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RIO DE JANEIRO
2020
* Título do projeto original - Central de Medicamentos (CEME): Estado, multinacionais e a
disputa pelo mercado farmacêutico de medicamentos básicos na ditadura civil-militar (1971-
1985)
Objetivos
* Aprofundar o entendimento sobre os motivos que levaram o governo Geisel, através do IIº
Plano Nacional de Desenvolvimento, a esvaziar as políticas de desenvolvimento tecnológico e
produção de matérias-primas farmacêuticas geridas pela CEME entre 1971 e 1973.
Argumento de projeto
1
Decreto nº 66. 806, de 25 de junho de 1971. Diário Oficial da União, Seção 1, 25/6/1971, página 4839.
2
LUCCHESI, Geraldo. Autonomia e Dependência no Setor Farmacêutico — um estudo da Central de
Medicamentos (CEME). Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, 1991. (Dissertação de
mestrado). p.3.
3
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Plano Diretor de Medicamentos.
1973. Volume 1. Brasília, Ministério da Previdência e Assistência Social. p.37. EVANS, Peter. A Tríplice
Aliança: as multinacionais, as estatais e o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1980. p.114.
4
SENADO FEDERAL. Pronunciamento do presidente da Central de Medicamentos – João Felício
Scardua – na CPI da Previdência do Senado Federal. Brasília, 19/10/1983. pp.2-3.
5
Decreto 69.451, de 1º de novembro de 1971. Diário Oficial da União, Seção 1, 3/11/1971, Página 8827.
função do AI-5, a proposta da autarquia encontrou restrições políticas e orçamentárias
menores do que as impostas às outras instituições análogas geridas por ministérios, cujas
verbas possuíam teto limitado, ocorrendo uma ampla expansão das atividades da CEME até
1973.6
No entanto, tal conjuntura foi significativamente alterada entre 1974 e 1975, quando a
pressão da iniciativa privada farmacêutica contra o projeto e o despontar de uma crise
econômica e sanitária levaram o governo a publicar uma série de decretos e dispositivos
legais que transferiram a CEME para o âmbito do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS). Criado já sob a gestão Geisel, o referido MPAS era símbolo de um processo
de unificação do sistema previdenciário brasileiro e foi marcado na década de 1970 tanto pela
expansão de sua cobertura assistencial e farmacêutica quanto por suas graves limitações
financeiras.7 Tal fato gerou um descompasso entre as prioridades assistenciais do MPAS e
parte das finalidades científicas e tecnológicas da CEME, impondo tetos de orçamento e
gerando contradições de funcionamento que remodelariam a finalidade política e social da
autarquia a partir de então.
6
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Central de Medicamentos, Relatório
de Atividades 1977. Brasília, 1978. 52p. Anexos.
7
OLIVEIRA, Jaime Antonio de; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. (Im)previdência social: 60 anos de
história da Previdência no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985. p.237.
8
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Central de Medicamentos, Relatório
de Atividades 1977. Brasília, 1978. 52p. Anexos; CORDEIRO, Hésio. A Indústria da Saúde no Brasil. Rio de
Janeiro, Edições Graal, 1985. p.148; MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. O que é a
CEME. Brasília, 1981. p.13
9
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. O que é a CEME. Op. Cit. p.9
10
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. O que é a CEME. Op. Cit. p.9
A finalidade da presente pesquisa é o estudo desta transição de políticas públicas de
assistência farmacêutica entre 1971 e 1985, buscando compreender os interesses e os
objetivos políticos do regime com a criação da CEME, descrever a relação entre a iniciativa
privada, representada principalmente pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica, e
a auarquia e entender as motivações para a rearticulação das finalidades da empresa a partir
do governo Geisel.
Hipóteses
A hipótese principal desta pesquisa afirma que a CEME foi criada pela ditadura civil-
militar a fim de frear a desnacionalização dos laboratórios farmacêuticos brasileiros e alcançar
a autonomia nacional na produção de matérias-primas farmacêuticas, atendendo assim
demandas protecionistas e autonomistas provenientes de setores da iniciativa privada, do
funcionarismo público e das Forças Armadas. Através da criação da CEME, em 1971, o
Governo Federal passou a intervir diretamente na economia, organizando uma rede de
laboratórios públicos cuja finalidade era o suprimento dos medicamentos demandados pelos
sistemas de saúde e assistência médica da Previdência Social. Entretanto, devido à
dependência nacional no setor de matérias-primas farmacêuticas, o projeto da CEME também
previa a disponibilização de verbas para modernização da cadeia produtiva dos laboratórios
oficiais e para o desenvolvimento de pesquisas em áreas como botânica, química e farmácia.
