à maior ou menor
mas parte central de diversas iniciativas
proximidade de grandes unidades
regulatórias e legislativas dos últimos
industriais com os gasodutos existentes.
quatro anos visa criar condições para que
Destaca-se que parte do crescimento da a maior competitividade do gás possa
produção de gás natural está associada ser buscada. Esse é o objetivo de ações
à produção do óleo do Pré-sal. Portanto, para facilitar o acesso de terceiras partes a
explorar possibilidades para a utilização infraestruturas existentes, aumentando a
do gás natural oriundo da produção do concorrência e transparência no mercado
Pré-Sal é um tema urgente para o Brasil. do gás, conforme proposta para a nova
Por um lado, a aceleração da transição lei do gás incorporada no Substitutivo ao
energética por motivos climáticos pode Projeto de Lei nº 6.407/2013 aprovado pelo
diminuir a demanda por combustíveis relator na Comissão de Minas e Energia da
fósseis nos próximos anos. Essa transição Câmara de Deputados.

1Registramos também a contribuição de Joaquim Levy que preparou a versão inicial desse documento enquanto pesquisador visitante (fellow) do Centro Steyer Taylor de Energia e Finanças na
Universidade de Stanford e inspirou a discussão de vários dos temas aqui apresentados.
2Luiz Augusto Barroso: Matemático e Presidente do E+ Painel e Presidente da PSR; Rafael Kelman: Engenheiro e Diretor Executivo na PSR; Luana de Souza Gaspar: Engenheira e Analista de
Energia na PSR.
3“Gás para o Desenvolvimento” (BNDES, 2020); “Competitividade do Gás Natural: Estudo de Caso na Indústria de Fertilizantes Nitrogenados” (EPE, 2019); “Impactos Econômicos da
Competitividade do Gás natural” (CNI, 2019); “Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029” (EPE, 2020).
4Dada a centralidade da eventual capacidade de substituição de outras fontes de energia pelo gás, sempre que possível, serão utilizadas nesse relatório unidades de energia (milhões de
toneladas equivalentes de petróleo - Mtep) para facilitar a comparação entre diferentes fontes.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 7

1. INTRODUÇÃO
O uso do gás natural tem crescido 2019). Seu uso no Brasil se consolidou
rapidamente nos últimos 30 anos, a partir da virada do século XXI, com o
correspondendo em 2019 a 24% da início da operação do gasoduto Bolívia-
energia primária global (Figura 1) e 21% Brasil (Gasbol) em 1999, mas corresponde
das emissões de gases de efeito estufa ainda a apenas 13% da matriz energética
(GEE) dessas fontes, ou 7 bilhões de brasileira, ligeiramente acima da
toneladas de gás carbônico equivalente contribuição da energia hidroelétrica
ao ano (GtCO2eq/ano) (BP, 2019; IEA, (EPE, 2019).

Figura 1a - Consumo global em energia fóssil e emissões associadas.

Fonte: BP Statistical Review of World Energy (esq.) e World in Data (dir.).

Figura 1b - Oferta interna primária de energia por fonte no mundo e no Brasil em Mtep (%), 2018.

Global Brasil
Renováveis Nuclear
Outras Primárias
Hidráulica 5% 4%
8% (21,6)
6%

Petróleo
Cana
32% (87,8)
Petróleo 19% (50,9)
Gás Natural 33%
24%

Lenha
9% (24,1)
Gás Natural
Carvão Hidráulica 13% (35,9)
28% 12% (33,5)

Nuclear Carvão
2% (5,6) 6% (15,6)

Fonte: BP Statistical Review of World Energy (esq.) e BEN,2018 (dir.).


8 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

A descoberta dos campos de petróleo iniciou e torna arriscada a postergação do


do Pré-Sal e na costa Norte/Nordeste aproveitamento de reservas de energias
criou a perspectiva de forte aumento da fósseis.
produção de gás natural no Brasil, o que
vem se realizando nos últimos É desejável que as escolhas sobre o uso
5 anos e deve se acelerar no futuro do gás venham a refletir as vantagens
próximo. Embora a crise da Covid-19 tenha econômicas e ambientais envolvidas,
criado incertezas no mercado de óleo e incluindo aspectos regulatórios que
gás, uma premissa desta nota é que o estimulem o melhor uso dos ativos
desenvolvimento das reservas de petróleo setoriais, como os gasodutos existentes,
será perseguido nos próximos anos, como e contribuam para a redução de
sugerido no Plano de Desenvolvimento emissões de GEE nos próximos 30 anos.
Energético 2029 publicado pela EPE O foco concorrencial na gestão dos
(EPE, 2020). Esse plano aponta uma ativos presentes e futuros ajudará a
produção de 5,5 milhões de barris de evitar desperdícios e ampliar o acesso
petróleo por dia no final da década, e de diversos segmentos da economia
uma projeção de reservas provadas de 35 brasileira ao gás natural como fonte de
bilhões de barris de petróleo. Ainda que energia ou insumo do processo produtivo,
a magnitude dessas reservas dependa aumentando assim a produtividade
da comercialidade do óleo e, portanto, e capacidade de crescimento dessa
do seu preço, vale notar que com o barril economia.
de petróleo a US$30, uma produção de 5
A expansão do uso do gás no Brasil foi
milhões de barris por dia (1,8 bilhão por
impulsionada por três tipos de oferta: as
ano) por 20 anos equivaleria a uma receita
importações de gás da Bolívia e de GNL,
de mais de US$ 1 trilhão (o PIB do Brasil
e a produção nacional. A primeira foi a
em 2019 foi estimado pelo FMI em US$1,9
importação do gás da Bolívia na virada
trilhão).
dos anos 2000, contratada pela Petrobras,
Como significativa parcela das reservas com o compromisso de comprar até 24
de gás no Brasil está associada à milhões de m3 (MMm3) de gás por dia
produção de petróleo, avaliar as na modalidade de “take or pay”, isto é,
possibilidades de utilização do gás natural pagando ao fornecedor mesmo que
adquire urgência compatível com aquela o volume não seja todo consumido.
das decisões necessárias para aumentar O volume original foi complementado
a produção de petróleo o mais rápido por outros 6 MMm3/dia (somando
possível. Essa urgência é ainda maior 30 MMm3/dia, equivalentes a 11 Gm3/ano
tendo em vista da transição energética ou 10-11 Mtep/ano)5. O transporte desse
necessária para reduzir as emissões de recurso foi viabilizado pela construção
gases de efeito estufa (GEE) nas próximas do gasoduto ligando o país vizinho
décadas de modo a mitigar as mudanças à rede brasileira de dutos perto do
climáticas decorrentes do acúmulo litoral de São Paulo (Box 1). A produção
dessas emissões. Essa transição já se brasileira de gás natural também cresceu

5Um bilhão de m3 de gás natural em condições normais tem o poder energético de 0,9-1,0 milhão de toneladas de petróleo (1 Gm3 gás natural = 0,9 Mtep).
Disponível em: http://agnatural.pt/documentos/ver/natural-gas-conversion-guide_cb4f0ccd80ccaf88ca5ec336a38600867db5aaf1.pdf
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 9

significativamente desde 2000 (Figura 2), oferta contou ainda com a possibilidade
principalmente associada aos campos de de importação de gás liquefeito após
petróleo do Pré-Sal, com mais de 80% do a construção de três terminais
gás produzido no Brasil sendo associado dedicados a essa atividade na
ao petróleo, proporção que chega a 98% segunda metade da primeira década
no Rio de Janeiro (Tabela 1). O aumento da do século.

TABELA 1 | Produção de Gás Natural Associado e Não Associado (MMm3/dia)6.

2015 2016 2017 2018 2019 2019 (%)

Associado 70,2 78,2 84,8 88,7 100,0 82%

Não Associado 26,0 25,6 25,1 23,2 22,5 18%

Total 96,2 103,8 109,9 111,9 122,5 100%

Associado RJ 36,6 43,1 49,8 54,5 67,2 98%

Não Associado RJ 1,9 2,4 1,2 0,9 1,2 2%

Fonte: MME

Figura 2 - Oferta e Consumo do Gás Natural no Brasil (MMm3/dia)

140 160
Produção +
Importação
140
120
Produção
120 Consumo
100 Total

100
Consumo Consumo
80 Total Final
80 Energético

60 Geração
Perdas,
60 Elétrica
Reinjeção e
Estoques
40
40
Produção de
Importação Derivados de
20 Petróleo
20
Consumo
0 0 Final Não-
Energético
2000

2004

2010

2014
2008

2018
2006

2016
2004

2014
2008

2018
2006

2016
2012

2002

2012
2000

2010
2002

Fonte: BEN, 2018 – EPE.

6Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de gás natural – MME, 2020


10 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

O consumo total de gás natural no


fósseis e do possível interesse em estender
Brasil, no entanto, não cresceu no mesmo
a vida útil das mesmas através de retrofits
passo que a produção e importação
(EPE, 2019).
combinadas, refletindo na reinjeção
nos poços de por volta de 1/3 do gás O papel da Petrobras foi central na
associado produzido no Pré-Sal (em dinâmica do gás natural no Brasil,
média 43 MMm3/dia7) ao invés de ser refletindo sua posição como produtora do
comercializada, ainda que a reinjeção não gás no litoral brasileiro, compradora do
pareça ideal na proporção que tem sido gás da Bolívia, construtora e gestora da
feita (Oddone, 2019)8. rede de gasodutos de escoamento e de
transporte no Brasil, sócia da maioria das
O consumo final do gás natural, distribuidoras estaduais e consumidora
especialmente na indústria e nos de grande parcela do gás10. Controlando
transportes, estagnou a partir o uso do gás produzido no Pré-Sal e
de 2005-06, com seu crescimento mediante maior ou menor investimento
eclipsado pelo aumento do consumo em gasodutos e consumo nas usinas
para a transformação em energia, termoelétricas que opera, a empresa tem
promovido pelo Programa Prioritário de tido poder para, através de seu portfolio
Termeletricidade (PPT)9. O consumo para de ativos e flexibilidades, determinar o
a geração termelétrica entre 2008 e 2015 preço e a disponibilidade do produto para
̶ inclusive com gás natural liquefeito os consumidores domésticos.
(GNL) importado ̶, apesar de inferior
em volume ao consumo final, esteve Por longo tempo, o preço do gás natural
em maior evidência entre 2012 e 2015, no mercado brasileiro foi guiado pelo
quando houve uma combinação de preço do gás importado da Bolívia, que
aceleração do crescimento econômico obedece a uma fórmula baseada no preço
e da seca que deprimiu a geração de internacional de uma cesta de óleos
hidroeletricidade. Com a desaceleração combustíveis e na estimativa do custo de
da economia brasileira nos anos seguintes amortização do gasoduto, considerando
e a normalização da geração hídrica, a a carga transportada. Essa fórmula se
importação e o consumo total de gás traduziu em um custo (sem descontos)
natural declinaram. de mais de US$10 por milhão de BTU
(MMBTU) até 2015, caindo para
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) US$6-8/MMBTU durante um breve
tem sinalizado possíveis implicações para período e voltando a US$9-10/MMBTU em
o consumo do gás natural que poderiam 2019 (Figura 3). A influência do preço do
emergir do fim do PPT e de outros GNL importado é ainda episódica, dado
programas, assim como da obsolescência que sua presença tende a ocorrer apenas
de usinas que utilizam combustíveis em momentos de escassez doméstica

7Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de gás natural – MME, 2020.


8A injeção de gás (ou água) nos reservatórios no Pré-Sal pode ser benéfica para a produção de petróleo, mas o nível em que a injeção de gás se dá atualmente também reflete a restrição (por
motivos ambientais) à queima de gás nas áreas de produção. Assim, os estudos sobre injeção de gás conduzidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
merecem ser concluídos o mais rápido possível.
9O PPT foi estabelecido às vésperas da crise de abastecimento de 2001 visando a implantação de usinas termelétricas. Garantia a estas térmicas o suprimento de gás e preços por um período de
até 20 anos, bem como o acesso a condições de financiamento diferenciadas.
10A Petrobras responde, mesmo depois da venda dos gasodutos de transporte, por 3/4 da produção e boa parte das importações e das chamadas infraestruturas essenciais, que englobam
os gasodutos de escoamento (do poço à costa), as unidades de processamento do gás natural e os terminais de GNL. Ocupa ainda contratualmente praticamente toda a capacidade dos
gasodutos de transporte.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 11

e o combustível é muito direcionado ao que segundo as previsões atuais será


suprimento termelétrico11. No futuro, abundante a preços relativamente baixos.
com o livre acesso aos terminais de GNL Essa nova realidade deverá se impor para
de propriedade da Petrobras e a entrada os produtores locais e para as importações
em operação de terminais de empresas oriundas da Bolívia, que, considerando os
privadas, há a expectativa de que o acesso preços de transporte do GNL ou do gás do
ao gás importado será mais amplo. Todo Pré-sal dentro do país, deverão ser mais
gás natural ofertado no mercado nacional atraentes na região Centro-Oeste e no
deverá então competir com esse produto, entorno do Gasbol.

Figura 3 - Preços do gás natural entre 2007 e 2019, em US$ por milhão de BTU.

20

18

16
U$$/MMbtu

14

12

10

0 mar 19
mar 14
Jul 07

set 11

mai 18
abr 16
mai 08

nov 15
out 13
dez 12

jan 15
abr 11

dez 17
mar 09

set 16
jan 10
dez 07

mai 13
ago 09

fev 12

fev 17
jun 15
jul 12

ago 14

out 18
jun 10

jul 17
out 08

GNL via RJ Sudeste com desconto Sudeste sem desconto Renegociado Sudeste Importado Sudeste

Fonte: Firjan, 2019.

11Apenas em 2020, com a substancial queda do preço do gás natural nos mercados mundiais e a presença do gás liquefeito no Brasil, houve uma redução de cerca de 30% no preço do gás
natural da Petrobras, levando o preço em maio de 2020 abaixo de US$6 por MMBTU. Fonte: Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de gás natural – MME, 2020.
12 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

A formação do preço do gás natural países produtores de gás natural,


oferecido às distribuidoras e outros notadamente os EUA, beirando o custo
demandantes é complexa devido à na Europa ou Japão (EPE, 2019b).
verticalização do mercado e o papel
preponderante da principal supridora. → Há uma grande distância entre o preço
Não se sabe, por exemplo, quanto do produto fornecido às térmicas do
do preço de venda às distribuidoras Programa Prioritário (US$ 4,7/MMBTU),
corresponde à amortização de ativos oriundo de uma política pública
de transporte ou escoamento, ao custo específica, e o preço médio oferecido ao
imputado à produção de gás associado consumidor industrial, frequentemente
ao petróleo ou a objetivos de venda acima de US$15/MMBTU12, após se
de derivados desse petróleo por parte adicionarem os custos de transporte,
da Petrobras e outros atores. Mesmo distribuição e impostos (Figura 4).
sem haver uma referência formal a
estudos acadêmicos que identifiquem → O cenário até agora, sem uma
relação causal entre o preço do gás, pressão maior do GNL, não sugere
sua disponibilidade e a demanda pela uma situação favorável à expansão
indústria, valem algumas observações: do uso do gás natural na indústria,
considerando que esse setor
→ O preço do gás fornecido às
enfrenta um ambiente concorrencial
distribuidoras no Brasil tem sido
forte e frequentemente dispõe de
geralmente superior ao de vários
alternativas energéticas a preços

Figura 4 - Preço para o Consumidor Industrial em SP e Composição do Preço


do Gás para o Consumidor Industrial.

