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Algumas notas sobre Educação

em Triste Fim de Policarpo Quaresma


Some Notes on Education in Triste Fim de Policarpo Quaresma
Palavras-chave: Lima Barreto; Policarpo Quaresma; educação; conhecimento.
Keywords: Lima Barreto; Policarpo Quaresma; education; knowledge.

Mirela Teresinha Bandeira Silva Moraes


UFPEL

No famoso romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado pela primeira vez
em 1911, o escritor Lima Barreto cria um protagonista patriota, dotado de um
verdadeiro e puro amor pelo Brasil dos fins do século XIX. Na história, Policarpo
Quaresma quer mostrar a todos que o país possui tudo o que é necessário para o
pleno desenvolvimento e felicidade do povo. Recusa-se a aceitar a supervalorização
dos produtos estrangeiros em detrimento do que é originariamente nacional. Busca
em todos os aspectos enfatizar as riquezas naturais e culturais da pátria, desde a
diversidade mineral e vegetal advindas do solo fértil até as representações artístico-
-culturais que se esparramam pelo território brasileiro. A questão da educação envolve
toda a obra de Lima Barreto. Particularmente, em Triste fim de Policarpo Quaresma, o
escritor descreve um personagem autodidata, amante da leitura e do conhecimento
com um forte sentimento de brasilidade. A missão do protagonista, além de defender
a riqueza do patrimônio natural e cultural brasileiro, é mostrar ao leitor a importância
da leitura e do conhecimento. Não por acaso, o primeiro capítulo deste livro chama-se
A lição de violão. Nele, a descrição da sala com estantes cheias de livros pelas paredes
contrasta com a crítica de um personagem figurante que afirma não ver sentido em
uma pessoa sem formação precisar de livros enquanto ele mesmo, portador de um
título universitário, nunca os lia. Policarpo não dava ouvidos a essas conversas e
firme permanecia em seus propósitos de busca por sua formação. Refletindo sobre
as questões do convívio social e dos gostos e divertimentos dos brasileiros, sempre
instigado por sua curiosidade autodidata, investiga se há um gênero ou um instru-
mento musical que represente a musicalidade do povo. Após pesquisar e buscar
informações junto a historiadores e filósofos, conclui que o violão é o instrumento
que melhor representa tal musicalidade, e a modinha, o tipo de música que melhor
se adequa ao mesmo. Violão e modinha expressam a alegria e o romantismo que
caracterizam o povo brasileiro. Sem dúvida, a sonoridade da alma nacional exterio-
riza-se na voz do menestrel acompanhada ao violão, crê Policarpo Quaresma. Para
auxiliar o protagonista em sua missão de difundir as potencilidades do Brasil e fazer
com que os próprios brasileiros valorizem sua terra, o escritor utiliza um segundo

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personagem, o tocador de violão. Ricardo Coração dos Outros, professor nas artes
musicais, encarrega-se de ensinar ao Major as primeiras notas musicais nas cordas
do violão. Essa relação estreitar-se-á e, juntos, irão introduzir o violão e a modinha
nos círculos sociais aos quais têm acesso. A ideia é difundir a modinha e desfazer o
preconceito contra o instrumento e seu tocador. Na prática, o Major Policarpo pouco
conseguia aprender como dedilhar nesse instrumento, ficando mesmo por conta de
seu professor e amigo alegrar as festas das famílias da classe média carioca com suas
canções de autoria própria e sua voz de trovador cancioneiro. Pela boca dos perso-
nagens, Lima Barreto mostra as peculiaridades do tipo de verso composto para o
violão, que diferente do tradicional parnasiano precisava ser conjugado com a canção.
Assim, Lima Barreto ensinava seu público leitor a estimar um instrumento musical
que hoje é bastante popular, mas que no começo do século XX estava envolto numa
atmosfera de muito preconceito. Outros aspectos sobre educação perpassam essa
obra, como a diferença entre o verdadeiro conhecimento e o verniz social atribuído
pelo porte de um título. Através da personagem Olga, afilhada do Major Policarpo,
o escritor expõe a diferença entre a capacidade intelectual da jovem, educada para
casar e a de seu marido cujo título de doutor garante-lhe privilégios, mas não encobre
sua mediocridade. Inteligente, a moça logo percebe que o marido nada tem além da
maquiagem de doutor que, intelectualmente limitado e preguiçoso, deseja apenas
reconhecimento social. Nesse sentido, a crítica mordaz de Lima Barreto ao saber
superficial admitido socialmente e até apreciado em certos círculos ia de encontro
aos interesses de muitos de seus contemporâneos justamente porque, de alguma
forma, identificavam-se com o cenário apresentado pelo autor.

Referências
BARBOSA, F. A. A vida de Lima Barreto. 11. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. 23. ed. São Paulo: Ática, 2002.
SCHWARCZ, L. M. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

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