Entre 1971 e 1973 a ABIF atuou no sentido de apontar os gargalos técnicos e as falhas
evidentes da gestão da CEME, a fim não de encerrar esta autarquia, mas de tornar a iniciativa
privada sua principal fornecedora de matérias-primas, medicamentos e know-how. Foram
denunciados fatores como a baixa integração da CEME em relação à iniciativa privada, a
demasiada participação de laboratórios públicos nas parcerias de fornecimento de
medicamentos e a insuficiência nacional de mão de obra especializada capaz de suprir a
demandas técnicas e de modernização defendidas pela CEME. No entanto, tais críticas
ganharam outra proporção a partir de 1974, em função de mudanças conjunturais como o
início da crise econômica e inflacionária ocasionada pelo 1º choque do petróleo, o ápice da
pior epidemia de meningite da história do país e a incapacidade da CEME de colaborar para o
controle desta emergência sanitária. Nossa análise considera que é neste contexto de
instabilidade que parte das demandas da ABIF foram acolhidas pelo governo Geisel,
ocasionando as mudanças que rearticulariam as finalidades da autarquia entre os anos de 1974
e 1975.
Fontes Primárias
Apesar de já ter sido objeto de estudo em outros trabalhos, a CEME, nesta pesquisa,
terá sua releitura a partir de algumas fontes até então inéditas sobre o tema, selecionadas em
11
A Gazeta da Farmácia, Outubro de 1971. p.14. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029548&Pesq=ABIF&pagfis=9913. Acesso em
12/11/2020.
caráter qualitativo e analisadas de acordo com a divisão de capítulos que compõem a tese. No
capítulo 1, apresentado na qualificação e dedicado a uma introdução à temática de pesquisa,
foi utilizado o dossiê do Conselho Consultivo da CEME (PB016), presente no Fundo Paulo
Barragat, da Casa de Oswaldo Cruz, dos quais foram aproveitados documentos do Grupo
Executivo da Indústria Farmacêutica (GEIFAR), órgão cuja operação inspirou as atividades
da CEME, além da Relação de Produtos Essenciais de 1965 e dos Critérios de Essencialidade
de Medicamentos de 1973. Também foram extraídas informações do projeto de criação da
CEME, de 1971, e dos Relatórios anuais da autarquia publicados dos anos de 1973, 1974,
1975, 1981 e 1982, documentos do Ministério da Previdência e Assistência Social cedidos
pelo Professor Marcos Dantas, ex-secretário da presidência da CEME e atual professor do
Departamento de Comunicação da UFRJ.
12
OLIVEIRA, Maria Auxiliadora; BERMUDEZ, Jorge Antonio Z. & OSORIO-DE-CASTRO, Claudia G.
S. Assistência Farmacêutica e Acesso a Medicamentos. Rio de Janeiro, Editora FIOCRUZ, 2007; BONFIM.
J.R.A & MERCUCCI, V.L. (Orgs.) A Construção da Política de medicamentos. São Paulo,
Hucitec/Sobravime,1997; MARQUESINI, Ana Maria B.G.; CARMO, Gerson T. Assistência farmacêutica -
Análise sistêmica Institucional da Central de Medicamentos: CEME. Revista de Administração Pública. Rio de
Janeiro, v.14 nº 1; p.127-78. 1980; PASQUETTI, Carolina. & JUNGES, Fernanda. O Desenvolvimento da
Assistência Farmacêutica no Brasil: evolução da legislação e o seu contexto histórico. UnB, 2013.;
LUCCHESI, Geraldo. Dependência e autonomia no setor farmacêutico: um estudo da Ceme. 1991. 370f.
Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Escola Nacional de Saúde Pública: Rio de Janeiro, 1991;
CORDEIRO, Hésio. A Indústria da Saúde no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1985.
