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SÉCULO XVIII
RESUMO
O presente trabalho é fruto das reflexões a partir do projeto de pesquisa intitulado: O Ceará
Profundo: a Construção do Cariri no Período Colonial- Uma Abordagem da História Social.
São analisadas as relações sociais estabelecidas a partir dos aldeamentos como estratégia do
governo metropolitano em controlar e manter uma reserva de mão-de-obra e como forma de
redução dos territórios indígenas ligado à política de concessão de sesmarias. Como recorte
temporal os setecentos, período de intensificação de apropriação de terras e conflitos com os
nativos na capitania cearense. Para esta construção analisamos a trajetória de doações de
terras no Riacho dos porcos na região do Cariri-Cearense, afluente do Rio Salgado que foi
alvo de grandes disputas por garantir suplementos hídricos que contribuía para a criação de
gados e para plantação.
ABSTRACT
This work is the result of reflections from the research project entitled: The Deep Ceará:
Construction of Cariri in Colonial- Period An Approach of Social History. the social relations
from the settlements are analyzed as the metropolitan government strategy to control and
maintain a skilled labor reserve and as a way of reducing indigenous territories on the
allotments granting policy. As the time frame seven, land appropriation intensification period
and conflicts with the natives in Ceará Captaincy. For this construction we analyze the
trajectory of land grants in Riacho of pigs in Cariri Cearense-region, the Salt River tributary
that was the subject of great dispute for ensuring water supplements that contributed to the
creation of cattle and planting.
1
Acadêmica do Curso de História da Universidade Regional do Cariri (URCA), Bolsista de Iniciação Cientifica-
PIBIC (URCA), rozyromao2014@gmail.com.
2
Orientador Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri- URCA,
professordarlan@gmail.com.
2
INTRODUÇÃO
A formação social cearense traz as marcas de uma história permeada por conflitos,
tensões, resistências, negociações, uma relação muitas vezes dura e sangrenta entre os agentes
sociais envolvidos no processo colonizador. Os grupos que primeiro se instalaram na
capitania intensificaram suas riquezas por meio da apropriação de terras e da criação de gado,
abrindo caminhos para o aumento das rendas reais e das principais famílias que foram se
constituindo, os índios foram exterminados, muitos escravizados, à medida que a povoação
aumentou os conflitos pela posse de terras também se intensificou ocasionando guerras entre
famílias no sertão cearense.
Durante muito tempo os historiadores relacionaram a terra como sinônimo de
latifúndio. No entanto nos últimos anos, os modelos centrados apenas no problema do
latifúndio foram reavaliados, a discussão sobre a questão agrária, as formas de trabalhos e de
acesso a terra, passaram a ser objeto da análise dos historiadores. Maria Yedda Linhares e
Márcia Motta, por exemplo, trataram da questão de propriedade e acesso a terra.
Com o embasamento nas fontes documentais e leituras bibliográficas chegamos a
alguns indícios de como se constituíram as relações sociais na capitania cearense. Entre a
historiografia que versou sobre a formação social do Ceará no período colonial, pode-se
destacar o autor Francisco José Pinheiro. De acordo com sua obra, Notas Sobre a Formação
Social do Ceará- 1680-1820, nem mesmo os índios convertidos à religião católica que viviam
nos aldeamentos, sob ordens dos missionários, não foram poupados a guerras injustas e a
escravização. (PINHEIRO, 2010)
José Eudes Gomes apresenta uma discussão acerca do desenvolvimento, das tropas
militares e poder no Ceará setecentista. Destaca que o processo de mercês e privilégios ligava
a Coroa Portuguesa aos seus vassalos. Tal fato é encontrado nos documentos administrativos
dos Avulsos do Conselho Ultramarino, nas cartas e correspondências de autoridades e dos
missionários. Gomes relata também a intensificação de doações de terra no Ceará que estava
diretamente ligada ao aldeamento e a expansão de gados, e versa sobre o afastamento dos
nativos para territórios pequenos, destacando as guerras e extermínio dos nativos. Em
contrapartida, a Coroa Portuguesa para incentivar a colonização oferecia uma parcela de
3
disputas por garantir suplementos hídricos, que contribuía para a criação de gados e para
plantação, e ainda a documentação dos Avulsos do Conselho Ultramarino e do Arquivo
Público do Ceará, primeiro volume da Coleção Memória Colonial do Ceara: 1618-1698 Tomo
I, Tomo II 1699-1720 e o segundo volume Tomo I: 1720-1726, que se encontram no Centro
de Documentação do Cariri- CEDOCC. E ainda a documentação que compunham os Avulsos
do Conselho Ultramarino e do Arquivo Público do Ceará no livro de Francisco José Pinheiro:
Documentos para a História Colonial, espacialmente a indígena no Ceará (1698-1825).
