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- Arquimedes Edições
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Morfit, Aline C. Abreu, Luciane Nascimento, Adriana
F. Pereira, Carla Lima, Rogério Lima, Marcelo Radar,
Paulo Roberto de Abreu, Ana Lucia Pontes, Camila
Agradecimentos F. Borges, Cláudia Trindade, Adão Ferreira, Carolina
S. Motta, Renata Pella, Caroline Martins, Monique
Alves Padilha, Swhellen de Paula Vieira, Antônio
Carlos de Lima, Juliana Gago Lima, Breno P. Câmara,
Orlando Ferreira Leal, Luiza da Silva, Carine Batista,
Geisa Cristina, Carol Andrade, Carlos Roberto, Thaísa
Goiaba, Weslles da S. Moreira, Mariana J. Martins, Yan
Brito, Ricardo Castanho Lessa, Jailton Marques Farias,
O Diagnóstico Sócio-comunitário é um José Guilherme dos Santos, Marisa do Nascimento,
trabalho feito a muitas mãos. Luiz Carlos Matos, Cláudia de Araújo, Fabio da Silva,
Paulo César Avelino, Ricardo Moura, Roberto F. Júnior,
Queremos aqui agradecer o apoio da União Européia, Michelle F. de Melo, Amanda Avanci, Larissa Viana,
que possibilitou seu desenvolvimento e publicação. Ariane Araújo, Viviane S. de Araújo, Carla Fagundes,
Queremos também agradecer a cada um e cada uma Leiliane Reis, Yonne Santos, Juliana Coutinho, Livian
que, de várias formas, se envolveram e contribuíram Monteiro, Wesley Silva, Danielle das Graças, Andressa,
com sua realização: Alan B. Pinheiro, Edson Gomes, Daniel Soares, Cleber da Silva, Renato Oliveira Lima,
David da Silva das Graças, Mário Band”s, Sadraque Severina Avelino de Araújo, Manoel Fernando Rocha,
Santos de Souza, George Cleber dos Santos (Binho), Monica Barbosa, Maria de Fátima Lourenço, Ana Lúcia
Samuca, Alexandre Pessoa, Leonardo de Jesus, Gleide da Silva, Espedita, Djanira Paula Souza, Sílvia Gabriela
Guimarães Alentejo, Elizabeth Campos, Michelle S. da Silva, Maria José de Andrade, Marlene Carneiro de
de Oliveira, Leonardo Brasil Bueno, Rachel Barros de Oliveira, Carla Moura Lima, Elenice Barbosa, Nivalda
Oliveira, Maycom Brum, Fernando Luis Monteiro Maria, Thiago Batista Guimarães, Thamires da Silva
Soares, Jeferson Alves da Silva, Nathália Marcelino Ribeiro, Willian A. Vieira, Mariana Alves de Oliveira,
Custódio, Daniele de Oliveira, André Luiz Deodoro da Gabriela Ribeiro Neto, Wendel da Silva, Wilkison
Conceição, Débora Helena Guerra Targino, Grasiela Rodrigues, Adão de Souza, Igor da Silva Ribeiro,
Araújo de Oliveira, Daniele Marques de Mesquita, Fernanda Larissa da Silva, Ilanna Rangel, Cristiano
Robson de Oliveira, Flávia Santana da Silva, Fagner Moura, Joel Pereira, Vanessa Coelho Moreira, Dinayara
Quaresma Santos, Alexandre Brum Santos, Leandro Honorato, Paula Raíza Correa, Wesley Vinícios da Costa,
Silva dos Santos, Jonata Pereira Carvalho, Andressa Rafael Oliveira da Silva, Elizabete Cesário, Daniele
Gonçalves de Souza, Thiago dos Santos Borges, Vieira, Monique Maciel Costa, Edson Cardoso Silva,
Teodósia Whitney Mateus Manuel, Bianca Elisa Barreto Kamila Gomes, Adrielly T. Santos, Ana Maria Cardoso
da Silva, Sara Barbosa, Carmem dos Santos Camerino, Vianna, Daniel de Carvalho Soares, Solange Alves da
Lílian Pereira Meireles dos Santos Lopes, Alexandre do Silva, Gustavo Anacleto Paixão, Douglas P. Rêgo, Pedro
S. Pereira, Aline de Barros Santiago, Perla C. Soares, Ananias Ramos, Otávio de Oliveira, Marcos Vinícios de
Luan O. da Silva, Washington S. dos Santos, Gabriel N. Araújo, Edmar de Farias Alves, Maria Auxiliadora Lino
Carvalho, Jair Brito Ribeiro, Alana de Oliveira da Silva, Freire, Felipe de Oliveira Dutel, Gelzio Ribeiro Neto,
Mariana A. de Oliveira, Willian A. Vieira, Paula Raíza Rodrigo da Silva Vidal, Adriana Brum Pinheiro, Mario
Correa R. de Oliveira, Lúcia Helena da Silva, Fabrício Jorge da Silva, Kelli Rosali da Silva, Cleber Daltro da
Ribeiro de Oliveira, Ana Carolina Andrade, Marianna Silva, Maríllia Custodio de Oliveira, Rodrigo Pereira dos
de Jesus Martins, Daiana da Silva Salomão, Flávia de F. Santos, João Pedro Lopes, Sarah Guimarães Alentejo,
Ramos, Mário Augusto Marquês Galvão, Camila Barbo- Elaine Rosa Ribeiro, Carla Cristina de Souza, Andréia
sa de Lima, Willy Cavalcanti, Consuelo Nascimento, Rilvan Rosa Ribeiro, Noelle Coelho Resende, Maria Elena
Fernandes Trugino, August Leopoldo Meneses, Sara Pin- Rodriguez, Rulian Emmerick, Leonardo Paulistano, Ana
heiro de Campos, Hellen Pinheiro de Campos, Renato Carolina Ferraz Correa, Neftali G. Copello, Ana Paula
Oliveira Lima, Larissa Fina Pinheiro Pacheco, Jane Ma- de Oliveira Sciammarella e Diego Striano.
ria da Silva Camilo, João Batista Araújo- Babá, Simon
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Reconhecer a situação em que se vive é fundamental
para começar a reivindicar seus direitos. A esse proces-
so de (re) conhecimento a partir do território, damos o
nome de diagnóstico sócio-comunitário e entendemos
que a construção de um diagnóstico como esse deve
ser pensada como um instrumento de ação política.
Pode-se comparar o diagnóstico a uma fotografia que
Complexo do Alemão, Manguinhos e retrata as características, recursos, necessidades e
potencialidades locais. Por meio desse diagnóstico
Vila Aliança podemos visualizar como cada direito está sendo ou
não garantido e estabelecer prioridades de incidência.
O diagnóstico sócio-comunitário, como ação política,
é um instrumento de transformação social local, que
possibilita o compartilhamento de visões sobre a reali-
O projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos, financia- dade cotidiana e a produção de consensos a partir da
do pela União Européia, resulta do esforço para fomen- reflexão coletiva.
tar uma cultura de direitos e fortalecer ações propostas Assim, o diagnóstico sócio-comunitário é um impor-
pela juventude nas favelas do Rio de Janeiro. As principais tante instrumento de autoaprendizado e de transfor-
metas do projeto são: reconhecer a situação de acesso à mação da realidade, a partir de uma posição construtiva
justiça nesses territórios favelizados e promover formas e propositiva. Essa ferramenta possibilita a análise dos
efetivas de defesa dos direitos humanos, através do forta- problemas locais, tendo como questões norteadoras
lecimento da ação de organizações juvenis. causas estruturais e suas relações com a macropolítica.
Fortalecer a atuação de grupos juvenis nos territórios O diagnóstico sócio-comunitário, elaborado de manei-
possibilitou a identificação de seus problemas mais ra participativa, nos possibilita construir relações soci-
emergenciais de maneira qualificada e, dessa forma, ais e recriar ou potencializar redes.
construir ações de exigibilidade de direitos efetivas. Para se elaborar esse diagnóstico sócio-comunitário,
A promoção de uma cultura de direitos fortalece estas foi fundamental planejar a sua construção. Como se
ações, na medida em que contribui para a organização trata de uma produção coletiva, tivemos especial aten-
da luta dos movimentos populares e instituições da so- ção ao momento de pactuação sobre o que interessa
ciedade civil no combate as desigualdades, a pobreza e saber sobre o território, qual o foco e o objetivo da
a discriminação. pesquisa. Foi o momento de decidir quais os dados e
O projeto trabalhou com três organizações locais: Raízes em informações seriam relevantes, as formas de coleta,
Movimento, do Complexo do Alemão; Laboratório de Direitos análise e sistematização, os prazos e os responsáveis
Humanos de Manguinhos / RedeCCAP, de Manguinhos e Centro pela pesquisa. Elaborar um diagnóstico, no entanto,
Cultural A História Que Eu Conto: CCHC, de Vila Aliança. Dentre é uma tarefa complexa e que se estende no tempo,
suas atividades, a construção de metodologias que promovem a portanto, houve determinadas situações em que esse
defesa de direitos e a incidência em políticas públicas nos três ter- planejamento teve que ser revisto.
ritórios é central. No caso do projeto Acesso à Justiça e Cultura de Di-
Os eixos de desenvolvimento do projeto são: reitos, o foco do diagnóstico foi identificar a presença
01. Formação de jovens promotores populares de di- de políticas públicas no local, ou seja, verificar em que
reitos; 02. Estruturação e fortalecimento de organiza- medida e de que forma os direitos estavam (ou não)
ções juvenis de favelas; 03. Construção de Diagnóstico sendo garantidos pelo Estado em cada uma das favelas
Sócio-comunitário; 04. Desenvolvimento de Plano de em que o projeto se desenvolveu.
Ação de Exigibilidade de Direitos; e 05. Promoção de Definidos os critérios da pesquisa, o passo seguinte
cultura de direitos humanos (sensibilização, multiplica- foi o levantamento de informações e estatísticas. Essa
ção e mobilização). pesquisa foi feita nas bases públicas de dados, como
Estes eixos foram desenvolvidos em conjunto, de for- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e
ma integrada e não-linear, objetivando a construção de Instituto Pereira Passos (Prefeitura do Rio de Janeiro),
uma meta específica: a exigibilidade de direitos nestas que possuem levantamentos específicos sobre favelas.
localidades.
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Também coletamos informações através de entrevistas
com representantes de organismos públicos em distin- A produção deste diagnóstico focalizou a consciên-
tos níveis (bairros, município e estado), a fim de se tra-
çar um quadro ou perfil inicial dos territórios. cia dos jovens para um olhar apurado sobre as vio-
Para além da caracterização socioeconômica, o levanta- lações de direitos, o contexto no qual as mesmas
mento teve a finalidade de conhecer em profundidade
as políticas públicas existentes no local, o desenvolvi-
são produzidas, e as formas de acesso à justiça nos
mento e a execução dos programas e das estratégias territórios.
de intervenção, analisar suas forças e debilidades, mo-
dalidades de abordagem, níveis de gestão associados
ao Estado e à sociedade civil. Por outro lado, a apro-
priação dessas informações nos permitiu fortalecer ou
gerar alianças com atores chave na proteção e defesa cialmente significativa, pois foi o momento em que a
dos direitos. pesquisa se converteu em um instrumento político de
O diagnóstico sócio-comunitário agrega não somente ação. A leitura crítica e a reflexão sobre esses dados
dados estatísticos, mas, principalmente, as percepções nos apontou caminhos para as ações de exigibilidade
dos próprios moradores das favelas. Essas impressões de direito.
subjetivas e outras informações não constantes dos A elaboração e redação de um diagnóstico pelos
cadastros oficiais foram coletadas por meio de grupos próprios moradores do Complexo do Alemão, Man-
focais ou grupos de debate. Esses grupos são encon- guinhos e Vila Aliança está centrada na idéia da
tros informais de diálogo com os moradores em geral, produção de informações a partir de um processo
com o objetivo de levantar dados e informações que crítico, emancipatório e capaz de retratar com fi-
complementam a construção do diagnóstico. Tam- delidade os problemas e as potencialidades de cada
bém foram realizadas entrevistas, mas dessa vez com território. Isto significa que o conhecimento sobre
atores-chave locais que puderam ajudar a reconstruir a realidade se constrói coletivamente pelas pessoas
a história dos territórios a partir de suas próprias ex- que ali habitam.
periências e memórias. Assim, no final do processo, temos a descrição da reali-
É importante lembrar que, além dos dados oficiais e dade contada por aqueles que a vivem, sofrem, desfru-
das percepções dos moradores, nos utilizamos tam- tam e a transformam.
bém, de outras fontes de informações. As notícias de Com o diagnóstico procuramos ir além da simples co-
jornais, revistas ou de sites especializados são uma boa leta de informações pontuais para passar ao questio-
fonte complementar de informações, especialmente namento do contexto de maneira coletiva, entender
por sua atualização constante. Estamos nos referindo os problemas que a realidade apresenta e, sobretudo,
aqui tanto aos jornais de grande circulação, quanto, e transformá-la. Este movimento produz o seu sentido
especialmente, aos meios de comunicação comunitári- político. Longe de ser uma ferramenta passiva de
os, que são uma fonte privilegiada. descrição da realidade de cada território, concebe-
Reunida essa grande diversidade de informações e da- mos o diagnóstico como uma ação política que leva
dos, foi necessário sistematizá-los e analisá-los. Nessa à mudança, a partir do reconhecimento dos temas
etapa, confrontamos as informações pesquisadas nas e questões que precisam ser debatidos e problema-
bases de dados oficiais com as coletadas a partir das tizados, e da produção, pelos atores locais, de práti-
percepções dos moradores, e organizamos todos os cas transformadoras no próprio território.
dados levantados segundo critérios temáticos e cro- A produção deste diagnóstico focalizou a consciência
nológicos. Foi um verdadeiro esforço de compreensão dos jovens para um olhar apurado sobre as violações
da história a partir de fragmentos de dados, notícias, de direitos, o contexto no qual as mesmas são produ-
imagens, e demais fontes. Essa análise foi fundamental zidas, e as formas de acesso à justiça nos territórios.
para que as informações ganhassem um sentido a par- Objetivou-se a instrumentalização das organizações ju-
tir dos conhecimentos e da cultura do local. venis para a criação de canais de diálogo e acesso às
Todos os passos para a elaboração do diagnóstico foram instituições públicas competentes, enfatizando-se o
importantes, mas a análise das informações foi espe- resgate do olhar dos jovens como sujeitos de mudança.
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Neste sentido, a publicação deste Diagnóstico Sócio- Elementos metodológicos
comunitário é a concretização de um trabalho de pes-
quisa, de produção compartilhada de conhecimentos e No diagnóstico sócio-comunitário, diferente do en-
de elaboração de ações estratégicas para resolução dos foque tradicional, quem dirige o desenvolvimento da
problemas e promoção das potencialidades encontra- pesquisação é a comunidade e não um grupo de espe-
das em cada território. cialistas. São os moradores que orientam o processo de
transformação social, a partir de suas percepções e das
informações recolhidas.
A juventude está entre os grupos que mais sofrem viola- O diagnóstico sócio-comunitário não é um simples
ções sistemáticas de direitos. Quando discutimos sobre formulário de registro das problemáticas e potenciali-
violência, os jovens estão no topo das estatísticas de dades da comunidade, mas a construção coletiva de
morte violenta; quando falamos em educação, são eles conhecimento, a partir do e no território. Esse pro-
que encontram maiores dificuldades para dar continui- cesso exige conhecer a história, os grupos e os atores
dade a sua formação escolar. São também aqueles que locais – seus interesses e visões - e a realidade nacional
mais possuem dificuldades para ingressar no mercado na qual esta está inserida, considerando suas diversas
de trabalho. Se juntarmos a este quadro as determina- contradições e conjunturas.
ções espaciais, concluímos que os jovens moradores de O diagnóstico sócio-comunitário, muito além de apre-
favelas são os que estão preferencialmente sujeitos a sentar e analisar dados locais, tem o objetivo primor-
violações de direitos. Por este motivo, ampliar o acesso dial de propor formas de transformação social. Pro-
desse segmento à esfera pública torna-se estratégico duzido em permanente diálogo entre os atores locais,
dentro da perspectiva de promoção de direitos. deve promover a identificação e o compromisso com as
questões e o contexto em que está inserido. Deve ser,
Alguns Dados: muito mais que um diagnóstico tradicional, um proces-
so em movimento, deve convidar, permanentemente à
- 81 mil adolescentes brasileiros de 15 a 19 anos mobilização e à ação.
foram assassinados entre 1998 e 2008, de acordo Assim, o diagnóstico sócio-comunitário além de per-
com relatório da Unicef. Segundo o texto, o Brasil ocu- mitir conhecer as questões locais e os recursos dis-
pa o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios ponibilizados para as políticas sociais, deve ser parte
de jovens. de um processo de transformação do território. Esta
transformação pode se dar a partir da simples revisão e
- Dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Do- contestação de um censo demográfico, até a discussão
micílio (Pnad) para o ano de 2009 mostram que e participação na elaboração de propostas concretas
cerca de 05 milhões de jovens com idade entre 15 e de exigibilidade de direitos.
17 anos não está matriculada para cursar o ensino Portanto, considerando o diagnóstico sócio-comuni-
médio (etapa da escolarização que corresponde a tário como um instrumento político de transforma-
esta faixa etária). ção local, a metodologia adotada para sua construção
partiu do princípio da produção compartilhada e
- Ainda de acordo com a Pnad de 2009, a taxa de participativa de saberes. Além dos grupos de jovens,
desemprego no Brasil entre os jovens de 16 a 24 objetivou-se o envolvimento do maior número de pes-
anos chegou a 42,2%. Segundo o relatório “Crise soas nas discussões, na coleta de histórias, percepções,
de Trabalho para Jovens”, da Organização Interna- problemas e conflitos. Assim o diagnóstico, através da
cional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego ju- aplicação de distintas ferramentas e formas de coleta
venil atingiu seu maior nível desde 2007: dos 620 de informações, reflete um processo dialógico de per-
milhões de jovens entre 15 e 24 anos, 81 milhões manente construção e reflexão coletiva.
estavam desempregados no final de 2009. Na etapa inicial, foi construído um roteiro que norteou
a identificação das diferentes políticas públicas presen-
tes nos territórios e a problematização sobre a efetivi-
dade dessas políticas.