Comparativo de preços entre gás natural para segmento


industrial (20.000 m³/d) e óleo combustível em São Paulo
20

15
US$ /MMBtu

10

0
jun 14

fev 15

fev 19
dez 13

jun 15
abr 15

fev 18

abr 19
dez 15

ago 19
abr 18
jun 18
out 13

ago 14

out 18

jun 19

dez 19
fev 20
out 15

abr 16
fev 16
abr 14

ago 17

out 19
dez 18
fev 14

dez 16

abr 17
jun 17

dez 17
out 14

ago 15

jun 16

out 16

fev 17

out 17

ago 18
ago 16

abr 20
jun 13

dez 14
ago 13

< < < <


< < < <
Molécula Transporte Distribuição PIS/COFINS, ICMS
46% 13% 17% 24%
Gás seg. industrial - 20.000 m³/d Óleo Combustível

Fonte: MME, 2020 e Seminário Novo Mercado de Gás Natural – EPE, 2019.

12Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria do Gás, maio 2020 - MME, 2020.


PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 13

menores, ainda que com atributos


diferentes aos do gás natural. Persiste uma grande variação
geográfica no preço do gás natural
Adiciona-se à questão do preço, a no Brasil, em parte por influência dos
insegurança sobre a perspectiva de governos estaduais na distribuição
aumento de oferta de gás natural no do produto (Figura 5). Um relatório
país, dificultando o planejamento da da Agência Internacional de Energia
expansão do seu uso em projetos (IEA, 2018) indica que o preço médio
que exijam tempo para seu do gás para a indústria em 2017 era
planejamento, implementação e US$13,5/MMBTU, porém esse era
amortização. Pesa ainda a incerteza próximo de apenas US$8/MMBTU
trazida por possíveis cortes de em Santa Catarina, enquanto no
suprimentos à indústria decorrentes Amazonas superava US$19/MMBTU.
do compromisso da Petrobras de gerar Essa variabilidade pode distorcer a
termoeletricidade em períodos de baixa localização de empresas, tanto
hidrologia, a exemplo do que aconteceu em relação a estados distantes,
com o setor de gás natural veicular em quanto vizinhos, como no contraste
2006 (Bueno, 2019)13. entre Paraná e Santa Catarina.

Figura 5 - Preços do gás natural nos principais mercados estaduais em 2017 (US$/MMBTU).

Preço final ao cosumidor - Avg. 2017


Industrial (20.000 m3/d), US$/MMBtu, incluindo taxas.

NA
6,96
6,97 - 12,70
12,71 - 13,41
13,42 - 13,93
13,94 - 14,66
14,67 - 15,44
15,45 - 17,62

Fonte: IEA, 2018.

13O Novo Mercado de Gás Natural: Opiniões de Especialistas,


Óleo Perspectivas e DesafiosCarvão
Gás Natural para o Brasil Nuclear
– FGV Energia, Hidroelétrica
2019. Renováveis
14 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Para os setores de transporte rodoviário últimos anos (ainda assim, mais barato
e residencial, o preço do gás natural que a gasolina por unidade de
é ainda maior do que na indústria. energia). Já o gás natural canalizado
Como indicado sistematicamente no para uso residencial, frequentemente
Boletim Mensal de Acompanhamento passa de US$40/MMBTU em São Paulo
da Indústria do Gás Natural, publicação e se aproxima de US$50/MMBTU
do Ministério de Minas e Energia (MME), no Rio de Janeiro, em ambos casos,
o preço do gás comprimido para uso acima do custo do GLP, que oscila
veicular - por exemplo no Rio de Janeiro próximo a US$30/MMBTU em ambas
- esteve próximo a US$20/MMBTU nos áreas.

Box 1

O Gasbol e os contratos que regem o


transporte do gás oriundo da Bolívia
O Gasoduto Brasil-Bolívia se divide em dois contratos, o primeiro dos quais
dois tramos. O primeiro de 1418 km de adicionou até 6 MMm3 por dia para
comprimento e diâmetro entre 0,8 e 0,6 atendimento de usinas térmicas até
m passa por Corumbá, prosseguindo 2041. O segundo contrato de capacidade
em paralelo ao rio Tietê e passando por extra adicionou outros 6 MMm3 por dia
Campinas até se ligar ao resto da rede até 2021. Os três contratos obrigavam
brasileira de gasodutos em Guararema. a Petrobras a comprar até 30 MMm3/
O segundo foi estendido a partir de dia (11 Gm3/ano) de gás da Bolívia,
São Paulo por mais 1176 km, passando ainda que ela não consumisse todo
por Curitiba e alcançando o Rio Grande esse valor (i.e., tipo take or pay). Com a
do Sul, com o diâmetro de 0,4 m. O aproximação do vencimento do contrato
gasoduto atravessa assim áreas que de 18 MMm3 por dia, a ANP iniciou um
respondem por 70% do PIB brasileiro. processo de chamada pública para
a futura utilização dessa capacidade,
A operadora do gasoduto no Brasil é aberto a novos operadores e com novas
a Transportadora Brasileira Gasoduto regras de operação. O processo, apesar
Bolívia-Brasil S.A. (TBG) de propriedade de ainda em curso, foi afetado pela
da Petrobras, originariamente autorizada instabilidade política na Bolívia e pela
a operar como transportadora até incerteza na garantia desse suprimento
2039, com direito de prorrogação por pelo lado boliviano. De fato, com menos
mais 30 anos. O primeiro contrato de investimentos e compromissos de
capacidade da TBG previa o transporte também fornecer gás à Argentina, o país
de 18 MMm3 por dia, com vigência tem tido dificuldade em entregar o gás
até 2019. A esse, juntaram-se outros contratado pela Petrobras.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 15

A evolução do mercado do gás natural A combinação dos comandos editados em


no Brasil também reflete mudanças 2009-10 não foi vista universalmente como
nos marcos legal e regulatório - a partir favorecendo a entrada de novos atores
da Lei 9.478 (1997). A lei original foi no mercado de gás15. A percepção da
alterada em importantes aspectos na necessidade de se estimular a concorrência
esteira da descoberta dos campos do orientou a iniciativa do governo federal
Pré-Sal (Figura 6)14. A Lei 11.909 de 2009, “Gás para Crescer”, capitaneada pelo MME
chamada de Lei do Gás, trouxe diversas a partir de 2016, com a participação de
inovações, detalhando os parcimoniosos diversos agentes públicos e privados, e
comandos da lei do petróleo de 1997 refletida no Projeto de Lei nº 6.102/2016,
e alterando seu direcionamento no transformado pelo Substitutivo ao Projeto
aspecto concorrencial. Dispondo sobre o de Lei nº 6.407/2013 pelo seu relator na
transporte, as atividades de tratamento, Comissão de Minas e Energia.
processamento, estocagem, liquefação,
regaseificação e comercialização O Substitutivo ao PL Nº 6.407 lida
do gás natural, ela transformou o basicamente com a questão da
regime dos gasodutos de transporte ampliação e acesso ao sistema de
de autorizados para concessionados. transporte e demais infraestruturas de
Também estabeleceu que os ativos gás natural necessárias para conectar
tivessem o acesso franqueado a qualquer produção e consumo. Ele resulta de
interessado disposto a pagar pelo seu uma ampla discussão iniciada em 2013
uso, apenas no caso de haver volume e acelerada desde 2016, podendo ser
disponível para a movimentação do gás visto como um passo muito positivo
(Art. 58). Essa obrigação não se estende, para a criação de um mercado de gás
no entanto, a instalações essenciais como no Brasil. Permite ainda considerar o
Unidades Processadoras de Gás Natural desenvolvimento de diversas soluções
(UPGN) e terminais de liquefação, cujos para atender os consumidores – GNL,
proprietários ficaram desobrigados de GNC, gás de botijão (GLP), redes locais
permitir o acesso a terceiros. – independente da imediata ampliação

14As alterações incluem a Lei 12.351/2010 que adicionou o regime de partilha da produção e a Lei 12.276/2010, autorizando a União a
ceder onerosamente à Petrobras a pesquisa e lavra do petróleo e gás natural em áreas específicas.
15Novo Mercado de Gás, MME.
16 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

da rede de gasodutos. Sem prejuízo serviços de distribuição de gás natural


de possíveis aperfeiçoamentos e a que retardaram seu progresso além
despeito de algumas controvérsias com da Comissão de Minas e Energia, a sua
respeito aos dispositivos lidando com os aprovação trará benefícios claros ao país.

Box 2

O que prevê a Nova Lei do


Gás – Substitutivo ao PL nº 6.407
PL aprovado pelo relator na Comissão de Minas dos ativos, e constituição de um gestor de área
e Energia da Câmara de Deputados como de mercado, estabelecendo suas obrigações,
Substitutivo ao PL nº 6.407 lida com estes temas. notadamente a de publicar informações acerca
Ele estabelece que a atividade de transporte de das capacidades e tarifas de transporte referentes
gás natural voltará a ser exercida em regime de aos serviços de transporte oferecidos e garantir
autorização, estando aberta a qualquer empresa o balanceamento da rede. O Substitutivo prevê
brasileira a ser escolhida após chamada pública que os serviços de transporte serão oferecidos no
pela ANP, restando a autorização protegida regime de contratação de capacidade por entrada
contra diversos atos do governo. e saída, com capacidade e preços conformados às
áreas de mercado de capacidade e monitorados
Com vistas a estimular a concorrência, o por conselhos de usuários constituídos pelos
transportador autorizado não poderá ser carregadores, admitindo-se, sob disciplina da ANP,
controlado por agentes que exerçam atividades a cessão obrigatória para terceiros de capacidade
concorrenciais na indústria de gás natural, não utilizada. O Substitutivo regula ainda a
como a exploração, desenvolvimento, produção, importação e exportação do gás natural, e a
importação, carregamento e comercialização estocagem subterrânea do gás, inclusive em poços
de gás natural. Essa independência deverá produtivos.
ser verificada pela ANP, sendo obrigatório
ao transportador permitir a interconexão de A parte mais controversa do Substitutivo
outras instalações de transporte de gás natural mostrou-se ser a disciplina sobre a distribuição
e oferecer serviços de transporte firme e e comercialização do gás e o direito do
interruptível formalizados por meio de contratos consumidor livre poder construir e implantar
celebrados com os carregadores, observadas diretamente instalações e dutos para o seu uso
regras de transparência e segurança física, específico, mediante celebração de contrato que
inclusive no caso de serviços subcontratados. atribua à distribuidora estadual a sua operação
e manutenção, seguindo regulamentação a ser
As tarifas de transporte de gás natural serão elaborada com bases em diretivas do CNPE. É
propostas pelo transportador e aprovadas pela estabelecida ainda a separação entre a empresa
ANP, segundo os critérios por ela previamente de produção e as distribuidoras, e a forma de
estabelecidos. Os gasodutos de escoamento, comercialização do gás pelas distribuidoras,
unidades de processamento, liquefação e consumidores livres, produtores, importadores,
regaseificação também poderão ser construídos, etc., assinalando a exigência de contratos
ampliados e operados mediante autorização, padronizados. Pelo Substitutivo, a ANP poderá
conforme regulação, sendo o acesso não adotar mecanismos de estímulo à eficiência e à
discriminatório de terceiros às instalações competitividade e de redução da concentração
garantido por meio de negociação entre as na oferta de gás natural, incluindo a cessão
partes. compulsória de capacidade de transporte e a
venda forçada em leilões de parte dos volumes
O Substitutivo também introduz o conceito de detidos por comercializadoras. É previsto ainda
sistema de áreas de mercado de capacidade e que a União, por intermédio do MME e da
pontos virtuais de negociação, também dispondo ANP, deverá articular-se com os Estados para a
sobre alocação de capacidade, uso eficiente harmonização e o aperfeiçoamento regulatórios.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 17

Na falta de uma Nova Lei do Gás, o mercado de gás natural, a ser regulada
governo federal tomou iniciativas por Resolução. Por sua vez, a Agência
infralegais a partir de 2017. Dentre elas Nacional do Petróleo, Gás Natural e
se destaca o Decreto nº 9.616/2018, que Biocombustíveis (ANP) desenvolveu
altera a regulamentação da Lei do Gás uma série de iniciativas visando
estabelecida pelo Decreto nº 7.382/2010 promover a concorrência no mercado
e traz elementos encontrados no de gás natural e otimizar o uso dos
Substitutivo da Câmara, como o conceito ativos existentes, tais como gasodutos
de sistema de transporte de gás natural de transporte, UPGNs e terminais de
e a contratação de capacidade por gaseificação.

Figura 6 - Marco legal do setor de gás natural.

Emenda Emenda
Constitucional 5 Constitucional 9
Altera Art.25 Altera Art.177
permitindo companhias permitindo companhias ANP
privadas no upstream.
privadas na distribuição de gás.
“Rodada Zero” ANP Iniciativa Programa
Lei 11.909
Rodada 1 “Lei do Gás” “Gás para Crescer” “Novo Mercado de Gás”

1988 ... 1995 1997 1998 1999 ... 2009 2010 2016 2018 2019

Lei 9.478 Privatização da Decreto 7.382 Decreto 9.616


Nova Constituição “Lei do Petróleo” distribuidora de gás “Lei do Gás” Muda o decreto
7.382 / 2010
Atribui aos Estados de SP.
responsabilidade sobre
distribuição de gás natural.
Privatização da
distribuidora de gás
do RJ.

A Lei do Petróleo de 1997 regulamentou o gás natural como se fosse um


subproduto do petróleo, não reconhecendo as especificidades da indústria do gás natural.
Daí a necessidade da Lei do Gás de 2009.

Fonte: PRYSMA.
18 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Houve também crescente participação no mercado de gás natural e dando


da ANP nos estímulos a mudanças no elementos para a atuação do Comitê de
uso e precificação dos gasodutos de Promoção da Concorrência do Mercado de
transportes. Essas ações se tornaram Gás Natural no Brasil (Res. nº 4/2019), que
mais urgentes pela aproximação do ele havia criado pouco antes. A Resolução
vencimento do primeiro contrato de que dá contorno ao que passou a se
transporte do Gasbol em 2019, liberando chamar o Novo Mercado de Gás17 também
18 MMm3/dia de espaço nesse gasoduto, inclui recomendações para que o governo
o que requereu se estabelecer um federal estimule os estados a venderem
rito para realocar essa capacidade de suas participações nas distribuidoras de
forma concorrencial. Além disso, em gás encanado e se alinharem a acordos
face a um processo em que o Conselho de tributação do gás que facilitem o
Administrativo de Defesa Econômica comércio interestadual desse produto18.
(CADE) investigava restrições à
concorrência no caso dos gasodutos de O processo no CADE, a que se anexou
transportes16, a ANP enviou em 2018 a nota da ANP, levou à assinatura em
uma Nota Técnica àquele Conselho, 8/07/19 de um Termo de Compromisso
alertando para o risco e inconveniência de Cessação de Conduta (TCC) entre
de uma situação monopolística no setor o Conselho e a Petrobras, pelo qual a
do gás natural e sugerindo medidas para empresa se compromete a executar
incentivar a concorrência. A Agência uma série de medidas em linha com
também procurou contribuições públicas a Resolução nº 16/2019 do CNPE. Entre
para aprimorar a regulação a esse respeito. elas, estão incluídas a venda de sua
participação residual nos ativos de
Os esforços de liberalização do mercado transporte e nas empresas de distribuição
de gás continuaram em 2019. Após de gás, além de ações relacionadas à
uma importante reunião do Conselho identificação de disponibilidade de
Nacional de Política Energética (CNPE) capacidade nesses ativos e à oferta
em junho, foi publicada a Resolução dessa capacidade disponível a terceiros;
nº 16/2019, estabelecendo diretrizes e ao acesso a gasodutos de escoamento
aperfeiçoamentos de políticas energéticas e UPGNs, e à não contratação de novos
voltadas à promoção da livre concorrência volumes de gás de terceiros19.

