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7-32-EDITORIAL-STEFFEN.qxp 21-08-2007 2:36 Page 11 —p— O que significa o estudo A cif das reigies no é un fonsmeno de moda que recebe odireit de existir apenas ‘ent periodos propos aos fensimenos religioeos Sobretudo no que concemne a religig, existe um cruzamenta entre histéria fe modersidade que obrign seguir oestdo das religies com uma certacontinuidade. Tal como outros {fensenos socins, 1s formas contemporineas ‘da religiéo nao podem ser centenlidas sev ma retrospectiva historca das suas fontes secioligices ow antropoldgicas. Steffen Dix Inestigudor Associado Institut de Ciein Sos Universidade de ison das religides uma ciéncia monolitica ou interdisciplinar? no hablo ora de as vinas, que tienen por blanco every encanrna Ia alas lee qe a fn tans {fi come este nga vtro se le puede igual: hablo de Tas eras urs Dom QuioTe Tntrodugio A\te20s tiltimos anos do século XX, existirama nas socie dades ocidentais varias teorias diferentes de seculari- zagéo que previram um desaparecimento da religiao nas sociedades modernas. E mesmo hoje em dia existe, por vvezes, uma conviecao cientifica que remove o lugar da religido simplesmente para a esfera privada do indivi- duo. Desta maneira, a religido foi, e ainda & compreen- dida como um fenémeno anacrénico ou marginal que ja nao pode despertar muito interesse no quotidiano ou in- fluenciar a vida ptblica numa sociedade moderna. Porém, especialmente nos tempos mais actuais pode- ‘mos testemunhar nas sociedades moderas europeias ‘um certo reaparecimento das religides, ou pelo menos de alguns assuntos religiosos, Trata-se de um aconteci- ‘mento que despertou um espanto genuino ou até uma verdadeira surpresa para os partidarios da seculariza- sao. Hoje, & possivel encontrar, sobretudo no espectro dos mass media, frequentemente alguns “especialistas” em questoes religiosas que interpretam os importantes eventos religiosos pelo mundo fora. A religiao "voltou” de facto para a esfera piblica, e este ressurgimento [Revsva Lusorona De Citta Das REUCHOES~ Ano Vi, 2007 / 11-1131 tl 7-32-EDITORIAL-STEFFEN.qxp 21-08-2007 2:36 Page 12 —p— Srerren Dix provoca muitas vezes conclusdes precipiedas ¢ impacientes, tais como a discussio sobre um provavel “re-encantamento dot ahdo”. Com base numa terminologia com poucas variantes, discute-se um “regresso das religiées” no século XI’, e um obser- vador atento ¢ confrontado logo no principio com dois problemas cognitivos. Fm primeiro, a discussao sobre o tal “regresso” pode ser mal entendida se é acompanhada por uma intuico a partir da qual ja houve fases histéricas nas quais algumas partes da humanidade viveram num mundo inteiramente desencantado ou numa sociedade plenamente secularizada, Esta hipétese pode ser compreendida, pelo menos hoje em dia, como duvidosa (Krech, 2006: 97), tendo em conta a impossibilidade de encontrar uma sociedade onde a religiao tenha desaparecido completamente. Na esfera huma- nna, a religigo em si nunca desapareceu, mas sim “regressou” fortemente nos debates piiblicos e cientificos. Em segundo, nas observacbes e opinides dos tais “especialistas” em temas religiosos surge muitas vezes uma dificuldade semantica. Ou seja, a de saber qual a perspectiva da pessoa que fala sobre um assunto religioso ou sobre uma religido, Muitas vezes estamos confrontados com a conviceao a partir da qual uma re- ligiao apenas pode ser entendida correctamente pelos crentes da mesma, ou seja en- carada de uma perspectiva interior. Esta posicao pode ser legitima como concepgio teolégica ou perspectioa confessional, mas tem curiosamente a poténcia virtuf@3 im- pedir ou atrapalhar numa sociedade plural a discussao pablica sobre assult@d reli- giosos. Desta forma, tora-se problemético que um crente tenha muitas vezes con- ‘Viegdes empiricamente incompreensfveis para alguém que ndo partilha a mesma f6. Ou seja, estas convicgées contém elementos que néo podem ser abrangidos cientifica- mente. Como nao existe a possibilidade de discutir cientificamente