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PASSADO,

PRESENTE
E FUTURO DA
GASTROENTEROLOGIA

IRA DE GAST
ILE RO
AS
BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA

1949
Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG

Editores
Schlioma Zaterka
Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa
Décio Chinzon

Passado, presente
e futuro da
Gastroenterologia

IRA DE GAST
ILE RO
AS
BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA

1949

Temas de atualização do Curso FAPEGE da


XIX Semana Brasileira do Aparelho Digestivo - SBAD Digital

2020

2
 Copyright©2020 Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG
ISBN: 978-65-88475-01-0.
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Zaterka, Schlioma
Passado, presente e futuro da gastroenterologia /
Schlioma Zaterka, Francisco Sérgio Rangel de Paula
Pessoa, Décio Chinzon. -- 1. ed. -- São Paulo :
Editora Mazzoni, 2020.

ISBN 978-65-88475-01-0

1. Aparelho digestivo 2. Gastroenterologia 3.


Medicina 4. Saúde pública I. Pessoa, Francisco Sérgio
Rangel de Paula. II. Chinzon, Décio. III. Título.

20-49601 CDD-616.3
NLM-WI-100
Índices para catálogo sistemático:

1. Gastroenterologia : Medicina 616.3

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

3
4
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Gastroenterologia
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de Acreditação Comissão de Credenciamento de
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Coordenador Eliza Maria de Brito (MG) - Coordenadora

Editores da GED (Gastroenterologia e REGIÃO SUL


Endoscopia Digestiva) Gabriela Perdomo Coral (RS) -
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Coordenadora Antônio Cardoso Sparvoli (RS)
Eduardo Nobuyuki Usuy Jr. (SC)
Glenio Dias Fernandez (RS)
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Helenice Pankowski Breyer (RS)
Gastroenterologia Hoiti Okamoto (SC)
Maria do Carmo Friche Passos (MG) - Júlio César Pisani (PR)
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REGIÃO NORTE / NORDESTE
Editor da Revista FBG Gardenia Costa do Carmo (CE) -
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Coordenador Alan Dave Furtado de Souza (SE)
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2019 – Cidade Sede – Fortaleza – Sergio
Pessoa (CE) Simone Deda Lima Barreto (SE)
2020 – Cidade Sede – Florianópolis – Viriato
João Leal da Cunha (SC) REGIÃO CENTRO-OESTE
Jonio Arruda Luz (TO) - Coordenador
Comissão Científica de Assessoria à Cacilda Pedrosa de Oliveira (GO)
SBAD Fernando Henrique Porto Barbosa Ramos
(GO)
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Rogério Saad-Hossne (SP) - GEDIIB /
Luciana Araujo Bento (MS)
Grupo de Estudos da Doença Inflamatória
Luciana Teixeira de Campos (DF)
Intestinal do Brasil
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NBEHPM / Núcleo Brasileiro para Estudo de REGIÃO SUDESTE
Helicobacter Pylori e Microbiota Luciana Lofêgo Gonçalves (ES) -
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Coordenadora SOCIEDADE AMAZONENSE DE
Eliza Maria de Brito (MG) GASTROENTEROLOGIA
Guilherme Eduardo Gonçalves Felga (SP)
Everton Ricardo de Abreu Netto
Guilherme Marques Andrade (SP)
Liliana Andrade Chebli (MG)
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GASTROENTEROLOGIA DA BAHIA
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FBG/AMB
Aderson Omar Mourão Cintra Damião (SP) -
SOCIEDADE DE
Coordenador GASTROENTROLOGIA DE BRASÍLIA
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Edna Strauss (SP)
Gerson Ricardo de Souza Domingues (RJ) SOCIEDADE CEARENSE DE
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Raquel Canzi Almada de Souza (PR)
Rodrigo Vieira Costa Lima

COMISSÃO FBG MULHER


SOCIEDADE DE
Jozelda Lemos Duarte (PI) - Coordenadora
GASTROENTEROLOGIA DO ESPÍRITO
Ana Flávia Passos Ramos (MG)
Betânia da Costa Cavalcante (PA) SANTO
Claudia Pinto Marques S. Oliveira (SP) Hélio Renato Carvalho Fischer
Elaine Moreira Ferreira (MT)
Mônica Souza de Miranda Henriques (PB) SOCIEDADE GOIANA DE
GASTROENTEROLOGIA
COMISSÃO GASTRO-ARTE Luiz Henrique de Sousa Filho
Luiz Eduardo da Silva Goes (BA) -
Coordenador SOCIEDADE MARANHENSE DE
GASTROENTEROLOGIA
CONSELHO FISCAL Livia Ronise Garcia Arraes
Titulares
Uyapuran Torres Medeiros (PE) SOCIEDADE MATO-GROSSENSE DE
Justiniano Barbosa Vavas (AC)
GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO
Fernando Cordeiro (SP)
Suplentes Elza Maria Moreira Gil
Nelma Pereira de Santana (BA)
Roberto Oliveira Dantas (SP) SOCIEDADE SUL-MATO-GROSSENSE
Columbano Junqueira Neto (DF) DE GASTROENTEROLOGIA
Heitor Soares de Souza
SOCIEDADES FEDERADAS
SOCIEDADE DE
SOCIEDADE ALAGOANA DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO
GASTROENTEROLOGIA DE MINAS GERAIS
Fernando Antonio Barreiros de Araújo Eduardo Garcia Vilela

8
SOCIEDADE DE SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA
GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO DE SÃO PAULO
DA PARAÍBA Alexandre Buzaid Neto
Irigracin Lima Diniz Basilio
SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA
SOCIEDADE PARAENSE DE DE SERGIPE
GASTROENTEROLOGIA Fernando Every Belo Xavier
Roger Barata Ataide
SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA
SOCIEDADE PARANAENSE DE DO TOCANTINS
GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO Jonio Arruda Luz
Raquel Canzi Almada de Souza

