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A moralidade da prática de pesquisa nas ciências

TEMAS LIVRES FREE THEMES


sociais: aspectos epistemológicos e bioéticos

The morality of research practice in the social


sciences: epistemological and bioethical issues

Fermin Roland Schramm 1

Abstract This article takes a double perspective Resumo O artigo enfoca, de um duplo ponto de
– epistemological and bioethical – towards the vista, o objeto de estudo específico das pesquisas
object of specific study in social sciences research em ciências sociais que envolvem indivíduos e po-
involving human individuals and populations. pulações humanas: o ponto de vista epistemológi-
The author focuses particularly on social sciences co e o ponto de vista bioético. Aplica, em particu-
research in Brazil, referring to the descriptive, lar, este duplo ponto de vista às pesquisas em ci-
normative, and protective practice in the evalua- ências sociais no Brasil, referindo-as à prática
tion system developed by research ethics commit- descritiva, normativa e protetora desenvolvida
tees and the National Commission on Research pelo sistema avaliador representado pelo conjun-
Ethics (Conep). The article also highlights some to Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e Comis-
of the inherent difficulties in the evaluator’s role, são Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Des-
confronted with the specificity of the object at taca, também, algumas dificuldades inerentes ao
hand and contingent on resistance by social sci- papel de avaliador, quando confrontado com a es-
ences researchers when their research projects are pecificidade do objeto em exame, e contingentes
evaluated according to norms derived from mod- às resistências dos investigadores em ciências soci-
els referring to the morality of biomedical re- ais quando seus projetos de pesquisa são avalia-
search. Finally, the article adopts a bioethical dos de acordo com uma normativa estabelecida a
model based on the triple task – descriptive, pre- partir de modelos referentes à moralidade das
scriptive, and protective – called the bioethics of pesquisas biomédicas. Por fim, propõe adotar um
protection. modelo de bioética baseado na tríplice tarefa des-
Key words Bioethics of protection, Social sci- critiva, prescritiva e protetora, chamado bioética
ences, Research Ethics Committees, Epistemology, da proteção.
Research on human beings Palavras-chave Bioética da proteção, Ciências
sociais, Comitês de Ética em Pesquisa, Epistemo-
1 Departamento de logia, Pesquisa com seres humanos
Ciências Sociais, Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fiocruz.
Av. Leopoldo Bulhões
1.480, sala 914,
Manguinhos, 21040-210,
Rio de Janeiro RJ.
roland@ensp.fiocruz.br
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Schramm, F. R.

Introdução tipo de pesquisa quando, por exemplo, esta


pertence ao campo das assim chamadas ciên-
Na maioria dos países democráticos contempo- cias biomédicas ou àquele das ciências sociais.
râneos existe uma percepção, cada vez mais Isto porque se pode argumentar que, de acordo
aceita socialmente, mas também com algumas com a distinção entre “ciências naturais” e “ci-
reticências, sobretudo de tipo corporativo, ências do espírito” (Dilthey, 1883), existiriam
segundo a qual toda pesquisa, conduzida em duas tradições de pesquisa científica, com ob-
qualquer área do conhecimento e que envolva jetos distintos e que, portanto, não poderiam
seres humanos como objetos da investigação, ser analisadas com o mesmo tipo de ferramen-
deve necessariamente ser revisada, em seus as- tas conceituais. Mas, como tentaremos mostrar
pectos científicos e éticos, por uma instância neste trabalho, mesmo que se aceite tal distin-
que tenha competência adequada e reconhecida ção como sendo prima facie correta quando re-
em âmbito epistemológico, metodológico e éti- ferida aos aspectos metodológicos e epistemo-
co por seus pares e a sociedade como um todo. lógicos de uma pesquisa, ela pode ser questio-
Quase sempre, este papel cabe a comitês ou co- nada do ponto de vista da competência ética.
missões de ética surgidos na maioria das socie-
dades seculares e pluralistas a partir dos anos 70
do século 20. No Brasil, este papel cabe ao con- O contexto das normas de revisão ética
junto formado pela Comissão Nacional de Éti- da pesquisa em seres humanos no Brasil
ca em Pesquisa (Conep) e os Comitês de Ética
em Pesquisa (CEPs), cuja tarefa consiste em No Brasil, a pesquisa em seres humanos é regi-
analisar, de maneira crítica e imparcial, as ferra- da pela Resolução do Conselho Nacional de Sa-
mentas científicas (conceitos, teorias, paradig- úde 196/96 e complementares (Brasil, 1996;
mas); os materiais e métodos; os valores e as 1997a; 1997b; 1999; 2000a; 2000b; 2002), que
crenças sobre o correto e incorreto, o justo e o contêm as diretrizes para a atuação correta dos
errado, diretamente envolvidos pela pesquisa, CEPs, “colegiados multidisciplinares, multipro-
seja ela pertencente ao âmbito das ciências na- fissionais e independentes”. Subordinados à
turais ou àquele das ciências sociais. Assim sen- Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, os
do, a instância revisora, representada por um CEPs devem existir nas instituições que reali-
CEP, deve ser necessariamente inter e transdis- zam pesquisas com seres humanos, em qual-
ciplinar para poder avaliar criticamente qual- quer área do conhecimento e que de modo dire-
quer protocolo de pesquisa que envolva seres to ou indireto, envolvam indivíduos ou coletivi-
humanos, tendo em princípio a necessária dades, em sua totalidade ou partes, incluindo o
competência para avaliar sua eticidade, mas po- manejo de informações e materiais, (...) entre-
dendo fazer apelo também a consultores ad hoc vistas, aplicações de questionários, utilização de
que tenham a competência indispensável para banco de dados e revisões de prontuários (Brasil,
revisar aspectos científicos específicos quando 2002). Este conjunto normativo de Resoluções
tal competência não seja possuída por nenhum – CEPs-Conep – pretende proteger “a integri-
de seus membros (Schramm, 1999). dade e o bem-estar das pessoas pesquisadas
Ocupar o lugar de avaliador de um proto- (sujeitos da pesquisa)” e contribuir “para a
colo de pesquisa pode, evidentemente, ser ob- qualidade das pesquisas” (Brasil, 2002) que
jeto de controvérsias devido a questionamen- queiram ser cientificamente fidedignas, meto-
tos tanto sobre a efetiva competência (metodo- dologicamente corretas, moralmente aceitáveis
lógica e epistemológica) quanto sobre a neces- e socialmente relevantes. Nisso, o Brasil acom-
sária isenção (moral e ideológica) da avaliação. panha uma tendência internacional, iniciada