A segunda atividade desenvolvida compreendeu o le-
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vantamento e a coleta de dados e informações já pro- dadãos do Complexo do Alemão, como espaço de diálogo e
duzidas sobre as localidades em outras pesquisas, estu- articulação com as esferas governamentais, de fomento de
dos acadêmicos, materiais institucionais, formativos e ações, projetos e pesquisas, se apropriou e utilizou os da-
informativos, das mais variadas fontes. dos produzidos no âmbito do projeto para propor ações de
A terceira etapa, que constituiu a formulação do exigibilidade junto ao poder público e debater o processo
diagnóstico, foi a realização de grupos focais ou gru- de luta por direitos com a população local.
pos de debate com os principais segmentos e grupos Podemos citar algumas ações concretas de exigibilidade
de cada localidade, para produção de dados qualita- que resultaram da produção do diagnóstico: processo
tivos de pesquisa. O objetivo foi recolher a impressão de gestão compartilhada de conflitos ligados ao direito
dos próprios moradores como atores centrais para a à moradia e relacionados com as obras do Programa
construção da pesquisa e fonte de informação na de Aceleração do Crescimento - PAC-Alemão; mobiliza-
elaboração do diagnóstico. ção e discussão em torno do direito ao meio ambiente,
A partir do reconhecimento dos moradores como concretizada em nota pública das instituições comuni-
construtores dos dados, o processo de debate dos gru- tárias atuantes no bairro do Complexo do Alemão.
pos focais foi desdobrado em duas formas de ação: (1) a A nota, produzida durante o processo de ocupação
reapresentação à comunidade, e a reflexão crítica sobre militar em dezembro de 2010, destacou que, para além
os principais resultados dos grupos focais e do levan- de uma política de segurança pública repressiva, existe
tamento de dados oficiais. Com esse intuito foram re- a necessidade de implantar uma agenda que agregue
alizados círculos de leitura crítica, onde se reuniam pe- as diversas áreas relacionadas aos direitos sociais, com
riodicamente as equipes de jovens e técnicos de cada ênfase nas agendas sócio-ambiental e cultural.
localidade; (2) Este processo funcionou como caminho Em Manguinhos, a construção do diagnóstico pro-
para a eleição de temas-geradores a serem priorizados moveu a realização de consulta pública para o Pro-
nas ações de exigibilidade de direitos. Em cada reunião, grama Estadual de Educação Ambiental do Rio de Janei-
a partir da vivência comunitária, eram discutidas as ro; a construção participativa da proposta de Educação
possibilidades de ação e de construção de estratégias Profissionalizante de Jovens e Adultos (Proeja) para a
de intervenção para o enfrentamento da situação di- formação de Técnico de Meio Ambiente e de especializa-
agnosticada. ção (pós-ensino médio) em gestão social territorializada
Dessa forma, com a ampliação da metodologia da pesqui- (junto a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/
sa, considerando o processo de pesquisação e a participa- Fiocruz); a participação em audiências públicas; e a realiza-
ção contínua dos atores locais, foram discutidos os planos ção de conferências livres (segurança pública – 2009; saúde
de ação de exigibilidade junto aos grupos e movimen- ambiental – 2009; cultura - 2008).
tos sociais. Esse processo contínuo de participação pro- Em Vila Aliança, elaborar o diagnóstico foi um im-
moveu, também, a reflexão sobre a atuação dos grupos portante momento para os jovens conhecerem a sua
juvenis na permanente construção e promoção de uma história, as dificuldades e as principais bandeiras de
cultura de direitos nos territórios. luta de seu local de moradia.
Por fim, a metodologia proposta utilizou fotos e notícias Todas as experiências do projeto demonstraram que a
de jornais como fonte de dados importantes. elaboração de um diagnóstico pode gerar processos de
A partir das diretrizes metodológicas comuns que orienta- formação e ativismo extremamente frutíferos e diversifi-
ram o projeto, em cada um dos locais onde foi desenvolvi- cados. Por este motivo, consideramos que o diagnóstico
do, considerando suas particularidades e especificidades, sócio-comunitário, onde a informação é gerada e construí-
a produção do diagnóstico sócio-comunitário gerou um da através da reflexão coletiva, é um importante instrumen-
processo diferenciado de atividades de pesquisa, análise to de autoaprendizado e de empoderamento dos sujeitos
e mobilização. Este dado é importante, pois mostra a plu- nas lutas comunitárias. É um instrumento dinâmico e, por
ralidade de ações que podem ser desenvolvidas como es- isso, em permanente construção.
tratégias para exigibilidade e direitos. Constitui-se em um processo de produção de conheci-
No Complexo do Alemão, a produção do diagnóstico instru- mento nas favelas, considerando sempre e de forma cen-
mentalizou a luta do movimento social local. O Comitê de tral, seus problemas e potencialidades específicos.
Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia (CDLSM) , A sistematização do diagnóstico pretendia, inicial-
organismo formado por instituições da sociedade civil e ci- mente, seguir os mesmos indicadores de conteúdo,
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permitindo a realização de comparações qualitativas
entre as localiades. Este objetivo, no entanto, nem
sempre foi alcançado, devido às diferenças e particu-
laridades das informações coletadas e das dinâmicas
específicas dos jovens encarregados de impulsionar
esta atividade.
O mais importante e significativo foi o processo inicia-
do, a ampla articulação, mobilização e participação co-
munitária e o desafio lançado para todos: é necessário
nos conhecermos para pensarmos formas de transfor-
mação da realidade.
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de seus representantes como é o caso de Ramos e
Bonsucesso.
A ocupação da serra da Misericórdia remonta ao iní-
cio do século XIX, tendo como proprietário o Sr. Fran-
cisco José Ferreira Rego. A partir da segunda metade
do século XIX, com a passagem da Estrada de Ferro da
Instituto Raízes em Movimento Central do Brasil, inaugurada em 1858, abriram-se novas
perspectivas de desenvolvimento para a região, levan-
Equipe local de elaboração: do alguns proprietários de terra a realizar loteamentos
Daniele Marques de Mesquita e Maycom Brum em suas propriedades. A estrada de ferro assumia, em
toda a zona norte da cidade, papel principal de indutor
de ocupação.
Nessa ocasião, enquanto as classes de maior poder
Complexo do Alemão: aquisitivo se transferiam para a zona sul, a região subur-
passado e presente bana da cidade passou a ser loteada em suas áreas agrí-
colas, incentivados pelo poder público, visando atrair
moradores de baixa renda, favorecidos pela facilidade
O Complexo do Alemão é atualmente um bairro do transporte ferroviário. O custo diário das passagens
localizado na zona norte do Rio de Janeiro, com popu- impedia, no entanto, a transferência dos grupos de mais
lação estimada entre 150.000 e 200.000 pessoas, como baixa renda para os subúrbios, levando ao surgimento
designa a 29ª Região administrativa e faz parte da área de favelas nos morros mais próximos ao centro.
de planejamento – AP 3 da Cidade do Rio de Janeiro (Lei Um grande lote dessa área era de propriedade do Sr.
Complementar 2.055/93 - criação e delimitação de RA e Leonard Kacsmarkiewiez, polonês fugido da Primeira
bairros), composto por doze favelas distintas. São elas: Guerra Mundial. Conhecido como uma pessoa simples,
1. Adeus, 2. Esperança, 3. Mineiros-Matinha, 4. Grota, porém brava, Leonard era forte, bastante alvo, com
5. Itararé, 6. Nova Brasília, 7. Fazendinha, 8. Palmeiras, sotaque carregado. Ficou conhecido pelo apelido de
9. Alemão, 10. Baiana, 11. Casinhas, 12. Reservatório Alemão, batizando, assim o morro que lhe pertencia.
de Ramos. O Complexo do Alemão se encontra na Serra No final da década de 1920, as baixadas no entorno da
da Misericórdia, parte central da região da Leopoldina, Baía de Guanabara foram objetos de trabalhos de sa-
abrangendo uma área compreendida por cinco bairros: neamento, particularmente as enseadas de Manguinhos
Inhaúma, Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. Existem e Inhaúma, cujos mangues foram aterrados e os rios, retifica-
27 bairros no entorno da serra da misericórdia e 5 com- dos. A melhoria das condições habitacionais e urbanas
plexos de favelas. A Serra da Misericórdia vai do extremo na região resultaria em uma importante ocupação da
Leste do Morro do Adeus até o extremo Oeste do Morro atual área da AP-03. Foi nessa época que se registrou o
do sapê, em Rocha Miranda. início da ocupação do Morro do Alemão, na área atual
Território de aldeamento de índios Tamoios, a ocupa- da comunidade onde fica a Rua Joaquim de Queiroz –
ção dessa região começou no início do século XVII, quando principal acesso à favela da Grota.
aí se estabeleceram padres Jesuítas que deram origem à Em 1928, o Sr. Leonard promoveu o primeiro lote-
Fazenda de Inhaúma, explorando o uso agrícola em seu amento em parte de suas terras que eram dedicadas à
solo, principalmente através do plantio de cana-de-açúcar, pastagem. Até 1957, a ocupação permanecia dispersa
resultando no surgimento de engenhos. Ainda no sé- e seus moradores pagavam aluguel ao proprietário.
culo XVII, a região ganhou importância por ser um Na década de 1940, outras áreas do Complexo do
caminho para chegada de mercadorias de origem Alemão passaram a ser ocupadas, sobretudo por popu-
agrícola que, desembarcadas na Baía de Guanabara, lação chegadas do Nordeste: em 1942, iniciou-se a ocu-
eram transportadas pelos rios Pavuna e Meriti. pação das áreas baixas da atual comunidade de Nova
Com a expulsão dos Jesuítas em 1760, as terras Brasília; em 1946, foi ocupada a área às margens da en-
de Inhaúma foram desmembradas, originando di- trada do Itararé, no Morro do Itararé; em 1951, foram
versas fazendas que viriam a se tornar os bairros ocupadas as áreas nos morros do Alemão, Esperança,
hoje existentes, em grande parte adotando o nome dos Mineiros e Relicário. A ocupação se intensificou
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por volta de 1955, quando parte dos moradores da cais de cidadania de “segunda classe”, desprovidas de
Favela do Esqueleto, no Maracanã, derrubada para a atenção de políticas públicas voltadas ao bem-estar dos
construção da UERJ, foi transferida para a região. cidadãos e cidadãs. Abandonadas pelo Estado à sua
Em 1960, Ramos, Bonsucesso e Olaria já se configu- própria sorte, seus moradores e moradoras – grande
ravam como bairros, com considerável população e parte negros - sofrem um cotidiano de violações, por
razoável infra-estrutura urbana. Esse também é o mo- um lado praticadas pelos narcotraficantes, pelas in-
mento do adensamento do Complexo do Alemão. Em cursões policiais; e por outro da precariedade física
1961, deu-se início à ocupação do Morro da Baiana. do local, pois muitas comunidades não contam com
Nova Brasília, já com esse nome, possuía cerca de nove saneamento básico ou têm a possibilidade de acessar
mil habitantes em 1958. serviços de saúde e educação, entre outros.
A partir do final dos anos 1970, completou-se a ocu- O ano de 2007 foi bastante intenso para os moradores
pação das áreas do Complexo do Alemão: em 1977, a do Complexo do Alemão. Uma mega-operação realizada
fazenda Palmeiras; em 1979, o Reservatório de Ramos no Complexo do Alemão em junho, envolvendo 1.350
e, em 1982, o Parque Alvorada. Em 1986, o Complexo policiais civis e militares membros da Força Nacional
do Alemão foi transformado em Região Administrativa resultou na morte de dezenas de pessoas.
por decreto da Prefeitura, juntamente com as favelas A polícia matou pelo menos 19 suspeitos de crimes, um
da Rocinha, Jacarezinho e Maré. deles com 13 anos de idade e dezenas de transeuntes
As crises econômicas dos anos 1980, o surgimento de foram feridos. Foram apreendidas 13 armas. Ninguém
plantas industriais derivadas de novas tecnologias de foi preso. A população enfrentou o fechamento de es-
produção e a abertura de novas áreas industriais (como colas e de postos de saúde, além de cortes no forneci-
a região da baixada de Jacarepaguá) foram respon- mento de água e energia elétrica. Houve denúncias de
sáveis diretos pelo esvaziamento econômico da região. execuções extrajudiciais, espancamentos, vandalismo
O declínio industrial fica evidente quando se circula no e roubos cometidos por policiais.
entorno das comunidades, revelando um cenário de O “caveirão” (espécie de blindado da polícia) foi uti-
prédios e galpões fechados, retratos de uma época de lizado como unidade móvel, onde policiais aplicavam
prosperidade que se foi. Além disso, nesse período dois choques elétricos e praticavam espancamentos.
processos observados para algumas áreas do Rio de A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advo-
Janeiro foram decisivos para transformar a dinâmica gados do Brasil OAB/RJ e a Secretaria Especial de Di-
e as representações sociais do Complexo do Alemão. reitos Humanos do governo federal declararam que as
Em primeiro lugar, a ocupação desordenada e precária investigações independentes apontaram fortes indícios
do solo; em segundo, a guinada do comércio ilegal de de execuções sumárias. O relator oficial da ONU sobre
drogas no Rio de Janeiro com entrada definitiva da execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais que
cocaína no mercado. Esses elementos combinados visitou o Rio de Janeiro em novembro daquele ano criticou
resultaram na construção de uma área favelizada, em a falta de investigações oficiais sobre os assassinatos e con-
decadência econômica e palco de conflitos constante cluiu que a operação teve motivações políticas.
pelo domínio da venda de drogas no local. Os jornais noticiaram que os conflitos entre traficantes e poli-
Dessa forma, no final da década de 1980, a região ciais deixaram 71 mortos em 2007 no Complexo do Alemão.
começou a sofrer um processo de esvaziamento Após quase um ano de permanência do aparato da
econômico forte que atravessou os anos de 1990, Força Nacional na região, o tráfico continuava operando
representado, principalmente, pelo fechamento de várias normalmente.
fábricas localizadas ao longo das Avenidas Brasil, Itaóca e Lançado no início de 2007 e considerado a “principal marca
Ademar Bebiano (Antiga Estrada Velha da Pavuna). do segundo mandato do Presidente Lula”, o Programa de
Nos anos 90, com a abertura das linhas Vermelha e Aceleração do Crescimento (PAC) é uma iniciativa do governo
Amarela, o Complexo do Alemão passou a se conectar federal que visa aumentar investimentos em infra-estrutura,
com os principais eixos rodoviários de acesso ao Rio. nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e
Mas a região já estava transformada em uma área de- recursos hídricos. O objetivo é - com a participação do inves-
gradada e com intensa atividade do tráfico de drogas e tidor privado - expandir os investimentos em infra-estrutura
de armas. de forma a possibilitar o aumento na oferta de emprego e a
As favelas do Estado do Rio de Janeiro tornaram-se lo- melhoria das condições de vida da população brasileira.
13
Em abril de 2008, com o PAC Urbanização de Favelas, pública e da sociedade civil apoiada fortemente pelos
o governo passou a investir 827 milhões de reais no meios de comunicação hegemônicos. Como se passás-
território. A principal obra do projeto é um sistema semos a aceitar ter a vida regulada por um estado de
teleférico. O projeto inclui ainda a recuperação de ruas, polícia, em detrimento do estado de direito. Organiza-
instalação de redes de saneamento e iluminação pública, ções locais e de defesa de direitos humanos denun-
além da construção de equipamentos sociais e moradias. ciaram os abusos policiais, invasões e saques às casas
É importante esclarecer que o projeto não é nenhuma dos moradores e os relatos sobre a existência de cor-
novidade, faz parte de um arsenal de intervenções ur- pos na mata e a polícia impedindo o acesso ao local.
banas previstas para regiões ocupadas militarmente no O Complexo do Alemão faz parte de um projeto de ci-
mundo a partir de tecnologias, programas e políticas dade global que está colocado para o Rio de Janeiro no
norte-americanas que vão do Iraque à Palestina. horizonte dos megaeventos esportivos. As violências
No caso do Complexo do Alemão, o projeto de Medellín, cotidianas da cidade estão atravessadas pelos grandes
na Colômbia foi o paradigma. Vale comentar que a avaliação movimentos do capital mundial que incidem sobre a
desse projeto hoje, em termos de ocorrências violen- memória e a história do território. A cidade mais uma
tas, já é um rumoroso fracasso . vez passa por um processo de faxina étnica e social, de
Para a construção do teleférico foram afetadas cerca de reordenamento truculento onde policiar e urbanizar
1.800 famílias. Os moradores denunciaram o despreparo são partes da mesma engrenagem.
para lidar com as pessoas que foram removidas de suas casas para
abrir caminho para os tratores do Consórcio Rio Melhor, compos- Educação
tos pelas empresas Odebrecht, OAS e Delta. As obras geraram
especulação imobiliária, principalmente com casas próxi- A Secretaria Estadual de Educação trabalha com uma
mas às maiores intervenções. O valor das casas passou estimativa da população do Complexo do Alemão em
de 18 mil reais, em média, para 60 mil reais um ano torno de 72 mil pessoas, número inferior às estimativas
após o início das obras. Em 2010, o valor dos imóveis de outros órgãos públicos que apontam que a área te-
já era de 100 a 150 mil reais. Além da especulação imo- ria no mínimo 100 mil habitantes, podendo chegar até
biliária, os custos de “legalização das condições de vida” 150 ou 180 mil. Partindo dessa referência subestimada,
no território também são altos (água, energia elétrica, verificamos no quadro a seguir os números informados
serviço de gás). pela Secretaria, referentes às pessoas do Complexo do
A economia local está submetida a grandes empresas Alemão com idade até 17 anos, com e sem atendimen-
articuladas ao governo. to escolar:
Segundo as estimativas do governo, as obras do PAC
geraram 130 mil empregos diretos no Rio de Janeiro
(Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos e Morro
do Proventório, em Niterói). Nas obras do Complexo do
Alemão foram gerados em torno de 3.500 empregos
na construção civil, não só para a construção do tele-
férico, mas para a construção e urbanização do Com-
plexo. Desse total, 60% foi mão de obra proveniente
do território. O que isso significa para um total de 150
a 200 mil moradores? Qual é o impacto real em termos O Complexo do Alemão faz parte de um pro-
de geração de emprego e renda? Qual é a expectativa
de manutenção desses empregos após o fim das obras? jeto de cidade global que está colocado para o
Em novembro de 2010 mais de 2.600 homens, apoia- Rio de Janeiro no horizonte dos megaeventos
dos pelo exército e pela marinha, efetuaram uma ope-
ração de grandes proporções no Complexo do Alemão. esportivos. As violências cotidianas da cidade
Após essa operação, alardeada pela mídia como a “re- estão atravessadas pelos grandes movimen-
tomada do território”, a favela permaneceu sob con-
trole do exército.
tos do capital mundial que incidem sobre a
O projeto teve uma rápida adesão subjetiva da opinião memória e a história do território.