No século XVI, varias outras capitanias do Brasil já haviam sido devassadas, porém as
terras cearenses só entraram efetivamente nos interesses da Coroa Portuguesa e dos
colonizadores no Século XVII. Uma hipótese que envolveu as questões de apropriação na
capitania Cearense foi à constante busca de terras e riquezas, para eles o Ceará não poderia
mais ficar imune. De acordo com Capistrano de Abreu, “em 1580 a colonização alcançava
pouco adiante de Itamaracá, em 1586 já se afirmava na Paraíba, em 1597 começava no Rio
Grande do Norte: o Ceará não podia continuar imune por muito tempo na marcha acelerada
por o rio-mar.” (CAPISTRANO, 1988: 135)
Como tentativa de se apropriar mais facilmente das terras, os colonizadores, com o
auxilio da Coroa Portuguesa, iniciaram o processo de aproximação com os nativos, com o
objetivo de usá-los como reforço, tanto para suas conquistas como também nos aldeamentos.
O processo de aldeamento ligado às solicitações de terras mediante o sistema de sesmarias, os
serviços de mercê e privilégios, a tentativa de estabelecer amizade com os nativos, revelam
que tais práticas contribuíram intensamente para a apropriação das riquezas e para a geração
de conflitos na capitania Cearense.
Em 1618 Martim Soares considerado pela historiografia tradicional como o
desbravador do Ceará, na época ex-capitão-mor, fez um requerimento à Coroa Portuguesa,
pedindo meios para reconstruir o fortim3, no qual expressou também o interesse em se
apropriar das terras principalmente próximas as margens dos rios, e a estratégia de amizade
com os nativos. Considerava as terras boas tanto para o engenho como para criação de gados,
porém a colonização do Ceará se deu fundamentalmente pela pecuária.
3
Com base no requerimento de Martim Soares Moreno em 1618. Em 1612 Martim Soares Moreno constrói um
pequeno forte, no mesmo local em que Pero Coelho levantara o seu, denominou de São Sebastião. Soares
Moreno permanece por pouco tempo, foi chamado a combater os franceses no Maranhão, em 1618 solicita ao
Rei, meios para reconstruí-lo, porque o forte encontrava-se destruído.
5
O rio em si tem muito bons pedaços de terra para engenhos, e muitas madeiras boas
para tudo o que for necessário...Tem esta nova colônia 4 aldeias de índios de que é
senhor um índio chamado Jacaúna; muito bom índio e que me quer muito, para
pastos de todo gado são estas melhores terras.4( Coleção Memória Colonial do
Ceará Vol. I tomo 1, 2011: 39)
Os nativos não eram vistos como donos de suas terras, o território era reconhecido
pelos colonizadores que se instalaram como aberto e livre para os seus interesses; de acordo
com Marina Monteiro Machado em seu estudo sobre fronteira: posses e terras indígenas nos
sertões do Rio de Janeiro, a visão de terras livres não deve ser compartilhada e perpetuada
pela historiografia, tratar as terras como livres e desocupadas é negligenciar a presença
indígena, sendo um grande problema para entender a construção da sociedade brasileira.