Pode-se, por exemplo, suspeitar a avaliação de em 1947, com a formulação do Código de Nü-
ser enviesada por conflitos de interesses e de remberg, um documento sobre a ética em pes-
valores entre os agentes da avaliação e os auto- quisa com seres humanos fundado no princí-
res do protocolo de pesquisa revisada, o que pio do respeito à autonomia e do direito à au-
pode complicar a conflituosidade da pesquisa todeterminação da pessoa humana pesquisada,
por acrescentar um novo fator de conflito aos que serviu para embasar o julgamento do Tri-
já tradicionalmente reconhecidos entre agentes bunal de Nüremberg contra os abusos cometi-
pesquisadores e pacientes pesquisados. Ade- dos por médicos e cientistas durante o regime
mais, sobre os aspectos epistemológicos e me- nazista (Hossne, 2002). O referido documento
todológicos podem surgir polêmicas devido ao foi adaptado, corrigido e complementado pelas
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várias versões da Declaração de Helsinque cialmente relevante, além de cientificamente
(1964-200) da Associação Médica Mundial e correta. Além disso, devido à crescente relevân-
que é, ainda, considerada a principal ferramen- cia social das questões relativas à “qualidade”
ta internacional para avaliar a moralidade das dos contextos naturais em que se dão muitas
pesquisas com seres humanos, apesar das vá- das pesquisas científicas, hoje deveríamos
rias tentativas “revisionistas” recentes que vi- acrescentar que uma pesquisa deve ser também
sam modificar seus artigos 29 e 30, relativos ao “ecologicamente sustentável”.
“duplo standard” e à continuidade na assistên- Entretanto, se, por um lado, esta mudança
cia aos sujeitos vulneráveis pesquisados depois é indício da emergência de valores capazes de
do término da pesquisa (Schramm & Kottow, orientar comportamentos que possam ser con-
2000). siderados razoáveis e corretos, isto é, justificá-
A preocupação com a moralidade da pes- veis por todos aqueles que forem apropriada-
quisa em seres humanos constitui o indício de mente motivados (Scanlon, 1998), por outro,
uma transição paradigmática na percepção so- levanta uma série de questões relativas aos
cial das práticas de pesquisa porque implica, meios tradicionalmente utilizados para garan-
como norma, a “prestação de contas” aos sujei- tir a eticidade da pesquisa científica, e a even-
tos que forem objetos de pesquisa e à sociedade tuais novos meios, como são os Comitês de Éti-
como um todo. Também porque, tradicional- ca em pesquisa, que veremos a seguir.
mente, os meandros de uma pesquisa eram co-
nhecidos tão somente por profissionais atuan- Legitimidade moral dos códigos
tes no universo paradoxalmente fechado das deontológicos e imaginário social
universidades e dos institutos públicos de pes-
quisa, sendo que, hoje em dia, as pesquisas se A primeira questão refere-se à garantia mo-
desenvolvem cada vez mais em institutos pri- ral e à eficácia pragmática dos códigos deonto-
vados de investigação (Klein & Fleischman, lógicos nas várias profissões, ou seja, se a mo-
2002), o que traz uma suspeita adicional de ralidade das práticas do agente de uma profis-
conflitos de interesses entre pesquisadores, são determinada pode ser garantida pela exis-
fontes financiadoras e possíveis usuários. Por tência de uma série de deveres organizados hie-
estas razões [s]e houve um tempo em que muitos rarquicamente em um código. Trata-se, em ou-
pesquisadores acreditavam que sua firme deter- tros termos, de saber se os códigos – que pre-
minação de fazer o bem, sua integridade de ca- tendem regular, por precisos deveres e proibi-
ráter e seu rigor científico eram suficientes para ções (como é o caso dos Códigos de Ética Mé-
assegurar a eticidade de suas pesquisas, nos dias dica existentes em praticamente todos os países
de hoje esta concepção já não é mais objeto de do mundo), o comportamento profissional –
consenso (Palácios, Rego & Schramm, 2002). são ou não “guaridas” suficientes para evitar os
Em outros termos, uma das prováveis causas abusos dos “especialistas” contra os “leigos”,
desta transição paradigmática em ética se deve visto que estes podem ser vítimas dos abusos
à emergente percepção social de que “fazer ci- de vários tipos praticados por aqueles. De fato,
ência” não isenta a priori nenhum cientista da um código deontológico é histórica e social-
suspeita, já lançada, de forma provocatória, no mente determinado, podendo, portanto, estar
século 18 pelo escritor inglês Jonathan Swift, sempre aquém das transformações morais que
para quem “todas as profissões são conspira- acontecem no imaginário social, razão pela
ções contra os leigos”. qual um comportamento considerado lícito ou
De fato, considerando os abusos cometidos, proibido em uma determinada época por um
ao longo do século 20, por regimes autoritários determinado código já não o será necessaria-
de “direita” e de “esquerda” (Williams & Walla- mente numa outra. E isso é relevante do ponto
ce, 1989; Annas & Grodin, 1992; Glover, 1999), de vista prático porque o descompasso entre a
mas também em países democráticos (Beecher, moralidade garantida por um código e um no-
1966), as sociedades democráticas contempo- vo tipo de moralidade em gestação pode impli-
râneas, ao tentar evitar e conter os erros e des- car uma maior conflituosidade social ao longo
lizes de seus cientistas, das empresas financia- do tempo, ou seja, entre “antiga” moral e “nova
doras e dos órgãos públicos envolvidos, se do- moral”; em particular, entre uma norma do có-
taram de normas capazes de regulamentar a digo vigente e outra emergente no imaginário
pesquisa em seres humanos, no sentido de as- social. A maioria dos debates bioéticos atuais
segurar que ela fosse moralmente aceitável, so- se inscreve neste tipo de conflituosidade, a qual
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pode ser analisada tanto do ponto de vista dia- A competência de um CEP


crônico como sincrônico, isto é, do ponto de
vista da eventual evolução, para alguns, ou in- Diretamente ligada à primeira questão, re-
volução, para outros, por um lado, e do ponto ferente ao valor e à eficácia dos códigos deon-
de vista da vigência de um pluralismo cultural tológicos nas sociedades complexas e pluralis-
e moral nas sociedades complexas do mundo tas contemporâneas, existe uma segunda ques-
contemporâneo. Mas, neste caso, surge a neces- tão, referente à competência e real eficácia dos
sidade social de equacionar o pluralismo vi- CEPs em avaliar qualquer tipo de pesquisa feita
gente e a pretensão universalista implícita em em sua instituição e fora dela. Trata-se de ques-
qualquer código moral (no sentido de aplicável tão muito controvertida por pelo menos duas
a todas as situações com características pareci- razões.