SOCIEDADE PERNAMBUCANA DE
GASTROENTEROLOGIA
Ana Botler Wilhem

SOCIEDADE DE
GASTROENTEROLOGIA DO PIAUÍ
Conceição de Maria de Sousa Coelho

SOCIEDADE DE
GASTROENTEROLOGIA DO RIO DE
JANEIRO
Antonio Carlos da Silva Moraes

SOCIEDADE DE
GASTROENTEROLOGIA DO RIO
GRANDE DO NORTE
Silvio José de Lucena Dantas

SOCIEDADE GAÚCHA DE
GASTROENTEROLOGIA
Eduardo Emerim

SOCIEDADE CATARINENSE DE
GASTROENTEROLOGIA
Odemari Miranda Ferrari

9
10
AUTORES

Andrea Benevides Leite


Mestre em Hepatologia pela Universidade Federal de Ciências da Saú-
de de Porto Alegre (UFCSPA). Docente da Faculdade de Medicina da
Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Preceptora da Residência Mé-
dica em Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza (ESP-CE).
CRM-CE 7919.

Angelo Alves de Mattos


Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-
-Graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saú-
de de Porto Alegre (UFCSPA). CRM-RS 7.089.

Ângelo Zambam de Mattos


Professor Adjunto de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Gradu-
ação em Hepatologia da UFCSPA. Mestre e Doutor em Hepatologia.
CRM-RS 30.106.

Carlos Brito
Professor Adjunto de Medicina Clínica da Universidade Federal de Per-
nambuco – UFPE. Coordenador Científico do Instituto Autoimune de
Pesquisa. Mestre em Medicina Interna da Universidade Federal de Per-
nambuco. Doutor em Ciências pelo Instituto Aggeu Magalhães - FIO-
CRUZ-PE. Membro Titular do Grupo de Estudo da Doença Inflamatória
Intestinal do Brasil - GEDIIB, da Federação Brasileira de Gastroentero-
logia - FBG e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva - SOBED.
CRM-PE 10.107.

11
Celso Mirra de Paula e Silva
Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG.
Ex-Presidente da Associação Mineira de Gastroenterologia. Membro do
American College of Gastroenterology. Administração em Saúde pela
Fundação Ezequiel Dias. Membro da Diretoria da Federação Brasileira
de Gastroenterologia – FBG, Biênio 2019-2020. CRM-MG 5.457.

Décio Chinzon
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo – FMUSP. Médico Assistente Doutor do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HCFMUSP.
CRM-SP 49.552.

Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa


Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza.
Preceptor da Residência Médica em Gastroenterologia do Hospital Ge-
ral de Fortaleza (ESP-CE). Coordenador da FAPEGE da Federação Brasi-
leira de Gastroenterologia. Vice-Presidente eleito da Federação Brasilei-
ra de Gastroenterologia. CRM-CE 4.848.

Glauber Lima da Cunha Junior


Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri
- UFCa.

Luiz Gonzaga Vaz Coelho


Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Coordena-
dor Médico do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clíni-
cas da Universidade Federal de Minas Ferais - UFMG. CRM-MG 6.666.

Maria Clara de Freitas Coelho


Professora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - CMMG.
Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais - UFMG. Gastroenterologista pela Federação Bra-
sileira de Gastroenterologia – FBG. CRM-MG 49.015.
12
Maria do Carmo Friche Passos
Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Fede-
ral de Minas Gerais - UFMG. Pós-Doutora em Gastroenterologia pela
Universidade de Harvard, Estados Unidos. Presidente do Núcleo Brasi-
leiro para Estudo do H. pylori e Microbiota. Ex-Presidente da Federação
Brasileira de Gastroenterologia - FBG. CRM-MG 18.599.

Miriam Chinzon
Médica Residente do Departamento de Clínica Médica da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. CRM-RJ 52.116382-5.

Raquel Canzi Almada de Souza


Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica, na Disciplina de
Clínica Médica Ambulatorial e Médica, da Universidade Federal do Para-
ná - UFPR. Serviço de Endoscopia Digestiva da Universidade Federal do
Paraná - UFPR. Médica do Centro de Videoendoscopia Avançada - Curi-
tiba, PR. CRM-PR 11.228.

Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa


Acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri
- UFCa.

Schlioma Zaterka
Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia –
FBG. CRM-SP 8.533.

13
PREFÁCIO

Apesar de toda dificuldade decorrente da pandemia pelo


COVID-19, a nossa Federação Brasileira de Gastroenterologia
(FBG) conseguiu atingir praticamente todas as metas almejadas.
Isto somente foi possível graças ao esforço de todas as nossas
Federadas, Comissões e Diretoria.
Nessa nova experiência, em que tudo se tornou virtual, preci-
sávamos nos adaptar a outra realidade. Nosso curso da FAPEGE
também foi virtual, entretanto, a tradicional expressão impres-
sa do curso está aqui, agora, nesse momento, para todos vocês,
graças ao patrocínio da Takeda, a quem muito agradecemos.
Um agradecimento especial a Comissão da FAPEGE, coorde-
nada de modo exemplar pelo nosso incansável, Sérgio Pessoa.
Uma ótima leitura a todos!

Schlioma Zaterka
Presidente da Federação
Brasileira de Gastroenterologia (FBG)
Biênio 2020-2021.