“Pensar terras interioranas como livres implicou ignorar a presença indígena
predominantemente no território da América” (MACHADO, 2010: 42)
O governo metropolitano usou como estratégia para tentar resolver a questão indígena,
a criação dos aldeamentos, com o apoio da igreja Católica. Os aldeamentos serviriam como
instrumento de controle e ao mesmo tempo, para a redução dos territórios dos nativos. Nesse
processo de pacificação o discurso nos aldeamento relacionava a doutrina cristã ao trabalho, e
possibilitou as concessões de sesmarias aos colonizadores e ainda a garantia de uma reserva
de mão de obra para o trabalho nas fazendas dos grandes proprietários.
O aldeamento foi essencial para a imposição de valores aos povos nativos. Em 1695 o
padre Ascenso Gago e Manuel Pedroso foram enviados a Ibiapaba para Aldear os tobajaras.5
Ascenso Gago agregou a sua missão os tapuias Reriríu 6 que habitava uma serra distante oito
léguas de Ibiapaba. No relato do padre Ascenso Gago pode-se perceber como funcionou a
prática dos aldeamentos no sertão cearense. O mesmo encontrou-se em dificuldade para
viabilizar o aldeamento dos Reriríu, para o missionário seria impossível, ensinar a doutrina
cristã e aldeá-los sem ferramentas para o trabalho na lavoura como; machados, foices, e
4
1618: Requerimento do Capitão- mor do Ceará, Martim Soares Moreno, ao rei [D. Felipe II], a pedir meios para
reconstruir a Fortaleza, soldados e seus oficiais, armas, munições e pólvora para defesa dos ataques dos
holandeses e franceses e escala dos navios que do estado do Brasil vão ao Maranhão. Memorial colônia do Ceará
1618-1698. Acervo que compunha documentação dos Avulsos do Conselho ultramarino e do Arquivo Público do
Ceará.
5
São índios de língua geral- conservam os rostos limpos de lavores artificiosamente perpétuos. Procederam da
Bahia, e se estenderam pelo Rio S. Francisco, tendo domínio da ribeira até as serra do Rariguaçu, que há poucos
anos foram conquistadas pelos paulistas. (PINHEIRO: 2011)
6
Habitantes de uma serra distante de Ibiapaba 8 léguas. Os missionários o chamam de nação de corso. Seus
costumes: Não comem carne humana, é nação belicosa e muito valente. Tem por timbre morrer antes que perder
a batalha ou dar as costas ao inimigo. (PINHEIRO: 2011)
6
cavadores. Essa prática foi essencial para manter uma reserva de mão de obra no sertão
cearense.
Para poderem mais comodamente aprender a doutrina e serem cristãos e sendo isto
o que mais desejo, o não pude fazer até agora por falta de ferramentas para êles
roçarem e plantarem. Enquanto eles não viverem de suas lavouras, nem será
possível aldearem-se, nem nós doutriná-los, porque necessariamente hão de fazer
correrias pelos campos, buscando sustento quotidiano.7 (PINHEIRO, 2011: 42)
A Igreja Católica mantinha uma ligação de interesses com a Coroa Portuguesa, ainda
em 1695 no processo de aldeamento na Serra Ibiapaba, o Padre Ascenso Gago pediu recursos
para comprar de vinte a trinta novilhas para manter a missão no sertão cearense, relatou que
os campos eram bons, e durante sua missão poderia multiplicar a criação de gado e manter os
missionários de carne e os couros venderia, para transformar em ferramentas para os nativos
trabalhar. Os missionários prestavam serviços na evangelização dos nativos, ensinando a
seguir horários de trabalho, a se fixar em um local e plantar roças, e em troca a Igreja recebia
terras, gados, e privilégios para as missões e para os próprios missionários. “Poderiam os
religiosos, que ali assistirem, sustentando-se de carne, e os couros, que podiam conduzir ao
Ceará, se venderiam para se remediarem das ferramentas necessárias para os índios.” 8
(PINHEIRO, 2011: 43)
O processo de aldeamento contribuiu para redução brutal dos territórios dos nativos e
em meados do século XVIII, muitas nações já estavam aldeadas, e as terras da capitania
bastante disputadas. Os números de datas de sesmarias doadas na capitania cearense de norte
a sul expressam a intensificação de apropriação de terras. Ter a carta de sesmaria era utilizado
como estratégia para legitimar a propriedade, e à medida que a ocupação ia aumentando, os
conflitos e as resistências dos nativos também se intensificaram. Nos primeiros séculos da
colonização, o sistema de sesmarias foi utilizado como principal forma de distribuição de
terras, grandes concessões foram doadas.
