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SUMÁRIO
Tendo sido recentemente publicada a Lei n.º 71/2018, de 31-12, e tendo a F&M SROC
promovido um seminário, no passado dia 20 de novembro, em que um dos temas abordados
foi precisamente a Proposta de Lei de Orçamento do Estado (OE) para 2019, importa agora
destacar as principais diferenças entre a referida Proposta e a Lei do OE em matéria de IRS,
IRC e IVA.
IRS
Na verdade, há apenas uma modificação que se prende como facto de ter caído a alteração
ao art.º 73.º do Código relacionada como aumento das taxas de tributação autónoma, de 10%
para 15%, no caso encargos (dedutíveis) relativos a despesas de representação e a Viaturas
Ligeiras de Passageiros (VLP) com custo de aquisição inferior a €20.000, e de 20% para 25%,
no caso de VLP com custo de aquisição igual ou superior a €20.000. Mantêm-se, assim, as
taxas de tributação autónoma em causa em 10% e 20% tal como anteriormente.
Contudo, há várias alterações ao Código do IRS que não estavam contempladas na Proposta
de Lei, nomeadamente aos artigos 10.º, 12.º, 13.º, 43.º, 51.º, 57.º, 72.º e 119.º.
Entre elas assumem especial relevância as alterações efetuadas aos artigos 10.º, 43.º e 51.º,
todas elas visando as mais-valias obtidas com a alienação de imóveis que tenham beneficiado
de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas para a
aquisição, construção, reconstrução ou realização de obras de conservação de valor superior
a 30 % do VPT do imóvel para efeitos de IMI, que sejam vendidos antes de decorridos 10
anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção
da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio público não reembolsável que,
nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que
limitem ou condicionem a respetiva alienação.
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ü Tratando-se de imóveis destinados a Habitação Própria e Permanente (HPP), não é
aplicável a exclusão de tributação de mais-valias em caso de reinvestimento
(aditamento da alínea d) ao n.º 6 do art.º 10.º);
ü A mais-valia obtida com a sua alienação deixa de ser considerada em apenas 50% do
seu valor, passando a ser tributada na globalidade (alteração do n.º 2 do art.º 43.º,
com o seu desdobramento em duas alíneas);
ü Os encargos com a sua valorização (e despesas), a acrescer ao valor de aquisição
para efeitos de cálculo das mais-valias, apenas são considerados na parte que exceda
o valor do apoio não reembolsável recebido (aditamento do n.º 2 ao artigo 51.º,
passando o corpo do artigo a constituir o n.º 1, embora a nova redação, a nosso ver,
tenha ficado imperfeita).
De acordo com a nota justificativa subjacente a esta última alteração, a mesma visa impedir
que o valor de apoios concedidos pelo Estado dos quais resulte a valorização do imóvel
influenciem o valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia imobiliária.
Estamos em crer que as alterações supra descritas poderão estar relacionadas com os apoios
concedidos pelo Estado no âmbito dos incêndios do verão de 2017, ocorridos em junho e
outubro.
Por outro lado, foram efetuadas outras alterações ao art.º 10.º do Código do IRS, tendo sido
criada uma nova possibilidade de exclusão de tributação das mais-valias obtidas com a
alienação de HPP, passando a mesma a ser aplicável desde que, cumulativamente, se
verifiquem as seguintes condições:
São ainda estabelecidas mais três condições, que acrescem às duas anteriores, destacando-
se aquela que estipula que a aquisição do contrato de seguro, a adesão individual a um fundo
de pensões aberto ou a contribuição para o regime público de capitalização seja efetuada
nos 6 meses posteriores contados da data de realização (quando o prazo de reinvestimento
normal é de 36 meses).