14
SUMÁRIO
Capítulo 1
Hemorragia digestiva alta varicosa............................................................................... 17
Angelo Alves de Mattos
Ângelo Zambam de Mattos

Capítulo 2
Microbiota e NASH............................................................................................................. 27
Andrea Benevides Leite
Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa
Glauber Lima da Cunha Junior
Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa

Capítulo 3
Pancreatite aguda grave.................................................................................................... 35
Raquel Canzi Almada de Souza

Capítulo 4
Doença celíaca: o presente e o futuro........................................................................... 51
Celso Mirra de Paula e Silva

Capítulo 5
Colites microscópicas e microbiota intestinal........................................................... 61
Maria do Carmo Friche Passos

Capítulo 6
Novas opções terapêuticas na doença inflamatória intestinal............................. 75
Carlos Brito

Capítulo 7
Inibidores da bomba de prótons na doença do refluxo
gastroesofágico: como e quando suspender..............................................................103
Décio Chinzon
Miriam Chinzon

15
Capítulo 8
Helicobacter pylori e lesões pré-neoplásicas do estômago.....................................109
Luiz Gonzava Vaz Coelho
Maria Clara de Freitas Coelho

Capítulo 9
Manifestações extradigestivas da infecção pelo Helicobacter pylori.................129
Schlioma Zaterka

16
IRA DE GAST
ILE RO
AS

BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000001

CAPÍTULO 1 1949

Hemorragia digestiva alta varicosa


Angelo Alves de Mattos
Ângelo Zambam de Mattos

Quando avaliado o burden da doença hepática crônica,1 é pro-


jetado um acometimento de 1,5 bilhão de pacientes no mundo,
sendo as causas mais frequentes a doença hepática gordurosa
não alcoólica (60%); os vírus das hepatites B (29%) e C (9%) e
a doença hepática alcoólica (2%). É estimado que as hepatopa-
tias crônicas sejam responsáveis por 2.000.000 mortes ao ano,
número este provavelmente subestimado. No Brasil, a doença
hepática é considerada a oitava causa de óbito, sendo a cirrose a
principal causa entre as doenças hepáticas.2
Atualmente, quando avaliamos a última classificação da cirro-
se, podemos considerar 6 estágios clínicos.3 No estágio 0 obser-
vamos doença compensada sem hipertensão porta clinicamente
significativa (HPCS - GPVH > 5 mmHg e < 10 mmHg) e com boa
resposta ao tratamento etiológico; no estágio 1, a doença per-
manece compensada e sem a presença de varizes; no entanto,
com HPCS e logo com alto risco de desenvolver varizes, carci-
noma hepatocelular e de descompensação, e quando no estágio
2 podemos observar o surgimento de varizes gastroesofágicas -
VGE (mortalidade em 5 anos de 10% se não houver descompen-
sação). No estágio 3 já é constatado sangramento por ruptura de
varizes, sendo a mortalidade em 5 anos de 20% se não houver
descompensação da hepatopatia; no estágio 4 observamos o 1º
episódio de descompensação, propriamente dita (sem conside-
rar sangramento, mais frequentemente com o surgimento de as-
cite), com uma mortalidade em 5 anos de 55%-80% e no estágio
17
5 temos episódios futuros de descompensação, com uma mor-
talidade que pode alcançar 90% em 5 anos. Finalmente, no es-
tágio 6 temos um paciente com cirrose descompensada de for-
ma avançada (ascite refratária, infecção, encefalopatia hepática
persistente, icterícia e disfunção renal). Como podemos obser-
var, o prognóstico da doença começa a comprometer a sobrevi-
da do paciente de forma mais significativa a partir do estágio 3,
quando do sangramento por ruptura de VGE.
Em linhas gerais, é relevante o conhecimento de que as vari-
zes estão presentes em até 40% dos pacientes com cirrose com-
pensada (Child A) e em até 85% quando a doença descompensa
(Child C).4 Em estudo realizado por nós, avaliando uma coorte de
pacientes com doença hepática crônica em nível ambulatorial, o
sangramento digestivo foi a segunda complicação mais frequen-
te na apresentação desses doentes, principalmente quando a
etiologia da doença hepática esteve relacionada ao álcool.5 Res-
saltamos que a recorrência do sangramento em um ano pode ser
de até 60% e que a mortalidade atual de cada sangramento varia
de 15%-20%.4
Os avanços no tratamento da hemorragia digestiva por rup-
tura de VGE podem ser constatados através da redução da mor-
talidade no decorrer dos anos. Quando da primeira reunião de
Baveno, no início da década de 1990, a mortalidade girava entre
30%-40%, e quando da última reunião em 2015 (Baveno VI), en-
tre 7%-12%. As cifras retratam, então, o progresso observado
no manejo do sangramento.6
Por ser o mais frequente, neste capítulo abordaremos o san-
gramento decorrente da ruptura de varizes de esôfago (VE). In-
teressante lembrar o estudo de Ardevol et al.,7 onde é demons-
trado que o sangramento por outras causas, como por exemplo
aquele decorrente de úlcera péptica, em nada diminui a gravida-
de do processo, já que a maior parte dos óbitos está na decor-
rência da falência hepática ou de comorbidades presentes e não
do sangramento propriamente dito.
18
O tratamento do sangramento por ruptura de VE deve ser
oferecido prioritariamente em Unidade de Terapia Intensiva,
proporcionando ao doente todas as medidas adequadas de con-
trole hemodinâmico. A transfusão de hemoderivados deve ser a
mais restrita possível. A princípio só realizamos transfusão em
pacientes com hemoglobina (Hb) inferior a 7 g/dL. A sobrevida
cumulativa é maior nos pacientes que receberam transfusão
restritiva, sendo que os pacientes que mais se beneficiaram des-
ta conduta são aqueles com cirrose Child-Pugh A e B. O ressan-
gramento também é menor no grupo com tratamento restritivo.
Por outro lado, tendo em vista o risco de hipervolemia, acredi-
ta-se ser adequada uma reposição volêmica que proporcione
índices de Hb entre 7-8 g/dL e um hematócrito de 21-24.8 Lem-
brar que a transfusão sempre deve ser individualizada, tendo em
vista outros fatores que podem ser de relevância, como idade,
presença de doença cardiovascular, sangramento ativo e status
hemodinâmico.
Quando necessária, pode ser realizada nestes enfermos aspi-
ração gástrica e/ou intubação endotraqueal.
Não há consenso na proposição de medidas profiláticas para
a encefalopatia hepática. A despeito da utilização da lactulose/
rifaximina ser uma opção a ser pensada, a American Association
for the Study of Liver Diseases (AASLD)9 e a European Association
for the Study of the Liver (EASL)10 deixam o tema em aberto, sem
um posicionamento definido.
No entanto, a profilaxia das infecções é fundamental. Uma re-
visão sistemática com meta-análise, avaliando 1.241 pacientes,
com ou sem a utilização de antibióticos, demonstrou que a pro-
filaxia com antibiótico está associada com redução de infecção
bacteriana; de ressangramento; do tempo de hospitalização e da
mortalidade.11
O antibiótico a ser utilizado é o norfloxacino (400 mg 2x/d),
sendo que nos pacientes com cirrose avançada é preferível a uti-