das), como mostra, por exemplo, o incessante Em primeiro lugar, porque se pode sempre
debate sobre os Direitos Humanos “abstratos” suspeitar um CEP de abuso de poder por parte
(normalmente aceitos) e “concretos” (de fato de alguns de seus membros contra pesquisado-
nem sempre aplicados) (Kurz, 2003). Em ou- res por motivos pessoais ou “estratégicos”, so-
tros termos, embora os códigos deontológicos bretudo se suas atividades não forem regula-
sejam considerados prima facie necessários pa- mentadas por diretrizes claras e substantivas
ra orientar a moralidade do agente, eles não (Katz, 1987), como aquelas representadas tra-
podem ser considerados dados e válidos em dicionalmente pelos códigos deontológicos,
qualquer circunstância, mas deverão ser inseri- mas que – como vimos – são hoje questioná-
dos no contexto histórico (e talvez evolutivo) veis. No entanto, este tipo de suspeita não se re-
de transformação das mentalidades e dos cos- fere especificamente ao trabalho dos CEPs, mas
tumes. Em alguns casos, suas normas poderão vale mutatis mutandis para qualquer institui-
não ser respeitadas na prática devido a boas ra- ção; ademais, no caso brasileiro, o sistema Re-
zões (um caso clássico é aquele referente à pro- soluções – CEPs-Conep pretende justamente
ibição de mentir). Entretanto, se admitirmos a evitar este tipo de dificuldades por tratar-se de
existência e a pertinência do pluralismo moral, um sistema “misto” (deontológico e teleológi-
isso é dificilmente pensável mantendo a estru- co) que prevê, portanto, revisões, cooperação
tura normativa de um código, pois um código entre instâncias e um papel educativo (Brasil,
só se adapta à realidade social muito lentamen- 2002).
te e, é claro, sempre a posteriori, caso contrário, Em segundo lugar, porque podem surgir
poderá ser considerado arbitrário e autoritário, críticas de tipo “corporativo” relativas à com-
sendo, portanto, dificilmente respeitado. A fer- posição de um CEP, que a princípio deve ser
ramenta, representada pela bioética, pode con- pluri, inter e transdisciplinar (Schramm, 1999),
tribuir para pensar melhor esta situação na e incluir algum representante dos usuários. Em
medida em que tenta, justamente, dar conta da princípio, este deve defender os pontos de vista
dupla transformação acontecida na segunda e os interesses da comunidade, mas é seu dever
metade do século 20. Tal mudança consistiu no também estar aberto a mudanças de opinião se
surgimento de “movimentos sociais” questio- houver boas razões para isso. Entretanto, neste
nando os comportamentos tradicionais (como caso, ao juntar “profissionais” e “leigos”, pode-
foi historicamente o caso dos movimentos eco- se duvidar da efetiva competência racional e
logista, feminista e dos direitos civis nos Esta- imparcial de um CEP como um todo (Veatch,
dos Unidos) e na emergência de uma nova 1975) ou, então, da real atuação e do poder efe-
“disciplina” acadêmica, ou campo inter ou tivo dos “leigos” diante dos “especialistas” quan-
transdisciplinar como preferem alguns autores. do num CEP se encontram interpretações em
Se por um lado, essa “disciplina” estuda as conflito (McNeill, 1993). Na realidade, este é
transformações no imaginário social, advindas um argumento bastante criticável, pois o que
da vigência de tais movimentos, por outro ana- se exige de um representante dos usuários não
lisa os argumentos que pretendem legitimá-los é a competência científica específica, e sim uma
(Mori, 1994), tentando prescrever os compor- competência ética crítica e a capacidade de en-
tamentos que podem razoavelmente ser consi- tender os aspectos científicos pertinentes ao ca-
derados corretos e proscrevendo aqueles não so, que deverão ser explicados a ele por espe-
corretos (Schramm, 2002). cialistas competentes pertencentes ao CEP. Mas
pode surgir também uma suspeita contrária, de
tipo “anticorporativo”, pois um CEP possui,
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muitas vezes, uma maioria de membros da ins- manos mesmo que elas sejam diferentes em
tituição na qual se desenvolve a pesquisa (a seus materiais e métodos, como podem ser as
maioria de uma mesma especialidade sendo a pesquisas biomédicas e as pesquisas em ciên-
princípio excluída pela Resolução 196/96). Isso cias sociais. Por exemplo, para um sujeito pes-
implica inevitavelmente forte suspeita de viés quisado pode ter peso igual, se não mais rele-
na avaliação quando se considera que uma ava- vante, que seja protegida a privacidade das in-
liação, para ser eticamente válida, precisa ser formações referidas a suas preferências, crenças
racional e imparcial; devendo-se, portanto, evi- e escolhas do que aquelas referentes à sua cons-
tar a suspeita da existência de preconceitos e de tituição e determinação biológica.
conflitos de interesses não explicitados. No en- É por todas essas razões, e considerando
tanto, também neste caso – e apesar dessas sus- que a bioética pretende ser uma ferramenta ao
peitas relativas aos CEPs serem prima facie ra- mesmo tempo cognitiva, normativa e proteto-
zoáveis devido ao fato de a história do século ra (Schramm, 2002), que o sistema de avalia-
20 ter mostrado que os abusos contra indiví- ção constituído pelos CEPs-Conep, inspirado
duos e populações humanas são sempre possí- na bioética secular, pode constituir uma ferra-
veis mesmo na presença de regulamentações e menta legítima e prima facie eficaz para dar
diretrizes – o conjunto formado por regula- conta da eticidade em pesquisa, seja ela biomé-
mentações, normas e comitês continua sendo dica seja social, como pretendemos mostrar a
um importante meio, senão para eliminar to- seguir.