Em termos de novidades, face à Proposta de Lei, destaca-se ainda a alteração ao art.º 72.º,
que consistiu no aditamento da alínea d) ao n.º 12, passando, assim, a aplicar-se a taxa
especial de 35% às mais-valias previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º (mais-valias
imobiliárias) auferidas por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território
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português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal
claramente mais favorável (constantes da lista), quando até aqui a taxa aplicável era de 28%,
prevista na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo.
IRC
Em sede de IRC, constata-se que as diferenças entre a Lei e a Proposta de Lei são
praticamente inexistentes.
Todavia, tais diferenças, residem precisamente em duas das alterações que porventura mais
foram interiorizadas pelos participantes no Seminário do passado mês de novembro, isto é,
as que estavam projetadas relativamente às tributações autónomas e ao Pagamento Especial
por Conta (PEC).
Assim, em sede de IRC, tal como no IRS, não foi avante a proposta de aumento das taxas de
tributação autónoma, neste caso de 10% para 15% no caso de encargos (dedutíveis e não
dedutíveis) relacionados com VLP com custo de aquisição inferior a €25.000 e de 35% para
37,5% no caso de VLP com valor de aquisição igual ou superior a €35.000, mantendo-se,
portanto, inalterada a redação do n.º 3 do artigo 88.º do Código.
Por fim, quanto às alterações ao PEC (art.º 106.º), mantém-se a dispensa que estava prevista
para os sujeitos passivos que tenham cumprido com as obrigações declarativas previstas nos
art.os 120.º (DR22) e 121.º (DAICF/IES), relativas aos dois períodos de tributação anteriores.
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IVA
No que se refere ao IVA, chamamos, desde já, a atenção para a divulgação do Ofício
Circulado n.º 30207, de 04-01-2019, da Área de Gestão Tributária - IVA, que analisa as
alterações promovidas pela Lei do OE para 2019 em sede deste imposto.
Contrapondo, uma vez mais, as alterações vertidas na Proposta de Lei do OE para 2019, com
a consequente Lei n.º 71/2018, verificamos que ficou sem efeito a alteração da redação da
alínea b) do n.º 15 do artigo 9.º do Código, que passaria a excluir da isenção os serviços
prestados, aos respetivos promotores, no âmbito de espetáculos tauromáquicos, por parte
dos artistas tauromáquicos, sendo estes serviços, à luz da proposta de aditamento da verba
2.32 à Lista I anexa ao Código do IVA, tributados à taxa reduzida do IVA (6% no caso de
operações localizadas no Continente). Estas alterações não se materializaram na Lei do OE,
pelo que permanece esta isenção nos termos anteriormente estabelecidos.
Ainda neste âmbito (e esta foi, provavelmente, uma das matérias legislativas que foi
publicamente mais difundida no âmbito da discussão do OE), verificamos que o aditamento
da verba 2.33 à lista I do Código do IVA, por parte da Proposta de Lei, corresponde, na Lei
do OE, à verba 2.32, que vem estabelecer a aplicação da taxa reduzida do imposto às
entradas em espetáculos que até aqui se encontravam sujeitas à taxa intermédia por
enquadramento na verba 2.6 da lista II anexa ao Código.
Verba 2.33 da Lista I aditada pela Proposta de Lei Verba 2.32 da Lista I aditada pela Lei do OE
“2.33 - Entradas em espetáculos de canto, dança, “2.32 — Entradas em espetáculos de canto,
musica, teatro e circo realizados em recintos fixos dança, música, teatro, cinema, tauromaquia e
de espetáculo de natureza artística ou em circos circo. Excetuam-se as entradas em espetáculos
ambulantes. Excetuam-se as entradas em de caráter pornográfico ou obsceno, como tal
espectáculos de caracter pornográfico ou obsceno, considerados na legislação sobre a matéria.”
como tal considerados na legislação sobre a
matéria.”
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elencados na verba 2.32 supra assinalada. Conforme se refere no Ofício Circulado n.º
30207, deve considerar-se tacitamente revogada a referida verba.