A Coroa Portuguesa tinha uma visão de que, diante de tantas terras, não haveria
problema a doação de grandes porções. Ao mesmo tempo, os sesmeiros trabalhavam no
7
Carta ânua do padre Ascenso Gago e Manuel Pedroso de 1695, missionários Jesuítas que aldearam os tabajara
na Ibiapaba. Discurso do padre Ascenso Gago pedindo ao rei ferramentas para doutrinar e aldear os Tapuias
Reriíus na serra Ibiapaba em 1695. Francisco José Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho
Ultramarino e do Arquivo Público do Estado do Ceará. Documentos para a História Colonial Especialmente a
Indígena no Ceará (1690-1825).
8
Carta ânua do padre Ascenso Gago e Manuel Pedroso de 1695, missionários Jesuítas que aldearam os tabajara
na Ibiapaba. Documentos para a História Colonial Especialmente a Indígena no Ceará (1690-1825); Francisco
José Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho Ultramarino e do Arquivo Público do Estado do Ceará.
7
sentido de obter o maior tamanho de terra possível. Colonizadores que primeiro se instalaram
na capitania, não mediram consequências para se apropriar e multiplicar terras e riquezas na
região entre os descendentes. Conseguiram também cargos, através de um sistema de mercê e
privilégios, passando a atuar em várias instancias de poder.
No requerimento de Martim Soares Moreno em dezembro de 1620, está implícita a
relação estabelecida entre a Coroa Portuguesa e os colonizadores. No discurso utilizado para
apropriação de terras, com argumento de que foi o primeiro povoador e fundador e por ter
prestado muitos serviços a Coroa, Moreno se disse merecedor das terras. Tal prática veio a ser
um grande problema, com o aumento da povoação e seus interesses gerando muitos conflitos
entre os proprietários.
Diz Martim Soares Moreno, que foi o primeiro povoador e fundador da capitania e
fortaleza de Ceará, e por esse e outros serviços vossa majestade o despachou por
dez anos para a dita praça e, porque ele suplicante leva sua casa, e pretende de
meter fábrica na dita capitania de criações e negros, e fazer um trapiche de açúcar,
de que há de resultar grande proveito á real fazenda de Vossa Majestade e aos
moradores dali. Pede a Vossa majestade lhe faça mercê de doze léguas em quadra
de terra na dita capitania.9 (Coleção Memória Colonial do Ceará Vol. 1 tomo I,
2011: 54)
9
Requerimento do Capitão- mor do Ceará, Martim Soares Moreno ao rei [D. Felipe II], a pedir concessão de
doze léguas de terra na capitania do Ceará, ant. a 7 de dezembro de 1620. Memorial colônia do Ceará 1618-
1698. Coleção que compunha a documentação dos Avulsos do Conselho ultramarino, e do Arquivo público do
Ceará. TOMO 1, volume I.
10
Exposição do Padre Antonio de Sousa Leal, missionário do Brasil, em que dava conta, segundo ordem Del-Rei,
de todos os agravos feitos ao gentio nas capitanias de Ceará, Pernambuco e Piauí, onde estiveram 17 para 18
anos juntos de varias “nações”. Francisco José Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho Ultramarino e
do Arquivo Público do Estado do Ceará. Documentos para a História Colonial Especialmente a Indígena no
Ceará (1690-1825).
8
os grandes proprietários de terras utilizavam o trabalho indígena forçado sem pagar nada para
o seu sustento e não deixava tempo para que os nativos já aldeados cultivassem suas próprias
terras.