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Pesquisa realizada pela organização não-governamen- vas e, a maioria delas, é financiada pela prefeitura. No
tal Centro de Promoção da Saúde (Cedaps) no Com- Morro da Baiana existe a Creche Eliane Saturnino Bra-
plexo do Alemão, com apoio do Unicef, revelou que a ga; no Morro do Adeus, a Creche São Pedro Nolasco e a
comunidade avalia a escola pública como oferecendo Escola Comunitária Pedro Vileli; no Morro do Alemão,
um ensino de baixa qualidade. a Creche pré-escolar João Ferreira; no Morro do Ita-
Faltam professores, não existem atividades extracur- raré, a Creche Escola e a Creche Cemasi José Vieira da
riculares e de lazer, e o aprendizado é deficiente. Silva; em Nova Brasília, o Jardim Escola Novo Mundo, o
A violência faz com que os pais, os estudantes e os edu- Centro Educacional Estrela da Manhã, o Ciep Theóphilo
cadores tenham que se submeter à dor e ao medo, e de Souza Pinto, a Creche Cemasi Nova Vida e a Creche
conviver com o risco à integridade física e de problemas Mundo Feliz. Em todas as creches, as crianças estudam,
ligados à saúde mental, com a perda dos dias letivos, se alimentam na hora certa e brincam. Contudo, de
a quebra na rotina educacional, a desconcentração, a novo as vagas não são suficientes para atender toda a
dificuldade de acesso às unidades escolares e de mora- população, por isso não é raro encontrar crianças per-
dia, o que resulta em prejuízos à aprendizagem. ambulando à toa pelas vielas das favelas e em situação
A área possui atendimento da rede municipal e da rede de abandono. Segundo pesquisa de 2003 do Centro
estadual de ensino. A Secretaria Municipal de Educação de Promoção da Saúde (CEDAPS), existem sete creches
afirma ser responsável por oito escolas no Complexo mantidas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento
do Alemão. Uma dessas escolas possui atendimento Social no Complexo do Alemão. Estas teriam uma ca-
em horário integral, há seis outras unidades funcionando pacidade de atender apenas 14% de sua população de
em dois turnos e uma última que, além de atender ao referência.
ensino fundamental em dois turnos, funciona das 18h às O Complexo do Alemão tem sido contemplado, ultima-
22h com o Programa de Educação de Jovens e Adultos mente, com alguns projetos sociais de cunho educacio-
(Peja). Nessas oito unidades encontram-se matricula- nal que vem facilitando e melhorando a qualidade de
dos 5.750 alunos e alunas. Em 2007, a Prefeitura adquiriu vida de algumas pessoas da comunidade. Temos, por
o prédio onde funcionava uma fábrica da Coca-Cola para am- exemplo, os projetos Vida Nova, pré-vestibular comu-
plia a oferta de matrícula na região. nitário, entre outros. Mas como a comunidade possui
Existem, pelas pesquisas efetuadas na comunidade, uma extensão territorial muito grande e cerca de 180
três escolas dentro do Complexo do Alemão, a Escola mil moradores, esses projetos não atingem a todos,
Municipal Mourão Filho, o Ciep Theóphilo de Souza beneficiando uma porcentagem pequena das pessoas.
Pinto e a escola Municipal Henrique Foresis, que atende Não existe Faculdade dentro do território do Complexo
até a quarta série. Se tomarmos em conta o número de do Alemão, somente no entorno. São universidades
habitantes do Complexo podemos ver que estas esco- particulares: Unisuam, Universidade Silva e Souza.
las são de longe insuficientes para atender as deman- Com a implementação do PAC Alemão está prevista a
das das comunidades. As demais escolas que poderiam construção de uma Biblioteca Pública com capacidade
atender ao Complexo se situam fora de seus limites para atender 600 pessoas por dia. O projeto de insta-
e são a Escola Municipal Walt Disney, Escola Munici- lação da biblioteca, composta por dois pavimentos
pal Padre Manuel da Nóbrega, Escola Municipal João com salas direcionadas para desenvolvimento de artes
Barbalho, que à noite se transforma em Escola Estadual (música e teatro), sala de informática e videoteca, pre-
Taciel Cileno, Colégio Cardeal Leme (particular) que à visto para 2010, foi adiado para 2011, mas ainda não se
noite se transforma em Escola Estadual Zélia Gonzáles, concretizou até o final desse ano.
Escola Municipal Chile, Colégio Pinheiro (particular), Além disso, foram instalados o Centro de Referência da
Instituto Relvas (particular) e Escola Estadual Carneiro Juventude, em outubro de 2010 e a Escola de Ensino
Ribeiro. Médio de Referência (EEMR) para atendimento de cer-
Apesar desse número de escolas, não é raro ainda en- ca de 1.440 alunos.
contrar criança sem matrícula, mesmo porque, devido
ao grande número de moradores, essas escolas não su-
prem toda a demanda do Complexo.
Existe também um sistema de creches bastante utiliza-
do pelas famílias da comunidade. São creches educati-
15
Cultura algumas “peladas organizadas”. Os campeonatos são
organizados pelos times da comunidade mesmo, que
Dentro da favela não existem centros culturais, todos fazem tudo: comunicam-se entre eles, organizam os
eles estão fora dos seus limites. São pouco frequenta- horários etc. A Vila Olímpica é a opção para práticas de
dos pelos moradores dos morros e favelas pelo fato de esporte, pois tem uma quadra poliesportiva, piscina,
não atenderem às expectativas da grande massa dos campo de grama sintética, rampa de skate e salas para
jovens. Apesar de ter uma grande extensão territorial, oficinas. Além da Vila Olímpica tem instituições que
o Complexo do Alemão não dispõe de nenhum cinema atendem a comunidade com projetos de esporte, arte
ou teatro. Os mais próximos se encontram nos shop- e cultura.
pings localizados nas redondezas, não atendendo a
grande maioria da população, devido ao valor dos in- Religião
gressos que estão além das possibilidades dos mora-
dores. As bibliotecas existentes atendem a uma mino- Existem muitas igrejas no Complexo do Alemão sendo
ria dos moradores, pois se localizam na sede da Região em sua maioria as evangélicas que pela quantidade são
Administrativa e no SESC de Ramos, fora dos morros e imensuráveis, e católicas existem aproximadamente
favelas. 8 em todo o território, e também centros espíritas e
As organizações sociais são as principais promotoras da casas e terreiros de umbanda – minoria no Complexo,
cultura na favela. O Evento Circulando – Diálogo e Co- não contabilizados. Muitas vezes, as instituições reli-
municação na Favela, promovido pelo Raízes em Movi- giosas ajudam as pessoas mais necessitadas com man-
mento, em parceria com outras organizações e grupos timentos, roupas, calçados e, também, são os encar-
acontece há 10 anos, com o objetivo de visibilizar as regados de implementar o programa “cheque cidadão”
demandas locais por direitos, articulando a expressões do governo do Estado, a fim de melhorar a alimenta-
culturais como shows musicais, sobretudo de hip hop, ção dos moradores das favelas. O “cheque cidadão”
capoeira, grafitti, dança. funciona através de um cadastramento de famílias de
baixa renda que é feito nas igrejas que fazem reuniões
Lazer periódicas com as pessoas cadastradas e distribuem os
cheques vindos de Brasília.
As grandes festas populares que acontecem aqui são
os bailes funk, realizados frequentemente nas praças Saúde
e quadras da comunidade, uma das pouquíssimas for-
mas de lazer da população da favela. Se não fossem os Os moradores relatam que os serviços de saúde aces-
bailes e os pagodes, não existiria quase nada voltado sados são os postos de saúde de Ramos, Del Castilho
para o lazer dos moradores. Eles são organizados pelas e Engenho da Rainha. Entretanto, existem hoje cinco
associações de moradores em parceria com equipes de unidades do Programa de Saúde da Família (PSF), atu-
som. Também existem alguns forrós, que acontecem almente conhecido com Estratégia de Saúde da Famí-
na sexta e no sábado, frequentados, na maior parte das lia, por não se tratar mais somente de um programa
vezes, pelos moradores de origem nordestina residente pontual, em diferentes comunidades do Complexo, nos
e por poucos jovens. morros do Alemão, Esperança, Baiana, Adeus e Nova
A Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense também Brasília. O PSF faz parte do Sistema único de Saúde –
se situa a poucos metros do Morro do Alemão, mas, SUS e conta com médicos, dentistas e enfermeiros.
como cobra ingresso, só é mais frequentada pelas Os hospitais de emergência mais próximos são nos bair-
pessoas da comunidade quando há entrada franca ou ros da Penha (Hospital Getulio (Vargas), Bonsucesso
próximo ao carnaval. (Hospital de Bonsucesso) e Méier – bastante distante
inclusive (Hospital Salgado Filho).
Esporte O Centro de Atenção Pisicossocial - CAPS mais próximo
fica no entorno e quando necessário o atendimento o
Existem cinco campos de futebol espalhados pelas co- morador tem que pegar uma condução para chegar.
munidades onde acontecem campeonatos anuais e Foi inaugurada a Unidade de Pronto Atendimento – UPA
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que atendera a população do Complexo do Alemão em como o restante dos moradores, correm risco de serem
atendimentos de emergência e urgência para crianças contaminados com algum tipo de doença.
e adultos, na Rua Engenheiro Manoel Segurado s/nº.
Na sua inauguração não tinha equipe médica completa, Outro fator que contribui para que isso aconteça são
mas que tinha previsão de realizar nove mil atendimen- os lixões que, apesar de serem poucos, ainda existem
tos por mês, considerando uma população atendida de na região. Esses lixões não se tornam maiores graças
150 mil moradores. ao serviço de “garis comunitários”, implementado pela
Além disso, foi prevista a construção do Centro Inte- prefeitura através da Comlurb, empresa responsável
grado de Atenção a Saúde (CIAS), com capacidade para pela coleta de lixo.
atender 1.200 pessoas por dia (odontologia, centro O bairro foi construído sobre a serra da Misericórdia,
cirúrgico ambulatorial e policlínica). uma formação geológica de morros e nascentes naturais,
Em 2007, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) quase toda destruída pela construção do Complexo. Res-
inaugurou na Fazendinha, no centro do Complexo do tam poucas áreas verdes na região, apesar dos esforços
Alemão, a Unidade de Emergência de MSF. Na clínica, de preservação empreendidos por determinadas orga-
equipes de MSF ofereciam atendimento de emergên- nizações atualmente. Ainda há poucas áreas de mata
cia, cuidados de saúde mental, transferência em am- e alguns pontos de nascentes de rios que são usados
bulância para hospitais da região e orientação sobre como fonte de água pela população. Todavia, logo após
a rede pública de saúde do município. A Unidade de a nascente, os rios já se tornam valões de esgoto. Boa
Emergência MSF funcionou até o final de 2009, quando parte da serra foi destruída devido às pedreiras, muito
as atividades na clínica foram encerradas. No período comuns na segunda metade do século XX. Hoje em dia
em que funcionou, a equipe de MSF atendeu na maio- tal empreendimento é proibido na região, considerada
ria pacientes com problemas de saúde primária, tendo Área de Proteção Ambiental, embora subsistem algumas
realizado mais de 19 mil consultas médicas. Além disso, ilegalmente.
prestou também atendimento emergencial e ofereceu
cuidados de saúde mental a 2 mil pacientes. Quase metade
dos pacientes foram mulheres adultas com depressão ou
Moradia/habitação
ansiedade e cerca de 40% crianças e adolescentes com
No Alemão, são 26.634 imóveis domiciliares, sendo 94,4%
problemas de aprendizagem e agressividade.
compostos de casas e 3,4% de apartamentos. O material
A unidade de saúde do Complexo do Alemão, a exem-
predominante na construção do imóvel é alvenaria (93,3%),
plo de outras favelas do Rio de Janeiro, deveria ser re-
enquanto 1,4% é feito de madeira. A grande maioria dos
tomada pela Prefeitura, segundo acordo assinado em
imóveis é própria (81,4%), enquanto 12,4% alugados. Em
2008. Com o descumprimento do acordo por parte da
relação à documentação dos imóveis próprios, 38,6% foram
Prefeitura, as atividades foram encerradas em 2009.
emitidos pela associação de moradores. Apenas 13,1% têm
escritura, e 31,2% não possuem qualquer documento.
Saúde ambiental Somente 29, 9% disseram que o acesso a sua casa pode ser
feito por rua onde passam carros. O acesso através de rua de
Quanto à infra-estrutura, temos fornecimento de luz pedestres é feito por 25,7%, escadaria, 22,9% e beco, 16,9%.
elétrica em todo o Complexo mas, devido a algumas Segundo dados do Censo domiciliar 2009 realizado pelo PAC
instalações precárias, a luz se torna fraca e, ás vezes, existem hoje no Complexo do Alemão 22.605 residências,
falta. No verão, o mesmo acontece com a água encana- sendo casa partilhada parede e /ou laje com outra 13.335,
da que chega à maioria das casas, mas ainda há mora- casa isolada 7825, apartamento 940, cômodo (em cortiço)
dores que se abastecem de poços artesianos e algumas 65 e outras respostas 34.
nascentes de água que somam doze no total. No que
diz respeito à rede de esgotos, se constata uma certa
Economia, trabalho e renda
precariedade em alguns pontos onde se encontram va-
Segundo dados do IBGE do ano de 2000, o Complexo
las negras a céu aberto com a população despejando
possui IDH de 0,709 e está em último lugar no ranking
o esgoto direto nos corpos hídricos, que, em alguns
do IDH das 32 Regiões Administrativas do município do
casos, passam em frente às moradias. Por isso, algu-
Rio de Janeiro. Enquanto a média da renda per capita
mas crianças que brincam ao redor dessas valas, assim
17
na Gávea é de R$ 2.139,56 e na Lagoa é de R$ 2.228,78, ciona do mesmo modo que o sistema de TV informal,
no Complexo do Alemão é de apenas R$ 177,31, supe- distribuindo sinais de internet banda larga (Velox) a
rior apenas à renda de Acari e Costa Barros. De acordo preços bem inferiores ao valor de mercado.
com relatórios do trabalho social do PAC – a média da O acesso a internet se tornou algo tão importante que
renda per capita no Complexo é de R$ 257,00, 3 vezes hoje existem muitas pessoas que distribuem internet
menor que a média do município (R$ 858,00). Outro dentro do Complexo do Alemão, contra apenas três
dado que explicita a precariedade da região mostra que distribuem TV. A existência de inúmeras lan-houses
que 29% dos habitantes do Complexo vivem com renda dentro no Complexo acaba atendendo informalmente
inferior a ½ salário mínimo, ou seja, abaixo da linha da a demanda pelo acesso, já que a única empresa formal
pobreza. prestadora desses serviços no Complexo do Alemão é
Entre os bairros do Rio de Janeiro, o Complexo do a Velox e esta não atende a todos os moradores, já que
Alemão tem o maior percentual de pobres (29,2%) e exige que o usuário tenha telefone fixo, nem todos os
com o coeficiente de Gini de 0,463, isto é, não há uma moradores têm acesso a esse serviço. No ano de 2006 a
grande desigualdade interna. No Complexo, 11,13% do empresa concessionária de telefonia do Rio de Janeiro,
total da renda é proveniente de transferências gover- Telemar Norte Leste S.A, deixou de prestar atendimen-
namentais (aposentadorias, pensões, programas soci- tos no Complexo do Alemão.
ais) e 67,18% vem do trabalho. É, portanto, um bairro Sobre as Rádios comunitárias, existiam duas na comu-
dependente da situação ocupacional dos seus mora- nidade da Fazendinha e outra na comunidade Brasília,
dores, pois apenas 8% dos moradores têm mais de 50% que continua a funcionar pela internet de maneira
da sua renda proveniente de transferências governa- precária, pois tem baixo índice de acessos. Todas uti-
mentais, um dos percentuais mais baixos encontrados lizavam antena para a distribuição do sinal em FM. A
nos bairros do Rio de Janeiro - o mais baixo é a Rocinha, manutenção das rádios comunitárias do complexo
seguida pelo Vidigal, Jacaré, Recreio dos Bandeirantes, tornou-se algo extremamente difícil pela falta de in-
Maré e Gardênia Azul. vestimentos financeiros, de divulgação e de uso pela
A Fundação de Apoio à Escola Técnica - FAETEC atende população local.
o complexo com cursos profissionalizantes, a procura é
muito grande. A FAETEC está gerindo há 1 ano o Centro
de Educação Tecnológica e Profissionalizante no Com-
Transportes
plexo do Alemão.