Assistimos ainda a uma alteração ao n.º 7 do art.º 18.º do Código do IVA, que não estava
vertida na anterior Proposta de Lei, visando criar uma exceção à regra de acordo com a qual
as prestações de serviços por via electrónica são tributados à taxa normal do IVA.
Em consequência, foi alterada a verba 2.1 da Lista I anexa ao Código do IVA, no sentido de
tributar à taxa reduzida de IVA de 6%, no caso de operações localizadas no Continente, os
serviços relativos ao fornecimento, por via eletrónica, tal como já sucedia com os suportes
físicos, de livros (ex. e-books), jornais, revistas de informação geral e outras publicações
periódicas que se ocupem predominantemente de matérias de caráter científico, educativo,
literário, artístico, cultural, recreativo ou desportivo.
Retomando a matéria das taxas do IVA, face à Proposta de Lei, permanecem as alterações
referentes às verbas 2.8, 2.10, 2.30 e 4.1.
No entanto, para além, como já vimos, do que ocorreu, em sede da lista I, na verba 2.1
(inclusão das publicações eletrónicas) e na verba 2.32 (agora aditada) que revoga,
tacitamente, a verba 2.6 da lista II, assinale-se, ainda, comparando, uma vez mais, a Proposta
de Lei com a Lei do OE:
ü A alteração da verba 1.8 da lista I que passa a incluir na tributação à taxa reduzida
do IVA o “mel de cana tradicional”, que consiste num produto regional certificado da
Região Autónoma da Madeira.
ü A alteração da verba 2.14, que aplica a taxa reduzida do IVA ao transporte de
passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor. Esta verba compreende
o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas
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de lugar, passando agora, com a nova redação, a compreender, igualmente, o
transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas. De acordo com a
nota justificativa subjacente a esta alteração, face à disparidade de entendimentos da
AT, a mesma visa esclarecer que o transporte de pessoas com finalidade de passeio
turístico é tributado como transporte de passageiros, independentemente da
presença de outros elementos no serviço, desde que estes estejam discriminados e
aplicando-se a estes a sua taxa própria.
Ainda em matéria de IVA, permanece a transposição das seguintes diretivas, nos termos
visados na Proposta de Lei, a saber:
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2. Acórdão do CAAD: Processo 90/2017-T
Nota prévia
Trata-se de um assunto que tem vindo a ser discutido desde há muito, bastante controverso,
afigurando-se oportuna uma reflexão sobre o mesmo tendo em conta que a discussão em
volta do tema não está fechada, muito pelo contrário.
Nesse sentido, propunha a OCC, “(…) a inclusão expressa no conceito de “atividade normal”
dos adiantamentos a fornecedores, considerando que estes hoje fazem parte dos
procedimentos usuais do circuito comercial.”.
Não obstante, conforme referido, apesar de o tema central deste tópico ser o anteriormente
referido (conceito de “atividade normal”), no acórdão do CAAD que selecionámos para
análise, são referenciados três acórdãos do TCA-Sul, sendo que apenas um deles versa
exatamente sobre a mesma temática, incidindo os restantes sobre a problemática da
periodização económica (imputação temporal) das perdas por imparidade e sobre a questão
da prova demonstrativa das diligências de cobrança.
Tais aspetos são também muito relevantes em matéria de dedutibilidade fiscal, em sede de
IRC, de perdas por imparidade em créditos, tendo sido incluídos na parte final, concluindo-se
com algumas referências a outros acórdãos proferidos pelos Tribunais superiores em matéria
de perdas por imparidade em créditos.
Objeto do litígio
A questão controvertida, reportada ao exercício fiscal de 2014, passa por aferir sobre a
dedutibilidade, para efeitos do apuramento do lucro tributável de IRC, do gasto inerente ao
adiantamento do preço para aquisição de uma máquina a uma empresa italiana, a qual não
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se chegou a concretizar por via da insolvência do fornecedor, máquina esta que faria parte
integrante do ativo fixo tangível da sociedade requerente, assim como da qualificação daquele
encargo como como imparidade em dívidas a receber, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º
28.º-A do respetivo Código.