dos os abusos, pelo menos para reduzi-los de
acordo com a atuação sobretudo de seus repre-
sentantes de usuários e da cobrança da socie- Algumas boas razões para a avaliação
dade por meio deles. Isso pode, por exemplo, ética das pesquisas com seres humanos
implicar a recusa em aceitar que o desejo de
conhecimento possa justificar pesquisas que, De acordo com a percepção emergente nas so-
analisadas de forma racional e imparcial, só ciedades contemporâneas acerca dos possíveis
podem ser avaliadas como irrelevantes e não efeitos adversos, voluntários ou involuntários,
éticas (McNeill, 1998). da pesquisa em seres humanos, claramente de-
tectável em documentos normativos como o
Pertinência ética da distinção Código de Nüremberg (1947) e as várias ver-
entre pesquisas biomédicas sões da Declaração de Helsinque (1964-2000),
e pesquisas em ciências sociais e de acordo com a distinção, de origem aristo-
télica, entre “saber teórico” (relativo a idéias);
Uma terceira questão diz respeito à perti- “saber prático” (relativo a relações entre atores
nência de se considerar as pesquisas cientificas sociais); e “saber poiético” (referente à fabrica-
com seres humanos desconhecendo eventuais ção de objetos) (Aristóteles, 1998), toda ativi-
diferenças substantivas entre tipos de pesquisa, dade humana caracterizável como prática de
como poderiam ser as pesquisas no campo das pesquisa que envolva seres vivos e a fortiori in-
ciências biomédicas e aquelas no campo das ci- divíduos e populações de humanos – conside-
ências sociais, visto que as diferenças de méto- rados, portanto, objetos da investigação – tem
dos e objetos são admitidas por especialistas de necessariamente uma dimensão ética e, em
ambos os campos. No entanto, mesmo admi- particular, bioética. Com efeito, diferentemente
tindo a pertinência desta diferença, problemá- das atividades que visam à mera descrição e
tico é saber se a diferença epistemológica e me- compreensão da realidade por meio de cons-
todológica implicaria diretamente também trutos simbólicos ou idéias (theoría), as ativi-
uma diferença substantiva em âmbito moral, dades práticas sempre implicam, direta ou in-
visto que, pelo menos desde a vigência da lei de diretamente, pelo menos um sujeito, que tem o
Hume em filosofia (Moore, 1903), não poderí- papel de agente moral, e pelo menos um outro
amos derivar impunemente enunciados válidos sujeito, objeto da prática do agente moral e que
no campo dos valores a partir de enunciados pode então ser denominado paciente moral.
fidedignos no campo dos fatos empíricos. Em Por isso, uma prática tem sempre a ver, implí-
outros termos, não é dito que os dois tipos de cita ou explicitamente, com uma ação humana
pesquisa não devam estar sujeitas ao mesmo ti- que é ao mesmo tempo uma inter-relação en-
po de exigências éticas implicadas pelas Reso- tre atores sociais, tendo, portanto, implicações
luções que regulam as pesquisas com seres hu- morais. Este fato já era percebido pelos gregos,
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que “utilizavam o termo práxis para indicar a conflitos envolvidos, prescrever e proscrever
ação moral” (Ferrater Mora, 1999). comportamentos considerados, respectivamen-
A rigor, dever-se-ia mencionar o fato de te, corretos ou errados, tentando evitar, por-
que, a partir da possibilidade aberta pela biolo- tanto, que pesquisadores e pesquisados se tor-
gia contemporânea e, em particular, pela bio- nem “estranhos morais”. O trabalho dos CEPs
tecnociência contemporânea, de “fabricar” no- tem então uma dupla função: a) uma função
vos seres vivos e, em tese, novos seres humanos, descritiva e compreensiva da moralidade de
a distinção aristotélica entre poiésis e práxis uma pesquisa; b) uma função normativa, con-
vem se tornando cada vez mais problemática, sistente em resolver (ou, quando isso não for
pois “prática” e “fabricação” tendem a se con- possível, regular) os conflitos de interesses e de
fundir. Porém, neste artigo não analisaremos valores, tanto no sentido de propor a melhor
esta nova fronteira da prática humana, pois solução possível quanto no sentido, mais co-
não diz diretamente respeito às práticas de pes- mum, de reduzir ao máximo os eventuais da-
quisa em ciências sociais, embora, certamente, nos possíveis, inclusive aqueles de tipo moral
terá cada vez mais relevância social, podendo, (que podem tornar o pesquisador e o pesquisa-
portanto, ser objeto também de pesquisas em do “estranhos morais”). Mas isso não é tudo,
ciências sociais. pois existe uma terceira função, além das duas
Como prática social, toda prática humana tradicionalmente aceitas em campo bioético,
se inscreve inevitavelmente na dialética entre como veremos a seguir.