19
lização da ceftriaxona (1 g/d), pois é mais efetiva no controle da
infecção.12
Atualmente a ceftriaxona parece ser a droga de primeira
escolha nos pacientes com cirrose descompensada, nos que já
realizavam profilaxia com norfloxacino e nos hospitais em que
há alta prevalência de resistência bacteriana às quinolonas.10
Nos pacientes com sangramento, a endoscopia pode ser
realizada em até 12 horas, contando o momento da chegada do
paciente ao hospital, desde que o doente esteja estável.13 Pare-
ce ser de utilidade, quando não houver contraindicação (pro-
longamento do intervalo QT), a utilização de eritromicina (250
mg e.v.), 30–120 minutos antes da endoscopia, uma vez que esta
prática proporciona uma maior incidência de estômago “vazio”;
uma menor necessidade de uma segunda endoscopia; de trans-
fusão e um menor tempo de hospitalização.14
A terapia específica para os pacientes que sangram por rup-
tura de VE deve ser a combinação da ligadura endoscópica das
varizes (LEVE) e a utilização precoce de fármacos vasoativos.
As drogas vasoativas a serem oferecidas a esta população de
pacientes são a terlipressina, a somatostatina e o octreotide. A
eficácia das mesmas tem sido discutida, embora uma meta-aná-
lise e um importante estudo prospectivo, controlado e randomi-
zado, a despeito de eventuais críticas metodológicas, não terem
demonstrado diferença na eficácia dos fármacos citados.15,16
Em regra, o tratamento farmacológico é utilizado por até cin-
co dias. Uma vez que a hemostasia endoscópica seja atingida, re-
gimes de tempo de menor duração com estes fármacos têm sido
sugeridos, embora não exista uma recomendação clara a este
respeito.17
Caberia uma rápida consideração em relação aos inibidores
de bomba protônica. Estes medicamentos não apresentam efei-
to no sangramento por varizes, mas parece razoável seu uso en-
dovenoso enquanto aguardamos a endoscopia, devendo ser des-
20
continuado quando da confirmação do sangramento por varizes.
Seu breve uso para evitar úlceras decorrentes da LEVE, embora
com tímida evidência em relação a eficácia, quando realizado,
deve ser interrompido por ocasião da alta hospitalar.18
Outro ponto que gostaríamos de chamar a atenção é aquele
referente à alimentação enteral, quando necessária, com son-
da nasogátrica ou nasoentérica após a LEVE, pelo receio de que
seja precipitado sangramento. Embora a presença de varizes
não seja considerada uma contraindicação, a maioria dos gastro-
enterologistas prefere observar 24-48 horas após o tratamento
endoscópico, ressalvado o fato da limitação de dados nestas cir-
cunstâncias.18
A descompensação da hepatopatia, quando do sangramento,
principalmente pela presença de ascite, traz um pior prognósti-
co nesta população de pacientes, traduzido em uma maior mor-
talidade em 1 ano, quando comparados com os que não desen-
volveram esta complicação, independentemente do escore de
Child-Pugh ou do MELD.4
Dez a 20% dos pacientes com sangramento maciço não res-
pondem ao tratamento convencional. Nesta população de do-
entes, tem sido sugerida a utilização de próteses autoexpansi-
vas. Em recente meta-análise,19 o tamponamento com balão de
Sengstaken-Blakemore mostrou uma pior performance quando
comparado aos stents esofágicos, a despeito da média de mor-
talidade ter sido semelhante. Embora só um trial compare os
tratamentos, as evidências suportam o fato de que os stents são
a terapia-ponte mais eficaz e segura nos paciente com sangra-
mento agudo refratário. Esta prática, no entanto, ainda não está
consagrada em nosso meio.
Uma outra proposta terapêutica a ser considerada nos pa-
cientes com sangramento é a utilização de transjugular intrahepa-
tic portosystemic shunt (TIPS). Em regra, esta opção terapêutica
era oferecida a pacientes que falhavam ao tratamento endoscó-