Que estas guerras as mandão fazer os capitães mores todas as vezes q.[que] se lhe
antoja e lhe persuada a sua ambição e a dos moradores porque todos são
interessados nos ativeiros dos pobres índios e ainda os q.[que] estão aldeyados e
tem clérigos por seus missionários, são vexados pellos capitães mores com grandes
violências e injustissasporq.[que] os obrigão a q.[que] lhe trabalhem paelles sem
estipêndio, e sem sustento occupando os Índios em pesca, em lavrar mandioca,
cortar e conduzir madeiras, as Índias em lhes fiar algodão e o mesmo fazem tãobem
em parte os soldados dos prezidios e os moradores, e roubando as molheres e filhos,
e com tal devacidão e soltura como se tudo forãoactos muitos lícitos, e não
merecem, nem castigo, nem reprehensão;11” (Documentos dos Avulsos do Conselho
Ultramarino. PINHEIRO, 2011: 78)
11
Importante parecer do conselho ultramarino em 29/10/1720, fazendo apreciação pormenorizada da Capitania
do Ceará. Documentos para a História Colonial Especialmente a Indígena no Ceará (1690-1825). Francisco José
Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho Ultramarino e do Arquivo Público do Estado do Ceará.
12
Parte do discurso de Sebastião de Sá em 24 de Abril de 1678 para o posto de Capitão-mor do Ceará. Consulta
do Conselho Ultramarino ao rei [D. Pedro II]. Memória Colonial do Ceará- 1618-1698. Acervo que compunha a
documentação dos Avulsos do Conselho ultramarino Tomo 1, Volume I.
13
Habitou a Serra Ibiapaba, na ponta da Serra mais próxima ao mar. É também gentio guerreiro, a qual não
perde um tiro. PINHEIRO, 2011)
14
Exposição do Padre Antonio de Sousa Leal, missionário do Brasil, em que dava conta, segundo ordem Del-
Rei, de todos os agravos feitos ao gentio nas capitanias de Pernambuco e Piauí, onde estivera 17 para 18 anos
junta de varias “nações”. Francisco José Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho Ultramarino e do
Arquivo Público do Estado do Ceará. Documentos para a História Colonial Especialmente a Indígena no Ceará
(1690-1825).
9
O processo de apropriação na região Sul cearense com base nas datas de sesmarias e
nos Documentos dos Avulsos do Conselho Ultramarino analisados até o momento, nos relatos
de missionários e capitão-mor, e demais autoridades e proprietários que adentraram no Ceará,
faz referencia às ribeiras de Icó, Cariús e Quixelô, na região centro-sul cearense, e também
referencias sobre o Riacho dos Porcos afluente do Rio Salgado na região do Cariri no extremo
sul do Ceará.
A região sul cearense foi devassada por meio de guerras e conflitos com os nativos.
Em 1699, em Consulta do Conselho Ultramarino sobre a nomeação de pessoas para o Cargo
de Capitão-mor, foram apresentados os serviços prestados por Fernão Carrilho a Coroa
Portuguesa. O interessado no cargo apresentou a guerra aos nativos como um grande serviço
feito para a Coroa, dessa vez com os nativos chamados Icós e Carius. Após fazer guerra aos
nativos na ribeira do Açu, chamado de corso, que diziam infestar as terras do Açu, resultou na
morte de muitos, e no aprisionamento de cento e sessenta e dois nativos. Segundo a narrativa,
logo depois, o principal líder dos nativos pediu paz a Fernão Carrilho, porém o mesmo não
aceitou sem antes fazer guerra com os tapuias chamados Icós.
De que resultou vir o seu principal a pedir paz a qual o não quis admitir sem
primeiro ir fazer guerra aos outros tapuias chamados icós, que foram os primeiros
rebelados que mataram os povoadores da cabeceira de Jaguaribe, matando-lhe
muita gente de guerra e aprisionando-lhe outra das suas famílias que trouxeram
cativos, para com eles resgatarem aos filhos e parentes dos que cativaram na
guerra havendo se da mesma maneira no castigo que se deu aos da nação careriú
em que também se cativaram muitos pela qual rezam se acham muitos deles abertos
e os moradores quietos.15 (Coleção Memória Colonial do Ceará: Volume 1, Tomo
II. 2011: 36)
15
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei [D. Pedro II], sobre nomeação de pessoas para ocupar o posto de
capitão-mor do Ceará. Resolução régia a nomear Fernão Carrilho. Seis de maio de 1699. Memória Colonial do
Ceará Volume I.Tomo 2 (1699-1720)
10
16
Exposição do Padre Antonio de Sousa Leal, missionário do Brasil, em que dava conta, segundo ordem Del-
Rei, de todos os agravos feitos ao gentio nas capitanias de Ceará, Pernambuco e Piauí, onde estiveram 17 para 18
anos juntos de varias “nações”. Francisco José Pinheiro- Conjunto de Documentação do Conselho Ultramarino e
do Arquivo Público do Estado do Ceará. Documentos para a História Colonial Especialmente a Indígena no
Ceará (1690-1825).