conflitos e cooperação que molda as socieda-
des históricas. E a ética pode ser vista como o A tríplice função da ferramenta bioética
“saber prático” que visa justamente dar conta
desta dialética do ponto de vista de suas impli- A bioética pode ser considerada a ética apli-
cações morais. Em primeiro lugar, tentando cada às ações humanas referidas a fenômenos e
entendê-la e explicá-la, pois “em qualquer rea- processos vitais; mais especificamente – de
lidade existem conflitos, mas nem toda realida- acordo com a distinção feita por Aristóteles na
de se reduz a conflitos [visto que] se são reais a Política (I, 2, 1253a 7-5) entre vida orgânica
inimizade e a guerra, também o são a amizade (zoé) e vida prática (bíos) – como o conjunto de
e a paz. Em seu conjunto, a realidade é comple- conceitos, argumentos e normas que valorizam e
xa e constitui um conglomerado de conflitos e legitimam eticamente os atos humanos [cujos]
harmonia” (Maliandi, 1998). Em segundo lu- efeitos afetam profunda e irreversivelmente, de
gar, tentando justificar sua pertinência, pois [a] maneira real ou potencial, os sistemas vitais
ética seria supérflua em um mundo totalmente (Kottow, 1995). Em outros termos, a bioética
harmônico, e seria impossível em um mundo to- pode ser considerada um novo campo de inves-
talmente conflituoso (Maliandi, 1998). tigação [que visa] compreender [de forma críti-
Tal dialética entre conflitos e cooperação ca] as conseqüências de uma ação (...), responder
em bioética pode ser designada como a dialéti- questões filosóficas substantivas relativas à natu-
ca que perpassa o conjunto de relações entre reza da ética, ao valor da vida, ao que é ser uma
aqueles que o bioeticista Engelhardt chamou pessoa, ao sentido de ser humano, (...) [incluin-
“amigos” e “estranhos” morais (Engelhardt, do] as conseqüências das políticas públicas e o
1996). Sendo assim, as práticas de pesquisa que rumo e controle da ciência (Kuhse & Singer,
envolvem seres humanos (“pesquisadores” e 1998). Mas pode-se também entender a bioéti-
“pesquisados”) podem implicar conflitos de ca de uma maneira mais radical, recuperando
interesses e valores entre determinados atores, o sentido provavelmente mais antigo da pala-
autores da pesquisa, e outros atores, objetos da vra ethos, que, na origem, significava “guarida”
mesma, no qual caso pesquisadores e pesquisa- para os animais domésticos contra ameaças
dos podem tornar-se “estranhos morais”. Por por predadores e, por extensão, “proteção” do
isso, na maioria das sociedades contemporâne- humano (Schramm & Kottow, 2001). Em su-
as, tais pesquisas estão sendo paulatinamente ma, se considerarmos que o “ethos” constitui
submetidas à avaliação (e ao “controle”) por em cada sociedade o sistema de crenças normati-
parte de CEPs, guiados por normas e regula- vas acerca de como se deve lidar com os conflitos
mentações que visam, a partir de uma necessá- (Maliandi, 1998) e que a ética é a “filosofia prá-
ria descrição – a princípio fidedigna e imparci- tica” [que visa] uma reflexão sistemática sobre o
al – dos aspectos éticos da pesquisa, e de uma normativo [e que] deve lidar também com a
também necessária compreensão dos eventuais aplicabilidade, [o] caráter de “filosofia prática”,
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próprio da ética, excede aquele de mera “teoria tanto em bioética como em política: o conceito
do prático”, pois traz um saber que ajuda a de- de cidadania. De acordo com Jacques Derrida
senvolver a capacidade moral do agente (Mali- (2001), tal categoria ter-se-ia tornado suspeita
andi, 1998), pode-se concluir que a bioética por ser meramente abstrata, visto que existem
tem de fato uma terceira função, também prá- muitos excluídos de facto, embora não de iure,
tica, e socialmente relevante, consistente em da cidadania; ou seja, a categoria de cidadania
proteger indivíduos e populações humanas, as- não vem sendo aplicada na prática efetiva do
sim como outros sistemas vivos, contra amea- exercício da democracia cidadã, e isso constitui-
ças decorrentes das práticas humanas que en- ria um grave problema também em âmbito fi-
volvem tais seres e sistemas vivos (Schramm, losófico. Por isso, Derrida propõe substituir a
2002). categoria obsoleta de “cidadania” por aquela,
Tal função protetora é de particular impor- muito mais ambiciosa, de “hospitalidade in-
tância quando se consideram as possíveis ame- condicional”. Comentando uma sugestão do
aças a indivíduos e populações humanas que tratado A paz perpétua (1796) de Kant, relativa
podem literalmente nadificar seus direitos hu- à paz universal entre cidadãos do mundo – mas
manos fundamentais. Com efeito, neste caso, ampliando-a para incluir a todos os seres vivos
estaríamos em presença de seres humanos lite- –, Derrida sugere uma nova forma de cosmo-
ralmente desamparados, no sentido de “sem politismo que chama de “democracia porvir
guarida” ou sem o ethos protetor, devido, por (démocratie à venir)”, qual seja uma democracia
exemplo, a precárias condições de saúde e que não esteja essencialmente fundada na sobe-
bem-estar; à dependência econômica extrema; rania do Estado-nação e, portanto, na cidadania.
à exclusão de fato do exercício da “cidadania”; (...) [Uma] solidariedade mundial que não seja
à condição subalterna nas relações de poder; a simplesmente uma solidariedade entre os cida-
conflitos mortíferos como formas de violência dãos, mas que poderia ser também uma solidari-
intensa e generalizada ou guerras. edade dos seres vivos, não constituindo justa-
mente, em primeiro lugar, uma política dos cida-
Crítica ao conceito de cidadania: dãos (Derrida, 2001). Num texto posterior,
a proteção como “hospitalidade Derrida esclarece que esta democracia porvir,
incondicional” fundada na hospitalidade incondicional, deveria
subtrair-se de qualquer forma de cálculo, de
Do ponto de vista da bioética da proteção, norma e de direito, podendo ser considerada
mas também daquele das ciências sociais e hu- então um “impossível (...) heterogêneo ao polí-
manas, significativo nessas situações de desam- tico, ao jurídico e até ao ético” (Derrida, 2003).
paro é que os próprios direitos humanos fun- Partindo da premissa de que “o antigo no-
damentais podem se encontrar em uma situa- me vida permanece talvez o enigma da políti-
ção paradoxal, pois estariam sendo reconheci- ca” (ibidem) e de que “a democracia porvir (...)
dos tão somente como uma “abstração” referi- não se reduz a uma idéia ou a um ideal demo-
da ao “ser humano em geral” com a exclusão de crático” (ibidem), a proposta “biocêntrica” ra-
fato de seres humanos concretos. Como afirma dical, ao mesmo tempo ética e política, de Der-
o sociólogo Robert Kurz, neste caso, temos o rida é a de que a “hospitalidade incondicional”
paradoxo de um “reconhecimento por meio do (...) se expo[nha], sem limites, à vinda do outro,
não-reconhecimento”, ou, inversamente, [um] para além do direito, para além da hospitalidade
“não-reconhecimento por meio do reconheci- condicionada pelo direito de asilo, pelo direito à
mento” [visto que o] “ser humano em geral” vi- imigração, pela cidadania e mesmo pelo direito à
sado pelos direitos humanos é o ser humano me- hospitalidade universal de Kant, a qual perma-
ramente abstrato, isto é, o ser humano como por- nece ainda controlada por um direito político ou
tador e ao mesmo tempo escravo da abstração so- cosmopolita. [Em suma] [s]omente uma hospi-
cial dominante. E somente como este ser humano talidade incondicional pode dar seu sentido e sua
abstrato ele é universalmente reconhecido. (...) racionalidade prática a qualquer conceito de
[E]sse reconhecimento inclui simultaneamente hospitalidade (ibidem).
um não-reconhecimento: as carências materiais, Resumindo, existem várias razões de natu-
sociais e culturais são excluídas justamente do re- reza filológica, filosófica e política para que to-
conhecimento fundamental (Kurz, 2003). da prática humana que, por definição, sempre
O paradoxo da abstração dos direitos hu- envolve o “mundo da vida” (zoé) e, em particu-
manos acaba afetando um conceito importante lar, o “mundo da vida humana” (bíos) entendi-
780
Schramm, F. R.