21
pico (sangramento persistente ou ressangramento nos primei-
ros cinco dias) ou, de forma mais precoce, aos pacientes com um
gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) maior do que 20
mmHg, uma vez que estes pacientes sangram com maior inten-
sidade e apresentam uma maior falha à terapia endoscópica.20
É de se salientar que o TIPS recoberto (com politetrafluoreti-
leno), a despeito do elevado custo, mostrou-se superior ao TIPS
convencional, apresentando melhora significativa da patência;
redução da encefalopatia hepática e uma menor mortalidade.21
Em 2010, García-Pagán et al.22 publicaram um estudo onde
o TIPS era indicado de forma precoce/preemptiva (nas primei-
ras 72 horas) em pacientes com Child-Pugh C (escore < 14) ou
Child-Pugh B com sangramento na endoscopia. Esta conduta
favoreceu a um menor ressangramento ou falha de controle e
a uma maior probabilidade de o paciente permanecer sem san-
gramento em um ano, com um baixo índice de encefalopatia he-
pática. O mais importante é que este estudo demonstrou uma
maior sobrevida atuarial em um ano. Posteriormente um estudo
chinês, utilizando TIPS recoberto, também controlado e pros-
pectivo, confirmou estes achados.23
Os excelentes resultados com o TIPS preemptivo foram con-
firmados por cinco estudos observacionais;20 no entanto, ainda
há controvérsia no que tange à população que mais se beneficia-
ria com esta prática. Recentemente, estudo multicêntrico inter-
nacional, com mais de 650 pacientes considerados de alto risco,
demonstrou ser a população de pacientes Child-Pugh C a que
mais se beneficiaria desta proposta, uma vez que foi a que apre-
sentou menor mortalidade.24 Desta forma, aguarda-se resultado
de meta-análise de pacientes Child-Pugh B com sangramento,
para ver até que ponto esta população de pacientes só obtém
benefícios em eventuais complicações (desenvolve menos asci-
te) ou se também apresenta ganho de sobrevida.20
A despeito de necessitar de confirmação, é interessante o es-

22
tudo que demonstrou que a presença de acute-on-chronic liver
failure (ACLF) é preditora de mortalidade em pacientes com san-
gramento varicoso e que estes pacientes também seriam bene-
ficiados com a utilização de TIPS preemptivo.25
Ressaltamos que o uso do TIPS preemptivo ainda não foi in-
corporado na prática clínica em nosso país e em diversos pa-
íses do mundo. A este respeito chamamos atenção de recente
estudo, que ao avaliar mais de 5.500 TIPS colocados nos EUA,
relaciona a importância da experiência dos centros com a mor-
talidade observada. Concluem os autores que uma menor mor-
talidade é verificada naqueles centros que têm uma experiência
em colocar no mínimo 20 TIPS ao ano.26
A mortalidade nos pacientes Child-Pugh C (com pontuação
14-15) é muito elevada durante um episódio de sangramento e
os dados atuais sugerem a futilidade em usar TIPS nesta popu-
lação de pacientes, quando não seguida de transplante de fíga-
do. Outro dado importante em relação ao TIPS é a necessidade
de haver uma cuidadosa seleção dos pacientes quando de sua
indicação. Assim, pacientes com mais de 75 anos, com creatini-
na maior do que 3 mg/dl, carcinoma hepatocelular fora dos cri-
térios de Milão ou com trombose total da veia porta devem ser
excluídos.4
A este respeito é importante lembrar que a descompensa-
ção cardíaca é observada em até 20% quando considerado um
período de 1 ano após a colocação da prótese. Parece que a de-
terminação dos níveis do peptídeo natriurético cerebral –BNP
(< 40 pg/mL) ou do pró-peptídeo natriurético cerebral N-ter-
minal -NT-proBNP (< 125 pg/mL) e a realização de um ecocar-
diograma (disfunção diastólica) podem ser de auxílio quando da
seleção dos pacientes.27
É importante lembrar, com o intuito de diminuir complicações
(encefalopatia hepática), que o diâmetro máximo do TIPS a ser
utilizado é de 8 mm (e não de 10 mm como nos trabalhos menos
recentes).20
23
Tendo em vista a melhoria da sobrevida dos pacientes com a
utilização do TIPS preemptivo e da melhora das complicações
que estes pacientes com frequência apresentam (ascite), são ne-
cessários esforços para conscientizar a coletividade médica da
importância de seu uso em população selecionada, uma vez que
esta recomendação já era feita quando da reunião de Baveno
VI.28
Um rápido comentário poderia ser feito em relação à aplica-
ção precoce de Hemospray no manejo do sangramento das VE.
Assim, estudo prospectivo, controlado e randomizado sugere
que esta estratégia, ao levar a uma hemostasia temporária, po-
deria ser utilizada em centros com pouca expertise no atendi-
mento de urgência destes pacientes. Assim, se proporcionaria
um “segundo tempo” no atendimento destes doentes, para uma
terapia mais definitiva, traduzindo grande benefício. Por óbvio,
esta prática necessita de mais estudos antes de sua implemen-
tação.29
Do que foi aqui exposto, creio ser importante levar o leitor a
revisitar as considerações atualizadas da Sociedade Brasileira
de Hepatologia30 no que tange à hemorragia digestiva por rup-
tura de VE, uma vez que traduzem a realidade do que está sendo
feito ou do que pode ser feito em nosso país.