pqzayemplo a exis- téncia de Deus ou da alma, poder-se-é falar aqui de um “agnostic sdol6gico” (Knoblauch, 1999: 14), Este ensaio tenta apresentar uma perspectioa exterior marcada por uma observacio comparativa e hist6rica dos fenémenos religiosos. O intuito principal ¢a demonstracao de una so imparcial que possibilita a comparacao sistemitica de varias religioes nos’ Seus contextos socials e histéricos. A base cognitiva desta forma de estudar cien- tificamente as religides 6 o reconhecimento de que a cultura e a sociedade sao factos piblicos, o que significa que uma religiéo nunca pode ser discutida ou analisada em piiblico, independentemente das suas origens culturais. Por outro lado, este reconhecimento nao é um fenémeno auténomo, mas sim 0 re- sultado da historia intelectual relativamente recente. A possibilidade de observar ou estudar a religiéo como um produto puramente cultural do homem surgiu no mundo ocidental apenas a partir da célebre Critioa da Rezo Pura (1781) de Immanuel Kant. Nesta obra “copernicana”, Kant descreveu pela primeira vez, através do seu transcen- dentalismo, 0 lugar que permite a observacao da religido a partir da perspectiva exte rior acima referida: ‘Annossa época 6a época da critica, qual tudo tem que submeter-se. A reli sido, pela sua santidade e a legislagio, pela sua rajestade, querem igualmente ste chamado “regresso das religites” & um fendmeno problemstico e polifcetade que nto pode ser discutido neste equeno ensaio, Porém, parece quea Europa continua a sera famosa “exception that proves the rule” (Davie, 1999 65) dentro de win mundo que serevela cada vez mals "de-seeularizado” (Berger, 1999-119), 1 [Revesta Losogowa oe CENA DAS RELIES 7-32-BDITORIAL-STEFFEN.gxp 21-08-2007 2:36 Page 13 —p— Eprroniaa:© Que sicNIca 0 EsTuDO AS RE subtrair-se a ela. Mas entio suscitam contra elas justificadas suspeitase nio podem aspirar ao sincero respeito, que a razéo s6 concede a quem [G3 sus- tentar o seu livre e piblico exame. (Kant, 2001 [1781]: 5) Por outras palavras, Kant explicow as tarefas da razéo ou do “conhecimento priori” dos objectos em semelhanca com a ideia principal de Copéico. Trata-se da im- possibilidade em avangar no entendimento “dos movimentos celestes enquanto admi- tia que toda a multidao de estrelas se movia em torno do espectador”. A pergunta de Kant é agora “se nao daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astrosimoveis.” (Ibid. 20), Esta dltima argumentacao podia ser parafraseada, A questao 6 saber se nao famos prosseguir na explicacdo de questées religiosas, enquanto néo admitimos que toda a multidao das questées religiosas se move em torno de nés. Talvez daria melhor resultado fazer-nos antes girar a nos proprios e deixar a religiao imével. Apenas admitindo este horizonte podemos posicionar a religido no seu con- texto cultural, e interpretar a mesma dentro das ciéncias culturais ou humanas. Isto é, com métodos da sociologia, antropologia, psicologia, historia ou até certo ponto da fenomenologia. Desta maneira, a religido ¢ compreendida mais como uma construcio cultural e humana do que uma revelagao divina. Estamos aqui confrontados com uma ciéncia da religido que se diferencia consciente e consequentemente da teologia ou das perspectivas interiores na observacio da religiao. Dentro desta separagao, surge sem davida uma excelente possibilidade de pronun- ciar consideragées independentes e “livres de valorizacées” (wertfrei) sobre o papel da religido numa sociedade humana, mas pode provocar também uma grande objeccao. Partindo desta perspectiva exterior, continuamos a estar completamente inaptos para eliminar uma contradigao dentro de estudo das religiées, A religido é um fenémeno que consegue, consriais ou menos sucesso, dar respostas para o grande enigma da astancia human A citncia da elgiso€iAeapaz endo tem a minima legitraidads de fazer declaracées se as respostas religiosas perante a posicao do homem no cosmo so verdadeiras ou falsas, nem pode decidii‘se a religido é, na moderna histéria hu- mana, um