do como “mundo da vida moral” (de acordo rece, portanto, razoável perguntar se as pesqui-
com a definição aristotélica), seja compreendi- sas em ciências sociais deveriam também estar
da e, portanto, controlada, para que os seres regulamentadas pelo mesmo tipo de regras ou
que se tornam objeto de pesquisa sejam prima se, ao contrário, precisariam de regras de con-
facie protegidos, inclusive através de instâncias duta específicas, devido à identidade diferente,
como as Resoluções que regulam as pesquisas do ponto de vista epistemológico e metodoló-
com seres humanos. Isso porque os códigos de- gico, das ciências sociais quando comparadas
ontológicos, embora importantes para nortear com as ciências naturais e, em particular, as ci-
moralmente o que cada profissional deve fazer ências biomédicas.
para ser considerado um agente eticamente Esta pergunta é de fato dúplice, pois a ques-
respeitável, não são suficientes, visto que deve- tão da cientificidade, embora deva ser distinta
ríamos ainda considerar os possíveis efeitos dos daquela da eticidade (respeitando prima facie a
atos, inclusive aqueles que podem paradoxal- lei de Hume), não pode ser separada desta, vis-
mente decorrer das melhores intenções do to que, atualmente, pode-se admitir a existên-
agente moral, mas que podem ser daninhos e cia de uma relação complexa entre fatos e va-
até nefastos para os “pacientes morais”. Em su- lores, logo também uma interpretação comple-
ma, por um lado, a bioética da proteção se jus- xa da lei de Hume, sobretudo quando a referi-
tifica devido ao fato de os seres vivos humanos mos aos problemas enfrentados pela bioética
e não humanos estarem desamparados (“sem (Schramm, 1997), inclusive aqueles relativos
guarida”) diante das ameaças vindas de tercei- aos CEPs abordados aqui. Com efeito, de acor-
ros; por outro, existem boas razões para que do com o método da complexidade e que pode-
instâncias como os CEPs façam seu trabalho, mos sintetizar pela competência em saber dis-
que tem uma relevância social considerável no tinguir sem separar e juntar sem confundir (Mo-
sentido de justamente proteger os “pacientes rin, 1990), pode-se considerar que um mesmo
morais” contra riscos e abusos criados, volun- sujeito tenha tanto a necessária competência
tária ou involuntariamente, por outros seres epistêmica e metodológica para avaliar corre-
humanos, chamados “agentes morais”, e para tamente uma pesquisa quanto a também dese-
que agentes e pacientes não se tornem “estra- jável competência ética para avaliar a morali-
nhos morais”, mas entrem na “democracia por dade da mesma, ou seja, o mesmo sujeito pode
vir” da “hospitalidade incondicional” sugerida muito bem “fazer comunicar estas instâncias
por Derrida. separadas” (Morin, s/d). Isso vale a fortiori pa-
ra um CEP como um todo devido à sua com-
posição multiprofissional que, em princípio,
A questão da identidade da pesquisa garante a pluralidade de competências necessá-
em ciências sociais e sua relevância rias para dar conta dos vários tipos de pesqui-
para o trabalho de avaliação bioética sa. Inversamente, existe um relativo consenso
entre eticistas e bioeticistas em dizer que uma
As pesquisas em ciências sociais, como qual- pesquisa deva ser não só aceitável moralmente,
quer pesquisa que envolva seres humanos, de- mas também relevante socialmente e válida do
vem respeitar as normas e resoluções nacionais ponto de vista epistemológico e metodológico,
e internacionais para serem consideradas etica- caso contrário ela seria praticamente inútil.
mente aceitáveis, embora isso possa levantar No caso específico que nos ocupa aqui, a
uma série de dúvidas e resistências nos pesqui- pergunta pertinente é se as ciências sociais te-
sadores, como veremos a seguir. riam um estatuto específico ou se as ferramen-
Com efeito, quando se fala em eticidade da tas conceituais da epistemologia geral e os pro-
pesquisa envolvendo seres humanos é quase cedimentos da metodologia adotados para
inevitável considerar o fato de que, historica- analisar os objetos estudados pelas ciências bi-
mente, as primeiras diretrizes para a boa práti- omédicas poderiam ser válidos também, muta-
ca de pesquisa exigindo o consentimento das tis mutandis, para compreender os objetos de
pessoas pesquisadas, surgiram na Prússia a par- estudo das ciências sociais, como pretendia de
tir de 1900 para evitar abusos de médicos e fato o positivismo (Kincaid, 1996).
pesquisadores no campo da biologia e proteger
os sujeitos pesquisados, sendo em seguida apli-
cadas, com as mesmas finalidades, em outros
países (Palacios, Rego & Schramm, 2002). Pa-
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Implicações da controvérsia sobre Num segundo sentido, epistemológico, o
a especificidade das ciências sociais “naturalismo” é praticamente sinônimo de posi-
tivismo e neopositivismo. Com efeito, para os
Mas tal pergunta implica uma controvérsia neopositivistas a própria filosofia deveria ado-
entre, por um lado, quem defende que o estudo tar o método científico, pois os enunciados me-
dos fenômenos sociais deve aplicar os mesmos tafísicos careceriam de sentido; existiria um
métodos das ciências naturais, tentando desco- único método universal válido a priori, logo
brir regularidades causais do tipo quando existe aplicável tanto às ciências naturais como às ciên-
uma causa C ocorre o evento E, e integrando-as cias sociais; as várias ciências deveriam ser re-
numa teoria sistemática aplicável a todos os dutíveis ao rigor metódico da física e as afirma-
casos. A controvérsia prossegue, envolvendo ções científicas teriam sempre a ver com obser-
quem defende, ao contrário, que os métodos vações mensuráveis (Kincaid, 1996). Em suma,
devem ser diferentes, pois nos “fenômenos” a vida social dos humanos seria cognoscível da
humanos e sociais o mesmo tipo de inferência mesma maneira que o mundo natural, logo o
seria arbitrário, visto que esses incluem o senti- paradigma das ciências sociais seria o mesmo
do que os atores sociais atribuem a suas práti- daquele das ciências naturais.