16Inquérito Administrativo - IA nº 08700.007130/2015-82, a partir de representação da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), complementando o Processo
Administrativo nº 08700.002600/2014-30 decorrente de reclamação contra o oferecimento pela Petrobras de descontos para uma distribuidora de gás integrada ao Sistema Petrobras, que resultou
na recomendação de condenação da Petrobras por suposta prática de infração à ordem econômica, e ao qual foi apensado o IA nº 08700.003335/2018-31.
17O Novo Mercado de Gás é tipicamente descrito como um programa do Governo Federal brasileiro nascido da Iniciativa Gás Para Crescer, agregando agentes públicos e privados para colaborarem
em grupos de trabalhos com o objetivo de propor medidas concretas de aprimoramento do arcabouço normativo do setor de gás natural, visando aumentar a competição e fomentar a presença
de múltiplos agentes (Firjan, 2019).
18No seu Artigo 2º, a Resolução estabelece que o novo mercado deverá “ocorrer de forma coordenada” para (VII) incentivar a adoção voluntária, pelos Estados e o Distrito Federal, de boas práticas
regulatórias relacionadas à prestação dos serviços locais de gás canalizado, que contribuam para a efetiva liberalização do mercado (...) e a precificação adequada no fornecimento de gás natural
por segmento de usuários. No seu 5º artigo, recomenda que o MME e o Ministério da Economia incentivem os entes subnacionais a (IV) aderirem a ajustes tributários necessários à abertura do
mercado de gás natural discutidas no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, a exemplo do Ajuste do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais -
SINIEF nº 03/18, de 3 de abril de 2018.
19Pela cláusula 2.2., a Petrobras se compromete a, em até 90 dias, indicar os volumes de injeção e retirada máxima em cada ponto de recebimento e zona de entrega, por área de concessão de
cada companhia distribuidora local e consumos próprios, perante a ANP e os referidos transportadores, ajustando a seguir os contratos visando limitar a flexibilidade que dispõe hoje, a fim de que
os transportadores TAG, NTS e TBG, sob supervisão da ANP, possam ofertar a capacidade remanescente ao mercado, por entrada e saída, com a definição das respectivas tarifas de entrada e saída
aplicáveis; a empresa também se compromete a declinar da exclusividade ainda remanescente em função de ser carregadora inicial referente aos contratos de serviço de transporte vigentes.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 19

Figura 7 - Comparação entre a situação atual e a do “Novo mercado de gás”.

Situação atual (2020) do mercado de gás

Sem acesso
de terceiros

Sem acesso
de terceiros

Processamento

Gasodutos de
Escoamento

Transporte Distribuição

E&P
Acesso de terceiros
existe mas 100%
Petrobras produz 77% Terminais de Petrobras controla
da capacidade está
do gás natural doméstico, regaseificação 2 distribuidoras
contratada pela
mas é o único supridor, e tem participação
Petrobras.
porque compra 100% do gás minoritária em
Petrobras possui outras
produzido por outros players
Sem acesso 10% de 19 distribuidoras
(exceto o projeto
de terceiros participação na TAG (através Gaspetro).
de gas-to-power no Maranhão).
e NTS,
e 51% na TBG.

Capacity release na NTS e TAG

“Novo Mercado de Gás”

Acesso
Negociado

Acesso
Negociado

Processamento

Gasodutos de
Escoamento

Transporte Distribuição

E&P
1. Capacity release 1. Saída da Petrobras
na NTS e TAG. 2. Incentivos
2 I ti aos
Terminais de
1. Redução da compra de regaseificação 2. Saída da Petrobras. estados:
gás de terceiros. 3. Modelo de • Práticas Regulatórias
entrada - saída. • Agências Regulatórias
2. Possível programa de Sem acesso
4. Operação • Privatização
Release, se necesseario. de terceiros independente • Ajustes Tributários
por transportadores.

Capacity release na NTS e TAG

Fonte: PRYSMA.
20 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

A perspectiva da aprovação de um O franco acesso aos gasodutos e a


marco legal para o gás natural deu nova possibilidade de outras vias influenciarão
dimensão e urgência à discussão dos não só a oferta de gás, mas também
possíveis usos desse produto como fonte sua demanda, que se pautará ainda pela
de energia - elétrica ou não - e como incerteza sobre a oferta boliviana e as
insumo para processos produtivos, assim alternativas oferecidas pela capacidade
como à discussão dos investimentos de importação de GNL. A propriedade,
necessários para a viabilização desses forma de operação e direitos de uso da
usos. À otimização do uso dos gasodutos capacidade dos ativos de escoamento
de transporte ̶ foco da ação da ANP e transporte em linha com as diretrizes
em anos recentes e parte do TCC entre da Novo Mercado do Gás, isto é,
a Petrobras e o CADE ̶ adiciona-se a preferencialmente por agentes sem
necessidade de discussão do melhor vínculo com os produtores de gás
uso dos gasodutos de escoamento natural e escolhidos de forma
construídos ou em construção, que, no concorrencial, serão cruciais para a
caso do Pré-Sal, poderão escoar 44 MMm3 formação mais transparente do
por dia, assim como da conveniência preço do gás. Dessa forma, podem
ou não da construção de novos trajetos ser facilitadas as decisões de
de escoamento ou interligações que investimentos associados à infraestrutura
contemplem, por exemplo, o potencial do setor do gás natural, assim como a
de produção de gás no litoral fronteiro ao diversificação dos setores demandantes
estado de São Paulo20. desse produto.

Figura 8 - O desafio do escoamento do gás: produção projetada e capacidade das principais


rotas definidas.
Saturno
Aram
Titã
Uirapuru

Carcará (2ª Plat)


Alto do Cabo Frio Oeste
Alto do Cabo Frio Central
Pão de Açúcar
Norte de Carcará
Rota 3 (18 milhões de m³/dia) Sagitário
Gato do Mato
Sépia
Rotas Campos ‐ Cabiúnas Atapu
YtF Pré-‐sal Rota 3
(15 milhões de m³/dia) Búzios

Rota 2 (18 milhões de m³/dia) Bacia de Campos

Rota1 ‐ Mexilhão ‐UTGCA (20 milhões de m³/dia) Lula‐Rota 2 YtF Pré-sal


‐ Rota 2
YtF Pré-sal
‐ Rota 1
Rota 1 ‐ Lula‐Mexilhão (10 milhões de m³/dia)
Lula ‐Rota 1 Peroba
2020

2024

2030

2034
2028
2026

2029
2027
2022

2025
2023

2032

2035
2033
2014

2018
2016

2019
2017

2021
2015

2031

Fonte: BNDES, 2020.

20Os principais gasodutos de escoamentos do Pré-Sal são: o que liga o campo de Lula a uma linha-tronco da plataforma de Mexilhão (Rota 1, com vazão de 10 MMm3/dia) a qual segue para
Guaratatuba em São Paulo; o que liga a área do Pré-Sal ao hub de gás de Cabiunas, próximo a Macaé no Rio de Janeiro (Rota 2, com vazão de 16 MMm3/dia); e um terceiro, que liga a mesma área
do Pré-Sal a uma usina projetada em Itaboraí no Rio de Janeiro, chegando à costa próximo a Maricá no mesmo estado (Rota 3, previsto para 18 MMm3/dia). Conforme indicado na Figura 8 do texto,
substancial parte da produção potencial dos campos fronteiros a São Paulo ainda não tem rota definida para escoamento, inclusive por meio de interligações como a Rota 1.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 21

O acesso dos consumidores livres ao gás separado, os gasodutos para o consumo


natural sem passar pelas instalações das refinarias e fábricas de fertilizantes
das distribuidoras também tem sido nitrogenados que correspondem a 14% do
discutido no âmbito do Novo Mercado consumo total do gás natural.
de Gás. As novas regulações facilitam a
construção de acessos aos gasodutos Esboçado o ambiente em que o mercado
de transporte pelos consumidores livres, de gás natural pode se desenvolver,
caso a distribuidora não o faça, com o a seguir são apresentadas algumas
entendimento de que eles serão operados possibilidades de uso desse produto e
pela distribuidora, e o transporte tarifado suas implicações sob os pontos de vista
de acordo. energético e ambiental. As oportunidades
cobrem as principais atividades industriais,
A possibilidade de o consumidor evitar o setor de transporte, o uso não
totalmente o uso da infraestrutura da energético e a geração de eletricidade,
distribuidora - o chamado bypass físico notadamente aquela com captura de
- seria uma inovação mais radical. Hoje, carbono. O foco na captura de carbono
81% do consumo de gás se dá no nível de se justifica pela importância crescente
distribuição (MME, 2020)21. O tratamento da redução das emissões de carbono
do grande consumidor, inclusive livre, em no combate às mudanças climáticas e o
condições especiais já existe, ainda que impacto que esse esforço terá no valor
por vezes em condições consideradas e operação de ativos de infraestrutura
como excessivamente onerosa por tal nas próximas décadas22, ou seja, na
consumidor. Permitir que o consumidor vida econômica dos investimentos que
livre evite o distribuidor e obtenha acesso tornarão possível o aproveitamento do
direto ao gás natural tem sido apontado gás natural existente no subsolo do mar
como prejudicial ao funcionamento brasileiro. Essa discussão complementa
do sistema, por concentrar o custo da iniciativas recentes, inclusive de entidades
rede de distribuição sobre os ombros de classe e do BNDES, que sugerem o
dos consumidores cativos, afastando potencial de criação de riqueza a partir
maior diversidade de usuários, cujo uso do uso diversificado e economicamente
do gás teria vantagens de eficiência respaldado do gás natural próximo a
para a coletividade. Assinala-se que o R$ 50 bilhões em um simples estado da
quadro regulatório também já trata, em Federação23.

21O Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás indica o seguinte comportamento:

Demanda Média de Gás Natural 2016 2017 2018 2019

MMm3/dia MMm3/dia MMm3/dia % MMm3/dia %

TOTAL DISTRIBUIDORAS 61,4 66,0 64,1 81% 64,4 83%

Segmento Não Termelétrico 36,6 38,2 40,2 51% 40,4 52%

Segmento Termelétrico 24,9 27,7 23,9 30% 21,7 28%

REFINARIAS & FAFENS 14,0 13,2 11,0 14% 8,4 11%

OUTRO TERMELÉTRICO 4,7 6,6 3,8 5% 5,1 7%

22Stranded Assets: A Climate Risk Challenge, BID, 2016, https://publications.iadb.org/publications/english/document/Stranded-Assets-A-Climate-Risk-Challenge.pdf.


23Veja, por exemplo, o relatório "Gás para o Desenvolvimento" (BNDES, 2020) e "Rio a todo Gás" publicado pela Firjan (2020).
22 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

2. USOS DO GÁS NATURAL E AS PROJEÇÕES DA EPE


A produção de gás natural corresponde excluindo a produção de hidrogênio e
a aproximadamente 13% da produção as frações líquidas mencionadas acima,
energética brasileira. Como indica extraídas nas UPGNs.
a Tabela 2, a produção em 2018
correspondeu a 40,56 Mtep e a O consumo no transporte é relativamente
importação foi de 9,32 Mtep. Da oferta pequeno (6% do total) e do gás encanado
total, 13,98 Mtep (34% da produção) não para residências é uma parcela ínfima do
se tornaram disponíveis por terem sido consumo total (os consumos residencial
queimados, reinjetados, ou usados na e comercial respondem por menos de 2%
produção do próprio gás. Assim, chega-se do total), o que decorre de poucas cidades
a um consumo total de 35,9 Mtep/ano. terem rede de distribuição para consumo
residencial ou comercial. Nesse sentido,
TABELA 2 | Balanço de gás natural no Brasil em 2018.
o consumo do gás natural no Brasil é
Mtep MMm3/dia bastante diferente do que nos países de
clima frio (Anexo I), tanto no hemisfério
Produção 40,56 112
norte quanto na vizinha Argentina,
Importação 9,32 29 onde uma fração grande do gás natural
Variação de Estoques,
-13,98 -39 disponível é usado no aquecimento
Perdas, Reinjeção e Ajustes
Oferta Interna Bruta /
de residências e outras instalações.
35,90 102
Consumo Total O consumo final não energético
Transformação -16,05 -41 corresponde à sua utilização como
Consumo Final 19,64 61
TABELA 3a | Consumo de gás natural no Brasil (%).
Fonte: BEN, 2019.

Atividade 2018 (%)


O consumo do gás natural no Brasil dá-
Consumo Total 100%
se principalmente no setor industrial, na
geração termelétrica, em refinarias e no Transformação 41%

transporte automotivo24. O consumo final Derivados de Petróleo 8%

de gás natural (19,64 Mtep) correspondeu Geração Elétrica 33%


a 59% do consumo total em 2018. A
Consumo Final 59%
diferença em relação ao consumo total
Não-Energético 2%
refere-se ao consumo intermediário
na geração elétrica e na produção Energético 57%

de combustíveis (“transformação”). O Setor Energético 21%

consumo de gás natural pela indústria Residencial 1%


corresponde a 28% do consumo Comercial / Público 0%
total, seguido pelo consumo no setor
Transporte rodoviário 6%
energético (21% do consumo total), que
Indústria 28%
corresponde ao consumo em refinarias
(destilação e craqueamento do óleo), Fonte: BEN, 2019.

24O consumo final de gás natural em termos de poder calorífico (19 milhões de toneladas equivalentes de petróleo — Mtep) corresponde a 7,5% do consumo total de energia no país (255 Mtep).
A oferta interna de gás (36Mtep) corresponde a 13% do total da oferta interna de energia no país (288 Mtep), a diferença refletindo o uso do gás na geração de energia e frações líquidas usadas
na gasolina, que são parte do consumo intermediário. Se o gás extraído fosse comercializado ao invés de reinjetado nos poços, a oferta interna de energia aumentaria em 12 Mtep (4,4% da oferta
interna total do país, ou o equivalente a 37% da geração hidroelétrica). O consumo de gás natural na indústria (9,2 Mtep) corresponde a apenas 11% do consumo de energia do setor (80 Mtep) e 3,6%
do consumo final de energia no país.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 23

matéria-prima na produção de hidrogênio, forma:


fertilizantes e plásticos, entre outros fins. → As importações da Bolívia se
manteriam inalteradas com a
O consumo industrial de gás natural, por
renovação do contrato de compra e
sua parte, é bastante concentrado: 26%
transporte, ou caem para 20 MMm3/dia,
do gás usado pela indústria é consumido
caso as atuais dificuldades persistam
pela indústria química, seguidos de
na Bolívia, contando por 13% da oferta
13% na produção de cerâmica e 13% no
aço. O segmento de papel e celulose potencial.
corresponde a 11% e o de alimentos e → As importações de GNL poderiam
bebidas a 10%. compor 34% da oferta, considerando
a utilização plena da capacidade dos
TABELA 3b | Consumo de gás natural no Brasil (%).
terminais importadores de GNL.
Atividade 2018 Total (%) 2018 Industrial (%)
→ O gás natural associado (ao petróleo)
Industrial 28% 100%
corresponderia a cerca de 47% da
Química 7% 26%
oferta interna e a produção do gás não
Cerâmica 4% 13%
associado responderia por 6%.
Ferro-Gusa e Aço 4% 13%
O cenário de demanda aponta para
Papel e Celulose 3% 11%
um potencial de uso do gás natural
Alimentos e Bebidas 3% 10%
acima de 160 MMm3/dia (58 Gm3/ano),
Mineração/Pelotização 1% 5% ou seja, um aumento potencial de até
Não-Ferrosos e Outros 1% 5% 60% em relação ao consumo médio nos
Têxtil 1% 3% últimos anos (Figura 9). A expansão da
demanda pela geração termelétrica (17
Cimento 0% 0%
Gm3/ano, um crescimento de quase 50%)
Ferro-Ligas 0% 0%
corresponderia a quase 2/3 do aumento
Fonte: BEN, 2019. total, com uma contribuição de até 22
MMm3/dia (8 Gm3/ano) de outros setores
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
(indústria, etc.) estimulados pelo Novo
divulgou cenários de oferta e consumo
Mercado de Gás.
de gás natural no seu Plano Decenal de
Expansão de Energia 2029. As projeções A demanda potencial por gás do setor
da EPE sugerem que as perspectivas de industrial pode ser avaliada verificando-
produção, junto com a capacidade de se a demanda energética de alguns
escoamento, transporte e importação dos seus segmentos, o preço de fontes
existentes até 2030, tornariam até 150 alternativas e a possibilidade de acesso
MMm3/dia de gás natural disponíveis a gasodutos. Na indústria, muitos setores
(Figura 9). No cenário, a oferta potencial poderiam apresentar potencial de
projetada seria dividida da seguinte aumento na demanda de gás natural, se
24 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Figura 9 - Oferta (Capacidade) e Demanda Prevista no PDE 2019.