11
sesmeiro, juntava-se a família para solicitar terras e com isso houve uma grande concentração
de propriedades sob domínio de um só grupo familiar.
Essa legislação que estabeleceu o tamanho da terra surgiu como meio da metrópole
controlar a distribuição de sesmarias, que estavam sendo doadas no primeiro período da
colonização de acordo com a capacidade de cada um em aproveitar. Com o aumento da
população e seus interesses, surgiram conflitos entre os proprietários. No reinado de D. Pedro
II se estabeleceu a legislação régia de 1697, impondo os limites das sesmarias de três léguas
de terras de comprimento por uma de largura, se haviam sido demarcadas e aproveitadas. A
demarcação na ribeira do Jaguaribe na capitania do Ceará não foi bem vista pelo capitão-mor
e nem pelos proprietários. Diziam que as suas terras estavam sendo furtadas. Foi escolhido
para o Ceará, o desembargador Cristovão Soares de Reimão para demarcar as terras, porém o
mesmo foi recebido com armas pelos proprietários. O próprio capitão-mor Gabriel da Silva
Lago tentou impedir a medição.
Nos presentes papeis se achavam três cartas suas: na 1ª dava conta da resistência
ou impedimento que fizeram com armas aos seus oficiais, para que não
continuassem com a medição das terras como também da injúria que fizeram dele
ministro, indo a sua casa com armas de fogo por modo de assuada muitas pessoas,
que brandando a voz Del-Rei contra ele e dizendo que lhe furtava as suas terras.17
(Coleção Memória Colonial do Ceará Vol. I tomo 2, 2011: 265)
Geralmente quem solicitava sesmarias era quem já possuía gado. A pecuária somada à
capacidade de cultivar era um importante critério para a concessão das terras. Segundo a
legislação, após três anos, se não fossem cultivadas poderiam ser considerada desaproveitadas
e a Coroa Portuguesa poderia doar para outro sesmeiro. Dentre as datas de sesmarias
referentes ao Cariri, doadas em 1704, seis constam no livro de registro como tendo sido
doadas há dezesseis anos a várias pessoas. Porém, não haviam tomado posse e nem as
“povoaram”, sendo consideradas, de acordo com as leis régias, desaproveitadas, podendo ser
doadas novamente.
Outra questão possível constatar nestas seis datas é que no final do século XVII já
houve interesse nas terras do Cariri, quando o escrivão da fazenda Jorge Pereira disse: “serem
doadas há dezesseis anos”. Em 1703 Domingos Pereira Ramos e Domingos Monteiro
solicitaram três léguas para cada um, no Riacho dos Porcos, concedidas pelo capitão-mor
17
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre as cartas do desembargador Cristovão Soares
Reimão em que se queixa da revista que se fez aos seus oficiais na diligência da medição das terras de Jaguaribe,
bem como do procedimento do capitão-mor do Ceará, Gabriel da Silva Lago, para com ele. Coleção que
compunha a documentação dos Avulsos do Conselho ultramarino- Memória Colonial do Ceará1699-1720
TOMO 2, volume I.
12
Jorge de Barros Leite, argumentando terem descoberto terras com os riscos de suas vidas para
povoá-las e criar seus gados e demais criações para aumento das rendas reais.