Em relação ao transporte público, existem oito empre-
sas de ônibus que cobrem a região e que só funcionam
Telecomunicações até meia-noite. Depois, quem deseja se dirigir a outros
pontos da cidade só tem como opção as kombis de lota-
Os serviços de telecomunicações fornecidos no Com- ção que, antes, nesses horários, cobravam tarifas acima do
plexo do Alemão correspondem à telefonia fixa, TV preço normal, fato que mudou depois da diminuição dos
a cabo, internet e rádio comunitária. Os serviços de fregueses. Cabe lembrar que esses meios de transporte
telecomunicações do Complexo do Alemão são forne- estão, na maioria das vezes, em situação irregular, mas,
cidos geralmente de maneira informal. Os serviços de apesar disso, são de extrema importância para a popu-
TV por assinatura não chegam, e quando chegam, vem lação local, pois, além de atenderem suas necessidades
cobram altas taxas, inviabilizando o seu uso pelos mo- de locomoção, que não são plenamente supridas pelas
radores do complexo, que ganham baixos salários. Cria- empresas de ônibus, fazem parte também do sistema
se, portanto, o acesso ilegal a esses serviços. No caso de economia informal, oferecendo vagas de emprego
da TV por assinatura, existem no Complexo do Alemão para certo número de pessoas da comunidade.
três empresas informais que prestam este serviço. Elas Temos também os serviços de “moto táxi” que levam
que compram um sinal de TV clandestinamente e re- os usuários a qualquer parte da favela. Os moradores
distribuem dentro da comunidade. São normalmente que não utilizam esses serviços são obrigados a andar
conhecidas como “TV a gato”, deixando claro na fala longas distâncias até suas casas, às vezes, tendo que
dos moradores a relação com a ilegalidade. subir ladeiras muito íngremes.
Da mesma forma, a distribuição de pontos de internet O sistema ferroviário, com quatro estações (Olaria, Ra-
é conhecida no Complexo como “Gato Net”, que fun- mos, Bonsucesso e Penha) que ligam a comunidade à
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Central do Brasil, também é bastante utilizado. Existe
também o transporte metroviário que liga a Baixada ao
Centro e abrange parte do bairro de Inhaúma, sendo
utilizado por uma pequena parte dos moradores do
Complexo. É importante informar que tanto o sistema
ferroviário, quanto o metroviário, está fora dos limites
da favela.
Com o PAC, o Complexo do Alemão passou a contar
com mais um meio de transporte. O sistema teleférico,
inaugurado em 2011realiza o percurso de 2,9 Km e tem
capacidade para atender até 30 mil pessoas por dia e
está integrado à SUPERVIA. Possui 6 estações sendo
uma terminal integrado. Desde a inauguração, o tele-
férico não atingiu sua capacidade de utilização.
Assessoria jurídica
O Complexo do Alemão contou com um Balcão de Direi-
tos nos anos de 2009 a 2010. Esse projeto foi realizado
pela organização não governamental ISER – Instituto de
Estudos da Religião, com apoio da Secretaria de Direitos
Humanos do governo federal e prestou atendimento
jurídico à população, especialmente em questões rela-
cionadas a direito de família e a direitos da criança e
do adolescente (pensão alimentícia, guarda de filhos,
registro civil de nascimento). Nos dois anos de duração,
foram realizados cerca de 600 atendimentos.
As faculdades de direito do entorno oferecem os escritóri-
os-modelo onde moradores podem realizar consultas ju-
rídicas sem custos.
Há dois fóruns judiciais para atender a população do
Complexo do Alemão: o Fórum do Méier e o Fórum de
Olaria. A depender da região de moradia, podem ser
procuradas a Defensoria Pública de Ramos, que realiza
encaminhamentos para o Fórum de Olaria, ou a Defen-
soria Pública de Pilares, que realiza encaminhamentos
para o Fórum do Méier. O acesso a esses serviços do
sistema de justiça não é fácil para os moradores, pois
estão localizados fora do Complexo.
Com o PAC, foi inaugurado em julho de 2011, uma
central judiciária para atender os moradores da região
dos complexos do Alemão e da Penha, com serviços
da Justiça e da Defensoria Pública – cartório civil, uma
Vara de Proteção da Infância e da Juventude, e postos
da Defensoria Pública estadual, Justiça do Trabalho e
Justiça Eleitoral. Em 2011 também começou a circular
pelo Complexo um ônibus da Justiça Itinerante, para
atendimento ao público.
19
panhia Estadual de Habitação (CEHAB), para a construção do
Conjunto Habitacional, o recurso para a compra e construção
proveio da parceria com o governo dos Estados Unidos, através
da “Aliança para o Progresso” que visava evitar o avanço do co-
munismo na América Latina.
Com esta parceria ainda foram construídos os conjuntos de
Centro Cultural A História Que Eu Conto Vila Kennedy, Cidade de Deus e Vila Esperança. Curiosamente,
os nomes de Vila Aliança e Vila Progresso (hoje Vila Kennedy)
Equipe local de elaboração: Jeferson Alves da Silva, fazem alusão à parceria, entretanto, com o falecimento do
Grasiela Araújo de Oliveira, Débora Helena Guerra presidente americano John Kennedy, foi realizada a homena-
Targino e Thiago dos Santos Borges
gem póstuma pondo o seu nome neste conjunto habitacional.
A Vila Aliança está situada a aproximadamente 40
quilômetros do centro da cidade do Rio de Janeiro e se-
gundo dados coletados pelo Programa Agentes Comu-
Vila Aliança: nitários de Saúde (PACS), Vila Aliança possuía em 2003:
passado e presente
• 12,300 mil habitantes;
O terreno onde a Vila Aliança foi construída era parte da • 3.600 famílias;
Fazenda Bangu, fundada em 1673, destinava-se a plan- • 72,4% composto pelo sexo feminino;
tio de cana de açúcar e seus derivados. Em 1889 a Com- • 27,6% composto pelo sexo masculino.
panhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), de indústria • 2 escolas municipais;
têxtil, foi instalada onde funcionava a fazenda, por ser • 1 escola estadual (noturna);
bem localizada e favorecida pela fartura de recursos hí- • 1 Posto de policiamento comunitário;
dricos, além da construção da estrada de ferro de Bangu, • 1 Posto da Fundação Leão XIII;
em 1890. A partir de sua instalação, a CPIB promoveu o • 1 Posto do Programa dos Agentes Comunitários.
desenvolvimento da região, urbanizando e construindo
moradias (vilas operárias) no centro do bairro. Também São ao todo 43 ruas que receberam nomes de profissões
estimulou o plantio e atividades de agricultura em parte em homenagem ao trabalhador brasileiro e 3 praças: Fabri-
de suas terras, com a finalidade de promoção do mer- cante, Topógrafo e Aviador, sendo esta a principal utilizada
cado consumidor que ali se constituía. como ponto de encontro e eventos em Vila Aliança. É cor-
Além da cana de açúcar também eram cultivados nas tada pelo Rio do Lúcio, onde muito antes da formação de
terras onde são hoje Nova Aliança e Vila Aliança: café, Vila Aliança e Senador Camará era um dos canais de recur-
algodão, pecuária de leite e, sobretudo, a laranja, que se sos hídricos até ser completamente poluído pela ausência
destaca neste cenário, chegando a entrar para a litera- de saneamento básico na época de expansão demográfica.
tura, na descrição feita por José Mauro de Vasconcelos, Infelizmente não existem registros da história de Vila
em seu romance “O Meu Pé de Laranja Lima” (Grêmio Aliança que nos permitam conhecer a sua impressionante
Literário José Mauro de Vasconcelos). trajetória de lutas e reivindicações pelo melhoramento da
A Vila Aliança foi o primeiro Conjunto Habitacional da localidade. Curiosamente no livro Varal de Lembranças
América Latina, proveniente da política remocionista do Histórias da Rocinha, se encontram algumas importantes
governo Lacerda, em 1960. Nesse período o processo de lembranças da formação de Senador Camará e Fazenda
desfavelização das áreas valorizadas pela especulação Coqueiros (União Pro Melhoramentos dos Moradores da
imobiliária conduziu os favelados aos conjuntos con- Rocinha - UPMMR, 1982, p: 104) bairros que formam jun-
struídos no subúrbio e zona oeste da cidade do Rio de tamente a Nova Aliança e Vila Aliança, na atualidade um
janeiro. Contudo, a falta de políticas públicas voltadas grande complexo comunitário, conhecido como Complexo
a esta população segregada causou transtornos irrever- de Vila Aliança e Senador Camará com mais de 200 mil ha-
síveis à cidade em consequência da favelização do entor- bitantes, (IBGE, censo 2000) interligados pela Estrada do
no, onde proliferaram sucessivas ocupações nas áreas Taquaral, situados entre o Morro do retiro e Pedra Branca.
adjacentes aos conjuntos habitacionais.
A CPIB vendeu a área onde se localiza Vila Aliança a Com-
20
As remoções ocorridas na década de 1970 das Favelas
da Rocinha para a Fazenda Coqueiros e da Providência
para Senador Camará demonstram o tratamento dis-
O Conjunto Habitacional de Vila Aliança é o
pensado pelo Estado quanto à consequente formação resultado da ação entre os governos ameri-
desta região que cresceu e estagnou-se durante déca-
das. cano e brasileiro que utilizaram recursos
Estes bairros sentiram os efeitos ao passar do tempo, econômicos para investir em moradias popu-
onde a falta de investimentos provocou sérios transtor-
nos, e segundo a Secretaria Municipal de Assistência lares no Brasil, implementando assim através
Social (2006), a Fazenda Coqueiros tem uns dos piores da política remocionista do governo Lacerda.
Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do mu-
nicípio do Rio de Janeiro.
Habitação
O Conjunto Habitacional de Vila Aliança é o resultado Municipal de Habitação, algumas das residências adja-
da ação entre os governos americano e brasileiro que centes, como o Conjunto Taquaral, Mangueiral, Moça
utilizaram recursos econômicos para investir em mora- Bonita, e Nova Aliança, possuem também escritura ou
dias populares no Brasil, implementando assim através título precário das suas moradias, sendo esta última,
da política remocionista do governo Lacerda. devido ao Programa Favela Bairro. Na Minha Deusa não
As primeiras favelas que foram removidas para formar há moradores com escritura nem título.
este conjunto foram provenientes do Morro do Pas- No ano de 2009 foi iniciada a construção de um conjunto
mado, no bairro de Botafogo, Praia do pinto, zona sul residencial no antigo terreno da Brasilit, localizado entre
do Rio de Janeiro; favela do Esqueleto, onde hoje se a estação de Senador Camará e a Avenida Santa Cruz.
encontra o prédio da Universidade Estadual do Rio de O local já havia sido especulado nos anos anteriores
Janeiro (UERJ); também veio de Brás de Pina, Penha, que serviria de área de lazer, dando lugar ao piscinão,
zona norte da cidade. entretanto, fora condenado devido à contaminação por
O processo remocionista que deu origem ao Conjunto amianto, pois a empresa responsável fabricava telhas e
Habitacional Vila Aliança, foi, segundo moradores que caixa d’água.
vieram do Morro do Pasmado, de tal modo violento, Com o Programa do Governo Federal Minha Casa Minha
que na ocasião quem não aceitasse sair de seus bar- Vida, a população residente em áreas de riscos de desl-
racos era retirado à força e depois assistia sua moradia izamentos ou enchentes no Complexo de Vila Aliança e
sendo incendiada. Senador Camará, serão segundo a Secretaria Municipal
O resultado da política de remoção (...) beneficiou, prin- de Habitação, beneficiadas.
cipalmente, a construção civil, porém acarretou um
custo muito grande aos moradores das Favelas (...) A
pesquisadora Licia Valladares assinalou que, de 1962 a Saúde
1974 foram removidas 80 Favelas com 26.193 barracos
e 139.218 pessoas. (Souza, 2003: p.52). As referências em atendimento médico para os mora-
A Vila Aliança, contrariando conceitos noticiados pela im- dores de Vila Aliança estão situadas em sua adjacên-
prensa, não é uma favela. Seu território é devidamente cia, visto que na localidade há somente o Programa
urbanizado, com saneamento básico e as residências de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Sendo as-
não formam conglomerados conforme a conceituação sim, as opções ficam por conta do Posto de Saúde Dr.
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eitel Pinheiro Oliveira Lima, no Conjunto Taquaral e o
Dados da Companhia Estadual de Habitação - CEHAB Centro Médico Waldir Franco, no centro de Bangu, em
nos indicam que mais de 90% dos moradores de Vila ambas as unidades a demanda por parte da população
Aliança tem em mãos a escritura definitiva de suas não é atendida em virtude da oferta de profissionais
residências, sendo muitos beneficiados pela isenção de saúde disponíveis. As referências emergenciais são
das taxas. De acordo com informações da Secretaria as Unidades de Pronto Atendimento (UPAS 24 horas)
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situadas em Bangu e Realengo e o Hospital Estadual Albert cos direcionados e eficazes, demora no atendimento e falta
Schweitzer também em Realengo. de médicos. Ponto considerado importante na discussão
Segundo dados disponibilizados pelo Posto de Saúde foi a falta de atendimento direcionado e especializado aos
Dr. Eitel Pinheiro de Oliveira Lima no que se refere aos jovens. Em suma, as unidades de saúde não conseguem
atendimentos mensais, com média de 3.474, sendo em atender a população.
Especialidades Médicas e Não Médicas. Conforme o De acordo com a nova Política Pública para a saúde da
quadro a seguir: Prefeitura do Rio de Janeiro, que estabelece a construção
de Clínicas da Família, ampliando o acesso da população
A partir dos dados acima citados disponibilizados pelo Posto local e as visitações em residências. O Programa Agen-
de Saúde, relacionando com o Censo 2000, constata-se que tes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde
há uma insuficiência no atendimento referente à demanda da Família (PSF) atuarão na Clínica da Família que será
local, levando a procura por atendimentos nos Hospitais e construída em frente ao Condomínio Colinas do Retiro
UPAS mais próximos. próximo ao Ciep Olof Palm, enquanto a nova clínica não
Neste sentido entende-se que os equipamentos respon- foi construída, os Agentes dividem espaço no Posto de
sáveis pelo atendimento à demanda não conseguem dar Saúde Eitel Pinheiro Oliveira Lima no Conjunto Taquaral.
conta, devido à superlotação de atendimento nas unidades
básicas de saúde.
Com base no grupo focal realizado em Vila Aliança pelo
Saneamento Ambiental
Projeto Acesso à Justiça e a Cultura de Direitos, a Saúde foi
Em Vila Aliança, há estrutura de saneamento básico,
um tema com concordância nas opiniões. Para justificar a
com abastecimento regular de água encanada, rede de
precariedade na saúde foram apontados problemas como:
esgoto e coleta de lixo três vezes por semana por par-
a falta de unidades de atendimento, equipamentos públi-
te da Companhia de Lixo Urbano (Comlurb). A região
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ainda conta com o trabalho dos Garis Comunitários tem que encontrar meios para chegar até os pontos de
que são administrados por associações de moradores ônibus.
e sendo responsáveis pela limpeza e manutenção das Na esfera do transporte ferroviário, o bairro se localiza
vias principais. Vale ressaltar que a quantidade de Garis entre as estações de trem de Bangu e a de Senador Ca-
Comunitários é insuficiente para atender à demanda mará, no ramal de Santa Cruz – Central do Brasil.
deste complexo de comunidades, visto que cada insti- As “Kombis” além de servirem como complemento tem
tuição gestora possui em seu quadro cerca de 10 garis. um grande número de veículos nas linhas regulares,
Na região foi registrado o trabalho do Mutirão de Reflo- geralmente com trajetos menores, mas semelhantes
restamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, aos dos ônibus. O grande número de vans realizando o
que atua no replantio no Morro do Retiro que abrange transporte alternativo de passageiros se deve a peque-
da Estrada do Engenho à Estrada dos Coqueiros, o Pro- na oferta pelas empresas de ônibus. A relação entre o
jeto, porém, atende somente ao perímetro do Con- número de ônibus e de habitantes é três vezes menor
junto Taquaral ao condomínio Colinas do Retiro e tem na Zona Oeste em relação à Zona Sul. Por causa da de-
como gestora a Associação de Moradores do Taquaral mora e do desconforto dos ônibus sempre lotados, as
que também tem em seu quadro, agentes ambientais pessoas acabam optando pelas vans.
para orientar moradores. O transporte alternativo, realizado por vans e kombis
conta com as seguintes linhas regulares:
Transporte • Padre Miguel x Campo Grande
• Vila aliança x Bangu
Em Vila Aliança, assim como em muitas outras partes • Santíssimo x Realengo
do Rio de Janeiro, o transporte público se realiza ma- • Senador Camará x Magalhães Bastos.
joritariamente pelo sistema rodoviário, com grande
destaque para os ônibus. Os serviços de transporte Nessa perspectiva proliferam as atividades de moto táxi ou
rodoviários, não são considerados satisfatórios pelos outros tipos de transportes alternativos, como as kombis.
moradores. A grande maioria da população local tra- Algumas linhas alternativas complementam os caminhos
balha no Centro, Zona Sul e Barra da Tijuca. Para o das pessoas, aonde o serviço de ônibus não alcança.
Centro, por exemplo, estão dispostas apenas as linhas A partir de 2001 a Vila Aliança passou a contar com o ser-
389 (Vila Aliança – Largo São Francisco) e 395 (Tira- viço dos motos taxistas que hoje tem ao todo 6 pontos
dentes – Coqueiros). de referência, sendo 5 de um mesmo grupo, o Moto táxi
Um grande número de moradores trabalha no comér- “Grupo Verdinho” e o outro do “Areva” cobrando valores
cio e em residências na Barra da Tijuca e para chegarem diversificados dependendo do destino pretendido. Uma
ao seu lugar de trabalho, precisam andar pelo menos particularidade oferecida pelos motos taxistas é a comodi-
dois quilômetros para embarcar no ônibus da linha 756 dade de busca em domicílio sem cobrar taxas adicionais.