200
milhões de m3/dia

200
180
0
150 160

milhões de m3/dia
140
120
100
100
80
50 60
40
20
0
0
2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029

GN nacional associado - Pré-Sal GN nacional associado - Outros Demanda não Termelétrica Demanda Termelétrica a Gás Natural
Demanda Termelétrica Indicativa - Ciclo Combinado Demanda Termelétrica Bicombustível
GN nacional não associado Importação via Gasodutos
Demanda Adicional Novo Mercado de Gás Oferta Potencial
Capacidade dos terminais de GNL Oferta Total (malha integrada)
Oferta Potencial Novo Mercado de Gás Demanda Potencial Novo Mercado de Gás
Demanda total (despacho médio)

Fonte: PDE 2029 - EPE

o seu preço caísse em relação a outras energética passível de deslocamento


fontes de energia ou insumo para o ou potencial de crescimento, o que não
processo produtivo. O volume total se estende a alguns outros setores com
dessa substituição, ou da ampliação da demanda energética também expressiva
produção por conta da queda do custo mas com fonte própria de energia (e.g.
de fatores de produção, é evidentemente alimentos e celulose, com o bagaço de
função da demanda energética e cana e licor negro respectivamente).
potencial de crescimento desses setores. A expansão do consumo potencial da
A inspeção dos principais setores indústria pode ser então comparada
industriais indica que os setores de aço, com o potencial de uso do gás natural
cerâmica, indústria química e cimento como combustível veicular e na geração
são aqueles com maior demanda termoelétrica.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 25

2.1 Indústria
A indústria responde por significativa parte e uma avaliação de proximidade
do consumo total de gás natural no país dos gasodutos. Apresenta-se, para
(28%), apesar de essa ser em muitos casos esse fim, a disposição geográfica
uma fonte energética cara (Figura 10). Com das principais unidades de produção
o alto custo do gás, a demanda do setor tem desses setores, comparando-se
estado deprimida e sua competitividade com o trajeto dos gasodutos de
pode ter sido prejudicada pela necessidade transporte existentes. Essa indicação
de utilizar combustíveis alternativos que é de interesse na hipótese de que
nem sempre proporcionam o melhor a capacidade de transporte desses
processo produtivo. Nesse sentido, tem dutos não seja um cargalo para o
sido observado que alguns segmentos acesso ao gás, na medida em que essa
industriais, potencialmente demandantes capacidade possa ser aumentada em
de gás natural, tiveram sua produção cerca de 40% em vários pontos pela
diminuída nos últimos 15 anos, tornando-se adoção da metodologia de pontos
grande importadores, especialmente em de entrada e saída no cálculo de
períodos de expansão econômica seu valor e cessão dessa capacidade
(CNI, 2019). para terceiros (Silva, 2019). Desse
modo, a infraestrutura de gasodutos
A análise da demanda potencial dos existente poderia abastecer um
segmentos de cimento, cerâmica, possível aumento de demanda,
siderurgia e química usa as matrizes de sem necessidade de vultosos
consumo energético publicadas pela EPE investimentos na malha.

Figura 10 - Preço estimado de energéticos para grandes consumidores industriais


no Brasil em 2018.

30

25

20
US$/MMBTU

15

10

0
Lenha Coque Carvão Carvão Gás Natural Óleo GLP
de petróleo mineral Vegetal combustível

Preço sem impostos Impostos

Fonte: CNI, 2019.


26 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

2.1.1 Cimento
A atual distribuição das fontes de energia responder a fatores como a diferença de
para produção de cimento tem forte poder calorífico entre o gás e o coque,
preponderância de derivados do petróleo, mas esses ajustes são bem conhecidos
como mostra a Tabela 4. O coque de e factíveis sem maiores dificuldades.
petróleo corresponde a 70% do total da A viabilidade da transição também
energia usada na indústria e a eletricidade dependerá do preço do gás, já que o coque
por 13%, sendo pequena a presença do é barato (US$ 200/t), e dos distúrbios que
gás natural, que estaria entre as fontes poderiam ser causados pelo deslocamento
primárias de energia usadas pelo setor da produção nacional de coque. Essa é
(as quais incluem ainda a lenha e o parte da cadeia de craqueamento nas
carvão, que somam apenas 4% do total refinarias locais, associada ao atendimento
de consumo energético na produção da demanda por gasolina e outras frações
cimenteira). leves no país.
TABELA 4 | Consumo de Energia na Indústria de
Cimento em 2018 em Mtep. Segundo o Anuário Estatístico da ANP,
o Brasil produziu 4,4 MMm3 de coque
Mtep %total de petróleo em 2018, tendo importado
Coque de Petróleo 2,68 70,5% outros 2,7 MMm3 e exportado 0,6 MMm3.25
Eletricidade 0,51 13,5% Assim, a substituição energética do coque
Fontes primárias 0,40 10,5%
pelo gás natural no setor de cimento
provavelmente deslocaria primeiro a
Outras 0,20 5,5%
importação e só depois a produção
Total 3,79 100,0%
nacional.
Fonte: BEN, 2019.

Fazer o gás natural chegar às fábricas


A substituição do coque de petróleo por de cimento não parece um desafio
gás natural é possível e poderá ser uma insuperável. Uma simples inspeção indica
etapa para o eventual uso do hidrogênio que boa parte das fábricas de cimento
como fonte de calor mais para a metade não fica muito distante dos principais
do século, o que permitiria diluir o custo gasodutos (Figura 11), ao longo da costa (de
da transformação mesmo que o gás Porto Alegre a Fortaleza) e, de forma mais
natural deixe de ser usado em 20 anos. A difusa, na parte sudeste de Minas Gerais,
mudança para o gás natural exige ajustes que é alcançada por um gasoduto de
nos processos produtivos necessários para distribuição partindo de Belo Horizonte.

25O coque divide-se naquele usado como combustível e o de grau anodo (incluindo o coque agulha), de maior qualidade. A produção citada provavelmente corresponde à produção de coque
de destinação energética e o usado para a produção de anodos, que são usados na produção de alumínio. O consumo de coque como anodo pela indústria brasileira de alumínio em 2010 foi da
ordem de 0,5 Mt, um consumo unitário abaixo do típico de 0,5 t de anodo por tonelada de alumínio produzido. Desde então, a produção de alumínio primário caiu praticamente pela metade
(0,8 Mt em 2016), sugerindo uma queda da mesma ordem na demanda doméstica por coque de grau anodo. A Petrobras assinala que parte significativa do coque de grau anodo é exportada.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 27

Figura 11 - Principais gasodutos de transporte e fábricas de cimento (2009) no Brasil.

Terminal de GNL Existente


Votorantim
Terminal de GNL Previsto
João Santos
Polos de Processamento
Camargo Corrêa
Gasodutos de Transporte
Existentes / Em Construção Lafarge
Autorizados
Cimpor
Estudados pela EPE
Holcim
Gasodutos de Escoamento
CP Cimento
Campos de Produção
Itambé 626 Km
Blocos Exploratórios
Ciplan
Escala Gráfica
Liz

Dados: SiGás EPE Outros Fonte: SNIC, 2009.


Coordenadas: SirGas 2000 Org: Leandro B. Santos, 2010.

Fonte: “Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte”, EPE, 2019 (esquerda) e Santos et al., 2011 (direita).

A completa substituição do coque do clínquer, há pressões para limitar a


de petróleo pelo gás natural nos produção de cimento no futuro. Para tanto,
valores de consumo de energia atuais estudam-se alternativas para ampliar a
corresponderia a um aumento de apenas substituição clínquer por materiais inertes
7% no consumo total de gás natural em (John et al, 2017)26 e aumentar o uso da
2018 e 12% do seu consumo final. Olhando madeira na construção civil.
para a demanda futura, as perspectivas de
crescimento da indústria são ambíguas. É possível imaginar um crescimento da
De um lado, a capacidade instalada do produção de cimento nos próximos 20
setor suporta uma produção maior do anos na faixa de 30-40% em relação ao
que a atual, que encolheu desde 2013, e o pico histórico. Nesse cenário, a transição
Brasil ainda precisa de grandes obras de integral (limite superior) da indústria de
infraestrutura. Do outro, como a indústria cimento para o gás natural adicionaria
é grande emissora de CO2 por conta cerca de 8 MMm3/dia (3 Mtep por ano)
do processo de calcinação na produção de gás.

26https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0008884616311425
28 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

2.1.2 Cerâmica
A indústria de cerâmica é separada em A demanda interna de cerâmica branca
três subsegmentos principais: da cerâmica e revestimentos, que depende muito
vermelha, que produz sobretudo tijolos, do desempenho do setor de construção
blocos e telhas; da cerâmica branca, que civil, pode crescer 40% nas próximas
é composto principalmente por louças; e décadas, enquanto a exportação pode
da cerâmica de revestimento, que produz crescer até mais, dada a pequena
materiais como azulejos e porcelanato. participação do Brasil no mercado
Enquanto a cerâmica branca e a de mundial (Figura 12), especialmente
revestimento já usam o gás natural (e se a expansão do uso do gás barato
GLP) de forma intensiva (30% da energia continuar permitindo o aprimoramento
total do setor), a cerâmica vermelha ainda da qualidade dos produtos brasileiros.
depende muito da energia vinda da lenha Ainda assim, o aumento do consumo de
(49% da energia do setor) ̶Tabela 5. O gás estaria próximo a apenas 5 MMm3/
aumento do consumo do gás natural dia (aproximadamente 2 Mtep/ano),
dependerá principalmente da expansão mesmo em um cenário ambicioso, em
dos segmentos da cerâmica branca e de que a demanda no segmento de azulejos
revestimento, já que a transição da lenha dobrasse e 30% do consumo de lenha
(sustentável) para o gás natural no setor fosse deslocado pelo gás natural.
da cerâmica vermelha, embora represente
ganhos em eficiência, encontra barreiras,
Figura 12 - Principais produtores
principalmente geográficas. Os pontos de Azulejos - 201827
de produção de cerâmica vermelha
são muito numerosos (já que o custo
de transporte é alto em relação ao
produto) e distribuídos pelo território, não
necessariamente próximos à malha de
distribuição de gás natural.

TABELA 5 | Consumo de Energia na Indústria de


Cerâmica em 2018 em Mtep.

Mtep %total Fonte: Statista, 2019.

Primária 3,41 82%

Gás natural 1,24 30%

Lenha 2,06 49%

Outras 0,11 3%

Secundária 0,77 18%

GLP 0,15 4%

Outros Derivados de
0,22 5%
Petróleo

Eletricidade 0,32 8%

Outras 0,08 2%

Total 4,18 100%

Fonte: BEN, 2019.


27https://www.statista.com/statistics/939628/global-leading-ceramic-tile-exporting-countries/
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 29

2.1.3 Siderurgia
A siderurgia é grande consumidora seu uso na usina de Pecém em virtude da
de energia (17 Mtep/ano), produzida dificuldade de suprimento de gás natural
principalmente pela queima do coque naquele local à época pela Petrobras. A
de carvão mineral, importado na sua conversão integral do uso de coque para
maioria (Tabela 6). O papel do coque, o gás natural poderia adicionar perto de
além de gerar calor, é combinar-se com 25 MMm3/dia (aproximadamente 9 Mtep/
os átomos de oxigênio presentes no ano) de demanda para o gás, imaginando-
minério de ferro ao ser queimado nos se que a produção de aço não aumente
alto-fornos, transformando o minério significativamente nos próximos 10 anos.
em ferro metálico (gusa) e depois em A conversão do carvão vegetal utilizado
aço, mediante a retirada da maior parte no setor é improvável porque esse carvão
do carbono presente no gusa. O gás está associado à produção distribuída de
natural já é usado no setor (e.g., na CSN), ferro gusa, realizada cada vez mais com
mas representa uma fração exígua (7%) lenha de madeira cultivada.
do total de consumo de energia da
siderurgia, inclusive pela desistência de O acesso da siderugia ao gás natural
pode ser facilitado pela liberação de
TABELA 6 | Consumo de Energia na Indústria
Siderúrgica em 2018 em Mtep.
capacidade nos gasodutos existentes.
A maior parte das usinas siderúrgicas
Mtep %total
fica próxima a gasodutos de transporte
Primária 3,58 21% (nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo
Gás natural 1,17 7% e Minas Gerais, sendo no último estado
Carvão vapor 2,41 14% próximas a Juiz de Fora e no entorno de
BH) ou de distribuição (João Monlevade/
Secundária 13,07 79%
ArcelorMittal, Ipatinga/ Usiminas),
Derivados de Petróleo 0,10 0%
facilitando o uso desse combustível
Gás Coqueria 1,24 7%
(Figura 13).
Coque de carvão mineral 7,35 44%

Carvão Vegetal 2,64 16%

Eletricidade 1,64 10%

Outros 0,09 1%
Total 16,65 100%

Fonte: BEN, 2019.


30 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Figura 13a - Localização das principais usinas siderúrgicas e gasodutos


de transporte.

MINAS GERAIS SÃO PAULO RIO DE JANEIRO ESPÍRITO SANTOS CEARÁ


Aperam South American (Timóteo) ArcelorMittal (Piracicaba) CSN (Volta Redonda) ArcelorMittal (Cariacica) Gerdau (Maracanaú)
Gerdau (Ouro Branco) Gerdau (Pindamonhangaba) Votorantin Siderurgia (Resende) ArcelorMittal (Tubarão) Cia Siderúrgica do Pecém
ArcelorMittal (João Monlevade) Gerdau (Mogi das Cruzes) Votorantin Siderurgia (Barra Mansa) (São Gonçalo do Amarante)
ArcelorMittal (Juiz de Fora) Gerdau (São Paulo) Gerdau (Rio de Janeiro)
Gerdau (Barão de Cocais) Usiminas (Cubatão) Thyssenkrupp CSA (Rio de Janeiro
PERNAMBUCO
Gerdau (Refife)
Gerdau (Divinópolis) Villares Metals (Sumaré)
Usiminas (Ipatinga) BAHIA
Vallourec (Jeceaba) Gerdau (Simões Filho)
Vallourec (Belo Horizonte)

Fonte: Mapas de ANP, 2018 com dados de usinas do Instituto Aço Brasil.

Figura 13b - Malha dos gasodutos de escoamento, transporte


e distribuição (laranja).

Fonte: CBIE, 2019.


PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 31

Apesar dos volumes de energia também se dá através da redução direta,


consideráveis na siderurgia, a conversão que, nesse caso, produz vapor d’água
para o gás natural apresenta desafios. como resultado da retirada do oxigênio
Mesmo que o custo do gás por tonelada do minério, ao invés do gás carbônico.
de aço produzida não seja muito maior O eventual uso com hidrogênio da
do que o do coque mineral (US$100-120/t infraestrutura criada para o uso do gás
de aço),28 o volume de investimentos ajudaria a amortizar o custo de adaptação
necessários para a transição da indústria para o gás natural e poderia justificar,
para o sistema de redução direta seria mais à frente, algum tipo de subsídio
significativo. Em um cenário em que à conversão dentro de uma política
as siderúrgicas enfrentam dificuldades abrangente de redução de emissões de
estruturais e há pouca perspectiva de carbono no setor industrial. No entanto,
expansão do parque produtivo, qualquer na falta de maior dinamismo do setor
transição para novas tecnologias se torna ou recursos externos associados a
mais difícil sem auxílio externo. uma conversão mais ambiciosa para o
hidrogênio quando essa tecnologia
A eventual transição para o gás natural, estiver totalmente madura, a realização
por outro lado, pode vir a facilitar a do aumento potencial da demanda
conversão das usinas para o uso do por gás de 9 Mtep na siderurgia pode
hidrogênio verde29 nas próximas décadas. ser considerada remota no médio
A siderurgia baseada no hidrogênio prazo.

28O custo do carvão em alto fornos pode ser encontrado em https://www.steelonthenet.com/cost-bof.html. No caso da redução direta, o custo da energia por tonelada de aço é dez vezes o custo
por MMBTU (e.g., o gás natural a US$6/MMBTU implicando em US$60/t aço). Já o carvão na faixa de US$2/MMBTU implicaria em um custo de US$40/t aço, mas não é claro se aí estão incluídas
todas as fases do minério até o aço (e.g. produção do ferro esponja).
Fonte: www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/Manufacturing/gx_remaking%20the%20global%20steel%20industry_06_13.pdf
29Hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água com energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis e não a partir do gás natural.
32 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

2.1.4 Indústria Química


A possibilidade de aumento do consumo Segundo estudos da EPE, a diminuição
de gás na indústria química, como para a do preço do gás poderia aumentar
produção de fertilizantes não escapou às significativamente a produção de
autoridades brasileiras (EPE 2019). Como fertilizantes no Brasil, deslocando a
já observado, o setor químico corresponde importação. Com o gás natural disponível
a 26% do consumo final de gás pela a um preço abaixo de US$5/MMBTU, a
indústria, ou 7% do consumo total do gás demanda adicional por gás natural nesse
natural, predominantemente para fins setor poderia alcançar 10,6 MMm3/dia (3,8
energéticos. Por outro lado, mais de 75% Mtep/ano) em 2034. Isso reduziria para 10%
dos fertilizantes consumidos no mercado a dependência externa de ureia (Figura 15),
brasileiro em 2019 foram importados,30 e potencialmente reduziria a despesa com
inclusive aqueles nitrogenados, baseados importação de fertilizantes nitrogenados
na amônia e uréia, sintetizadas a partir em cerca de US$2 bilhões por ano,
do gás natural e do nitrogênio (N2) que é abstraindo-se um aumento de demanda
abundante no ar. Essa importação decorre por fertilizantes em função do aumento
em parte da diminuição da produção da produção agrícola e, por exemplo,
doméstica pela hibernação de fábricas recuperação/conversão de pastagens
de fertilizantes da Petrobras e falta de degradadas (Tabela 7).
investimentos em novas plantas. O alto
custo de matéria-prima é geralmente O preço mais baixo do gás natural
apontado como o fator principal para a poderia ainda viabilizar a construção
redução de rentabilidade dessas fábricas e de novas plantas para a produção de
seu fechamento. metanol, etano e seus derivados. Com
o alto custo do GN, que corresponde a
80% do custo de produção de metanol,
Figura 14 - Consumo de Gás nas FAFENS. as fábricas brasileiras foram hibernadas
3,5
e todo o consumo de metanol do Brasil
3,0 (1,2 milhão de ton/ano - BNDES 2020)
mil m3/dia (médio)

2,5 passou a ser importado. Ainda que


2,0
os preços internacionais do metanol
1,5

1,0
sejam muito voláteis, há indicações
0,5 de que projetos para a construção de
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
plantas de escala mundial do metanol,
FAFEN-SE FAFEN-BA
importante insumo para a produção
de formaldeído e biodiesel, poderiam
Fonte: Boletim Mensal Acompanhamento da Indústria
de Gás – MME, 2020.
ser desencadeados caso o custo do gás
fosse substancialmente reduzido. Essa
demanda corresponderia a um consumo
adicional de gás natural da ordem de
4 MMm3/dia (1,4 Mtep/ano).

30https://abiquim-files.s3-us-west-2.amazonaws.com/uploads/guias_estudos/Livreto_Desempenho_da_Ind%C3%BAstria_Qu%C3%ADmica_Brasileira_R4_-_Abiquim_DIGITAL_1.pdf
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 33

TABELA 7 | Brasil – Importação de Adubos e Fertilizantes Químicos 2017-2019.

Adubos ou
Código
Fertilizantes 2019 2018 2017
CUCI
químicos

US$ Milhões Toneladas US$ Milhões Toneladas US$ Milhões Toneladas

5621 Nitrogenados 2.400 10.369 2.308 9.804 1.965 9.562

Nitrato de
562111 248 1.235 217 1.033 253 1.327
amônio
Sulfato de
56213 427 2.637 376 2.324 295 1.904
amônio

56216 Uréia 1.530 5.587 1.527 5.561 1.245 5.425

5622 Fostatados 471 2.187 455 2.073 333 1.557

5623 Potassicos 3.466 10.668 3.135 10.657 2.438 9.866

Outros
5629 2.785 7.898 2.696 6.989 2.568 7.597
fertilizantes

Figura 15 - Consumo Adicional de Gás e Deslocamento Potencial das Importações de Uréia.

12 80%
10,6
70%
Consumo adicional de GN (MMm3/ dia)

10 75%

60%
% importação líquida

8
50%

6 40%
Consumo adicional de GN (MMm³/ dia)
30%
4 % importação líquida
20%
10%
2
10%

0 0%
2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 2031 2032 2033 2034

Fonte: EPE, 2019 - “Competitividade do Gás Natural: Estudo de Caso na Indústria de Fertilizantes Nitrogenados”.
34 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

A disponibilidade de etano e seus aumentar com a construção da UPGN


derivados, como polietileno e PVC, de Itaboraí, que terá capacidade para
depende da separação do etano presente 21 MMm3/dia do gás.
no gás natural feita em UPGNs. Hoje, as
especificações do gás natural entregue A redução do teor de etano no gás
à rede de gasodutos, estabelecidas em para distribuição tem componentes
resolução da ANP e que admitem um de política energética. Uma maior
teor máximo de 12% de etano, estão em oferta desse insumo, beneficiando
revisão. A redução desse teor ampliaria a indústria química, demandaria
a oferta de etano para a indústria investimentos elevados em UPGNs, o
química, mas teria custo, ainda que que, da mesma forma que potenciais
separação do etano já possa ser feita limitações à injeção, poderia ter reflexos
de forma econômica com a tecnologia nos esperados projetos de produção de
de turboexpansão. As UPGNs devem petróleo. Por outro lado, o relaxamento
também estar próximas da demanda do das especificações poderia prejudicar
etano, principalmente aquela proveniente os equipamentos que usam o produto.
da produção de polietileno, já que o custo Por isso, é recomendável aprofundar
de transporte do etano por tubulação é os estudos já em andamento sobre os
muito caro. A única UPGN no Brasil que impactos de possíveis alterações na
atende a esses requisitos é a de Cabiúnas, especificação do gás natural e integrá-
que tem capacidade de 16,2 MMm3/dia los às discussões sobre injeção de gás
de GN. Contudo, a oferta de etano poderá natural/separação e injeção de CO2.

2.1.5 Sensibilidade da conversão Industrial ao preço


e crescimento do PIB

O potencial conjunto de crescimento de crescimento do PIB, foram construídos


da demanda por gás natural nos quatro três cenários, com o preço do gás natural
setores industriais analisados está situado para grandes consumidores industriais
próximo de 20 Mtep/ano dentro da ótica variando de US$7/MMBTU a US$14/MMBTU,
da substituição energética máxima. e crescimento do PIB perto de 3,0% ao ano.
Essa avaliação pode ser comparada
com recente estudo divulgado pelo CNI, O estudo apontou um aumento de
baseado na hipótese de substituição das demanda potencial por gás de
atuais fontes de energia na indústria pelo 40 MMm3/dia (15 Mtep/ano) no caso do
gás natural na medida em que o gás se gás a US$7/MMBTU, em boa parte por
tornasse mais barato do que essas fontes, conta da cogeração. Essa demanda cairia
além do deslocamento da eletricidade para 16 MMm3/dia (6 Mtep/ano) no caso
comprada pela cogeração nas situações do gás a US$10/MMBTU e para 6 MMm3/
em que isso fosse rentável. Nessas dia (2 Mtep/ano), no caso do gás a
hipóteses, e supondo diferentes taxas US$14/MMBTU.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 35

Ambos estudos apontam, portanto, um consome perto de 0,7 Mtep de gás


potencial de crescimento do consumo natural por ano. Assim, um aumento de
industrial da ordem de 15-20 Mtep ao ano consumo na indústria de 20 Mtep ao
no caso de o preço do gás natural cair ano corresponderia a cerca de 14 GW
para US$5-7/MMBTU. Como parâmetro adicionais de geração térmica na base
de comparação, uma usina termoelétrica (a atual capacidade instalada é de 14,6
de 500 MW com eficiência de 40% GW31).

2.2 O Setor de Transportes – veículos leves e pesados

O setor de transportes, especialmente atualmente importado, que somou


transporte pesado por caminhões, 11,6 MMm3 em 2018, equivalente a 21% do
tem um potencial de crescimento consumo total do combustível (55 MMm3
significativo do uso do gás natural. É anual).
possível imaginar uma duplicação do
consumo de gás por carros de passeio em Recente dissertação de mestrado32
algumas capitais do país, correspondendo permite estimar o consumo de diesel no
a 2 Mtep de consumo adicional de gás transporte usando a estrutura de consumo
por ano, decorrente principalmente do de diesel verificada em 2012. Aplicando-
deslocamento da gasolina. Apesar de se essa estrutura ao consumo rodoviário
interessante, a expansão desse mercado de diesel em 2018 (46 MMm3, incluindo
tem o inconveniente de provavelmente vir 4 MMm3 de biodiesel33) e traduzindo-
a ser rapidamente superada pela adoção se o poder energético do m3 de diesel
da eletricidade motriz com baterias, que para MMm3 de gás natural a condições
deve ser uma tecnologia dominante até normais,34 chega-se a um potencial de
2030. A substituição parcial do diesel pelo demanda por gás de 99 MMm3/dia por
gás natural comprimido ou liquefeito para força do deslocamento integral do diesel
o transporte rodoviário de cargas, por para caminhões semipesados e pesados
outro lado, talvez tenha uma vida mais (Tabela 8). Essa demanda potencial é
duradoura, enquanto o raio de ação com similar ao consumo total de gás no Brasil
baterias se mantiver curto e seu tempo de (35,9 Mtep/ano) em 2018.
recarga for longo.
Uma análise mais detalhada para o caso
O deslocamento de 25% do consumo específico de possíveis “corredores azuis”
de diesel no transporte rodoviário de ao redor do Gasbol no estado de São
carga adicionaria aproximadamente Paulo foi efetuada por pesquisadores
9 Mtep/ano de demanda por gás natural da USP (Mouette et al., 2019). Esses
(Tabela 8). Um deslocamento dessa corredores abasteceriam uma frota de
ordem seria próximo ao volume de diesel caminhões com GNL, realizando cerca

31Dado de geração da Aneel em julho de 2020.


32"Perspectivas para o consumo de combustível no transporte de carga no Brasil: uma comparação entre os efeitos estrutura e intensidade no uso final de energia do setor", Ana Luiza Andrade
Novo, PPE/COPPE/UFRJ (2016).
33BEN, 2019.
34Multiplica-se o volume de diesel por um fator de 2,9. Esse fator é dado por 1,6 (razão entre a densidade energética do diesel e do GNL) vezes 600 (redução de volume do GNL com respeito ao
gás normal), dividido por 330 (dias de operação de um caminhão pesado por ano).
36 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

TABELA 8 | Consumo de diesel rodoviário e potencial de substituição por gás natural.

Consumo 2012 Consumo Diesel 2018 Consumo equivalente de GN


Tipo
(por tipo de veículo) (MMm3) (MMm3/dia)

Comerciais leves 1,4% 0,6 -

Caminhões semileves, leves e


24,7% 11,4 -
médios

Caminhões semipesados 39,6% 18,2 53,0

Caminhões Pesados 34,3% 15,8 46,0

Total 100,0% 46,0 99,0

Fonte: Elaboração própria.

de 200 mil viagens por dia35. O consumo O percurso Florianópolis - Curitiba - São
de gás estimado nesse exercício seria por Paulo - Rio de Janeiro, que representa
volta de 4 MMm3 de gás natural por dia, parte expressiva do tráfego de carga,
admitindo-se a substituição de 10% da está localizado próximo aos gasodutos
frota de diesel para gás natural. O estudo existentes e corresponde a viagens de
sugere que o gás natural, precificado a extensão compatível com o raio de ação
US$7,52/MMBTU seria entre 40% e 60% de um caminhão a gás. O percurso
mais econômico (em US$/MMBTU) do que da rodovia Fernão Dias (São Paulo-
o óleo diesel, mesmo considerando várias Belo Horizonte) não fica ao longo de
restrições ao seu uso e os custos de capital um gasoduto, mas há entrega de gás
e operacional envolvidos36. O artigo nas suas duas pontas, cuja distância
não avalia se esta significativa redução poderia ser coberta por caminhões a gás
do custo seria suficiente para induzir a (tanto comprimido quanto liquefeito).
adesão dos motoristas ao uso do GNL, seja Os gasodutos existentes podem ser a
pelo investimento em novos caminhões já fonte para postos de reabastecimento
preparados para utilizar o gás natural, seja de gás comprimido ou GNL, podendo
pela instalação de “kits” para adaptação o abastecimento ser completado
dos caminhões a diesel para este uso. por caminhões de transporte de gás
Estima-se que, nestas condições, o sem a necessidade da construção de
payback da adesão ao GNL seria menor numerosos “city gates”.
que três anos37.
Para regiões distantes de gasodutos,
É razoável pensar no uso do gás postos de abastecimento podem ser
natural por caminhões pesados e semi- alimentados com GNL trazido em
pesados para além do eixo do Gasbol. caminhões com contêineres.