24
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OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000002

CAPÍTULO 2 1949

Microbiota e NASH
Andrea Benevides Leite
Francisco Sérgio Rangel de Paula Pessoa
Glauber Lima da Cunha Junior
Rebeca Mont’Alverne Barreto de Paula Pessoa

O aumento na incidência da doença hepática gordurosa não


alcoólica (DHGNA) e sua forma mais severa, a NASH (nonal-
coholic steatohepatitis), coincide com a epidemia mundial de
obesidade observada nos últimos anos, inclusive no Brasil.1 A
DHGNA é considerada o “braço hepático” da síndrome metabó-
lica e, portanto, o tratamento atual se baseia na perda de peso,
através de dieta e exercício físico, e no controle dos demais fato-
res de risco, ou seja, da hipertensão, da dislipidemia e da resis-
tência insulínica/diabetes mellitus.
Ainda não há meios de se tratar exclusivamente o fígado gor-
duroso; é preciso abordar o doente integralmente,1 o que englo-
ba mudanças no estilo de vida e a associação de drogas direcio-
nadas à patologia em si, quando indicadas. O tratamento é de
difícil aderência, multifacetado e por toda a vida.
O desenvolvimento e a progressão da DHGNA envolvem pro-
cessos fisiopatológicos complexos,2 que são influenciados por
fatores como polimorfismos genéticos, dieta e, mais recente-
mente estudado, alterações quantitativas e qualitativas da com-
posição da microbiota intestinal (MI), denominadas disbiose.3,4
O alto conteúdo calórico da dieta ocidental é um dos princi-
pais determinantes do aumento de peso na população, associa-

27
do à mudança de composição da MI. Esta tem a capacidade de
potencializar a transferência de monossacarídeos consumidos
na dieta hipercalórica para a circulação portal, promovendo as-
sim um aumento na lipogênese no tecido hepático e no tecido
gorduroso periférico.1 Além desses aspectos no desenvolvimen-
to da DHGNA, devem ser consideradas modificações molecula-
res, como o aumento da permeabilidade intestinal em indivíduos
que possuem a proteína de adesão celular JAM1 ou MUC2, que
aumenta o risco de inflamação hepática em seres que estão sub-
metidos a uma dieta rica em gordura. Modificações no metabo-
lismo de aminoácidos e do carbono também estão presentes em
indivíduos com DHGNA.2
A MI é considerada um “órgão invisível”, que possui distribui-
ção heterogênea, sendo o cólon o local com maior densidade,
devido às condições favoráveis de proliferação de micro-orga-
nismos, tais como peristaltismo lento, ausência de secreções
intestinais e presença de suprimento nutricional. A coloniza-
ção bacteriana corporal ocorre antes mesmo do nascimento e
se perpetua por toda a vida. Acredita-se que existam cerca de
36.000 espécies diferentes de bactérias que colonizam o intes-
tino,5 variando quantitativa e qualitativamente entre os indiví-
duos.6 Essas bactérias pertencem aos filos Firmicutes (64%), Bac-
teroidetes (23%), Proteobacteria (8%) e Actinobacteria (3%).7
As principais funções da MI incluem atividades imunológi-
cas e metabólicas. A função metabólica mais proeminente da
MI é a fermentação de componentes não digeríveis da dieta.
Os produtos dessa complexa atividade metabólica constituem
um espectro de ácidos orgânicos, que são uma importante fon-
te de energia para o hospedeiro. Além disso, as células epiteliais
do intestino participam de processos imunológicos. As vias de
sinalização dessas células são altamente reguladas para evitar
respostas inflamatórias não controladas.8 Outra importante
função é a proteção contra micro-organismos exógenos, inibin-
do o crescimento de micro-organismos patogênicos através da

28
síntese de substâncias antimicrobianas ou competindo por nu-
trientes e reduzindo a fixação e a penetração de patógenos nas
células epiteliais.9
Estudos demonstram haver uma relação entre disbiose e
DHGNA. Acredita-se que alguns fatores como dieta, estresse e
uso de antibióticos, por exemplo, modulem a MI de tal maneira
que uma composição transitória prevaleça sobre a composição
habitual. Em última análise, a disbiose promoveria crescimento
bacteriano excessivo, produção de toxinas e aumento da per-
meabilidade intestinal, resultando em modificações imunológi-
cas e efeitos hormonais, predispondo a desordens gastrointes-
tinais.9

Estratégias terapêuticas
Pesquisadores têm estudado cada vez mais a modulação da
MI como um novo alvo terapêutico da DHGNA, desenvolvendo
modalidades terapêuticas que incluem antibióticos, probióticos,
prebióticos, simbióticos e transplante de microbiota fecal,10 por
exemplo.

29
Figura 1. Terapias voltadas à microbiota contra a doença hepáti-
ca gordurosa não alcoólica

Antibióticos
Probióticos

Prebióticos
Simbióticos

Componentes
e derivados
metabólitos
da microbiota TMF*
intestinal

Fígado gorduroso Fígado saudável

Epitélio intestinal prejudicado Epitélio intestinal normal

Disbiose Microbiota intestinal normal

Imagem reproduzida de: Chen HT et al. Microbiota-targeted therapies against NAFLD.10


A disbiose da microbiota intestinal e a barreira intestinal prejudicada foram elucidadas como
fatores patogênicos na doença hepática gordurosa não alcoólica. Antibióticos, probióticos,
prebióticos, simbióticos, transplante de microbiota fecal e componentes e metabólitos deri-
vados da microbiota intestinal são tratamentos importantes direcionados à microbiota intes-
tinal. * TMF: Transplante de microbiota fecal.