(Senador Camará - Alvorada), que recentemente rece- O transporte alternativo além de supostamente “resolver”
beu ônibus novos em sua linha ou a linha 855 (Bangu uma parte do problema de Vila Aliança, ele possibilita a ge-
- Barra) em última opção o transporte alternativo Ban- ração de renda de cem pessoas ao todo, homens, com faixa
gu – Barra, todos via Avenida Santa Cruz, que interliga etária entre 18 e 40 anos, servindo como alternativa de ter-
os bairros de Senador Augusto Vasconcelos, Senador em sua primeira renda ou àqueles que têm dificuldades de
Camará, Bangu, Guilherme da Silveira, Padre Miguel retornarem ao mercado devido à idade.
e Realengo, dando acesso à Barra da Tijuca tanto pelo Se analisarmos a atual situação de Vila Aliança, temos as esta-
bairro de Sulacap quanto por Campo Grande. ções de trem, a Avenida Brasil, o centro de Bangu dentre outros
A Vila Aliança ainda conta com as linhas de ônibus 790 pontos aonde se encontram opções de transporte. Para a loco-
(Campo Grande – Cascadura); 820 (Campo Grande – moção até esses pontos a população utiliza muito a bicicleta,
Marechal Hermes); 926 (Senador Camará – Penha); uma alternativa saudável e ecológica. Entretanto, não há sequer
800 (Santíssimo – Marechal Hermes); e a linha 810 uma proposta de política pública baseada no uso de bicicletas.
(V. Aliança x Bangu) e a recém inaugurada S05 Campo Por exemplo: Na região conhecida como Caminho do Lúcio, não
Grande – Cidade Universitária. A extensão do território existe meio de transporte acessível à comunidade, que precisa ir
torna restrita a abrangência das linhas de ônibus regu- até a Estrada do Engenho para conseguir uma condução.
lares, em relação às residências. Portanto as pessoas
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A falta de ciclovias, coloca as pessoas em situação de risco. porte alternativo, moto taxi, kombis, entretanto a grande
São constatados atropelamentos e quedas devido aos bura- maioria da mão de obra ainda trabalha no centro da cidade
cos na via de carros. Além de não ter uma via segura, não do Rio de Janeiro.
tem a sinalização adequada. Nas passarelas na avenida Brasil Foi constatado como principais dificuldades dos jovens
podemos verificar muitas bicicletas amarradas. Nem sequer um para iniciação ao mercado de trabalho formal a baixa esco-
bicicletário é colocado a disposição. Diante dessas condições, a laridade, estigmatização em relação ao lugar de moradia,
proposta viável seria um estudo para a implantação de uma ci- ausência de documentação e a distância em relação aos
clovia, lugares para guardarem as bicilcetas, e quiçá um pro- polos geradores de renda da cidade (Zonas Norte e Sul).
grama de empréstimos ou aluguel de bicicletas. Chama a atenção o grande número de jovens entrevista-
dos e nos grupos focais sem documentação civil, como:
identidade, CPF, carteira de trabalho e que desconheciam
Linhas de ônibus os trâmites para tirá-los.
Outro agravante é o auto indice de jovens que deixam os
• 389 (Vila Aliança – Largo São Francisco) estudos para contribuir com renda familiar.
• 395 (Tiradentes - Coqueiros) Não há, atualmente, registro de atuação de cooperativas
• 756 (Senador Camará - Alvorada) nem de capacitação profissional destinada a jovens.
• 790 (Campo Grande – Cascadura); Quanto à rede de Economia Solidária, o Centro Cultural A
• 800 (Santíssimo – Marechal Hermes); História Que Eu Conto visa fomentar junto a Rede Comu-
• 810(V. Aliança x Bangu). nitária que funciona desde outubro de 2008 em sua sede,
• 820 (Campo Grande – Marechal Hermes); através da estamparia e confecção, a fim de contribuir
• 855 (Bangu - Barra)
para o aumento da renda per capita da região.
• 926 (Senador Camará – Penha);
• S05 (Campo Grande – Cidade Universitária) Linha nova
Educação e Cultura
Economia, Trabalho e Renda Em Vila Aliança a uma escassez de creches e escolas
No que corresponde ao item pesquisado foi utilizado como de ensino integral fazendo com que os pais deixem seus
base de dados a pesquisa sobre Juventude e Trabalho pelo filhos mais novos sob a responsabilidade dos mais
Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Sobre a Infância velhos, eles não têm alternativas. No que corresponde
(CIESPI) realizada em Vila Aliança, onde possibilitou identifi- a creches governamentais, há apenas a creche comuni-
car empreendimentos locais através de entrevistas e grupos tária “Casinha da Emília”, que não atende à demanda. Está
focais. Foi constatado que a grande concentração de em- situada à Praça do Topógrafo s/nº. Há ainda duas creches
preendedores locais atuam como proprietários de padarias, particulares, Aladim, na Avenida dos Funcionários e Arco
locadoras, lan houses, sacolão, lanchonetes, mercadinhos, Íris de mel na Rua Dr. Augusto Figueiredo, nº. 91/101.
armarinhos, entre outros. Dentro de Vila Aliança somente estão situadas as Es-
Alguns jovens chegam apontar um crescimento da rede colas Municipais Rubem Berta e a Marieta Cunha da
de comércio local como fator importante para o aumento Silva, tendo esta com o mesmo nome, mas em horários
da oportunidade dentro do bairro onde moram. Uma das noturno funcionando no prédio da Escola Municipal
atividades que ampliaram, percebida durante o trabalho Rubem Berta, para o ensino médio (Colégio Estadual
de campo, foi de lan Houses. Pelo que foi visto, 51% dos Marieta Cunha da Silva).
empreendimentos levantados empregam jovens, portan- Segundo a pesquisa do CIESP já citada, a trajetória es-
do, de fato as oportunidades internas são grandes. colar dos jovens em Vila Aliança é pautada por grande
descontinuidade. Muitos jovens têm trajetórias esco-
-“Tem colegas meus que vão direto para a cidade, pro lares intermitentes, há entradas e saídas múltiplas. Em
centro. Tem outros que têm medo, não tem experiência e alguns casos, são jovens que param muito cedo de es-
quer trabalhar aqui próximo mesmo.”(Jovem, 18 anos de tudar e tentam hoje recuperar o tempo, ou jovens que
idade. Homem). abandonaram a escola porque esta distante do domicí-
lio e voltam depois de cursar em um lugar mais perto
Há uma grande concentração nos seguimentos de trans- de suas casas.
Através das entrevistas com jovens de diferentes per-
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fis a pesquisa observou que a vinculação com a es- Algumas iniciativas como o Projeto Escola Aberta têm
cola pode ser frágil e pouco efetiva, marcada por ex- tentado criar mais um interface entre espaço de Edu-
trema instabilidade. As motivações do abandono vão cação formal, os jovens e a comunidade, promovendo
do discurso mais comum, o trabalho, até soltar pipa, aos finais de semana atividades culturais e esportivas,
passando por ter cansaço da escola. Adicionalmente, e desenvolvidas por facilitadores locais.
não sabemos até que ponto isso é um elemento para
impulsionar o abandono, há uma desconexão, entre
características da população jovem local e as exigên- Escolas
cias das escolas. Um exemplo é o relato de um jovem:
VILA ALIANÇA
“Teve um dia que eu fui expulso da sala de aula • Escola Municipal Rubem Berta - Ensino Fun-
porque eu não tinha tênis para ir ao colégio. Aí eu tive damental
• Escola Municipal Marieta Cunha da Silva -
que ir de chinelo e fui expulso. Aí eu falei com a dire-
Ensino Fundamental
tora, que ia comprar...que ia de chinelo para comprar
• Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva
um tênis, ia guardar o dinheiro para comprar um tênis,
(ensino médio) funcionando em horário no-
só que ela não aceitou. Aí mesmo eu parei de estudar.”
turno no prédio da Escola Municipal Rubem
Berta.
A pesquisa ainda apresentou que para os jovens e as
jovens terem alguma renda, para ajudarem em casa ou
NOVA ALIANÇA
terem seu próprio dinheiro, tende a haver evasão es-
• Creche Municipal Professora Regina Maria
colar, seja pela rotina de trabalho, seja pela exaustão.
da Matta Montezano;
A maternidade das jovens mulheres (o que não apa-
• Creche Municipal Nova Aliança.
rece como problema para a escolarização dos jovens
homens) traz dois aspectos: a dificuldade de ter com ESTRADA DO TAQUARAL
quem deixar o filho e o constrangimento que algumas • CIEP Olof Palm - Ensino Fundamental
ficam depois de voltarem à escola depois de engravi- • CIEP Gilberto Freire - Ensino Fundamental
dar. Uma das jovens entrevistada tem uma trajetória • CIEP Rubem Braga - Ensino Médio
bastante representativa do universo de jovens morado-
ras que enfrentam dificuldades para manter sua esco- CONJUNTO TAQUARAL
larização devido à ausência de suportes comunitários • E.M. Casinha da Criança Taquaral
às jovens mães. • E.M. Edison Carneiro
• E.M. Austregésilo Athayde (provisoriamente
“A minha mãe até pensou que eu pararia de estudar no prédio da Edison Carneiro) novo prédio
porque eu engravidei no final do segundo ano, aí terminei está sendo construído no Bairro São José.
no terceiro ano, quando voltei pro colégio, tive neném em • Está em sendo concluída a obra da Creche
abril, voltei pro colégio a minha filha tinha 28 dias, aí até que não tem nome definido, mas será inau-
minha mãe achou que eu pararia, falou que eu não te- gurada em 2010.
ria forças pra continuar, só que eu fui até o fim, não parei
não...No começo foi um pouco difícil né? Mas eu tinha a
minha comadre, que é a madrinha da minha filha que, nos
primeiros 28 dias não teria como eu ir pro colégio aí ela
trazia os trabalhos que os professores passavam, eu fazia
em casa e ela retornava pra mim. Após esses 28 dias a Constata-se que poucos projetos são desti-
minha tia levava a minha filha no colégio pra eu poder dar nados a jovens no que diz respeito à educa-
mamar a ela, aí a diretora liberou porque eles queriam me
dar quatro meses de licença, só que eu poderia perder a ção e cultura, os que existem não levam em
prova e ficaria inviável, eu preferi voltar para o colégio e consideração as diferenças, adversidades e
levar a minha filha para poder tá amamentando no colé-
gio”. (Jovem, 22 anos de idade. Mulher.) características encontradas na região.
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ESTRADA DO ENGENHO do Rio de Janeiro, como podem ser constatadas no liv-
• CIEP Maestrina Chiquinha Gonzaga - Ensino ro “Guimboustrilhos” de Ney Lopes, sobre os Subúrbios
Fundamental das linhas férreas do ramal Santa Cruz.
• Colégio Estadual Bangu - Ensino Médio Atualmente o Boêmio de Vila Aliança é sede dos bailes
funks e no Carnaval de 2010, promoveu em parceria
CORONEL TAMARINDO com a Prefeitura do Rio de Janeiro, RIO TUR , “O Carna-
• Escola Municipal Pracinha João da Silva - val da Paz”, animando muito os moradores.
Ensino Fundamental Como já mencionado, a Vila Aliança não teve um regis-
• Colégio Estadual Prof. Daltro dos Santos - tro único de sua história, por este motivo cabe ressal-
Ensino Médio tar a dificuldade na construção desse diagnóstico, pela
ausência de informações e equipamentos públicos cul-
CONDOMÍNIO COLINAS DO RETIRO turais locais.
• Escola Municipal Ayrton Senna - Ensino Contudo o Centro Cultural A História Que Eu Conto -
Fundamental CCHC está coletando dados e depoimentos de mora-
dores mais antigos, com o foco de contribuir para a
SENADOR CAMARÁ montagem de um Espaço de Memória, “Retratos de
• Escola Municipal Sampaio Corrêa - Ensino Vila Aliança” e assim fortalecer o sentimento de per-
Fundamental e PEJA tencimento, iniciativa que já esta bastante avançada.
As principais atividades culturais disponibilizadas pelo
Na Vila Aliança nunca houve investimentos governa- CCHC são: Biblioteca Comunitária “Quilombo dos Po-
mentais no segmento cultural, em contra ponto nota- etas”, acervo com mais de 5 mil exemplares, Cine Mais
mos a grande quantidade de equipamentos culturais Cultura e a Exposição “O Negro na Cultura Popular
na Zona Sul do Rio de Janeiro, e insuficiência de opções Brasileira” do artista plástico e morador Bartolomeu Jr.
em relação à Zona Oeste. Neste sentido há uma grande Em Bangu encontram-se o Cinema do Shopping de
dificuldade ao acesso a esses equipamentos, sobretu- Bangu, a Lona Cultural Hermeto Pascoal, que oferece
do, à distância, gastos financeiros e informações. atividades a preço populares.
Existe a forte presença de Organizações Não Gover-
namentais, que utilizam as atividades culturais como
ferramenta para o desenvolvimento do trabalho social Bibliotecas e acesso a
com crianças, adolescentes e jovens. Através da dan-
ça étnica, grafite, dança de rua, percussão, fotografia,
arte e a cultura
teatro, biblioteca, etc. Fazendo com que aos poucos a
• Centro Cultural A História Que Eu Conto Bib-
Vila Aliança tenha a cultura implementada em seu co-
lioteca Comunitária Quilombo dos Poetas /
tidiano. Essas iniciativas contam com o apoio e divul-
Oficinas de Teatro, Capoeira, Reforço Escolar,
gação da TV Comunitária BEG TV, Rádio Inovasom FM,
Grafite, Dança de Rua, Cine Mais Cultura, Ex-
Rádio Clube FM e Rádio Life, dando mais visibilidade
posição permanente “O Negro na Cultura Popu-
as ações culturais promovidas pelas instituições na lo-
lar Brasileira”.
calidade.
• Projeto Construir - Igreja Batista - Informáti-
Na Vila Aliança houve movimentos culturais que mar-
ca, biblioteca, cursos de cabelereiros, dentista,
caram a sua história como as manifestações folclóricas:
artezanato em biscoat, cursos de inglês, corte e
Blecota, Frevo Mulher, Brechó, festa junina da Igreja
costura.
Católica Paróquia Menino Jesus de Praga, festa Junina
• Núcleo Sociocultural Caixa de Surpresa - Bib-
da Praça do Aviador e o Bloco Carnavalesco Boêmios
lioteca, fotografia, percussão, dança étnica, in-
de Vila Aliança. Estes eventos mobilizavam toda a Co-
formática, teatro, artesanato, bijuteria, reforço
munidade do final dos anos 70 até o início dos anos 90,
escolar, recreação esportiva, cidadania e alfa-
sendo que a Frevo Mulher atua até hoje com sede em
betização jovens e adultos.
Duque de Caxias e a Igreja Menino Jesus de Praga retor-
• Projeto Social Ponto Br – Instituto Brasileiro
nou seus festejos Juninos com o Grupo Panela Velha de
de Inovação em Saúde Social –IBISS - Fotografia,
terceira idade. Tais instituições folclóricas, eram muito
Futebol, Percussão e Artesanato.
solicitadas em diversas comunidades de dentro e fora
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• Paróquia Menino Jesus de Praga - Pré Vestibu- Pouco se pode falar de esporte e lazer dentro da Vila
lar Comunitário Aliança, visto a precariedade dos equipamentos culturais
• Associação Recreativa Esportiva de Vila Alian- e esportivos disponíveis, constata-se que estes são res-
ça – AREVA - Dança de Salão tritos e insuficientes. Outro ponto importante que vem
sendo percebido é a entrada de Organizações Não Gov-
ernamentais que também utilizam os esportes como uma
Esporte e Lazer abordagem para o desenvolvimento do trabalho social.
Em Vila Aliança a grande predominância na parte es- • ONG Educação Integrada Craques da Vida - Futebol
portiva é o Futebol, que também fez história com a con- • Projeto Esporte e Lazer na Cidade – Ministério dos
strução da Associação Recreativa Esportiva de Vila Aliança Esportes - Prefeitura Municipal Terceira Idade, futebol,
(AREVA) em 1960, onde reuniam grupos que organizavam Judô, Jiu Jitsu, Dança, Academia Popular, Artesanato.
jogos nos campos de futebol conhecidos como Areva e • Projeto Construir - Futebol.
Sucata ou Beira Rio e promoviam excursões para diversos • Semente do Amanhã - Futebol.
lugares do Estado do Rio de Janeiro e fora. Com expansão • Centro Cultural A História Que Eu Conto - Terceira
das ocupações para moradia, esses campos forma extin- Idade, Skate.
tos, atualmente os jogos são realizados principalmente
na quadra na Praça do Aviador e adjacências. Na Quadra
também é desenvolvido o Programa Esporte e Lazer da Ci-
dade (PELC), (Ministério dos Esportes e Prefeitura do Rio
Religião
de janeiro).