Posição da AT
Apoiada no Parecer n.º 115/95 do Centro de Estudos Fiscais, a AT defendeu que apenas os
créditos sobre clientes, resultantes das transações de bens e serviços relacionados com a
atividade da empresa, são passíveis de ser considerados “créditos resultantes da atividade
normal”, conforme preceituado no articulado supra referido.
Posição da Requerente
Nessa medida, a desconsideração, enquanto custo dedutível, não seria compatível com o
princípio constitucional da tributação pelo lucro real, enquanto corolário dos princípios da
justiça material e da igualdade.
Enquadramento legal
Nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, para a determinação do lucro tributável,
são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para
obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo enuncia, a título exemplificativo, várias categorias
concretas de encargos dedutíveis, dos quais se destaca a alínea h): “perdas por imparidade”.
Enuncia o art.º 28.º-A, n.º 1, que “Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes
perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em
períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade
normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período
de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como
tal na contabilidade;”.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 28.º-B do mesmo Código, para efeitos da
determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior,
consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade
esteja devidamente justificado, o que se verifica, entre outros, no caso em que o devedor
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tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de
revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do
Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE).
Decisão
O Tribunal começa por referir que a questão de fundo parece relacionar-se mais com a
possibilidade de deduzir o gasto, do que de o reconduzir a uma determinada alínea, já que a
dedutibilidade do gasto implicaria a anulação da liquidação em análise. No entanto, sem
prejuízo do referido, não se abstém de tomar uma posição quanto à qualificação do referido
gasto como imparidade.
Conclui, assim, não existir qualquer razão para que o gasto incorrido pela sociedade
Requente não seja considerado dedutível para efeitos fiscais, i.e., para que o gasto não se
considere enquadrado no artigo 23.º do Código do IRC.
Por outro lado, no que se refere à qualificação dada pela Requerente ao referido encargo
como “imparidade”, conclui o Tribunal pela sua legitimidade, dado que o valor do
adiantamento registado na contabilidade difere do valor recuperável. Isto porque a máquina
não chegou a ser entregue e o adiantamento não chegou a ser reembolsado.
Deste modo, considera o Tribunal que as dívidas de fornecedores (no caso, fornecedores de
investimentos) devem ser consideradas como resultando da atividade normal dos sujeitos
passivos, acrescentando que o art.º 28.º-A do Código do IRC não faz qualquer referência à
atividade operacional do sujeito passivo, ou sequer a clientes, apenas se referindo a “dívidas
a receber”, na respetiva epígrafe, e a “créditos resultantes da atividade normal”.
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Conclui, assim, verificarem-se os requisitos para a consideração do gasto como dedutível
enquanto imparidade, reconduzível ao art.º 23.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRC.
Notas e comentários
O Parecer n.º 115/95 do Centro de Estudos Fiscais, Processo n.º 1244/95, de 12-07-1995,
no qual se apoiou a AT no âmbito do presente processo judicial, estabeleceu o seguinte:
“(…) Assim, a única interpretação da alínea a), do n.º 1, do art.º 33º do CIRC que se nos
releva sustentável, pelas razões atrás definidas, é a que qualifica como relevantes, para
efeitos da constituição das provisões aí previstas, apenas os créditos que são originados por
vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objetivos ou finalidade
principais da empresa, afastando, linearmente, os créditos que resultem de meras operações
de caráter financeiro (adiantamentos ou entregas por conta).”.
Não obstante, conforme já referido nas notas prévias, a própria OCC, num documento
divulgado no seu sítio da internet, alertava para a necessidade de clarificação daquele
conceito de “atividade normal”, sendo seu entendimento que o mesmo se deveria conformar
ao conceito de gasto previsto no artigo 23.º do Código do IRC.