A utilização de probióticos no tratamento da DHGNA surge


como uma opção terapêutica promissora, tendo em vista o seu
baixo custo e a ausência de efeitos colaterais severos. Os pro-
bióticos supostamente são capazes de retardar a progressão da
doença e de prevenir complicações através da modulação da flo-

30
ra intestinal, da permeabilidade intestinal e da resposta inflama-
tória, além de diminuir a deposição de gordura no fígado e dimi-
nuir a inflamação hepática, sendo observada em alguns estudos
a melhora dos níveis das transaminases (AST e ALT) durante o
uso de probióticos. Acredita-se que ao suplementar um paciente
com probióticos, permite-se a restauração da MI e consequen-
temente reduz-se a inflamação hepática, considerando a relação
anatômica e funcional do eixo intestino-fígado.11
Apesar das evidências científicas apontarem que há uma as-
sociação entre disbiose intestinal e DHGNA, ainda é preciso que
mais estudos sejam elaborados para estabelecer sua eficácia.10
A utilização de prebióticos é outra opção de terapia adjuvante
para doenças hepáticas, que causa melhora sintomática através
da restauração da MI.12 Prebióticos são substratos quebrados
em metabólitos pela própria microbiota, promovendo, assim, o
crescimento de bactérias benéficas.13
Essas drogas estimulam, por exemplo, o crescimento de bifi-
dobactéria e normalizam os níveis plasmáticos de endotoxinas,14
resultando na restauração da MI e consequentemente na redu-
ção da lipogênese, perda de peso e de gordura, melhora dos ní-
veis glicêmicos e diminuição da inflamação.15
Já os simbióticos consistem na combinação de probióticos e
prebióticos. Estudos evidenciaram que pacientes tratados com
Bifidobacterium e fruto-oligossacarídeos (FOS) por seis meses
evoluíram com diminuição significativa dos níveis séricos de ALT
e AST comparados ao grupo que recebeu apenas placebo.16
Outros estudos mostraram a importância de aliar a mudan-
ça no estilo de vida com o uso de simbióticos e probióticos, pois
assim havia melhores resultados no controle da inflamação he-
pática e da deposição de gorduras no fígado quando compara-
dos aos pacientes que foram submetidos apenas a mudanças
alimentares e de atividade física.
Há evidências crescentes quanto a eficácia do uso criterioso
31
de antibióticos em variadas doenças hepáticas, considerando
que essas drogas podem reduzir os componentes da microbiota
que teriam ação deletéria sobre a saúde do hospedeiro.17 A neo-
micina, desde os anos 1950, e mais recentemente metronidazol
e rifaximina, vêm sendo usados extensivamente no tratamento
de cirrose e encefalopatia hepática.18
No entanto, é preciso cautela quanto ao uso dessas drogas.
Enquanto o uso curto dessas drogas parece ter um efeito tera-
pêutico, o uso prolongado pode levar a resistência bacteriana,
limitando a eficácia e aumentando o risco de infecções secundá-
rias.19
O transplante de fezes, adequadamente chamado transplan-
te de microbiota fecal, consiste em uma estratégia terapêutica
em que há a transferência do microbioma de indivíduos saudá-
veis para o trato gastrointestinal de pacientes que apresentam
disbiose.20 Pode ser realizado através de cápsulas ingeridas,
tubos nasogástricos, nasoenterais, endoscopia digestiva alta e
colonoscopia. Entre os efeitos positivos observados, estão o au-
mento da sensibilidade à insulina, diminuição da esteatose he-
pática e da inflamação intra-hepática.10 Apesar de promissor, a
estabilidade da microbiota transplantada parece ser limitada, o
que poderia resultar a longo prazo em redução dos efeitos te-
rapêuticos. Assim, é necessário que mais estudos clínicos sejam
realizados para confirmar o benefício dessa estratégia.

Conclusões
- As alterações da MI associam-se a várias doenças hepáticas,
metabólicas e sistêmicas.
- O fígado é constantemente exposto a produtos e metabóli-
tos bacterianos oriundos do intestino.
- Modelos animais e estudos clínicos iniciais evidenciam rela-
ções claras entre a MI e a DHGNA e NASH.
- Dieta pobre em gorduras e rica em frutas e vegetais, ativida-
32
de física regular e o uso criterioso de antibióticos são formas de
corrigir/reduzir a disbiose em portadores de DHGNA e NASH.
- A manipulação da MI através do uso de probióticos, prebióti-
cos, simbióticos e transplante de microbiota parece ser uma es-
tratégia promissora, associada ao tratamento padrão, na abor-
dagem da DHGNA e NASH.

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DOI: 10.222288/978658847501000003

CAPÍTULO 3 1949

Pancreatite aguda grave

Raquel Canzi Almada de Souza

A pancreatite aguda (PA) é uma condição inflamatória do


pâncreas, geralmente causada por litíase biliar ou consumo ex-
cessivo de álcool. Na maioria das vezes essa inflamação tem uma
evolução favorável. Porém, a forma grave, que compreende cer-
ca de 20% a 30% dos pacientes, tem taxa de mortalidade em cer-
ca de 15% e requer manejo especializado.
A identificação precoce dos quadros que evoluirão para a for-
ma grave, apesar de muitas vezes desafiadora, é fundamental,
pois pode contribuir para reduzir essa taxa de mortalidade. A PA
é considerada grave nos casos de falência orgânica persistente
(mais de 48 horas) ou presença de complicações locais ou sistê-
micas1,2 e o objetivo deste capítulo é revisar aspectos importan-
tes dessa situação para o gastroenterologista.

