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Conservar ou revolucionar?
Em 1986, o cantor Guilherme Arantes fazia muito sucesso com um disco recém
lançado. Uma das músicas era “Cheia de Charme” que, em essência, era apenas uma música
romântica. Mas um dos versos diz: “cheia de charme, um desejo enorme de revolucionar”.
Lembro-me de ter perguntado a um amigo mais velho, enquanto ouvíamos a música no rádio,
o que, afinal, ele queria revolucionar. Meu amigo respondeu, sem nenhuma convicção, que
era “revolucionar tudo, ora bolas”.
A conversa parou por aí, mas meu inquieto coração adolescente, que também tinha a
mania de se achar revolucionário, percebeu que havia algo de profundamente errado nesse
desejo. Só muito tempo depois fui começar a compreender melhor esse espírito
revolucionário, que os jovens cultivavam esteticamente, através da música e do cinema, mas
não conseguiam entender sua dinâmica, seu significado e o jogo de interesse que trazia oculto.
Conheci as raízes dessa mentalidade no pensamento moderno, na sua luta contra as tradições
cristãs da Europa.
Como estudante, sempre fui um tanto fustigado a gostar mais do que era
revolucionário. Embora preferisse Gonçalves Dias e Olavo Bilac, Da Vinci e Rafael, a escola
sempre me fustigava a engrandecer a tal “Semana de Arte Moderna”, de 1922. A revolução
francesa sempre foi pintada com ares de grande acontecimento e evolução para a humanidade.
John Lennon e Che Guevara eram os ídolos da época e eu me afeiçoava a eles, de maneira
acrítica, no afã de não parecer retrógrado e conservador.
Rememoro essas coisas para falar, mais uma vez, de Roger Scruton, o filósofo
britânico falecido no início deste mês, e que se notabilizou por contestar, com argumentação
brilhante e grande classe, esse espírito revolucionário. Scruton despertou para a necessidade
de conservar os fundamentos da cultura quando viu os jovens franceses na sua revolta de
1968, que desencadeou um frenesi revolucionário na juventude do mundo inteiro. Scruton
percebeu o vazio e a falta de sentido daquele processo. Outro filósofo, o francês Michel
Foucault, professor em Paris à época, incentivava seus jovens alunos a entrarem na trilha
revolucionária, a usarem droga e fazerem sexo à vontade, na sanha revolucionária que deveria
romper os padrões da sociedade tradicional.
Pois bem, Foucault é o filósofo mais aclamado do mundo contemporâneo. O único
que, segundo me disse um editor de livros de filosofia, tem seus livros vendidos como pão
quente. Scruton, por sua vez, talvez só esteja sendo conhecido para muita gente depois que
morreu, e que muitos jornais estão escrevendo sobre ele. E isso mostra como a mentalidade
revolucionária ganhou corpo, e hoje se deleita em debochar do sagrado, de propagar os
instintos e a degradação como arte e de fazer avançar projetos de lei para instituírem o aborto,
o incesto e a poligamia na legislação nacional.
Precisamos de mais Scruton e menos Foucault. Precisamos conservar os valores que
fizeram de nós uma civilização. A revolução pela revolução nos levou à beira do precipício. E
como disse alguém, diante de um precipício, a única maneira de avançar é dando um passo
para trás. É tempo de preservar, cultivar e conservar o que temos de melhor. Essa onde de
rebeldes sem causa já se tornou insuportavelmente chata.
O circo da OMS