Relativamente a tal conceito, são citados, no acórdão do CAAD em análise, três acórdãos do
TCA-Sul (proferidos nos processos n.º 03751/10, de 23-02-2010, n.º 03976/10, de 15-06-
2010, e n.º 01108/16, de 03-12-2015), segundo os quais os créditos resultantes da atividade
normal da empresa correspondem aos saldos devedores de clientes e fornecedores, no final
do exercício, devidamente evidenciados em contas apropriadas.
Observa-se, no entanto, salvo o devido respeito, que nos parece excessivo reconduzir a
dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade apenas ao conceito de gasto fiscal enunciado
no art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC, aludindo-se, seguidamente, ao disposto na alínea h) do
n.º 2 do mesmo artigo, tal como parece resultar da primeira parte da fundamentação do
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acórdão, quando é sabido que vários gastos elencados neste mesmo n.º 2 sofrem limitações
quanto à sua dedutibilidade por força da aplicação de outras disposições legais do Código do
IRC.
Daí que, a nosso ver, numa situação como a que estava em causa nos presentes autos, a
decisão a proferir deveria sempre ter em conta o conceito de “atividade normal”, tal como,
aliás, acabou por suceder no caso em apreço, dado tratar-se de uma condição suplementar
para a dedutibilidade fiscal dos gastos relacionados com perdas por imparidade em créditos,
prevista no n.º 1 do art.º 28.º-A do Código do IRC, que acresce às restantes condicionantes
que resultam da aplicação do disposto no art.º 23.º do mesmo diploma legal.
Ainda assim, afigura-se que a AT tem vindo a adotar uma interpretação excessivamente
restritiva daquele conceito, ao considerar que a “atividade normal” se baseia no objeto social
da entidade, estando relacionado com as atividades operacionais realizadas pelas empresas.
Do nosso ponto de vista, salvo melhor opinião, deveriam subsumir-se em tal conceito, não
apenas os adiantamentos aos fornecedores de bens (inventários ou ativos fixos tangíveis),
nos termos decididos pelo Tribunal a quo, mas também outras operações de natureza
ocasional, especialmente os créditos inerentes à alienação de ativos fixos tangíveis, sem
prejuízo das limitações impostas pelo n.º 3 do art.º 28.º-B do Código do IRC.
Recorde-se que o TCA-Sul tem vindo a afirmar, reiteradamente, que créditos da “atividade
normal” correspondem aos saldos devedores de clientes e fornecedores, conforme
anteriormente sublinhado, considerando o CAAD, no acórdão em apreço, que os
fornecedores de investimentos estão abrangidos por tal conceito.
Ora, no tocante a créditos resultantes da alienação de ativos fixos tangíveis, embora não se
esteja perante “clientes” enquadráveis na conta 21 do SNC, mas sim perante “outros
devedores”, a que corresponde a conta 278 do SNC, é nosso entendimento que um eventual
saldo devedor desta conta, respeitante a uma venda de imobilizado, cujo crédito venha a ser
considerado de cobrança duvidosa (verificando-se a imparidade), deva também ser
considerado como resultante da “atividade normal”.
Na verdade, segundo o CAAD, no acórdão em apreço, “(…) seria chocante que uma dívida
de cliente fosse considerada uma imparidade, correspondendo à atividade normal do sujeito
passivo, enquanto uma dívida de um fornecedor para a aquisição de um ativo indispensável
à atividade a jusante não o fosse.”.
O mesmo sucede, a nosso ver, por igualdade de razão, com uma dívida respeitante à
alienação de ativos fixos tangíveis, por se tratar também de algo essencial à atividade,
sabendo-se que, grande parte das vezes, a aquisição de novos ativos fixos tangíveis
(situação subjacente ao aresto em análise) pressupõe a venda daqueles que estes vieram
substituir.