cas e às tentativas de se comunicar e cooperar Já no terceiro sentido, metodológico, o “na-
com os outros e o mundo, devendo-se, portan- turalismo” requer a aplicação do método expe-
to, pensar segundo a forma quando existe a si- rimental das ciências naturais às tarefas das ci-
tuação S todos devem ter o comportamento C e ências sociais, tendo em vista a mensuração e
podendo, eventualmente, chegar a uma siste- quantificação dos fenômenos e processos a se-
matização teórica das normas que forem ado- rem analisados. Mas, considerando que o mé-
tadas por um grupo social determinado (Bray- todo experimental, tradicionalmente entendi-
brooke, 1998). do, é, de fato, de difícil aplicação aos fatos soci-
Quem responde positivamente a esta per- ais, devido também a razões éticas ou jurídicas
gunta defende uma postura epistemológica que e ao impossível controle de variáveis in fieri,
se pode qualificar de “naturalista”, a posição opta-se por dois substitutos: 1) o método com-
contrária podendo ser chamada de “antinatu- parativo que permita, do ponto de vista diacrô-
ralista” (Keat, 1998) ou “interpretativa” (Bray- nico, referir fatos sociais cujas causas são ainda
brooke, 1998). desconhecidas a fatos sociais cujas causas já são
Entretanto, o termo “naturalismo” em filo- historicamente conhecidas (ou supostamente
sofia das ciências sociais tem pelo menos três conhecidas); 2) a utilização, na análise de fatos
sentidos diferentes: ontológico, epistemológico e sociais, de dados quantitativos existentes (por
metodológico (Benton, 1998). Ademais, alguns exemplo, dados epidemiológicos) para tentar
especialistas consideram que o padrão de ciên- descobrir, por inferência causal, associações es-
cia natural, adotado tanto por naturalistas (pa- tatísticas entre tais dados e fatos sociais (por
ra aceitá-lo) como por antinaturalistas (para exemplo, a inserção em grupos e classes soci-
criticá-lo) é de fato a concepção positivista de ais). Um clássico neste sentido é o estudo O sui-
ciência, concepção que, no entanto, se tornou cídio de Émile Durkheim (1897).
cada vez mais problemática em filosofia da ci- Existe pelo menos uma aparente boa razão
ência, porque as próprias ciências naturais já para se declarar epistemologicamente “natura-
não seriam em sua maioria “positivistas” (Keat, lista”, consistente em admitir que o pesquisa-
1998). dor que pretende conhecer o mundo, em seus
Num primeiro sentido, ontológico, os “na- aspectos humanos e sociais, faz parte deste
turalistas” consideram que não existe diferença mundo, compartilhando, portanto, muitas das
pertinente entre fatos naturais e fatos sociais, características possuídas pelos entes e seres
ao passo que os “antinaturalistas” consideram deste mundo. Esta razão em favor do naturalis-
que os objetos das ciências sociais não devem mo foi defendida inicialmente por John Stuart
ser pensados como submetidos às leis determi- Mill (1843), para quem se os seres humanos fa-
nistas e predições causais das ciências naturais, zem parte da ordem natural causal estudada
mas ter em conta sua criação de sentido e suas pela ciência e se a mente é parte dos seres hu-
interpretações, as normas adotadas ou rejeita- manos, então ela é também parte da natureza,
das e as escolhas feitas, considerando-os, por- tendo, portanto, base empírica. No entanto, es-
tanto, objetos ontologicamente diferentes da- ta posição, chamada em epistemologia também
queles das ciências naturais (Benton, 1998). de “empirista”, tornou-se hoje minoritária em
782
Schramm, F. R.

razão das críticas vindas do neo-racionalismo e crescente do processo que leva do desenho da
do construtivismo, que admitem, o primeiro, a pesquisa, passando pela obtenção do consenti-
preexistência de algum ponto de vista sobre a mento livre e esclarecido dos indivíduos e po-
realidade a ser estudada; o segundo, a “co-cons- pulações a serem pesquisados, até o procedi-
trução” entre sujeito cognoscente e realidade mento consistente em obter o compromisso
conhecida no processo de conhecimento (Pia- dos responsáveis das instituições envolvidas de
get, 1937). De fato, esta posição epistemológica que a pesquisa que será feita por seus pesquisa-
“naturalista” pode implicar uma ética baseada dores esteja de acordo com as regras estabeleci-
numa solidariedade para com todos os seres vi- das pelo Conselho Nacional de Saúde. Este tipo
vos ou uma hospitalidade incondicional e uni- de queixa é particularmente vivo entre os pes-
versal como aquela pensada por Derrida ou, quisadores em ciências sociais em saúde e uma
mais tradicionalmente, uma ética natural de ti- razão disso pode ser que o pesquisador em ci-
po spinozista. Tanto a solidariedade como a ências sociais pensa que as informações a se-
hospitalidade e, de uma certa maneira, o natu- rem obtidas dos sujeitos pesquisados represen-
ralismo spinozista podem ser pensados em ter- tariam, de fato, um risco menor de prejudicá-
mos de uma bioética da proteção, visto que a los e até um risco nulo no caso de pesquisas fei-
“natureza” seria prima facie garantia da conti- tas com dados secundários obtidos a partir da
nuidade de seus entes. análise e reinterpretação de dados já disponí-
Mas existem também aparentes boas razões veis publicamente. Um argumento em geral
para adotar uma epistemologia antinaturalista utilizado é que, contrariamente às pesquisas
em ciências sociais. Para o epistemólogo Fred em campo biomédico – que sempre implica-
D’Agostino (1999) existiriam de fato três ra- riam algum risco físico dos sujeitos pesquisa-
zões prima facie válidas para isso. Em primeiro dos além da sempre possível estigmatização e
lugar, a natureza “reflexiva” das ciências sociais discriminação dos eventuais portadores de do-
em relação a seus objetos de estudo, ou seja, o enças atuais e futuras por parte de planos de