Segundo a Pesquisa do CIESP, em relação à religio-
O PELC também é realizado na Associação de Moradores
Pro Melhoramentos de Vila Aliança junto ao Salão de Fes- sidade, um dado interessante é a grande presença de
tas Anne’s e compartilhado com outros espaços físicos do igrejas neopentecostais, foram contabilizadas mais de
Complexo de Vila Aliança e Senador Camará oferecendo 40 nas localidades de Vila Aliança e adjacências. Em-
atividades de futebol, Judô, Jiu Jitsu, Dança, Academia bora não seja o território de apenas uma das igrejas,
Popular, Artesanato, etc. a região se caracteriza por grande número de igrejas
Contudo, existe a falta de investimentos e estrutura gov- neopentecostais, em especial as de pequeno porte que
ernamental ao acesso a outras modalidades esportivas, se instalam dentro das comunidades de baixa renda da
como: Vôlei, Basquete, Skate, entre outras. região. A força se mostra pela capacidade com que os
O Cultural A História Que Eu Conto em parceria com o líderes religiosos conseguem se transformar em lider-
Centro de Capacitação de Desenvolvimento Social (CCDS),
anças políticas.
implantou em sua sede o Programa Pro Jovem Adoles-
cente - PJA. O PJA é um Programa do Governo Federal de Existem outros templos religiosos, como: Igreja Católi-
Políticas para a Assistência dos adolescentes e suas famí- ca, Religião Afro Brasileira, Testemunha de Jeová, entre
lias, principalmente os que recebem Bolsa Família. Além outros, mas não com a mesma evidencia que as Evan-
do Centro Cultural A História Que Eu Conto, a Associação gélicas. Na Vila Aliança foi constatada a presença de:
de Moradores do Taquaral e o Centro Comunitário de De-
fesa da Cidadania (CCDC), também efetivou esta parceria. • 3 Igrejas Batistas;
Em suas sedes são oferecidas as atividades de Esporte, • 16 Assembleias de Deus;
Teatro, Grafite, Estamparia, Dança de Rua e Orientação • 1 Templo de Testemunhas de Jeová;
Social para o Trabalho. • 1 Igreja Universal do Reino de Deus;
Como opção de lazer, a Praça do Aviador é o ponto de en-
• 4 Templos de Religião Afro brasileira.
contro dos moradores, principalmente aos finais de sema-
na, onde são realizados eventos, como: Charme na Praça,
reunindo artistas de dança de rua e a adeptos dos bailes
Black dos anos 80, encontro evangélico, entre outras.
Assessoria Jurídica
Outra referência de lazer é o baile funk, que acontece no
É extremamente precária a situação de acesso à Justiça
Boêmio de Vila Aliança, a grande concentração de mora-
em Vila Aliança. Foi detectado apenas um posto avan-
dores que se reúnem, promovendo churrascos e pagodes
çado da OAB na região do Taquaral, bairro adjacente,
na casa de amigos e familiares.
que atende a vara de família (Associação de Moradores
do Conjunto Taquaral - AMOTAL).
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A Vila Aliança conta com Associação Pró Melhoramen- Civil responsável pela atuação no território é a 34ª DP
to de Vila Aliança, fundada em 1968, atualmente presi- em Bangu, localizada na Rua Sabogi, 51.
dida pelo Sr. Ricardo Ananias. Em 2009, a Vila Aliança e Senador Camará foram con-
Não existe em Vila Aliança qualquer projeto de media- templados como áreas PRONASCI, o Programa Nacio-
ção de conflitos. Quanto a violações de direitos, não nal de Segurança com Cidadania, uma política pública
contam com um serviço de recebimento de denúncias. implementada pelo Ministério da Justiça através das
Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da OAB- Secretarias Municipais, porém, não há previsão de
RJ foi proposta a instalação de um posto avançado da quando será iniciada. Será um investimento milionário
Ordem para tratar de violação de direitos, porém não que compreenderá a saúde, educação, cultura, esporte
se tem notícias de quando será implementado. e lazer, infraestrutura, etc.
Segurança Pública
A Vila Aliança nos últimos anos passou a ser evi-
denciada pelas grandes mídias devido às constan-
tes operações policiais, uma delas ganhou destaque
nos noticiários internacionais, por se tratar de uma
verdadeira caçada humana. Como em diversas co-
munidades há a presença do tráfico de drogas. Se-
gundo a pesquisa do CIESP, as incursões policiais
se tornaram frequentes a partir de 2007, na gestão
do secretário de segurança José Mariano Beltrame,
que adotou a chamada “Política de Enfrentamento”.
A escolha foi fazer incursões de grande porte nas Co-
munidades do Rio de Janeiro para prender lideres do
tráfico. Com isso a Vila Aliança local de enfrentamento
constante e os moradores passaram a viver com maior
regularidade situações de conflito.
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Laboratório de Direitos Humanos de
Manguinhos - RedeCCAP
“os primeiros loteamentos desta região, no
Equipe local de elaboração: Fernando Luis entanto, datam de fins do século XVIII, com
Monteiro Soares, Rachel Barros de Oliveira, a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de
Daniele Oliveira, Leonardo Sobral de Jesus, Pombal, a partir de setembro de 1759. O
Nathália Marcelino Custódio, Larissa Lina Pinheiro, Engenho Novo dos jesuítas foi desmembrado
André Luiz Teodoro em chácaras e propriedades rurais e,
posteriormente, foram abertos arruamentos.
Grandes proprietários como Paim Pamplona
Manguinhos: e Adriano Müller lotearam o Jacaré fazendo
surgir as ruas principais: Dois de Maio e Lino
passado e presente Teixeira”
Os primeiro registro histórico1 que encontramos A implantação da estrada de ferro Leopoldina Railway3,
de ocupação permanente para fins de moradia na década de 1880-90 representou o início do
de pequenas comunidades humanas da região de aterramento de diversas regiões da baixada fluminense,
Manguinhos nos leva ao período de decadência do entre elas, dos manguezais do estuário de Manguinhos.
latifúndio monocultor da cana-de-açúcar e do café, que Período em que a expansão urbana e demográfica da
se estendia pelas planícies da região norte da cidade cidade imperial do Rio de Janeiro utilizava estas regiões
do Rio de Janeiro em direção à baixada fluminense, e estuarinas para aterros sanitários. A literatura também
ao processo de abolição da escravidão2. No entanto, registra a existência de estabelecimentos de corte
como esta era uma região de manguezais, ricos em e beneficiamento de couro animal nas imediações
biodiversidade, era utilizada por grupos sociais que de Manguinhos, com direcionamento do cortume
habitavam em seu entorno, desde antes de 1500, pela (subproduto tóxico) para seus mangues. Nesta época,
população nativa (indígena) - dizimada desta região também os esgotos domésticos eram levados em
pela colonização européia -, por ex-escravos fugidos grandes barris para serem lançados na ‘vala’ por
e libertos e migrantes pobres de outras regiões da escravos ‘mascarados’, reconhecidos como ‘Tigres’4.
cidade, do estado e do país. Os manguezais eram uma Os Aterros sanitários e viários provocaram conflitos
extensão de seu habitat, em atividades de caça, pesca,
extrativismo e produção artesanal de utensílios, a 3. A estrada de Ferro Leopoldina Railway, concessionária da The Rio de Ja-
partir de recursos de sua fauna e vegetação. neiro Northern Railway Company, empresa privada de capital inglês - cujo
O processo de adensamento populacional desta região primeiro nome é uma homenagem à princesa D. Leopoldina, era a primeira
tem início no período de crise do modelo latifundiário- concessão para uma estrada de Ferro que, partindo diretamente da cidade
do Rio de Janeiro, alcançasse a região serrana de Petrópolis. Concedido em
escravista e de início do processo de industrialização
4 de novembro de 1882, pelo decreto nº 8725 a favor de Alípio Luis Perei-
do país, mas, conforme o Instituto Pereira Passos, ra da Silva, com privilégios durante setenta anos, tendo sido seus estudos
este processo de ocupação tem um marco inicial na aprovados em 15 de setembro de 1883. Planejada para interligar a capital
expulsão dos jesuítas de Portugal: do império RJ à Petrópolis, onde a família real tinha sua ‘casa-de-campo’,
desbravando uma forma de interligar o porto do RJ à região de Minas Ge-
rais. Hoje a ferrovia serve para o transporte de milhares de passageiros por
dia entre a Central do Brasil, no Centro histórico do RJ, até Saracuruna, no
município de Duque de Caxias, e daí até Vila Inhomirim, no município de
1. Encontramos em Machado de Assis, referência ao deslocamento do en- Magé.
genho pequeno para a região de Manguinhos, no Morro da Titica ou do Azul
4. Estes escravos eram chamados de tigres por ficarem com a pele listrada,
(localizados no bairro do Jacaré).
“tigradas” pelos dejetos (fezes e urina) que carregavam em tonéis para des-
2. Morros dos pretos-forros. pejar na Baía, mares e valas, e acabavam escorrendo sobre sua pele.
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com os grupos sociais que faziam uso econômico e de salto quantitativo do percentual de urbanização da
subsistência destas regiões alagadiças5. população do sudeste, nesta série histórica, se dá
Em 1886, é lançada a Parada do Amorim da Railway, entre as décadas de 60 e 70, de 57 para 72,68%, um
próxima ao Morro do Amorim - de cujo cume se crescimento de 15,68%. Nas décadas seguintes, este
avistava a região estuarina de Manguinhos na entrada crescimento irá variar de forma decrescente, cerca de
da Enseada de Inhaúma. Nos anos que se seguiriam 10% (70-80); menos de 6% (80-90) e menos de 1% (91-
a este, o Morro do Amorim foi ocupado pelos 96), chegando neste último ano a 89,29%.
trabalhadores que ergueram o Instituto Soroterápico As grandes obras de urbanização e de aterramento
Federal, com sede em um ‘Castelo’, idealizado desta região - construção do Aeroporto de Manguinhos
pelo sanitarista Oswaldo Cruz, de estilo mourisco, e da Avenida Brasil6 - concretizaram o modelo de
inaugurado em 1901, atualmente dedicado ao ensino, desenvolvimento desta região, como parte importante
pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção em do projeto industrial brasileiro. Estes grandes
Saúde, como Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. empreendimentos também motivaram a ocupação
A mudança de escala populacional, dos milhares para desta região. Na década de 1940, ocorre a ocupação
a casa dos milhões de habitantes urbanos da cidade, de área de várzea, entres os rios Faria-Timbó e Jacaré,
com a ampliação da tendência capital-industrial dando origem a comunidade Parque Carlos Chagas ou
à concentração populacional, se deu a partir do Varginha.
final do século XIX, como condição do processo de O adensamento populacional desta região seguiu o
seu revocacionamento econômico-social, agrário- processo industrialização e expansão urbana da cidade.
industrial, conjugando a imigração, principalmente dos A partir da década de 1950, ocorre o início da ocupação
sertões de Minas Gerais e do nordeste do Brasil, pelo da comunidade de Vila Turismo em Manguinhos, para
processo de expulsão destas populações do campo, abrigar moradores removidos devido à remoção das
como ‘inclusão forçada’ ao projeto de modernização- famílias que habitavam em área portuário do bairro do
industrial do país. Cajú e das dez ilhas litorâneas da Enseada de Inhaúma,
Ao longo do século XX, há registros de fluxos imigratórios para o seu aterramento e construção da Cidade
expressivos, nas décadas de 1900-1920, período em Universitária da Universidade do Brasil (atual UFRJ).
que é instalada na região do entorno de Manguinhos Nos anos 60, ocorreram os assentamentos do Parque
(Jacarezinho) a antiga Fábrica Cruzeiro, da General João Goulart, entre a linha férrea e do Rio Faria-Timbó,
Eletric. Nas décadas seguintes, também registramos e do Conjunto Habitacional Provisório 2 (CHP2, como é
fluxos imigratórios, mas, o fluxo mais expressivo de reconhecido), devido a remoções de áreas enobrecidas
urbanização da população do campo para as grandes da cidade como a Praia do Pinto, na Gávea, e da Favela
cidades acontece a partir das décadas de 60-70, a partir do Esqueleto (para a construção da Universidade do
do mandato do presidente Juscelino Kubitschek (JK). Estado da Guanabara, atual UERJ), promovidos pelo
É nesta década que algumas das principais comunidades Estado.
de Manguinhos serão assentadas: Parque João Goulart, Nas décadas de 60 e 70, esta região experimentou
Vila Turismo e CHP2. um intenso processo de industrialização, que
Segundo os Censos Demográficos de 1960 a 1991 e também motivou um intenso processo de ocupação
a Contagem da População de 1996 do IBGE, entre populacional, principalmente por parte dos segmentos
1960 e 1996, a população urbana no país irá saltar de mais baixa renda, que eram levados a ocupar as
de 44,67% para 78,36%. Na região sudeste do país, áreas mais desvalorizadas como regiões alagáveis,
em 60, a população urbana já representava 57% do junto às margens de rios e da linha férrea, próximas
total. Na região nordeste, a mais rural do país, neste a aterros sanitários, da tubulação adutora de água
mesmo ano, este percentual era de 33,89%. O maior da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e
5. “(...) as obras da construção da ferrovia exigiram extensos aterros, di- 6. A obra de construção da Av. Brasil foi iniciada em 1939 e inaugurada em
ficultando a drenagem de uma região pantanosa, onde florescia a tabôa, 1946. Um dos principais projetos que concorreu para a definição dos rumos
fonte de renda de uma população escassa que se limitava a extraí-la para desta obra, está o de autoria de Jorge Macedo Vieira, em que ele cita, já em
confecção de esteira e lenha para fabricação de carvão”. In: Peres, Guilher- 1927, a existência do Bairro Industrial de Manguinhos, e defendia o trajeto
me. Estrada de Ferro Leopoldina Railway.Ed. Instituto de Pesquisa e Análi- da Avenida pelo litoral, contrariando as teses que defendiam o trajeto pelo
ses Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense (IPAHB). http:// interior.
www.ipahb.com.br/transpor.php. Consultada em 24 de abril 2010.
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das linhas de transmissão de energia elétrica de alta Mandela e, de moradores que moravam na beira
tensão. do Rio Jacaré, originando o conjunto habitacional
A partir da década de 80, esta região da cidade Samora Machel, na virada da década de 80 e início
começa a sofrer processos de desindustrialização que dos 90. Novas comunidades surgem, entre os anos 90
continuam até a atualidade, o que não correspondeu, e o início do século XXI, da relação entre crescimento
no entanto, a uma redução do volume de imigração populacional, adicionado ao contingente de êxodo
campo-cidade de outros estados e do interior rural, e a desativação de grandes plantas industriais,
do estado para a região metropolitana do RJ. Ao em uma área de alta densidade por área habitada e
contrário da tendência percentual de queda da taxa de alta taxa de crescimento vegetativo10.
urbanização, o volume quantitativo é crescente7. Seu Entre as décadas de 90 e 2000-2010, são constituídas
percentual representativo é que cai, devido a relação por ocupação: Comunidade Agrícola de Higienópolis
entre as escalas linear (percentual, representativa) e Vila São Pedro, localizadas entre as margens
e volumétrica (quantidade concreta). A região de do Rio Faria-Timbó e o entrocamento das Av. dos
Manguinhos registra um crescimento continuado e Democráticos, Rua Uranos e Linha Amarela; Novo
acelerado de sua população também nestas últimas Mandela, ou Nova Era, nos galpões desativados da
décadas de 80, 90 e 2000-2010. Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel);
O processo de expansão demográfica do território de Vitória de Manguinhos, nos ‘silos’ da extinta Companhia
Manguinhos, apesar do quadro de descapitalização e Nacional de Abastecimento (Conab); CCPL na planta
desemprego acentuados, apresenta, entre os Censos de de ensacamento de leite in natura da Cooperativa
1991 e de 2000, um das maiores taxas de crescimento Central dos Produtores de Leite (CCPL); e Mandela de
vegetativo da cidade, cerca de 20%. Nota técnica do Pedra, a comunidade mais populosa de Manguinhos,
Censo IBGE 2000 explicita a dificuldade em recensear imprensada entre a central de distribuição da Empresa
áreas sub-normais, e que, no caso de Manguinhos, este Brasileira de Correios, o Canal do Cunha e a Refinaria
Censo não considerava comunidades recentemente de petróleos de Manguinhos.
ocupadas, como a comunidade de Mandela de Pedra, Esta dinâmica de ocupação heterogênea, no tempo e
a mais vulnerável e a mais populosa comunidade de dos espaços, vem forjando um sistema complexo de
Manguinhos. Entre 1991 e 2000, a população do bairro relações sociais em que encontramos 16 associações
Manguinhos, reunia 10 comunidades8 e tinha entre 30 de moradores, cerca de sete dezenas de organizações
e 40 mil habitantes. Hoje, estimamos, esta população sócio-comunitárias, entre as mais de 40 igrejas,
deve ficar entre 40 e 50 mil habitantes. Atualmente, creches comunitárias, cinco grupos educativos (dois de
o Complexo de Manguinhos reúne 14 comunidades9, alfabetização, três de Educação de Jovens e Adultos-EJA
e sua população pode ser estimada em torno de 50 e e três pré-vestibulares), cinco organizações e/ou grupos
60 mil habitantes. Com base nos dados, incompletos, culturais como a GRES Unidos de Manguinhos, dois
do IBGE, o bairro de Manguinhos foi classificado entre grandes grupos de danças juninas, dezesseis grupos
os sete menores Índices de Desenvolvimento Humano esportivos, principalmente times de futebol amador,
(IDH) entre os bairros da cidade. mas nenhum clube social poliesportivo e cultural11.
Outras áreas de Manguinhos, até então inóspitas, Existem quatro características fundamentais que
serão ocupadas para reassentamentos de vítimas do determinam a composição social da população de
rompimento de tubulação adutora da Cedae, entre Manguinhos. Três delas estão imbricadas diretamente:
outros removidos de áreas de risco da cidade, de
enchentes, formando as comunidades de Nelson 1. Sua origem etno-histórica, que perpassa o
encontro e a miscigenação entre populações nativas
7. Alentejano, Paulo. Apresentação para evento da Campanha pela Limita- (caiçaras e extrativistas), escravos e ex-escravos afro-
ção do tamanho da Propriedade da Terra no Brasil, na ENSP/Fiocruz. descendentes, com as migrações promovidas pelo
8. Vila Turismo, CHP2, Parques João Goulart, Oswaldo Cruz (Amorim), Car-
los Chagas (Varginha), Nelson Mandela, Samora Machel, Embratel, Vitória 10. Acreditamos que esta taxa de crescimento vegetativo pode ter sido ten-
de Manguinhos (Conab) e Mandela de Pedra. dencialmente inflada devido a dificuldades no reconhecimento do contin-
gente populacional que tem origem no êxodo rural
9. Incluindo comunidades contíguas e com afinidades sócio-históricas si-
tuadas em outros bairros como a Comunidade Agrícola em Higienópolis e 11. Apesar da inauguração de um centro poliesportivo no âmbito do PAC-
a Vila São Pedro em Bonsucesso, a CCPL e a Vila União (e Ex-combatentes), Manguinhos, a sua gestão social deste ‘ainda’ não está integrada à dinâmica
em Benfica. sócio-comunitária.