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Recorde-se que o STA (Processo n.º 0668/06, de 18-10-2006) já se havia pronunciado,
contrariando a posição da AT vertida no Parecer n.º 11/95 também do Centro de Estudos
Fiscais, que os juros de mora, em consequência do incumprimento da obrigação, não podem
deixar de se inserir no conceito de atividade normal, sendo que o próprio legislador, no âmbito
da Reforma do IRC de 2014 (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), viria a conformar a letra da Lei
com esta posição ao aditar a expressão “incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de
obrigação” na alínea a) do n.º 1 do art.º 28.º-A do Código do IRC.
Finalmente, quanto ao conceito em análise, importa sublinhar que os créditos que não
abrangidos pelo mesmo (ou em que existam dúvidas sobre a sua inclusão em tal conceito),
ou no caso de créditos que, embora abrangidos, estejam excluídos do regime por via do n.º
3 do art.º 28.º-B do Código do IRC, resta a possibilidade da consideração do gasto enquanto
crédito incobrável, embora, nesse caso, tenham que verificar-se as condições bastante mais
restritivas constantes nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 41.º do Código do IRC, cuja redação,
aliás, está alinhada com o Código do IVA (alíneas a) a d) do n.º 4 do art.º 78.º-A).
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se prove no processo de impugnação judicial, que a incobrabilidade dos créditos foi verificada
em exercícios anteriores àquele em que ocorreu essa constituição, e isso evidenciado na
contabilidade do contribuinte, pois só neste caso há ofensa do princípio da especialização
dos exercícios, a justificar o não atendimento da provisão como custo fiscal do exercício.”.
Neste acórdão do TCA-Sul foi dada razão à AT (que já havia obtido ganho de causa em 1.ª
instância), concluindo o Tribunal, tendo em conta a prova produzida nos autos, que as
provisões deveriam ter sido constituídas muito mais cedo, havendo casos em que a dívida já
estava em mora há sete anos.
Segundo a AT, tal meio de prova seria insuficiente. Porém, de acordo com o TCA-Sul, “(…) a
lei apenas exige que o credor efectue diligências no sentido de obter a boa cobrança dos
seus créditos, para que, em face da respectiva inconsequência e verificados que sejam os
restantes requisitos legais, lhe seja admitida constituição para créditos de cobrança duvidosa
relevante em sede de apuramento do lucro tributável, pelo que, demonstrada a realização
das mesmas, quaisquer que elas sejam, desde que integráveis no conceito, não é possível
recusar a verificação de tal requisito, por insuficiente (…) e o certo é que dos autos decorre
que foi demonstrada a diligenciação, por parte da recorrente, na cobrança dos créditos
respectivos e estando patenteado, nos autos, que, afinal diligenciou em tal sentido, a razão
não pode deixar de ser reconhecida à recorrida, nesta estrita medida.”.
Não obstante, a título de nota final, não deixaremos de ressalvar que, por uma questão de
prudência, e de certeza e segurança jurídica, deverão os credores munir-se da prova
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documental adequada, comprovativa da realização de diligências de cobrança,
nomeadamente, cartas registadas, mensagens de correio eletrónico trocadas, mensagens
enviadas por FAX, entre outras possibilidades.
Até porque a posição dos Tribunais neste domínio não é consensual, nomeadamente a
posição do próprio TCA-Sul, tendo em conta que no acórdão proferido no processo n.º
7160/2002, de 01/04/2003, se refere que: “(…) Sendo certo que a lei admite a prova
testemunhal e documental, entre outras, existe matéria para a qual só determinado tipo de
prova é relevante. Assim, em casos como o dos autos em que a lei dá relevância à
contabilidade, é óbvio que não pode a prova testemunhal servir para infirmar factos que
constam da mesma contabilidade. É o caso, por exemplo, das diligências efetuadas para
cobrança dos créditos. A prova, em nosso entender, só poderia ser feita por via documental
e não por via de testemunhas (…)”.
Luís Esteves
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