fenémeno transit6rio ou nag Isso significa principalmente a separacao entre a questao da verdade dentro da religido, e a andlise das estruturas simbélicas, ou das funcées sociais da religigo, como foi conceptualizado sistematicamente pela primeira vez por Max Weber e Emile Durkheim. Assim, a religido devia ser encarada Cientificamente como um produto da cultura humana; a tarefa da ciéncia da religiéo pode ser apenasa descricao ea descoberta dos fenémenos religiosos num determinado contexto cultural. Por outras palavras, a ciencia ou o estudo das religides nao pode ter, enem devia tentar ter acesso ao lado sobrenatural da religido, mas sim ao lado humano esocialdaféreligiosa. = SSS Ese ponto de vista pode parecer & primeira vista vio ou até banal, ea hipétese a partir da qual ex- iste uma ligagtoestelta entre a modernidade e a transformacto da paisagem religiosa ¢ cientiieamente correcta ou perfitamente “livre das valorizagoes". Porém,problemitico tora-se uma opinio (bastante ‘ounut especialmente até aos anos 6) ligada sobreiudoheranca do lamcinisme que defendeeste decid, fem geral a secularizagio, como urn progresso, Os fenémenos religios aesurnem agucaractersticas negatives ou sto compreendidos como “reaciondrioe” ou ligados&“supersigto™ Tudo sso podia set en tendido como teorias ant-eligiosas da seclarizacio. Contudo, estas posicoes esto ligadas principalmente ‘05 chamados “elements ofthe old paradigm” que foram brilhanternente refutados por Rodney Stark ¢ Roger Finke (2000: 27-42, Revs Lusorowa pe Cra nas RENCINS B 7-32-EDITORIAL-STEFFEN.qxp 21-08-2007 2:36 Page 14 —p— Srerren Dix Ulm panorama histérico do estudo das reli Crengas ¢ conviccies religiosas foram deste muito cedo objecto de questoes racionais. Os primeiros raciocinios ~ independentes de explicacdes divinas e acompa- nhados por considerasdes “sociol6gicas” - sobre a origer do cosmo encontram-se ja 1nos filésofos pré-socréticos e sobretudo nas perguntas da filosofia naturalista jénica (Dix, 2006: 13). Podemos observar durante o Renascimento uma outra vaga de grande interesse mio-teoligico por questées religiosas, nomeadamente em pensadores huma- nistas tais como Francois Rabelais, Thomas More ou Erasmus de Roterdao, ou nos chamados neo-platénicos tais como Georgios Gemistos Plethon, Marsilio Ficino ou Giovanni Pico della Mirandola, Todavia, 0s primeiros principios de um estudo siste- matico da religiéo revelam-se na histéria da filosofia (Kippenberg/Stuckrad, 2003 24.28), em Thomas Hobbes ou em Espinosa, e sobretudo na filosofia iluminista do século XVII Mas os pontos mais importantes de viragem para uma pesquisa cienti- fica dos fenémenos religiosos encontram-se particularmente em dois filésofos, cujas obras podem ser consideradas como a origem para a moderna filosofia de moral Assim, uma das primeiras grandes tentativas em falar sobre a religiao fora da teolo- giaesta presente na obra Natural History of Religion (1757) de David Hume. Com efeito, Hume foi influenciado especialmente por Francis Bacon e desenvolveu um empirismo racional exprimindo pela primeira vez uma critica forte perante a fundagao divina ou tica da religiao. Ao contemplar a relago causa/efeito, Hume chegou a primeira causa como origem de todas as coisas. Sendo esta origem ou esta primeira causa na perspectiva teol6gica um deus ou uma divindade, nao poderiam exist teoricamente actos maus e por conseguinte castigos. Por outras palavras, Hume pée em causa a origem divina ou ética da religido e estabelece uma diferenciagio entre duas pergun- tas, sendo esta uma das mais influentes viragens na forma de ver o fenémeno religiao. I prurcnenasonconfontos eons fepatasaie a fnaphoctina ten dentro da natureza humana {orien in Tuman nature. ‘Na resposta a segunda pergunta, SE ee ape me dekaoe atte sac de Dae esd sn da hannonin dl geen Delo conti Hae Srpunation ace patton conciteeigonensascren denne dar peceopanis C melon peri a vida quotidisna Ni sua pesquisa sobre os fontesantrepelopicas ogitas da rligito,¢ cada vee tras avblonteque wieligitove