35Dominique Mouette, Pedro Gerber Machado, Denis Fraga, Drielli Peyerl, Raquel Rocha Borges, Thiago Luis Felipe Brito, Lena Ayano Shimomaebara, Edmilson Moutinho dos Santos, Costs
and emissions assessment of a Blue Corridor in a Brazilian reality: The use of liquefied natural gas in the transport sector, Science of The Total Environment, Volume 668, 2019, Pages 1104-1116
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719307533.
36Para calcular estes custos, os autores avaliaram a infraestrutura para oferecer GNL ao transporte de cargas no estado de São Paulo, envolvendo: a liquefação e armazenamento do gás natural;
distribuição e armazenamento em tanques criogênicos e abastecimento (obras civis e outros). Além do CAPEX, foram estimados valores de OPEX (ex. mão de obra, consumo de energia elétrica,
refrigerantes, como etano e propano, e insumos nas plantas de liquefação, custos administrativos etc.). Para a liquefação foram consideradas duas opções: uma centralizada, de maior porte, em
que o GNL é distribuído para as regiões do estado de São Paulo por caminhões. Uma segunda (descentralizada) utiliza algumas plantas de liquefação de menor porte, que são espalhadas pelo
estado.
37Caminhão rodando 120 mil km/ano, fazendo 2,5km/l de diesel a R$3,50/litro e tendo 50% de economia pelo uso do GNL resultaria em R$84 mil de economia. Se os demais custos se
mantiverem, e se o sobrecusto do caminhão GNL com respeito ao caminhão diesel for de R$200 mil, o payback simples do investimento é de 200/84 = 2,4 anos.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 37

Como previsto por investidores recentes,38 Pará, Pernambuco, Ceará, Bahia e


esses postos poderiam ser distribuídos ao Santa Catarina. Containeres padrão
longo dos eixos de tráfego relevantes. O ISO com capacidade para 40 m3 de gás
método se aplicaria ainda a regiões que poderiam ser carregados em caminhões
fossem abastecidas de gás a partir de não dedicados, reduzindo o custo do
terminais de importação de GNL próximos transporte do gás39.
a eventuais usinas termoelétricas a
gás natural, em arranjo parecido ao Os motores a gás para caminhões podem
existente em Sergipe, e que poderiam funcionar com centelha (ciclo Otto) ou
vir a ser construídos em estados como por pressão do combustível (ciclo diesel).

Figura 16 - Principais eixo rodoviários do Brasil.

Capital
Divisão Estadual
Divisão Internacional
Alocação VMDA - 2015*
5.000
10.000
15.000

Fonte: Fundação Dom Cabral, 2018.

38Essa é a proposta da empresa Golar Power. Disponível em: (https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/12/06/golar-testa-caminhao-movido-a-gnl.ghtml)


39Em uma primeira fase nesta direção, a empresa Golar fez uma parceria com a Alliance GNLog visando a importação de mil caminhões 100% GNL até final de 2020 produzidos pela empresa
chinesa Shacman. Esses veículos são equipados com 2 tanques criogênicos e tem autonomia de rodar até 1000 km com o GNL, que será fornecido pela Golar Power.
38 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

No caso dos motores a ciclo diesel, o do gás. A simplicidade é de particular


controle da explosão requer a presença de interesse no caso de se tentar acelerar
uma certa proporção do óleo diesel, não a coversão ao gás natural através da
havendo, portanto, substituição completa adaptação dos caminhões existentes, já
desse combustível (Anexo II)40. Em que esses bens de capital têm grande
ambos os casos, pode-se usar gás natural vida útil e houve grande aquisição de
liquefeito (GNL) ou comprimido (GNC) caminhões entre 2011 e 2014.
como combustível. O GNL, armazenado a
-162 °C, tem até o dobro da densidade do Com relação ao impacto ambiental
GNC, permitindo maior autonomia para dessa mudança de fonte energética,
tanques de mesmo volume. O tanque o uso do gás natural permite reduzir
criogênico tende também a ser mais leve drasticamente a emissão de compostos
que os tanques de GNC, diminuindo a tara nitrogenados (NOx) e de enxof re (SOx),
dos veículos (Figura 17). assim como de materiais particulados,
todos produtos nocivos à saúde e ao
Por outro lado, o arranjo com GNC é meio ambiente. A queima do gás
mais simples por não precisar de um natural em si oferece apenas uma
sistema de vaporização prévio à injeção modesta redução nas emissões de
do combustível no motor, como é o gás carbônico com relação ao diesel
caso do GNL. Além disso, a opção GNC (15% ou menos). Há, no entanto, o
tende a exigir menor investimento em risco de escape de gás natural
instalações de abastecimento e incorre (metano).
em menor risco de manipulação, quando
comparado com o gás liquefeito, por O metano tem grande impacto
trabalhar com temperatura ambiente atmosférico, devido ao seu efeito estufa,

Figura 17 - Modelo de caminhão com GNC (esquerda) e com GNL (direita).

VEÍCULO DE GÁS NATURAL CAMINHÃO DE GÁS NATURAL LIQUEFEITO

Tanque de combustível
(gás natural comprimido)

Bateria
Bateria
Módulo de Controle
Eletrônico (ECM) Módulo de Controle
Eletrônico (ECM)
Motor de Combustão Interna Motor de Combustão Interna
(ignição por faísca) (ignição por faísca)

Sistema de Injeção Sistema de Injeção


de Combustível de Combustível
Desligamento manual

Regulador de Alta Pressão Sistema de exaustão

Tanque de combustível
Tanque de combustível
Sistema de exaustão
Filtro de combustível
Transmissão Transmissão
Filtro de combustível

Tubulação de combustível Tubulação de combustível

Fonte: AFDC

40Entre os modelos de caminhão já existentes encontra-se o FM MethaneDiesel da Volvo, que opera com uma mistura de GNL e diesel, e o modelo R 410 da Scania, de ciclo Otto, que opera
apenas com GNC. O sistema DG Flex da empresa Bosch, por seu turno, é um exemplo de kit de adaptação para caminhões usados.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 39

no curto prazo, ser mais de 70 vezes baixa qualidade e, por enquanto, sem
maior do que o do gás carbônico. Nesse grandes pontos de apoio a caminhões
sentido, o GNL pode ter um impacto com tanques criogênicos.
climático mais pronunciado do que o
GNC, visto que não é incomum que seja Assim, considerando custo de
necessário deixar escapar gás natural infraestrutura, rapidez e facilidade de
quando o tanque aquece, de forma a adaptação dos motores, a facilidade
não permitir que a pressão do gás no de manipulação e risco de emissões
interior do tanque ultrapasse a pressão fugitivas, é provável que o GNC se
máxima de segurança desses recipientes. mostre mais seguro e vantajoso do
Já que a vaporização aumenta quando que o GNL, a despeito do menor raio
a temperatura ambiente é mais alta, de ação e do maior peso morto do
a chance de ocorrerem emissões tanque de combustível do GNC. A
involuntárias de metano pode ser resposta ̶ ausente uma orientação
relevante em um país como o Brasil, que de política pública ̶ virá da decisão
tem temperatura média alta e estradas de de cada transportadora.

2.3 O Gás Natural na geração elétrica

A expansão da geração elétrica a gás O histórico dos leilões do setor elétrico


tem reconhecido potencial, mas não é (Figura 18) mostra a gradual perda de
isenta de desafios. O gás natural pode competitividade das termelétricas em
ser usado para gerar eletricidade, que relação às energias renováveis. O maior
transmitida pelo Sistema (Elétrico) desafio para a expansão da energia
Integrado Nacional (SIN) permite seu termoelétrica está na competitividade
consumo em quase qualquer ponto do das energias renováveis, que tem grande
país. O gás também pode ser usado para potencial de crescimento42 no Brasil e
a auto-produção de eletricidade, ou ainda atualmente são a opção mais econômica43
para produção de energia elétrica nos para a expansão do suprimento de
chamados Sistemas Isolados (SI). Esses energia. Olhando para o futuro, também
sistemas, apesar de corresponderem se destaca o desafio decorrente do
a cerca de 1% do total do consumo custo implícito das emissões de carbono
nacional, atendem a populações advindas da combustão do metano. Esse
frágeis em locais afastados e o uso do gás custo poderá vir a ser cobrado, na medida
natural a menor custo do que em que cresce o apoio em muitos países
o óleo diesel pode ter impacto social à precificação das emissões de gases de
bastante favorável nessas efeito de estufa, mediante um “imposto
circunstâncias41. de carbono”.

41Para atender aos sistemas isolados, o gás, seja liquefeito ou comprimido, poderia ser transportado por barcaças, no caso de cidades ribeirinhas e costeiras, ou mesmo por caminhões. A ENEVA,
por exemplo, planeja se valer de caminhões transportadores de GNL para abastecer Roraima a partir do campo do Azulão, situado a mais de 1000 km de distância do ponto de consumo.
42Velocidade média do vento alta, com baixa variância; boa radiação solar (sobretudo no Semiárido).
43Muitas referências internacionais, como o NREL do Departamento de Energia dos EUA (DoE) estimam uma redução de custos adicional da ordem de 30% no caso das usinas solares
fotovoltaicas e 20% no caso das eólicas.
40 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Figura 18 - Capacidade contratada nos últimos leilões.

PCH EÓLICA SOLAR BIOMASSA GÁS NATURAL


15.000 500,00

13.500 450,00

12.000 400,00

10.500 350,00

Preço (R$/MWh - outubro/2019)


Capacidade Contratada (MW)

9.000 300,00

7.500 250,00

6.000 200,00

4.500 150,00

3.000 100,00

1.500 50,00

0 0,00
PROINFA (2004)

Dez 2009

Jul 2010

Ago 2010

Ago 2011

Dez 2011

Dez 2012

Ago 2013

Nov 2013

Dez 2013

Jun 2014

Out 2014

Nov 2014

Abr 2015

Ago 2015

Nov 2015

Abr 2016

Set 2016

Dez 2017

Abr 2018

Ago 2018

Jun 2019

Out 2019
Fonte: EPE - Leilões de Energia Elétrica de 2019.

O aumento de penetração das fontes mostrar insuficiente face à projetada


renováveis variáveis implicará aumento duplicação ou mais das fontes renováveis,
da amplitude dos ciclos de produção de mesmo com uma operação inteligente
energia por fonte, ainda que esses ciclos se dos recursos de geração, armazenamento
cancelem parcialmente, como, por exemplo, de energia e redes de transmissão de
pela existência de mais vento à noite do forma a otimizar a integração a produção
que durante o período diurno de alta eólica, solar e hidráulica em frequência
irradiação solar, ou mais na estação seca do diária ou sazonal. O fato de boa parte
que na úmida. Não obstante, não havendo das novas hidroelétricas construídas
correlação perfeita ou suficiente entre essas desde 2000 não terem reservatórios
fontes ou opção barata de armazenamento significativos de acumulação (são a
de energia em grande quantidade, o valor “fio d’água”) associadas às crescentes
da geração flexível poderia aumentar de necessidades da utilização da água para
modo a suavizar as variações na produção outros usos além da geração de energia,
de eletricidade ou modular essa produção aumenta essa probabilidade, além
para acompanhar flutuações na demanda. de não haver previsão de significativa
expansão da capacidade instalada
As hidrelétricas fazem a modulação hidrelétrica (assinala-se que o serviço de
da produção, mas sua capacidade modulação pelas hidrelétricas não implica
de cumprir esse papel pode vir a ser necessariamente na depleção dos seus
saturada a longo prazo. Ela pode se reservatórios).
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 41

O espaço para as térmicas a gás sul do Gasbol, e dificuldades de vir a se


proverem o serviço de modulação no realizar um aumento da importação de
SIN não está assegurado no futuro gás argentino. A liquefação em terra
com os preços atuais do gás natural. competiria com o GNL importado no
A concorrência com a geração flexível suprimento às térmicas e consumidores
deve crescer com a expansão de livres, dando maior flexibilidade ao
alternativas, como o bombeamento sistema como um todo45.
de água para armazenamento em
reservatórios elevados (usinas hidrelétricas A geração termelétrica competitiva
reversíveis), baterias de íons de lítio (cujos “na base”, por seu lado, exige um preço
custos devem cair mais até que o das do gás bem abaixo do atualmente
fontes renováveis) e eventualmente o oferecido pelas distribuidoras. Exercícios
armazenamento de energia contida na de mercado, como descritos no Box 3 a
amônia ou metanol produzido a partir do seguir, mostram que, apenas substancial
hidrogênio verde. queda do preço do gás (entregue na
usina) para a faixa de US$ 4 a 5/MMBTU,46
A dificuldade de interromper-se a permitiria a inserção econômica das
produção de gás do Pré-Sal para termelétricas “inflexíveis”. É essa a faixa
permitir a flexibilidade das térmicas de preço que assegura a competitividade
talvez possa ser contornada pela econômica de térmicas a gás inflexíveis
liquefação do gás44. A liquefação contra as renováveis mesmo quando
ajudaria a contornar o fato de 80% as fontes renováveis são totalmente
da produção de gás ser associada à oneradas pelos custos relativos à sua
produção de petróleo e facilitaria seu intermitência e outros serviços ancilares
armazenamento e a exportação do que que demandem para cumprirem suas
exceder a demanda em certo período. obrigações47. O despacho inflexível,
Ela pode-se dar em terra ou no mar. No por seu turno, pode implicar, certo
segundo caso, evita-se o investimento sobreinvestimento em geração com o não
em gasodutos, mas exigem-se navios aproveitamento (vertimento) eventual
especializados e caros. Sua viabilidade das energias renováveis, sem caracterizar-
ainda é difícil de estimar também se necessariamente como uma solução
porque a tecnologia de FLNG (floating não econômica. Este breakeven de preço
liquefaction of natural gas) é nova e de gás na térmica permitiria indicar o
há poucos projetos operacionais no tradoff entre a competividade de térmicas
mundo. A despeito de geralmente localizadas no interior ou litoral do país,
exigir escala, ela talvez possa ser uma para quem o custo final do gás seria
forma prática de atender a Região Sul, diferenciado pelas tarifas de transporte da
dadas algumas características do tramo rede de gás48.

44Conceitualmente, as soluções para implantação de termelétricas que farão uso do gás natural extraído dos campos offshore na costa brasileira incluem: (a) Transporte do gás por gasoduto
subaquático até a costa e geração de energia em terra; (b) Geração de energia na plataforma offshore e transmissão da eletricidade até a costa (gas-to-wire, ou GTW): consiste em extrair o gás
e gerar energia em usina localizada em plataforma oceânica, transmitindo a energia gerada para a costa através de cabos submarinos em corrente contínua; (c) Transporte do gás em fase
líquida até a costa e geração de energia em terra. Nessa opção, o tratamento do gás (separação de frações líquidas e impurezas) pode-se dar no mar, antes da liquefação, ou já em terra, antes
da regaseificação.
45A construção de plantas de liquefação de gás no mar ou no litoral daria maior flexibilidade à comercialização do produto. Permitiria o fornecimento a térmicas inflexíveis e flexíveis, com o
potencial de substituir o GNL importado, a consumidores livres e às distribuidoras, além de abrir caminho para entrega em outras regiões do país, via cabotagem (GNL de pequena escala), e
para a exportação.
46Esse valor precisaria ser ainda menor se fossem atribuídos custos associados às emissões de carbono.
47Custos para o suprimento do mesmo MWh “firme” por ambas tecnologias.
48A implantação geográfica de usinas de forma a minimizar os custos de distribuição e transporte, assim como das perdas e riscos na transmissão de energia a largas distâncias é um
componente importante para a eficiência global do SIN. Esquemas tarifários que enviem sinais econômicos aos investidores sobre localizações ótimas tem, portanto, papel relevante para a
economicidade do sistema.
42 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Box 3