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processo de proletarização/urbanização advindas dos Nela encontraremos informações fundamentais para o
sertões mineiros, nordestinos e das regiões norte, reconhecimento sócio-comunitário de Manguinhos.
noroeste e sudoeste fluminense, que vêm compor Comecemos pela expansão demográfica do apostolado
a força-produtiva e/ou de reserva do processo de católico, nas décadas de 60 e 70, principalmente, nesta
industrialização do país; região e dos bairros-proletários de então. Um dos
assentamentos desta década, na localidade conhecida
2. Sua composição etária é majoritariamente juvenil. como Beira-Rio (sub-localidade da comunidade João
Cerca de 20% da população tem de 0 a 14 anos. O Goulart situada entre o Rio Faria-Timbó e a linha
que conjuga alto índice de crescimento vegetativo férrea), têm nomes de santos católicos em todas as suas
(20%) e um baixíssimo índice de expectativa de ruas e becos. Neste período, a Igreja Católica através
vida. Estes dados reapresentam a juventude como da Fundação Leão XIII, em associação com o Estado12,
vítima preferencial da violência institucionalizada e a Igreja Católica realizava a gestão das ‘políticas civis
dos processos de criminalização da pobreza para a e sociais’, desde o registro civil de nascimento à
reprodução do sistema capitalista belicista e o controle política dos Conjuntos Habitacionais Provisórios13 para
social punitivo destes segmentos populacionais; removidos, retirantes e reassentados, do processo de
gentrificação capitalista da cidade do RJ.
3. A diferença na composição de gênero, entre Em dezembro de 1960, assinada pelo arquiteto Oscar
mulheres, 52,7% da população, e homens, 47,3%, Niemayer, foi inaugurada a Capela de São Daniel
segundo o Censo Manguinhos 2009/10, é de quase 6%, Profeta, pelo Presidente Juscelino Kubitschek e pelo
o que corresponde a mais de 3 mil mulheres a mais Governador do então Estado da Guanabara, João Sette
do que homens na comunidade. Na linha de evolução Câmara em Manguinhos.
etária, na faixa de 0 a 14 anos, existe uma equilíbrio Os anos 80, combinando o início do processo de
nesta relação de gênero. Esta diferença aparece de desindustrialização, desemprego estrutural e a
forma mais acentuada no período da juventude, ‘redemocratização do país’, abriram a possibilidade de
principalmente, entre 15 e 30 anos; atuação das Comunidades Eclesiais de Base – CEB, em
Se conjugarmos estas características, percebemos que uma perspectiva ecumênica, o que foi determinante
este desequilíbrio de gênero poderia ser o resultado para a resistência da instituição católica no bairro.
de um processo de criminalização penal-punitivo e O período de avanço demográfico das correntes
extrajudicial de jovens pobres de Manguinhos. O que evangélicas corresponde ao período de hegemonia
também retroalimenta o mercado da prostituição e a das políticas neoliberais no Brasil, a partir de meados
tendência à poligamia. da década de 80. Todo este período, de 60 até a
atualidade, é atravessado por um processo histórico de
4. O quarto elemento (característica fundamental) reside perseguição e coação contra os grupos afro-religiosos,
no processo de cristianização destas comunidades. como processo de massificação, intrinsecamente
Sinteticamente, vamos restringir o escopo histórico da relacionado ao processo de industrialização do país, e
análise, às cinco últimas décadas (1960-2010). de resistência destes grupos afro.
A perseguição contra os grupos afro-religiosos é um
fator histórico determinante da formação sócio-
comunitária contemporânea de Manguinhos. Existem
A perseguição contra os grupos afro- 12. Criada pela Igreja em 1947, a Fundação Leão XIII trabalhava com a
religiosos é um fator histórico determinante da perspectiva de medidas de médio prazo, que promovessem os favelados,
cabendo à Fundação dar assistência moral e material a estes. A Fundação
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evidências qualitativas da existência, até a década de situação-limite15, ou ‘Coréia’ (como é denominada uma
80, de mais de uma dezena de templos (terreiros) de determinada localidade do bairro, no CHP2), o que
cultos afro-religiosos, reduzidos, na atualidade, a duas reproduz situações de extrema miséria e degradação
unidades. sócio-ambiental, como espaços de solidariedade
Na década de 90, com a eleição para o Governo do necessária, em que reconhecemos empiricamente as
Estado do casal Anthony e Rosinha Garotinho e de áreas de maior vulnerabilidade e risco sócio-ambiental
Benedita da Silva, líderes do movimento evangélico, de Manguinhos. Os moradores também atestam
esta prática se institucionaliza no próprio Estado, discriminação quanto ao local de moradia no acesso
através de políticas sociais como o Cheque-Cidadão, a emprego. Alguns jovens, estudantes de escolas
em que se promoveu a terceirização da gestão da particulares, principalmente, preferem dizer que
assistência em uma perspectiva caritativa. moram em um dos bairros do entorno de Manguinhos,
A partir do ano de 2003, o Programa federal Bolsa-família temendo serem discriminados.
começa a romper com esta lógica, de terceirização da Em nossos relatos de pesquisa, vimos que muitos
assistência, e integra os programas de transferência de moradores não conhecem as demais ‘sub-comunidades’
renda, associando-os à matrícula escolar, e recebimento de Manguinhos. Muitos deles se declaram como
do recurso diretamente em agências estatais. Contudo, pertencentes ao bairro Benfica, Bonsucesso, ou
a integração do Bolsa-Família não comprometeu Higienópolis. As instituições circunscritas reproduzem
a hegemonia cultural do movimento evangélico esta configuração difusa do espaço. O endereçamento
sobre a constituição sócio-política de Manguinhos postal codificado pela Empresa de Correios reproduz
na atualidade. O que explica, em uma perspectiva esta miopia quanto à localização geográfica de
doutrinária, da pré-destinação à pobreza, um quadro, Manguinhos, o que também se traduz na dificuldade
de tendência à fragmentação social institucionalizada, de reconhecimento dos órgãos circunscritos ao
desmobilização e conformismo quanto ao modelo de bairro, como Conselho Tutelar, Região Administrativa,
organização econômica, política e social. Conselho Regional de Saúde, Coordenadoria Regional
Na atualidade, o reconhecimento de Manguinhos é de Educação.
heterogêneo e fragmentado, ainda que conforme uma Apesar de detectarmos redes de inter-relacionamento
comunidade sócio-histórica, seu reconhecimento, em de organizações de Manguinhos e com outras
si, é problemático, complexo e difuso. Diretamente organizações, de fóruns e redes sociais tangenciais e
associado a situações de ‘criminalidade’, por mais de abrangentes, de favelas, de solidariedade, de direitos
70% de todas as matérias dos jornais pesquisados que humanos, campo-cidade, desportivas, religiosas,
mencionam esta região (2007-2010), reconhecida pela culturais, a situação que mapeamos é de intensa
imprensa como ‘Faixa-de-Gaza’ em alusão ao confronte fragmentação do tecido sócio-comunitário, induzida
entre Israel e a Palestina14. pela gestão clientelista, autoritária e tecnocrática
Certas frases são repetidas e reiteradas por pessoas das políticas públicas, na perspectiva da inserção
que não se conhecem e em espaços diferentes no subalternizada/precarizada de Manguinhos na divisão
cotidiano desta região. Em uma delas, dizer ‘vou lá do internacional do trabalho, no sistema capitalista
no Manguinhos’ significa que se vai em outra parte globalizado, como sub-sistema16 das cadeias-produtivas
do bairro, mas, quem diz está em Manguinhos e não das indústrias bélica, petroquímica, química, metal-
sairá de seus limites geográficos. Esta formação frasal mecânica, gráfica, eletro-eletrônica, têxtil e cimenteira/
traduz significados diferentes: como negação do construção civil, entre outras, como materialização
pertencimento do sujeito ao bairro, problematização das relações entre as classes capitalistas e as frações
ou como ‘provocação’ do reconhecimento do outro, de classe dominantes no local, como reprodução de
conforme o reconhecimento dos sujeitos dos discursos. territórios d’exceção.
Neste último uso, o ‘provocativo’, o outro seria uma Neste contexto, as políticas sociais em geral assumem
um caráter que conjuga uma ‘visão pejorativa de
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povo’, traduzida em uma perspectiva comportamental- “Assim a AP 3, primeira zona industrial da cidade,
funcionalista destas políticas, e uma perspectiva bem servida de meios de transporte, bastante próxima
assistencial-caritativa, como depreendemos da do centro e ela própria com muitos estabelecimentos
análise do quadro sócio-comunitário de Manguinhos, empregadores de mão-de-obra, ainda detém a grande
da relação entre o número de igrejas e demais maioria da população favelada: quase 50%”
organizações sociais de Manguinhos, da ordem de
50%, mas também da função histórica exercida pela As condições concretas de precarização destes meios
Fundação Leão XIII e da análise das políticas públicas, de transporte populares, das classes média e a de baixa
de afirmação dos direitos sociais, em Manguinhos. renda, são preocupantes. Apesar dos investimentos e
modernização, o cotidiano dos usuários destes veículos
INFRA-ESTRURA URBANA, ECONOMIA-POLÍTICA, é muitas vezes indigno, devido à superlotação. Um das
EDUCAÇÃO, CULTURA, TRABALHO e RENDA piores situações, neste sentido, é a do Metrô. Uma das
únicas formas de acesso direto, na integração entre
Perfil de Acesso à Cidade: alta integração as Linhas 1 e 2 do Metrô, para a região Centro-Sul da
relativa e restrita integração concreta cidade. O problema é a superlotação nos horários de
maior demanda e o tempo de intervalo muito grande
A condição de integração urbana da região de nos períodos de menor afluência de passageiros.
Manguinhos é de alta intensidade e de fácil Condições que, segundo o Sindicato dos Metroviários,
acessibilidade. Ainda que as condições de transportes foram deterioradas pela privatização do serviço
sejam precarizadas, Manguinhos situa-se nas margens (concessão privada).
do eixo de desenvolvimento sudeste do Brasil à Esta integração física precarizada, no entanto, contrasta
cidade do Rio de Janeiro, via Av. Brasil. Ela pode ser com uma desintegração sócio-econômica, concreta.
considerada a espinha dorsal do projeto moderno- A condição de renda é a que melhor caracteriza esta
industrial brasileiro, pois é cortada por diversas contradição entre a acessibilidade concreta e relativa.
vicinais que a integram à região de Jacarépaguá via O custo mínimo dos transportes (passagens de ida e
Rodovia Expressa (RE) Linha Amarela; à região norte- volta), para reprodução das condições de trabalho,
leopoldinense, no ramal ferroviário, ligando à região da chega a cerca de 20% do salário mínimo por pessoa.
baixada fluminense até Duque de Caxias; São Paulo e O custo da alimentação chega a 50% por família (de
para a região serrana (Magé, Petrópolis e Teresópolis) até 3 pessoas). Os 30% restantes não serão suficientes
e de Minas Gerais; que são interligadas pela Av. Brasil para despesas com saúde, educação, cultura, lazer,
(via Av. Perimetral) e Linha Vermelha às regiões Centro- vestuário e infra-estrutura de moradia. Cerca de 20%
Sul da cidade do RJ, e que conformam este corredor da população de Manguinhos têm renda familiar
industrial rodoviário expresso que recorta a região de média de até 1 salário mínimo. Outras cerca de 27%
Manguinhos. têm de 1 a 2 mínimos. 25% têm até 3 mínimos. Mais
No ramal norte-suburbano da cidade, Manguinhos de 70% das famílias de Manguinhos sobrevivem com
é delimitado pela: Av. dos Democráticos e pela Dom até 3 mínimos. Cerca de 1% têm mais de 10 salários.
Hélder Câmara (antiga Suburbana), e pelo traçado Nesta situação, não é raro vermos reproduzidos
da Rua Uranos, cujo asfalto acaba onde começa relatos sobre os conflitos envolvendo usuários,
Manguinhos. Próxima da região do porto comercial patrões e trabalhadores dos transportes urbanos. Uns
e turístico do RJ, na região do Cajú, Benfica e de São dos personagens mais lendários são os ‘caloteiros’,
Cristóvão (uma das principais sedes históricas do que vão à praia, ao passeio, ao trabalho, sem pagar
governo imperial), na fronteira da região norte com a passagem, pulam o muro da estação de trem, entram
região central da cidade. A menos de 80Km de distância por trás, pulam a roleta, descem pela frente, entre
dos Aeroportos Internacional, na Ilha do Governador, e outras tramóias. Estes são perseguidos pelos patrões
Santos Dumont, na Praça XV-Centro do RJ. Na fronteira, que contratam tecnologias e empresas de segurança
pela Av. Brasil, com o bairro Maré, a menos de 30Km da (privada, paramilitar e/ou oficial), com este fim.
Baía da Guanabara. Ou, conforme estudos do Instituto Este perfil territorial de acesso também reforça a
de planejamento urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro tendência à gentrificação desta região, ainda que, a
(Cavallieri, IPP, 2007): consequência desta acessibilidade seja um alto índice
de poluição da atmosfera-respiratória, alto grau de
35
exposição ao chumbo, entre outros, como veremos na elevados da Classe B, por renda. A presença de uma
parte relativa à Saúde Ambiental. Classe A, em Manguinhos, se existe, não foi e/ou não
é detectável.
O Perfil por comunidade que o Diagnóstico PDU-
Perfil de Renda Manguinhos nos traz também é bem elucidativo. Ele
traduz a perspectiva ‘provocativa’ da dinâmica dialética
Note-se, no quadro comparativo feito pelo Diagnóstico e narrativa sobre a situação do outro em Manguinhos,
PDU-Manguinhos, que o número de famílias de dos mais ‘necessitados’, de locais muitas vezes
Manguinhos sobrevivendo com até um (1) salário proibidos pelas famílias zelosas, mas que se interpõe
mínimo é cerca de 100% maior do que nas outras favelas de forma muitas vezes traumática ao cotidiano de
do Entorno Subnormal (favelas próximas, como a Maré, seus moradores, no ranking das comunidades mais
Jacarezinho, entre outras). Em Manguinhos, como foi pauperizadas vemos o outro Manguinhos: 1. Mandela
dito, este percentual chega a quase 20%, enquanto de Pedra – 35% das famílias tem renda familiar de até 1
que, na média entre as favelas próximas a Manguinhos, mínimo; 72% têm até 2 mínimos; 2. CHP2 – 27% e 53%;
este percentual é de 11%. Este percentual superior de 3. Nelson Mandela – 17% e 53%; 4. João Goulart - 26%
famílias na mais baixa faixa de renda se reflete em e 42%; 5. Samora Machel – 14% e 38%. Os 2% mais
um desequilíbrio proporcional, de razão invertida, em ‘ricos’ da Mandela de Pedra ganham até 4 mínimos.
todas as demais faixas de renda, entre 1 a 2 salários, Este é o topo da pirâmide social desta comunidade – 4
Manguinhos 27%, outros 31%, de 2 a 3, 24 a 26%, de mínimos.
3 a 4, 9 a 14%, 4 a 5, 5 a 8%, 5 a 10, 6 a 7%, mais de 10 A Comunidade Agrícola de Higienópolis (CAH), que
salários, 1 a 2%. O que revela que a condição econômica pertence ao Complexo, mas não ao bairro Manguinhos,
da população de Manguinhos é pior do que a maioria mas a Higienópolis, é a única em que o percentual de
das favelas de seu entorno. 20% são cerca de 10 mil famílias com renda de até 1 mínimo é menor que 1%.
famílias em situação miserável. 50% são 25 mil famílias A CAH também é uma das três comunidades, entre as
em situação de extrema pobreza. 70% são cerca de 35 11 relacionadas pelo Diagnóstico PDU-Manguinhos,
mil famílias em situação de pobreza. Outros 20% são de que apresenta percentual expressivo de famílias com
classe média baixa, classe D17, na classificação do IBGE. renda maior do que 10 mínimos, cerca de 3%, junto
Menos de 10% são de classe média (Classe C). E menos com o Parque Oswaldo Cruz (POC) com cerca de 2%,
de 1% chega a pertencer aos estratos de renda mais e a Vila União e Conjunto dos Ex-Combatentes, esta
17. Bill, MV Quem não tem dinheiro nunca vai pertencer a classe ABC só
se for D. As classes D e E são as mais pobres da população. Em Manguinhos
elas representam 90% do todo.
36
comunidade com mais de 12%. Destas, ao menos o POC de escolarização e formação tecnológica. Muitos
e os Ex-combatentes têm um contingente expressivo de aprenderam na prática e/ou de forma auto-didática.
policiais civis e militares e militares da reserva e da ativa. Sem este reconhecimento, sujeitos inclusive a diversas
O que reapresenta a tese da expressiva composição formas de desvio de função e exploração do trabalho,
pública da renda dos 10% de maior renda entre os acabam restritos às vagas de menor remuneração e de
extratos de renda das comunidades de Manguinhos. maior rotatividade.