13
CORDEIRO, Hésio. A Indústria da Saúde no Brasil. Op. Cit. p.144.
Já Geraldo Lucchesi, em dissertação de 1991, destacou a centralidade de categorias
como dependência e o nacionalismo na compreensão de iniciativas de cunho intervencionista
como a CEME, tendo fatores como a superação da dependência tecnológica e o alcance da
autonomia nacional na produção e consumo de produtos farmacêuticos sido preponderantes,
na visão do autor, para a decisão de criação da autarquia. 14 Todavia, apesar de apontarem para
esta interessante perspectiva acerca da criação da empresa, Lucchesi e Cordeiro não se
debruçaram profundamente sobre o tema, a fim de verificarem evidências que pudessem
sustentar suas proposições, sendo este o principal diferencial da presente pesquisa.
A fim de se inserir em tal debate, também foi realizada no capítulo 1 uma breve
revisão bibliográfica no intuito de compreender como políticas sociais tão necessárias como
as de assistência farmacêutica foram absorvidas pelo nacionalismo desenvolvimentista e pela
ideologia de segurança nacional defendida pela ditadura civil-militar, possibilitando assim a
criação da CEME. Foram consideradas obras de referência acerca da participação dos
militares na política brasileira, como as de Alain Rouquié, João Roberto Martins Filho, Alfred
Stepan e Maria Helena Moreira Alves, a fim de ser discutida a Doutrina de Segurança
Nacional e a relação desta com pautas como desenvolvimento econômico, a industrialização e
o nível de autonomia ou dependência nacional em setores produtivos considerados
estratégicos, dentre eles o setor farmacêutico.15
16
A Gazeta da Farmácia. Abril de 1975. p.5. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029548&Pesq=ABIF \&pagfis=11120. Acessado em
03/11/2020.
Resumo do capítulo apresentado na qualificação
17
GUIMARÃES, Plínio Ferreira. Outras formas de enfrentar a ameaça comunista: os programas
assistenciais do Exército brasileiro como estratégia de combate à guerra revolucionária (1964-1974). Belo
Horizonte, 2014.300f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais.
Forças Armadas, que passaram a colaborar para o sucesso da política farmacêutica da
autarquia a fim de atenderem seus interesses privados.
Nos meses de maio e junho iniciamos a segunda fase de consulta às fontes a fim de
construir o capítulo 3 da tese. Este está dedicado à compreensão do relacionamento entre a
iniciativa privada farmacêutica e sua principal entidade setorial representante, a Associação
Brasileira da Indústria Farmacêutica (ABIF) com a CEME. Para isso, busquei fazer um
histórico da relação entre a ABIF e a Central de Medicamentos, a fim de comparar em
diferentes anos o grau de receptividade, engajamento ou oposição da ABIF em relação à
CEME. A fim de historicizar a trajetória de relação da associação com o governo brasileiro,
foi feito levantamento das declarações dos presidentes e dos diretores da ABIF entre os anos
1962 e 1975, sendo, para isso, consultados periódicos como o Jornal do Commércio, Jornal
do Brasil, Correio da Manhã, e principalmente o Gazeta da Farmácia, jornal mensal
especializado publicado pelo Sindicato dos Proprietários de Farmácias e Laboratórios do Rio
de Janeiro e com circulação entre 1932 e 1981.
Foram utilizados como fontes adicionais os livros publicados pela ABIF e pela sua
herdeira, a Febrafarma, respectivamente denominados Indústria Farmacêutica e Cidadania e
História da Indústria Farmacêutica no Brasil.18 Apesar de serem obras oficiais encomendadas
por estas instituições, os referidos livros possuem um valor considerável em relação à
cronologia dos mandatos presidenciais na ABIF e das principais demandas defendidas pela
associação em cada época.
Chegamos ao fim de 2020 com três capítulos de nossa tese quase concluídos e com
mais de um ano para conclusão do doutorado. Temos a esperança de que concluiremos este
desafio independentemente das dificuldades.
18
PRADO, Luís André. Indústria Farmacêutica e Cidadania. São Paulo, Editora ABIFARMA, 1997;
CYTRYNOWICZ, Monica (Coord.). Origens e trajetória da indústria farmacêutica no Brasil. São Paulo,
Narrativa Um, 2007.