O espaço para térmicas a


gás natural “na base”
Um questionamento frequente é o porquê O leilão de energia possui uma regra que
de o setor elétrico não poder absorver permite comparar o benefício econômico
termoelétricas com produção inflexível, ou destas estratégias frente às demais fontes
seja, “na base”, como forma de “ancorarem” candidatas à expansão em uma mesma
o consumo de gás natural. O setor já abriga base, isto é, sob a ótica sistêmica.
algumas usinas nesses termos, a partir
de algumas condições oferecidas pela Uma estratégia baseada na declaração
EPE nos leilões de 2017, que permitem a de um custo variável abaixo de R$100/MWh
sazonalização mensal da “inflexibilidade” e custo de energia total próximo a
– e de outros parâmetros, como custo R$200/MWh, por exemplo, pode ser
variável unitário (CVU) e indexação de relativamente competitiva com as fontes
contratos de combustível ‒ dentro de renováveis em algum leilão. A inspeção
limites para um ano calendário. desses valores sugere que, neste exemplo,
o custo do gás incluindo impostos
Apesar de 70% dos 4,5 GW de capacidade para viabilizar essa estratégia e seu
termoelétrica prevista para entrar custo variável em uma térmica de ciclo
em operação nos próximos anos e combinado (50% de eficiência) deveria
já contratada estar baseada no GNL estar abaixo de R$15/MMBtu1.
importado (ex. usinas GNA I e GNA Porto
Açu), há um projeto pioneiro no uso do gás A inserção do gás “na base” nesses termos
do Pré-Sal (projeto Marlim Azul) e projetos (com inflexidade concorrendo com outras
que aproveitam campos de gás onshore, fontes) é distinta daquela que ocorreria
como o caso da usina térmica Parnaíba com a inserção “forçada” destas térmicas
V (ENEVA). Dentro dos parâmetros de através de uma contratação separada.
inflexibilidade anual de até 50% sobre Nesse caso de leilões separados, corre-se
12 meses e CVU, há algumas estratégias o risco de onerar desnecessariamente o
comerciais que permitem o acionamento consumidor de energia elétrica em face de
lucrativo das usinas “na base”. Um exemplo outras opções de suprimento.
é a declaração de inflexibilidade no período
úmido, e maior flexibilidade no período A fim de explorar este tema, a consultoria
seco, com ou sem variação sazonal do CVU. PSR conduziu em 2019 estudos de

1 Uma estimativa muito simplificada sugeriria que o custo variável a R$100/MWh com 50% de eficiência do ciclo combinado e
3,44MMBTU/MWh resulte em R$50/3,44MMBTU, ou R$14,5/MMBTU. Dependendo do câmbio, isto significaria um gás entregue
à usina entre US$3-4/MMBtu, o que pode ser alcançável para um produtor de gás que precifique o gás levando em conta o seu
caráter associado (ou seja, custo unitário próximo de zero ao se levar em conta o investimento feito para a produção de petróleo),
tenha acesso franco a uma rota de escoamento e facilidade de conexão da usina a essas instalações sem custo excessivo da etapa
de distribuição.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 43

planejamento de longo prazo para o de fontes renováveis nos leilões,


horizonte de 2040 com o modelo de desconsiderando-se custos de emissão
decisões de investimentos OPTGEN2, de CO2 ao se estabelecer os critérios
que indicam que um portfólio “ótimo”3 de eficiência e economicidade entre
de expansão admitiria sob certas fontes.
circunstâncias usinas inflexíveis, passíveis
de usar o gás natural do Pré-Sal, em O benefício desta geração na base
companhia de algumas usinas flexíveis estaria em deslocar a geração
(para compensar eventual insuficiência hidroelétrica “de base”, permitindo
hídrica no SIN). Essa otimização considerou assim que as hidroelétricas sejam
os custos de investimento, operativos utilizadas para fornecer flexibilildade
fixos e variáveis, com parâmetros técnicos ao sistema. Mas há um preço e
representativos de cada tecnologia. A volumes máximos de gás natural
metodologia permite a comparação e MW inflexíveis para esta inserção
entre fontes para suprir o mesmo MWh- “valer a pena”, que são os valores
equivalente, isto é, considerando os calculados acima. Acima de preços
atributos que o sistema precisa para de gás da ordem de US$4 a 5/MMBTU
garantir a confiabilidade e economicidade entregue na termoelétrica, o modelo
do suprimento de energia elétrica. de planejamento indica, por razões
econômicas, um maior uso de fontes
Uma das principais condições para a renováveis variáveis e uma participação,
inserção eficiente do gás inflexível4 ainda que pequena, de usinas térmicas
é o preço máximo do gás (principal flexíveis, e.g., utilizando GNL importado
componente do custo variável) para com um custo de combustível maior. A
classificação na ordem de mérito. Ao preços abaixo deste valor, a inserção do
preço máximo do gás natural da ordem gás na base pode ser inclusive maior.
de US$4 a 5/MMBTU entregue na Da mesma forma, a introdução da
termoelétrica, os resultados do precificação de atributos ambientais
planejamento de longo prazo da PSR reduz a atratividade do gás, reduzindo
apontam para a possibilidade de inserção este preço breakeven. Estes resultados
de 10 GW de capacidade térmica a gás foram produzidos considerando
natural adicional na base até 2040 com uma taxa de câmbio de R$3,6/USD e
usinas operando em ciclo combinado obviamente variam de acordo com
e consumindo o equivalente a 14 Mtep/ as hipóteses econômicas utilizadas,
ano em média (43 MMm3/dia). Esse penetração de renováveis e a sua
cenário pode implicar no deslocamento evolução no tempo.

2O modelo OPTGEN possui representação horária, rampas operativas das usinas, tempos mínimos de operação e parada das
unidades, custos de partida, restrições hidráulicas das hidrelétricas nas principais bacias hidrográficas, reservas operativas ‒ para
compensar variabilidade das renováveis ‒ e, finalmente, uma modelagem probabilística (através de cenários) da produção das
fontes renováveis em nível horário. Portanto, a comparação feita pelo estudo da PSR considera as contribuições ‒ e custos ‒ de cada
fonte para todos estes atributos.
3Portfólio que minimiza o valor presente da soma dos custos de investimento e custos operativos para suprir energia, potência e
reservas operativas, de modo a atender o crescimento esperado do mercado de energia de forma segura.
4
Nazaré, F.; Bezerra, B. and Barroso, L.A., Assessing the value of baseload generation from associated gas fields in hydro dominated
systems with growing penetration of renewables, 2020, Rio Oil e Gas Expo and Conference 2020, Rio de Janeiro, Brazil.
44 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Caso os preços do gás natural A geração offshore deve permitir também


baixem a ponto de permitir o uso da contornar a questão da regulação
termeletricidade “na base”, surge a estadual da distribuição do gás natural
questão desse despacho de forma e custos do monopólio associado. A
contínua implicar em aumento energia elétrica entregue na costa
importante das emissões de carbono estará pronta para ingresso no sistema
brasileiras associadas à produção de elétrico integrado (depois de reverter
energia, com desdobramentos para à corrente alternada) sob regulação
o setor industrial. Como a ampliação federal e sem óbices com respeito ao
da produção termelétrica significa o comércio interestadual. Dependendo do
deslocamento de fontes renováveis (no arranjo societário, a opção GTW pode ser
limite até da hidreletricidade), ocorreria caracterizada como autoprodução de
o aumento das emissões de CO2, cujo gás natural, com isenção de ICMS e PIS/
impacto no clima só poderia ser mitigado COFINS.
através de sua captura. As alternativas
de sequestro de carbono em terra No caso do Brasil, uma vantagem
são, no entanto, poucas (e caras). Essa adicional da geração offshore seria lidar
consideração, além da possibilidade de com os campos com maior teor de CO2
contornar alguns escolhos regulatórios dissolvido no gás natural, evitando as
tornam interessante a geração grandes despesas de separação desse
termelétrica em alto mar, perto dos poços CO2 antes do transporte do gás para
de petróleo. terra. No Pré-Sal, há grande variedade
de concentração de CO2 entre campos,
A geração termoelétrica offshore, nas variando de bem menos de 10% até mais
proximidades dos campos de petróleo, de 60% (Figura 19). A separação do CO2
permitiria a captura de carbono é necessária para evitar a corrosão do
da geração termelétrica de forma gasoduto, a qual tende a ocorrer a baixas
competitiva. A injeção do gás carbônico temperaturas quando a concentração de
resultante da geração termelétrica CO2 no gás natural excede a 3% 49.
próxima aos poços de petróleo de onde
o gás necessário para essa geração é Recentes estudos baseados em modelos
extraído seria considerado um arranjo e simulações (Interlenghi et al., 2019)50
GTW-CCS, isto é, uma geração “gas to indicam que a geração offshore com
wire” (GTW) com “carbon capture and captura de CO2 e usando gás natural
sequestration” (CCS). Sendo o GTW-CCS com alto teor de CO2 (40%) é viável. A
uma fonte de geração de baixo carbono, análise indica que a planta de geração
ele teria um valor adicional de operar “na pode ser acomodada nas plataformas
base”, além do custo por MWh compatível atualmente existentes, já que a retirada
com o de outras fontes. dos equipamentos para a separação do

49O problema do CO2 na operação das plataformas e sistemas associados ao óleo e ao gás não seria minimizado. Caso a reinjeção do CO2 aconteça no reservatório de produção, o nível de
contaminação do reservatório tende a aumentar com o tempo. Mesmo no caso onde o gás é simplesmente reinjetado sem a separação do CO2, o elevado nível de contaminação requer que os
materiais utilizados na completação e no desenvolvimento dos poços produtores sejam resistentes a grande concentração de CO2. (IBP, UFRJ, 2017).
50Stefano Ferrari Interlenghi, Raquel de Pádua F. Silva, José Luiz de Medeiros, Ofélia de Q. Fernandes Araújo, Low-emission offshore Gas-To-Wire from natural gas with carbon dioxide:
Supersonic separator conditioning and post-combustion decarbonation, Energy Conversion and Management, Volume 195, 2019 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/
S019689041930651X
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 45

Figura 19 - Teor de CO2 dos principais campos do Pré-Sal.

Pão de
Legenda Cessão Onerosa: Açucar
Búzios, Itaipú, Atapú,
Sépia (contorno de Iara)
Cabo Frio
Tamanbuatá

Búzios
Libra
Sargitário Parati ara

Lapa Lula
Carcará Jupiter

Sapinho
Peróba

Fonte: “Custos de Gás Natural no Pré-Sal Brasileiro” – EPE, 2019.

CO2 abriria espaço para a instalação da no artigo. Os ganhos de produção do


usina térmica. Nessa proposta, haveria petróleo decorrente da reinjeção do CO2
uma condensação prévia de água e no poço também contribuem de forma
hidrocarbonetos mais pesados (C3+), mas relevante para a lucratividade do arranjo.
não haveria separação do CO2 antes da
queima e este aspecto – a queima “pobre” Eventuais preocupações técnicas
em temperaturas menos desafiantes com relação à transmissão por cabo
para o material das turbinas – seria até submarino em grande profundidade
vantajoso pelo aumento da potência e de longe da costa, como no Pré-Sal,
líquida passível de ser extraída das já foram respondidas positivamente
turbinas. Por ser uma solução inovadora, com o desenvolvimento de tecnologias
poderá ser necessária uma customização estimuladas pela geração eólica no Mar
de turbinas existentes, ainda que algumas do Norte até 200 km da costa,51 entre
possam trabalhar com queimas de outras aplicações. Tecnologias baseadas
gases com poder calorífero equivalente à em plataformas mais estáveis que as
mistura de gás natural “pobre” avaliada normalmente usadas para a extração e

51THE OFFSHORE GRID IN THE NETHERLANDS. Disponível em: https://www.tennet.eu/fileadmin/user_upload/Our_Grid/Offshore_Netherlands/Brochure/Brochure_Connecting_wind_energy.pdf


46 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

armazenamento de petróleo facilitariam daquelas outorgadas a cabos de


o uso de turbinas de raio maior e mais comunicação submarinos53.
eficientes52. A maior estabilidade da
plataforma também ajudaria a diminuir O potencial de geração elétrica offshore
a amplitude dos esforços sobre o cabo com captura de carbono (GTW-CCS)
até o fundo do mar. As exigências no caso do gás precificado na boca do
técnicas para a conexão em corrente poço como um by-product da extração
contínua precisariam ser estabelecidas, de petróleo estaria na ordem de 5-15
provavelmente baseados nas lições Mtep/ano de gás natural. Esse potencial
proporcionadas pelas usinas do Madeira pressupõe que o conceito GTW-CCS não se
e Belo Monte. Adicionalmente, a “faixa aplica apenas ao Pré-Sal, sendo também
de passagem” e autorização para adequado para campos na região norte do
construção de linha de transmissão país. Alcançar esse potencial daria ao Brasil
offshore provavelmente precisariam liderança em importante tecnologia de
de manifestação da Marinha, mas não sequestro de carbono, cuja demanda deve
seriam fundamentalmente diferentes aumentar nas próximas décadas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão sobre os usos do gás natural e propriedade da rede de gasodutos de
no Brasil ganhou impulso nos últimos transporte existente e o acesso de novos
quatro anos, especialmente com as carregadores de gás a essa rede.
tentativas de liberalização do setor e pela
exigência de se dar destino econômico Uma parte importante do esforço
ao gás natural associado ao petróleo dos regulatório está associada à
campos brasileiros. Facilitar a exploração implementação do melhor uso de
(e exportação) do petróleo do Pré-Sal instalações existentes. Destaca-se o
tem ganhado urgência em vista da potencial de aumento da capacidade
aceleração da transição da economia efetiva dos gasodutos de transporte
mundial para estruturas de baixo ou zero considerando a metodologia de pontos
carbono. Há em discussão no Congresso de entrada e saída do produto, assim
Nacional um projeto de Nova Lei do Gás como a facilitação do acesso ao GNL,
com inovações importantes visando o cujos preços de futuros de referência
aumento da concorrência no setor, e que sugerem redução do custo desse produto
complementam iniciativas de liberalização no mercado internacional. Ela deve se
que se manifestaram a partir de 2018 completar com a discussão do uso dos
através de decisões de diversos órgãos gasodutos de escoamento, formas de
públicos especialmente na direção de acesso de grandes consumidores (“livres”)
promover a diversificação do controle ao gás sem desequilibrar as empresas

52Um exemplo desse alternativas seriam as plataformas cilíndricas com lastro mais pesado do que a água, conhecidas como SPAR, dentre as quais podem ser incluidas aquelas usando
tecnologia desenvolvida pelo escritório Horton. O estudo em Medeiros et al. (2019) prevê, no entanto o uso de turbinas aeronauticas acomodadas na própria FPSO.
53Um aspecto interessante a ser avaliado para o GTW é avaliar se o cabo submarino seria de uso exclusivo de um projeto ou se futuros projetos poderiam utilizar uma solução compartilhada.
Neste último caso, há potencial upside de compartilhamento de custos ou alocação dos custos entre usuários da Rede Básica. Um precedente foram as instalações de transmissão
compartilhada de geradores (ICG) - mecanismo utilizado no desenvolvimento de parques eólicos geograficamente próximos. No caso de uso exclusivo, todo CAPEX da linha seria
responsabilidade do investidor e a tarifa de transmissão (TUST) seria calculada na subestação onshore. No caso de compartilhamento, a TUST poderia ser calculada em uma subestação offshore.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 47

de distribuição, e outros mecanismos haveria amplo espaço para deslocar


que facilitem a queda do preço final do o óleo diesel no transporte, a preços
gás natural para uma ampla gama de próximos a essa faixa. O deslocamento
consumidores potenciais. A resolução de 25% do óleo diesel no transporte
dessas questões deve criar condições rodoviário pesado poderia gerar uma
para a busca da convergência do preço demanda adicional por gás natural
do gás natural para níveis que permitam equivalente a outros 9 Mtep/ano.
a expansão expressiva do seu consumo e Tanto no caso da indústria quanto no
diversificação dos seus usuários, trazendo transporte, o gás estaria deslocando
maior produtividade à economia e combustíveis fósseis mais poluentes,
viabilizando projetos de investimento de permitindo a redução das emissões
adequado retorno econômico e social. O de CO2 e de outros compostos nocivos
GNL, inclusive importado, também pode ao meio ambiente e à saúde do ser
concorrer para esse resultado. humano.