fato de os seres humanos estarem, com seus saúde, seguros e até pela população em geral –,
pontos de vista e crenças, em interação simbó- a pesquisa social teria prima facie muito menos
lica entre si, contrariamente aos objetos das ci- riscos, e até nenhum, porque seus dados seriam
ências naturais, que em princípio não interagi- quase sempre menos “aproveitáveis” por plane-
riam com o pesquisador. Em segundo lugar, a jadores, seguros, etc., devido à sua menor
natureza particularmente “complexa” dos fenô- quantificação possível, logo a seu baixo poder
menos sociais que tornaria extremamente difí- de predição. Afinal – argumenta-se – a pesqui-
cil fazer predições sobre os comportamentos sa em ciências sociais, inclusive em ciências so-
dos atores sociais estudados. Em terceiro lugar, ciais em saúde, é essencialmente “qualitativa”
a natureza controvertida de muitas das catego- (Minayo, 1996), logo o que ela detectaria seria
rias das ciências sociais, visto que seriam inse- sempre tão somente indiciário. O que mal se
paráveis de julgamentos de valor. Esta diferen- adaptaria ao paradigma da verificação/refuta-
ça faria com que, do ponto de vista ético e bio- ção tradicionalmente adotado nas ciências na-
ético, as ciências sociais devessem ser conside- turais, às quais pertence cada vez mais também
radas, como já pretendia Jürgen Habermas, em a ciência biomédica desde que ela se tornou,
seus aspectos práticos e críticos, ao contrário graças à genética e à engenharia genética, uma
das ciências naturais, que poderiam ser consi- das formas da biotecnociência. Este argumento
deradas em seus aspectos meramente técnico e está ligado a um outro, pois se a atividade de
instrumental (Habermas, 1981). pesquisa em ciências sociais em saúde tem as
características descritas acima, ela tornaria o
pesquisador social menos suscetível de estar
Considerações bioéticas finais envolvido com grupos de interesses, tais como
indústria farmacêutica, seguros e outros agen-
No Brasil, uma das queixas mais freqüentes dos tes econômicos potencialmente “suspeitos”. Tal
pesquisadores que submetem seus protocolos argumento se expressa geralmente pela afirma-
de pesquisa a um CEP é que as normas vigen- ção de que a moralidade do agente pesquisador
tes e sua interpretação e aplicação na emissão seria garantia suficiente da eticidade da pesqui-
do parecer pelo CEP dificultariam e até invia- sa, haja vista a tradicional vocação das ciências
bilizariam de fato a pesquisa científica. Isso é sociais em estar do lado dos mais vulneráveis e
identificado com uma suposta burocratização desamparados!
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Sensível aos anseios acerca da qualidade de sistemas de valores existentes, e que orientam
vida de indivíduos e populações humanas, ao as diversas comunidades morais nelas existen-
bem-estar dos animais sencientes, assim como tes, não são comensuráveis entre si a priori,
à qualidade de seus contextos, mas também mas tão somente, e na melhor das hipóteses, a
preocupada com a credibilidade futura da filo- posteriori, depois de inevitáveis tentativas dia-
sofia como saber capaz de dar sentido às práti- lógicas.
cas dos agentes morais e de reconstruir a credi- Em terceiro lugar, pensando uma bioética
bilidade das antigas “ciências morais”, a bioéti- da proteção como uma espécie de “tarefa sínte-
ca pode subsidiar na solução desse tipo de pro- se” das outras duas (a descritiva e a normati-
blemas, e isso de três maneiras distintas e com- va), o que, por um lado, resgataria o sentido
plementares. mais antigo da palavra ethos (“guarida”) e, por
Em primeiro lugar, adotando o ponto de outro, proporia o sentido mais amplo pensável
vista crítico, segundo o qual a análise moral de- de uma ética de nosso tempo, muito próximo,
ve sempre adotar a linguagem de segunda or- portanto, do conceito de hospitalidade incondi-
dem consistente em analisar, de maneira racio- cional de Derrida.
nal e imparcial, todas as crenças e os enuncia- A bioética é um produto tardio e, talvez,
dos morais vigentes, para tão somente reter a maduro do processo de secularização e de evo-
força argumentativa ou “cogência” (cogency) de lução dos costumes e dos valores, que acompa-
cada justificação de comportamento efetiva- nham a complexificação dos sistemas sociais e,
mente existente. geralmente, as construções simbólico-imaginá-
Em segundo lugar, tirando partido da aná- rias que os acompanham e que pretendem tor-
lise anterior e tentando “aplicar” concretamen- ná-los inteligíveis, logo vivíveis e aceitáveis. Por
te a solução que, dentre as possíveis, possa ser isso ela pode nos orientar, com lucidez, nos
considerada mais adequada a uma situação de meandros de nossos conflitos. E, com isso, tal-
conflito determinada, tanto do ponto de vista vez possamos recuperar a vocação inicial da bi-
deontológico quanto do ponto de vista conse- oética, que, na intenção do provável criador do
qüencialista. Ou seja, ponderando as várias neologismo bioética, Van Rennselaer Potter,
condutas que possam ser adotadas por se mos- deveria ser a de ultrapassar a separação entre
trarem moralmente justificáveis, e escolhendo cultura científica e cultura humanística e a de
aquela(s) que tenham as melhores conseqüên- propor uma scientia nova capaz de guiar a ação
cias (ou, mais realisticamente, as menos nega- humana em vista da sobrevivência da humani-
tivas) para a solução de um determinado con- dade (Potter, 1970). A bioética da proteção tal-
flito; considerando, sobretudo, o fato de que, vez possa ajudar a recuperar esta vocação da fi-
nas sociedades complexas contemporâneas, os losofia primeira.

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Artigo apresentado em 15/1/2004


Aprovado em 15/4/2004
Versão final apresentada em 28/4/2004

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