bascla name corte fraqueza irracional ena tendencia do homem em acreditar em poderes "inteligentes e “sobrenaturais” (Flume, 1998 [1757)). Os trabalhos filos6ficos de Hume foram igno- Tados em Inglaterra e cle foi durante muito tempo acusado de ser um pensador ateista ou materialista. Todavia, as ideias de [lume provocaram um pensamento inédito ‘muito longe da sua cidade natal de Edimburgo, ou seja na obra de um professor de filosofia em Konigsberg (hoje Kaliningrad, Russia). Partindo do cepticismo de Hume que apontou através da sua critica do racionalismo para a impossibilidade de ter um conhecimento puro, Immanuel Kant sublinhou a impossibilidade de demonstrar racionalmente a existéncia de Deus, aliberdade ow a imortalidade da alma, Por outro lado, nao existe também a possibilidade de negar racionalmente estas ideias, sendo as ‘mesmas uma questdo de fé ou de crenca. Porém, Kant reconhece que a moral humana no pode existir sem a fé na liberdade, a imortalidade da alma ou Deus. Neste sentido, cy [Revesta Losogowa oe CENA DAS RELIES 7-32-EDITORIAL-STEFFEN.qxp 21-08-2007 2:36 Page 15 —p— Eprroniaa:© Que sicNIca 0 EsTuDO AS RE a moral aparece cronologicamente antes da religiso, e esta explica apenas os deveres morais enquanto mandamentos de Deus. Isso significa concretamente que a religiao segue leis morais que jé existiam antes da mesma’. Para obedecer aos deveres morais, sera necessario tirar as consequéncias cerlas a partir dos virios ensaios religiosos. Assim, Kant denunciou no seu texto Die Religion innerhalb der Grenzen der blofien Ver- rmunft a tipica pratica religiosa como um “servico des padrecos” (Pfafendienst) ow ura “cultus spurius” (Kant, 2008 [1793/94}). Depois de Kant, no podemos mais falar racionalmente sobre os contetidos da religiao tais como a liberdade, a imortalidade da alma ou aexisténcia de Deus, pois temos agora a capacidade de questionar e pesquisar racionalmente a ética ou moral que uma religido defende. $6 a partir da raza0 filos6- fica podemos avaliar ou provar o valor ético de uma religiao particular. Kant chamou_ a atencio para o facto do tinico verdadeiro lugar de uma prova imparcial do contetido itico de uma religido poder ser apenas a universidade, provocando assim imediata- mente um conflito aberto com a teologia que considerou uma tal prova como compe- téncia exclusiva sua. Como consequéncia, o rei da Prussia Frederico Guilherme IL proibiu Kant de escrever mais sobre o assunto da religiao a partir da publicagao destes textos de 1793 e 94. Mas, mesmo para além desta proibicéo, com Kant nasceu defini- tivamente a capacidade e a necessidade de examninar ar o “ilostfica, ou sea atavés de méiodos aon ‘Como o desenvolvimento das capacidades linguisticas no século XVIII se encon- trava ainda muito pouco avancado, Kant e outros pensadores limitaram o seu interesse racional ou cientifico da religiao sobretudo ao cristianismo, Esta situagao mudou radi- calmente na segunda metade desse século, Assim, as traducées do orientalista francés Abraham Hyacinthe Anquetil-Duperron, cuja obra-prima Zend-Avesta, owvrage de Zoroastre sairia em 1771 em Paris, tiveram um impulso enorme para o futuro estudo das religioes. A traducéo do livro sagrado dos parses ou seja do Zoroastrismo foi acompanhada por varios comentsrios sobre as idcias teol6gicas, rituais e ceriménias religiosos, e consideragdes sobre 0s conceitos morais dos parses‘. Anquetil-Duperron, provocou com esta traducio e com a de algumas Upanixades (1801/02)', uma série notavel de decifragées de linguase textos até entdo desconhecidos, ecom isso uma ver- dadeira “oriental renaissance” (Kippenberg, 2002: 28). ‘Quase exactamente.cem anos depois da traducao da Zend-Avesta, 0 filélogo alemio Friedrich Max Maller iniciou, em 1875, uma coleccao dos mais importantes “ manuscritos rligiosos do Oriente. Esta colectanea intitulow-se Str Baath Eas juntou tradugées de textos hindufstas, budistas, muculmanos, chineses, do Jainismo e $e Poroastrisme «

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