Senhor capitão mor dizem Domingos pereira ramos edomingos monteiro q. elles
indo adescubrirem pello Rio dejagoaribe asima terras com risco desuas vidas
efazendas descobrirão no Riacho Salgado que desagoa no Rio dojagoaribehu
riacho chamado riacho dos porcos q. desagoa no dito Riacho Salgado Em
q.acharam terras Capazes esoficientes para poderem povoar com seus gados e mais
criasois os coias trazem dezacomodados por não terem terras 18 (Data e Sesmaria
Vol. 2; nº 80; Ano 1703)
Senhor Capitão mor dizem Joseph Correa delima e Bento Correa delima moradores
Em gojana q. elles tem nesta Capitania doSiará seus gados emaiscriasois enão tem
terras pera os criar eno riacho chamado quimami na testada de Maria da Asunção
estão terra devolutas q. nunca forão povoadas pello que pedem a Vm. lhe faça
merseconseder em nome de sua Majestade q. deos goarde tres legoas deterra pera
cada hu dos suplicantes deComprido na testada declarada emsuapetisãopello dito
riacho asimaarumo direito com hua de largo pera cada hua banda do dito
riacho...19 (Data e Sesmaria Vol. 2; nº 85; Ano 1704)
18
Arquivo Publico do Estado do Ceará. Data e Sesmaria Vol. 2; nº 80; Ano 1704. Data de Sesmaria do Ceará
Coleção Digital- CEDOCC.
19
Arquivo Publico do Estado do Ceará. Data e Sesmaria Vol. 2; nº 85; Ano 1704. Data de Sesmaria do Ceará
Coleção Digital- CEDOCC
13
criação de Vilas em diversas áreas da capitania, a “Vila de Crato no Cariri foi erecta para os
índios”. (PINHEIRO, 2010: 183), porém foram expulsos e habitados por Brancos.
Na região do Cariri são várias as datas de sesmarias referentes à solicitação por um
mesmo grupo familiar. O que nos leva a perceber a concentração de terras nas mãos de uma
minoria, enquanto a maioria da população estava à mercê desses proprietários. Para conseguir
honras e mercês teriam que ser homens nobres e das principais famílias de sua terra. Outro
fato é que varias propriedades foram doadas na primeira metade do século XVIII, por capitão-
mor que inicialmente não tinham jurisdição de passar as cartas, cabia-lhe somente prestar
informação sobre as pessoas aptas a merecerem tais mercês. Quem poderia doar as terras aos
sesmeiros no Ceará era governador geral do Brasil, ou então o governador de Pernambuco
devido o Ceará ser capitania pertencente a Pernambuco. Essa situação mudou em meados do
século XVIII, com o aumento da população e mudanças nas ordens régias, os capitães-mores
tiveram mais importância e passaram a conceder doações de terras, porém era preciso a
confirmação do governador geral e da Coroa Portuguesa.
CONCLUSÃO
sertões, como forma de conseguir privilégios e aumentar suas riquezas e poder no Ceará, à
medida que prestavam serviços a Coroa Portuguesa recebia um cargo ou sesmarias, para isso
não mediam esforços para conquistar riquezas e poder.
REFERÊNCIAS
Abreu, Capistrano de. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil: Belo Horizonte: Itatiaia;
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
ALVEAL Carmen. Transformações na legislação sesmarial, processo de demarcação e
manutenção de privilégios nas terras das capitanias do Norte do Estado do Brasil. In XV
Congresso de História Agrária de La SEHA. Lisboa. 2016
GOMES, José Eudes: As Milícias d´El Rei: Tropas Militares e poder no Ceará
setecentista: Rio de Janeiro: editora FGV, 2010.
FONTES
Primeiro Volume Tomo: I ; 1618-1698 da Coleção Memória Colonial do Ceará documentos que
compunha os Avulsos do Conselho Ultramarino e do Arquivo Público do Ceará. Que se encontram
no Centro de Documentação do Ceará- CEDOCC.
15
Primeiro volume Tomo 2; 1699-1720 da coleção Memória Colonial do Ceará documentos que
compunha os Avulsos do Conselho Ultramarino e do Arquivo Público do Ceará. Que se encontram
no Centro de Documentação do Ceará- CEDOCC.