Menos de 2% dos moradores de Manguinhos chegaram
Perfil Educacional, Profissional e à universidade. O processo de universalização do direito
Ocupacional de Trabalho e Renda à educação só começa a ser promovido, nesta região,
a partir da década de 80. Ainda assim, permanecem
Para garantir a força-de-trabalho para o projeto enormes gargalos de acesso das crianças e jovens de
industrial brasileiro e a própria produção do habitat Manguinhos à rede escolar circunscrita. O maior déficit
comunitário, de baixo-custo, várias capacidades de vagas está no 2° segmento do Ensino Fundamental.
técnicas foram requeridas para a industrialização e Para mensuramos este gargalo, com o apoio do Projeto
para a melhoria/adaptação das condições de habitação AIPS - Ações Intersetoriais em Promoção da Saúde no
operária. Uma das características dos trabalhadores Canadá e no Brasil, fizemos uma relação das vagas
de Manguinhos é a politecnia: as diversas capacidades disponíveis em 2009 para este segmento, nas escolas
adquiridas no processo histórico de produção social da municipais da 3ª. e da 4ª.CREs, incluindo as escolas
vida. Esta capacidade, no entanto, não é, muitas vezes, que recebem alunos de Manguinhos de outros bairros
reconhecida. A informação qualitativa reapresenta adjacentes e totalizamos cerca de 1950 vagas. No
um enorme contingente de profissionais que não têm primeiro segmento, no entanto, existem 4.150 vagas.
comprovação formal de suas capacidades técnicas. Uma diferença no número de vagas superior a 100%,
Durante duas gerações, da década de 60 até hoje, um enorme gargalo.
não havia ou eram muito escassas as possibilidades O déficit de vagas, no entanto, permeia todos os
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segmentos desta rede escolar. Mas é mais agudo neste O movimento comunitário foi um
segmento. Uma demonstração deste déficit se deu
no processo de inscrição de estudantes na recém- desdobramento das estratégias de
inaugurada Escola/Colégio Estadual Compositor Luiz
Carlos da Vila, construída pelo PAC-Manguinhos, de sobrevivência destas mulheres, chefes-de-
ensino médio. Preocupada com a baixíssima procura
de vagas por estudantes de Manguinhos e sem um
família ou não, diante da oferta de vagas de
diagnóstico da situação, sua diretora foi a campo para emprego, principalmente na indústria têxtil.
compreender o fenômeno. E teve a sensibilidade de
perceber o grande contingente de moradores que não
conseguiram completar o Ensino Fundamental, devido
ao gargalo existente e/ou às péssimas condições de O movimento comunitário foi um desdobramento
vida e de escolarização. Como efeito da descoberta, das estratégias de sobrevivência destas mulheres,
conseguiu autorização de seus superiores para abrir chefes-de-família ou não, diante da oferta de vagas
turmas de Educação de Jovens e Adultos. No Ensino de emprego, principalmente na indústria têxtil. A
Médio, mapeamos com o AIPS, 2160 vagas até 2009 responsabilidade muitas vezes recaía sobre as avós.
e 4.160 a partir de 2010, com a inauguração da Luiz Deste contexto emerge o movimento das mães
Carlos da Vila. O gargalo, somado às péssimas condições crecheiras. A municipalidade então encampa este
gerais de escolarização, é o que explica o fenômeno de movimento. Como o sistema de conveniamento é
retração da demanda, identificado nesta escola, em um precarizado, algumas creches acabam tendo que fechar
ambiente de déficit de vagas, ou seja, de alta demanda. as suas portas por longos períodos de tempo. Como
A maioria das escolas públicas que matriculam alunos observou a pesquisadora Carla Moura, no Diagnóstico
de Manguinhos foi construída para Higienópolis e da Educação em Manguinhos, entre 2004 e 2007,
adjacências. A primeira escola pública construída em houve uma redução do número de vagas disponíveis
Manguinhos foi a E.M. Brício Filho, próxima ao Conjunto em creches de 680 para 442, com a redução de mais de
do Ex-combatentes, inaugurada em 1957. Antes desta, 200 vagas em creches comunitárias, de 341 para 115.
entre as mais próximas de Manguinhos, mas localizadas Principalmente nas fontes primárias, qualitativas, até
no bairro de Higienópolis, em 1939 é inaugurada a E.M. por falta de informações oficiais sobre evasão escolar,
Oswaldo Cruz, em 1950, o C.E. Prof. Clóvis Monteiro percebemos a depreciação acelerada da qualidade do
e, em 1951, C.E. Washington Luiz, ambos de Ensino ensino público (terceirização). A Prof. Clóvis Monteiro
Médio, todas voltadas para os bairros de Higienópolis teve entre seus estudantes, entes da família do
e Maria da Graça. Esta última funcionava no turno da governador do Estado. Hoje, com mais estudantes de
manhã para Ensino Fundamental com E.M. Oswaldo Manguinhos do que em suas três primeiras décadas de
Cruz e tarde/noite com C.E. Washington Luiz para o existência, a escola, no entanto, assiste a um processo
Médio. de depreciação por falta de investimento público e pela
As creches começam a aparecer em Manguinhos restrição de gestão social democrática da unidade e da
somente na década de 80, como iniciativas do rede de educação de Manguinhos a uma perspectiva
movimento sócio-comunitário, na perspectiva da procedimental.
liberação da força-de-trabalho da mulher. Em 2009 Esta gestão social seria fundamental como estratégia de
existiam um total de cerca de 730 vagas em 04 creches exigibilidade de direitos e formação para a cidadania de
sócio-comuntárias (345 vagas), destas, ao menos 3 são alta intensidade. Em específico, identificamos a inércia
conveniadas com a Prefeitura (ainda que pese a relação da rede como um todo em: Promover a Territorialização/
de precarização que rege estes convênios), 3 creches Subjetivação Coletiva do processo educativo como
municipais (cerca de 300 vagas) e 3 privadas (cerca exercício do direito; Promover formas de Educação
de 80 vag). Com o PAC-Manguinhos, entrarão em Transversal em Direitos Humanos e Educação
funcionamento até 2011, mais 3 a 4 creches municipais Ambiental; Promover a horizontalização, em fóruns,
(EDIs – Espaços de Desenvolvimento Infantil). Elevando conselhos e redes sócio-públicas de Gestão Social da
o número de vagas para a casa das 1.200 vagas. Educação; Promover tecnologias educomunicativas de
Permanecerá, no entanto, um déficit maior do que o formação, informação e comunicação (equipamentos
número de vagas oferecidas. e metodologias de trabalho educativo). Esta inércia
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reproduz um alto índice de evasão escolar e restrição/ execução de uma política de capacitação profissional
precarização das condições de ensino. Desta forma que poderia ampliar o acesso dos trabalhadores de
persiste e continua sendo reproduzido, pela ineficácia da Manguinhos a níveis de melhor remuneração nas
rede de educação, um alto índice de desescolarização. frentes-de-obras, acabou por reproduzir a lógica da
A maior parte das matrículas na Educação de Jovens e ‘inclusão precarizada’. O PAC, no entanto, deixou uma
Adultos é do gênero feminino, mais de 70%. Uma parte herança: um centro de capacitação profissional, o CVT
expressiva destas mulheres por situações de gravidez – Centro de Vocação Tecnológica, que oferece cursos
precoce e predomínio de uma cultura machista e de capacitação profissional em diversas áreas, visando
sexista. A desescolarização também afeta ao gênero garantir a satisfação da demanda e desenvolvimento do
masculino, devido à necessidade de ‘arrumar emprego’ mercado. A Faetec, fundação estadual responsável pela
precocemente para ‘ajudar ou sustentar a família’. rede de ensino técnico-profissionalizante, acessada
Ainda são visíveis em Manguinhos situações de neste processo de negociação da demanda social
trabalho infantil e de exploração do trabalho juvenil. por qualificação profissional, ofereceu descontos no
Segundo levantamento da Estratégia de Saúde da pagamento das matrículas e mensalidades, e somente
Família feito em 2007, entre 10 e 18% das crianças em áreas de baixa complexidade. O acesso ao ensino
entre 07 e 14 anos de Manguinhos estão fora da escola. técnico ainda continua restrito.
O maior percentual é no Mandela de Pedra, com Poucas escolas de Manguinhos, como a Luiz Carlos
18,23%, seguido pelo Parque João Goulart com 18,15% da Vila e a EPSJV têm infra-estrutura laboratorial de
e pelo CHP2 com 15,51%. O que representa mais de informática, biblioteca, entre outros equipamentos. O
1.500 crianças do Complexo de Manguinhos, nesta déficit de vagas nos sistema escolar e profissionalizante
faixa etária, fora da escola. oficial e a degradação das condições de ensino
Em 1997 é implantado o CEFET Maria da Graça, para reproduzem uma situação de vulnerabilidade
profissional dos trabalhadores de Manguinhos, seja pela
falta do reconhecimento de suas capacidades, seja pela
falta de oportunidades de desenvolvimento técnico-
científico, seja pela exploração de sua necessidade de
sobrevivência e de sua família, como força-de-trabalho
‘desqualificada’ e/ou ‘exército de reserva’.
Neste contexto de desemprego, em uma perspectiva
de gênero, encontramos milhares de operárias do setor
têxtil, que também se desdobram como costureiras,
mães-crecheiras, cozinheiras, lavadeiras e passadeiras,
funções comumente associados ao campo genérico do
trabalho doméstico. Elas circulam a esfera doméstica,
passaram um bom período na esfera industrial, hoje
também ocupam espaços mal-remunerados na esfera
comercial e dos ‘serviços gerais’.
Os homens de Manguinhos são eletricistas, pintores,
bombeiros, marceneiros, soldadores, pedreiros,
técnicos em telecomunicações, telefonia, informática,
eletrônica, mecânicos, motoristas. São catadores
atender uma região com grande demanda por ensino e catadoras de lixo, são agentes e assistentes da
médio e formação profissional e em 1985 surge a estratégia de saúde da família, ou atuam no ‘terceiro
escola politécnica em saúde com a missão de formar setor’, são copeiras, garçons, jardineiros, diaristas,
profissionais de nível médio. São escolas públicas vendedores ambulantes e atendentes comerciais, são
federais a que só se tem acesso por concurso público balconistas, ou do mercado do sexo, são terceirizados e
e abrigam um percentual inexpressivo de jovens de não têm, em sua grande maioria, garantia dos direitos
Manguinhos. trabalhistas (férias, 13°, FGTS e aposentadoria), devido
Com o PAC-Manguinhos, emergem as demandas pela a situação de transitoriedade dos contratos de trabalho
‘qualificação profissional’ da ‘mão-de-obra local’. A e precarização das relações trabalhistas.
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As mulheres formam a maior parte do contingente pesquisa preferiu não caracterizar como emprego
ocupacional de Manguinhos, 53%, segundo Censo doméstico, refletindo o grau de precarização das
Manguinhos. Nos discursos dos jovens e de muitos relações trabalhistas das categorias incluídas neste
participantes dos grupos focais, ouvimos relatos campo dos ‘serviços domésticos’. Entre as categorias
de mulheres que trabalham como empregadas mais vulneráveis à situação de desemprego estão as
domésticas. Este dado reforça análises como o mais ‘desregulamentadas’ e as menos ‘especializadas’
estudo de Barros (2009) que apontam que o emprego como: 1. Serviços domésticos, quase 20%; 2. Serviços
doméstico se configura como a principal forma de gerais, mais de 15%; 3. Nunca trabalhou (1° emprego),
inserção precarizada da mulher no mundo do trabalho, cerca de 14%; 4. Comércio e vendas, 10%; 5. Pintor,
em especial para as moradoras de favelas. As mulheres pedreiro, eletricista e mecânico, cerca de 7%. Todos
que já residem em territórios estigmatizados, tem a os demais itens: de atividade na indústria, costureiras,
precariedade dos vínculos empregatícios como marca motorista e cobrador, serviços de escritório, têm
de suas ocupações. As mulheres moradoras de favela percentual inferior a 4% do total. Somados, não chegam
têm, então, um destino ocupacional bem marcado. ao percentual apresentado na categoria de serviços
A tabela abaixo mostra como o setor de serviços domésticos. Na categoria outros, que não chega a
– e podemos incluir o emprego doméstico nesta 15%, devem estar as categorias mais especializadas e
classificação – é o setor que mais emprega no complexo que gozam de menor vulnerabilidade ao desemprego:
de Manguinhos técnicos em telecomunicações, eletrônica, informática,
Dados do Diagnóstico PDU-Manguinhos sobre a enfermagem, carpintaria, marcenaria, entre outras
atividade anterior da população desempregada revela funções que têm percentual entre 0 e 1%, no máximo.
que o maior percentual, quase 20%, está concentrado Muitos trabalhadores, devido à situação de péssima
no item serviços domésticos. A categoria utilizada na remuneração e condições de trabalho, preferem buscar
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a autonomia, ou complementam sua renda montando que também é alta (23 por mil) em relação à média
suas próprias ‘oficinas’ e/ou comércio familiar. Daí da cidade (20 por mil), atrás de Manguinhos neste
emerge uma economia popular com grande potencial ranking vem Parada de Lucas com 33 por mil e Vigário
de desenvolvimento, na perspectiva da economia Geral com 31 por mil. Em relação à expectativa de
solidária, mas subsumida aos circuitos inferiores da vida, Manguinhos vêm novamente na frente, com uma
economia e sem uma inserção expressiva no mercado média de 57,4 anos. A média da cidade é 65,2 anos e a
abrangente, devido ao império das ‘grandes marcas’. da região de 64 anos. Depois vêm Vigário e Parada de
No que diz respeito à coleta de dados sobre a situação Lucas com 60 anos.
do direito à educação em Manguinhos, vale dizer que Quanto à renda média da região, 3 salários mínimos, é
informações importantes como índices de evasão a metade da média da cidade. Manguinhos, Vigário e
escolar, a oferta de vagas na rede de ensino ou em Parada: 2 salários em média.
determinadas instituições escolares, eram negadas, 18% da população de Manguinhos é analfabeta,
inexistentes ou omitidas, o que dificultou nossa análise. 9% na região norte-leopoldinense, e 7% na cidade.
Já no que se refere à gestão do PAC-Manguinhos� uma Apena 3,2% dos moradores de Manguinhos têm curso
das principais críticas dos movimentos sociais foi a superior, 18,2% dos ‘cariocas’, a taxa da Leopoldina é
falta de acesso às informações sobre o Projeto, como o de 10,6%, uma das mais baixas da cidade.
cronograma de obras, projetos executivos, orçamentos,
entre outras, que inviabilizaram a participação
qualificada dos atores sócio-comunitários.
A taxa de mortalidade infantil de Manguinhos é a
mais alta da região norte, 41 por mil nascidos vivos,
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Estratégias de Exigibilidade de Direitos, exigibilidade e a promoção de uma cultura de direitos.
Conclusões e Prognose O desenvolvimento territorializado dos sistemas de
acesso aos direitos humanos, na perspectiva da gestão
Os movimentos sociais de Manguinhos têm reafirmado democrática, pode deflagrar processos de emancipação
suas prioridades como base em uma leitura crítico- política e transformação dos modos de organização da
emancipatória de sua história. Nossa compreensão, sociedade, do Estado e de produção social das políticas
de que a violência deve ser enfrentada pelas políticas públicas. A identificação deste eixo-estratégico de
públicas sociais de educação, juventude, saúde, luta, na perspectiva da exigibilidade de direitos, pela
equidade, cultura, acesso à justiça e segurança, Produção e Gestão Democrática das políticas públicas,
é reafirmada na leitura das atas das audiências emerge como contra-face do reconhecimento desta
públicas sobre violência e segurança pública, do condição diagnóstica de território d’exceção.
PAC-Manguinhos e reuniões do Fórum desde 2005. Como a necessidade de refundar a esfera pública e
Em janeiro de 2008, o Fórum reafirma as seguintes ampliar a esfera social sem descuidar do processo
prioridades: 1. Saneamento básico e ambiental; interno de formação cidadã, como formas necessárias
Habitação Saudável para Todos; participação social para o enfrentamento das determinações históricas
como Gestão Democrática. e sócio-político-econômicas contemporâneas de
O prognóstico acima vem sendo refinado pelo Fórum, Manguinhos.
pois a realização dos direitos sociais é determinante para
o enfrentamento da violência, como processo histórico
de violação de direitos humanos e criminalização da Bibliografia:
pobreza.
Apesar da compreensão crítica do processo coercitivo BRUM, Mario. A Pastoral de Favelas e o movimento
de ‘ocupação do território pelo Estado’ o movimento comunitário de favelas na Redemocratização.
social também demonstra a compreensão de que CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História. Rio de
o exercício da cidadania é fundamental para a Janeiro, volume 2 – Número 3 – Ano 3 – dez. 2005
emancipação sócio-comunitária.
Contudo, é preciso reconhecer neste contexto a CARDOSO, Adauto L. Vazios urbanos e função social da
resistência de práticas e redes de solidariedade propriedade. Revista Proposta nº 116. Rio de Janeiro,
que permitem a sobrevivência de uma perspectiva Fase. Disponível em: http://www.fase.org.br/v2/
inovadora de organização social da produção, da admin/anexos/acervo/1_adauto.pdf
cultura e de emancipação político-social de seus
sujeitos históricos de direitos. Como exemplo, temos HOBSBAWM. Eric. A era do Capital: 1848-1875. São
o surgimento de formas inovadoras de constituição PAULO, Paz e Terra, 2009. 14ª ed.
de espaços, órgãos, fluxos e sistemas de gestão
participativa, como a construção do conselho gestor KOSIK, Karel. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e
intersetorial do sistema local de saúde (TEIAS, 2009/10 terra, 1995.
– PCRJ/SMS e ENSP/Fiocruz-FioTec). A constituição de
um ‘conselho local/regional de desenvolvimento sócio- MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro:
comunitário intersetorial’. O protagonismo destes Zahar Editores, 1955.
sujeitos é condição para a gestão social participativa e
para a eficácia dos investimentos sociais e dos sistemas MOREIRA, Marcelo Rasga; CRUZ NETO, Otavio;
de direitos. SUCENA, Luiz Fernando Mazzei; MARINS, Rogério
Nosso prognóstico perpassa necessariamente: 1. A Santos. Grupos Focais e Pesquisa Social Qualitativa: o
promoção das relações de solidariedade social; 2. A debate orientado como técnica de investigação. Revista
promoção de uma esfera pública de planejamento e Ser Social, Brasília v. 9, p. 159-185, 2002.
gestão participativa do presente-futuro deste território
por seus sujeitos históricos de direitos, o que também WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do
aponta para a necessidade de revisão/constituição/ Capitalismo
instituição social/pública participativa do Plano de
Desenvolvimento Urbano (PDU) de Manguinhos. 3. A
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