A análise das oportunidades para a A expansão da produção termelétrica,


expansão do uso do gás natural sugere por outro lado, tenderia a deslocar fontes
que ela não está restrita primariamente de energia renovável, podendo implicar
à geração termelétrica em terra, que substanciais emissões líquidas de CO2 e
enfrenta com alguma dificuldade a alterando consideravelmente a estrutura
concorrência das energias renováveis. O da matriz de geração elétrica do país. O
balanço energético da indústria brasileira papel da geração “na base” é deslocar a
sugere espaço para absorção de até 20 geração hidroelétrica para prestar serviços
Mtep por ano de gás natural na produção de flexibilidade. Há um preço do gás e
de cimento, cerâmica, aço, e fertilizantes e volume máximo de geração térmica
metanol no Brasil, ecoando achados nos com esta característica para permitir sua
estudos desenvolvidos por federações de integração econômica, obtidos nas
indústrias e pelo BNDES. Como termo análises realizadas. Caso o preço
de comparação para esse mercado, o do gás natural caisse para cerca de
consumo de uma termoelétrica de 500 US$4-5/MMBTU, entregues na térmica,
MW com eficiência de 40% é de cerca de poder-se-ia considerar, a titulo de
0,7 Mtep de gás natural por ano. Assim o referência e baseado em estudos de
potencial de absorção de gás natural do mercado sem considerar a precificação
setor industrial seria equivante ao de 14 GW de atributos ambientais, a inserção
adicionais de geração térmica na base. competitiva de cerca de 10 GW de potência
instalada “na base” até 2040. Neste caso,
Além do potencial aumento da demanda seriam queimados 14 Mtep/ano de gás
de gás natural pela indústria, caso natural nessa geração termelétrica, o que
seu preço baixasse para US$5-7/MMBTU corresponderia a mais de 20 MtCO2/ano
48 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

adicionais (2% das emissões de origem Isso corresponde a 16,5% do consumo final
fóssil no Brasil)54. de energia no Brasil, ou 116 MMm3/dia (o
dobro do consumo final de gás atual em
A geração termelétrica a gás offshore 2018). Em outras palavras, se o preço for
com a captura e sequestro de CO2 (GTW- reduzido a US$ 4-7/MMBTU (no cliente),
CCS) pela sua reinjeção nos reservatórios há oportunidades para o gás na indústria,
de petróleo ajudaria a resolver alguns transporte de cargas e geração elétrica,
desafios ambientais e regulatórios da inclusive com captura de carbono.
geração termelétrica. A geração GTW-
CCS economiza no custo de separação Por fim, as análises aqui realizadas
do CO2 do gás natural necessária para não incorporaram de forma explicita a
o escoamento por gasoduto de campos discussão sobre benefícios sociais – como
em que essa concentração é expressiva, aumento de empregos e renda – das
e auxilia a produção do petróleo onde alternativas analisadas.
o CO2 é injetado. Sendo de baixo
carbono, a geração com captura de CO2 Em suma, a nota traz indicações de que,
estará praticamente imune a eventuais com o auxílio de um quadro regulatório
impostos sobre emissões de GEE e que promova a concorrência e a
teria legitimidade para “gerar na base” transparência, a expectativa de duplicação
concorrendo com as fontes renováveis. do consumo total de gás natural pode
Além disso, haveria vantagens econômicas ser alcançada com eficiência econômica,
por a energia gerada offshore estar ambiental e retorno social permitindo:
sob regulação federal, aumentando
→ Destravar a produção e exportação de
a segurança jurídica do produtor e
contornando as incertezas da regulação petróleo em campos com gás natural
da distribuição do gás natural. Alguns associado sem a perda econômica
estudos já sugerem sua viabilidade desse gás, mediante o uso desse
econômica e a existência da tecnologia recurso em atividades lucrativas e com
necessária para sua adoção, abrindo uma retorno social significativo.
oportunidade de o Brasil desenvolver uma
→ Estimular a competitividade de várias
liderança nesse setor.
indústrias no Brasil pelo acesso a uma
A partir do consumo de energia ou energia mais limpa e barata, caso o custo
insumos determinados pela produção final do gás possa ser reduzido para a
atual e projetada em setores industriais, faixa de US$4-7 por MMBTU, facilitando
no transporte rodoviário e na geração também a futura adoção de tecnologias
termelétrica, é possível apresentar um que levem o Brasil na direção de uma
valor potencial de expansão da demanda economia de emissões liquidas de
anual por gás natural no Brasil para os carbono zero com protagonismo da
próximos 10 a 20 anos (Tabela 9). indústria e transportes. Além disso, seria

54Uma usina de 500 MW queima perto de 1 Gm3 de gás natural por ano, emitindo 2 MtCO2/ano.
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 49

possível reduzir a vulnerabilidade da → Aumentar a produtividade da rede de


agricultura brasileira pela produção de escoamento, transporte e distribuição
fertilizantes no país. de gás existente, abrindo seu uso
para novos carregadores, e
→ No médio prazo, reduzir eventual
desafogando-a pela geração
pressão para expandir o parque de
offshore, melhorando assim o
refinarias de petróleo no país, em um
retorno de eventuais investimentos
cenário, por exemplo, de transição da
na infraestrutura necessária para a
atual ociosidade para uma utilização
expansão do mercado de gás natural
mais intensa do parque atual. Isso
no Brasil.
teria como benefício a redução de
investimentos, cujo prazo para a → Estudar o aumento da oferta de
amortização deve cair pela perspectiva energia elétrica, evitando a emissão
da substituição dos combustíveis de 20 MtCO2/ano, através da geração
fósseis nas próximas décadas. Essa termelétrica offshore com captura de
economia seria alcançada sem que CO2, caso esta se mostre competitiva
as importações de diesel e gasolina economicamente contra as alternativas
disparem, em havendo o deslocamento existentes (renováveis). Essa captura
do diesel (e da gasolina) pelo gás se dará pela injeção desse CO2 nos
natural no setor de transporte reservatórios de petróleo, aumentando a
rodoviário. produtividade dos mesmos.

TABELA 9 | Potencial de expansão da demanda anual por gás natural em Mtep55.

Potencial do GN
Descrição
(Mtep/ano)

Completa substituição do coque de petróleo pelo gás natural e crescimento de 30-


Cimento 3,00
40% da produção de cimento
Crescimento em 2x da cerâmica branca e de revestimento, e deslocamento de 30% do
Cerâmica 2,00
consumo de lenha pelo GN
TABELA 9 | Potencial de expansão da demanda anual por gás natural em Mtep55.
Siderúrgica 9,00 Completa substituição de coque de carvão mineral por GN

Indústria Química 5,20 Novas plantas de fertilizantes e metanol

Transporte Rodoviário 9,00 Substituição de 25% do diesel utilizado em caminhões semi-pesados e pesados

Eletricidade 14,00 Expansão de geração termoelétrica com o gás do Pré-sal e o GNL importado

Oferta Interna Bruta 42,20 -

55Os números apresentados nessa tabela apenas indicam a ordem de grandeza do potencial de aumento do consumo de gás natural nos segmentos analisados.
50 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Referências:
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combustível no transporte de carga no Brasil: uma comparação
entre os efeitos estrutura e intensidade no uso final de energia
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Disponível em: https://abiquim-files.s3-us-west-2.amazonaws.
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(ANP), 2018. “A promoção da concorrência na indústria de gás
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Drielli Peyerl, Raquel Rocha Borges, Thiago Luis Felipe Brito,
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https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/
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EPE / MME, 2020 - “Plano Decenal de Expansão de Energia


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PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 51

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Firjan, 2019 - “Perspectivas do Gás Natural no Rio de Janeiro 2019-2020”

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Oddone, D., Finalmente um mercado de gás natural no Brasil, em O Novo Mercado de Gás, Caderno de Opinião, FGV Energia, Agosto
2019, https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/caderno_opiniao_-_agosto_-_web_versao_final.pdf

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Steelonthenet, 2020 - “Basic Oxygen Furnace Route Steelmaking Costs 2020”. Disponível em: https://www.steelonthenet.com/cost-
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TENNET, 2017 - “The Offshore grid in the Netherlands”. Disponível em: https://www.tennet.eu/fileadmin/user_upload/Our_Grid/
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U.S. Energy Information Administration (EIA), 2019 – Natural gas explained: Use of natural gas. Disponível em: https://www.eia.gov/
energyexplained/natural-gas/use-of-natural-gas.php

Valor econômico, 2019 - “Golar testa caminhão movido a GNL”. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/12/06/
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advances and future potentials”, Cement and Concrete Research, Volume 114, 2018, Pages 65-78. Disponível em: https://www.
sciencedirect.com/science/article/pii/S0008884616311425

World in Data, 2019 - “CO2 and Greenhouse Gas Emissions”. Disponível em: https://ourworldindata.org/co2-and-other-greenhouse-
gas-emissions
52 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

ANEXO I
O CONSUMO DO GÁS NATURAL
NOS EUA E NA UNIÃO
EUROPEIA

As principais diferenças no uso do GN


nos EUA e Europa em relação ao Brasil
são a grande participação do seu uso
em residências e prédios comerciais nos
meses frios e a pequena penetração
do gás natural veicular, mesmo com a
expansão do seu uso em caminhões em
anos recentes.

Nos EUA, o consumo de gás natural foi


de 850 Gm3 em 2018 (EIA, 2019), contra os
38 Gm3 no Brasil. Há alguma divergência
no exato uso em diversos setores, mas a
distribuição segundo a “EIA” é a seguinte:

→ 35% para geração elétrica

→ 33% para a indústria (32% das fontes


de calor), sendo 84 Gm3 para o setor
químico

→ 17% para residências, 12% para


instalações comerciais

→ 3% para transporte, aí incluindo a


energia para pressurizar os gasodutos.
O uso em veículos foi de 1,4 Gm3 em
2018 (0,16% do consumo total de GN).

→ Assim, a divisão seria grosso modo


1/3 para geração elétrica, outro para
indústria e outro para aquecimento
de ar e água comercial e residencial,
incluindo cocção (EIA, 2019).
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 53

Na Europa, a participação do transporte O aquecimento nas residências e áreas


também é mínima, e a da indústria comerciais na Europa correspondem
corresponde a 25% do total, sendo o a 38% do uso total, e outras formas de
consumo não energético da indústria aquecimento e geração elétrica a 34%
apenas 4% do consumo total (15,5% do total. Na indústria, setores como
do industrial). Os setores químico e Alimentação, Siderurgia e Papel e
petroquímico correspondem a 5% do Celulose também são proeminentes, a
consumo total de gás natural. exemplo do Brasil.

Figura 20 - Uso do Gás Natural nos EUA em 2018.

Transporte
3%
Comercial
12%

Geração Elétrica
35%

Residencial
17%

Industrial
33%

Geração Elétrica Industrial Residencial Comercial Transporte

Fonte: EIA, 2019.


54 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

Figura 21 - Uso do Gás Natural na União Europeia em 2018.

8,4% Siderurgia

Eletricidade Química e Petroquímica


18,9%
e Aquecimento
34,5%
Outros e Perdas 14,4% Minerais não-metálicos
1,6%
Indústria 7,1% Maquinaria
Transporte 25,1% 14,6% Alimentação e tabaco
0,9%
6,6% Papel e celulose

Residencial 15,5% Consumo não-energético


e Serviços
37,9% 14,5% Outros

Fonte: Elaboração própria com dados Eurostat (2018).


PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 55

Figura 22 - Comparação dos preços de gás natural para o consumidor industrial


(média para o 1º semestre/2018).

25,00
s/ impostos impostos
20,00
US$/MMBtu

15,00

10,00

5,00

0,00
Finlândia
Suêcia
Brasil
Grêcia
Dinamarca
Lituânia
Estônia
França
Áustria
Latívia
Irlanda
Holanda
Alemanha
EslovIênia
Eslováquia
Hungria
Espanha
Itália
República Tcheca
Polônia
Portugal
Croácia
Luxemburgo
Romênia
Reino Unido
Bélgica
Bulgária
Fonte: Seminário Novo Mercado de Gás Natural – EPE, 2019.

A importância do GN na indústria da Europa também se reflete no preço do produto


nesses mercados, que segundo a EPE só excede o preço típico no Brasil para o caso
da Finlândia.
56 PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL

ANEXO II
FUNCIONAMENTO
DOS MOTORES DUAL-FUEL

Motores a diesel podem ser adaptados


para funcionar com gás natural por
meio de pequenas modificações. Nesse
tipo de motor, o combustível e o ar são
comprimidos até que a temperatura
aumente o suficiente iniciar a combustão,
ao contrário dos motores a gasolina que
dependem de uma faísca para a ignição.
Ignição por compressão, como o processo
é chamado, não funciona bem com o
gás natural puro, pois é difícil controlar
o momento exato em que ocorreria a
combustão e há a possibilidade de o gás
natural explodir fora de sincronia e, assim,
danificar o motor. Em um motor dual-
fuel, o problema é resolvido por meio da
injeção de uma pequena quantidade de
diesel para desencadear a combustão no
momento apropriado.

A principal adição necessária para


converter um motor a diesel para um dual-
fuel é o sistema de injeção do gás natural,
que pode ser complementado, no caso do
GNL, por um trocador de calor para fazer a
vaporização do gás. Além disso, é essencial
alterar o tempo de combustão e a razão
entre as quantidades de ar e combustível.
Pesquisadores da GE também
desenvolveram um sistema de controle
que considera a carga sendo introduzida
no motor e a temperatura do ambiente
para ajustar a razão entre gás natural e
diesel. Isso pode ser útil, por exemplo, ao
PANORAMA E PERSPECTIVAS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL 57

passar por um túnel, pois o motor aquece A tecnologia tem certas desvantagens.
a níveis que podem dificultar o controle da A maioria dos motores dual-fuel só
combustão do gás natural. Nesse caso, o conseguem queimar no máximo 65% a
sistema da GE reduziria automaticamente 80% de gás natural. Contudo, a empresa
a quantidade de gás natural utilizada. Westport, baseada na universidade
British Columbia, desenvolveu motores
A tecnologia dual-fuel não é nova – ela foi que conseguem funcionar com até 95%
demonstrada na década de 1960. Contudo, de gás natural. Eles ainda precisam do
os recentes preços baixos de gás natural diesel para desencadear a combustão,
causaram um aumento da demanda e mas são otimizados para rodar com o gás.
fizeram com que produtores de motor Diferente dos outros motores dual-fuel,
ajustassem a tecnologia para atender aos este não funciona tão bem com o diesel
requerimentos de emissão e deslocar o puro e só pode ser utilizado com GNL.
máximo de diesel possível, mantendo a
Fonte: https://www.technologyreview.com/2013/10/08/176207/cleaner-
performance. long-haul-engines-guzzle-diesel-or-natural-gas/

TABELA 10 | Conversão de Unidades - Valores Típicos*


ANEXO III

Conversão de Unidades - Valores Típicos*

1 BCF (bilhão de pés cúbicos) 0,028 BCM (bilhões m3)


1 TCF (trilhão de pés cúbicos) 28,32 BCM (bilhões m3)
1 MMBTU 26,81 m3

1 Mtpa (milhão de toneladas por ano de GNL) = 3,60 milhões m3/dia de gás natural

1 m3 de GNL (líquido) 600,00 m3 de gás natural (gasoso)

1.000 MW 2,20 milhões de m3/dia

1.000 MW capacidade instalada (Ciclo Combinado) 4,50 milhões de m3/dia

1.000 MW capacidade instalada (Ciclo Aberto) 7,00 milhões de m3/dia

* Considerações:
Poder calorífico do gás natural: 9.400 kcal/m3.
GNL: Massa específica 456 kg/m3.
Consumos em Ciclo Aberto e em Ciclo Combinado: valores típicos de referência (variam de térmica para térmica).
O valor de referência do Ciclo Combinado representa uma eficiência de 48,8%, enquanto que do Ciclo Aberto 31,4%.

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