Diagnóstico precoce
O tempo ideal para o diagnóstico da PA é dentro das primeiras
48 horas de admissão hospitalar; portanto, esse diagnóstico deve
sempre ser suspeitado em paciente com dor abdominal sugestiva
e persistente, seguido da dosagem de enzimas séricas (amilase
e lipase). Na dúvida diagnóstica, realizar tomografia abdominal
com contraste, pois informará se há edema, borramento da gor-
dura peripancreática e inflamação na glândula pancreática.3-6

35
Adequada reposição de volume
Imediatamente após o diagnóstico da PA é fundamental
iniciar infusão intravenosa adequada de fluidos.3-5 Essa medida,
nos estágios iniciais da PA (dentro das 24 horas), tem sido as-
sociada à redução da mortalidade e morbidade. Individualizar a
quantidade de fluidos a ser infundida de acordo com a função
cardiopulmonar e renal e reavaliar os alvos clínicos a cada seis
ou oito horas. Nas primeiras 48 horas, a necessidade de fluidos
deve ser reavaliada frequentemente. A quantidade será ajustada
com bases clínicas, hematócrito, ureia e diurese. Após 48 horas
pode não ser mais adequado fazer infusão volumosa de fluidos,
pois parece estar associada a risco aumentado de necessidade
de intubação orotraqueal e desenvolvimento de síndrome com-
partimental abdominal.
A reposição adequada de fluidos pode ser confirmada pela
melhora dos dados vitais (FC < 120 batimentos/minuto, pressão
arterial média entre 65 a 85 mmHg), diurese (> 0,5 a 1 ml/kg/
hora), redução do hematócrito (alvo de 35 a 44%) e da ureia nas
24 horas, principalmente se estavam aumentados no início do
quadro. Cinco a dez mL/kg de solução cristaloide isotônica (SII
ou solução de Ringer Lactato), exceto se comorbidades cardio-
vasculares, renais contraindiquem. Na depleção volêmica grave,
reposição rápida com 20 mL/kg EV em 30 minutos, seguidos por
3 mL/kg/hora por 8 a 12 horas. Nas raras situações de PA devido
a hipercalcemia, Ringer Lactato é contraindicado. Embora a re-
posição/infusão de fluidos possa ser feita com soluções salinas
isotônicas ou coloides, a recomendação de vários trabalhos é
infusão de Ringer Lactato, que parece estar associada a diminui-
ção de inflamação em pacientes com PA.7,8
Esse efeito está ligado à ação inibitória do lactato nas células
inflamatórias. Porém, pela revisão não há evidências convincen-
tes da superioridade de um tipo de fluido, volume e duração da
administração na redução de mortalidade e falência de órgãos.

36
Monitoramento
As primeiras 48 horas de acompanhamento do paciente aju-
darão na graduação da PA e com isso na escolha da estratégia
de tratamento. O constante monitoramento é fundamental, pois
os casos inicialmente leves ou moderados podem progredir ra-
pidamente para quadros graves. Os principais parâmetros que
devem ser acompanhados com rigor são os sinais vitais, o débito
urinário, o nível de ureia sérica e o hematócrito.5-8
Embora amilase e lipase sejam úteis no diagnóstico da pan-
creatite, não são marcadores de gravidade, nem de prognóstico
ou mesmo determinantes do manejo clínico. Controle rigoroso
da saturação arterial de oxigênio e suplementação de oxigênio,
para manter o PaO2 superior a 95%, deve ser instituído. Além
da oximetria de pulso, a coleta de gasometria deve ser realizada
se a saturação estiver abaixo de 90%. A causa da hipoxemia per-
sistente deve ser investigada, lembrando que pode ser secun-
dária a atelectasias, derrames pleurais, shunts intrapulmonares
ou síndrome da angústia respiratória aguda. Monitoramento da
ureia é importante na admissão, pois sua elevação durante as
primeiras 24 horas é preditora de mortalidade. Acompanhamen-
to rigoroso da diurese deve ser mantido (> 0,5 a 1 ml/kg/hora).
É importante notar que uma diurese baixa pode refletir necrose
tubular aguda e não depleção volêmica persistente. Nessa situa-
ção, infusão agressiva de fluidos pode levar a edema periférico
e pulmonar, sem melhora da diurese. Eletrólitos devem ser mo-
nitorados frequentemente, especialmente com ressuscitação
fluida agressiva. Atenção especial para hipocalcemia, que deve
ser corrigida se cálcio baixo ou se houver sinais de irritabilidade
neuromuscular, tetania (sinal de Chvostek ou Trousseau). Mag-
nésio baixo também pode causar hipocalcemia e deve ser corri-
gido. Glicemia sérica deve ser monitorizada, com atenção cuida-
dosa se hiperglicemia (níveis maiores que 180 mg/dl), pois pode
favorecer o risco de infecção pancreática secundária.5,6

37
Definição de PA grave
O sistema de classificação mais comumente usado para PA é
a da revisão de 2012 de Atlanta1,2 (tabela 1). A gravidade é clas-
sificada como leve, moderada (moderadamente grave) ou grave.
A forma leve (pancreatite edematosa intersticial) não apresenta
falência de órgãos, complicações locais ou sistêmicas e geralmen-
te reverte na primeira semana. Se houver insuficiência orgânica
transitória (menos de 48 horas), complicações locais ou exacerba-
ção de comorbidades prévias, ela é classificada como moderada
ou moderadamente grave. Pacientes com falência orgânica per-
sistente (mais de 48 horas) ou com complicações locais ou sistê-
micas persistentes apresentam a forma grave da doença.

Tabela 1. Classificação de gravidade de pancreatite aguda

Critérios de Atlanta Revisão de Atlanta


1992 2012
Pancreatite Aguda Leve Pancreatite Aguda Leve

Ausência de falência de órgão Ausência de falência de órgão

Ausência de complicações locais Ausência de complicações locais

Pancreatite Aguda Grave Pancreatite Moderadamente Grave

Complicações locais e/ou


Complicações locais e/ou Falência transitória de órgão < 48
Falência de órgão horas
Hemorragia digestiva Pancreatite Aguda Grave
Falência persistente de órgão > 48
Choque PAS ≤ 90 mmHg horas*
PAO2 ≤ 60% Complicações locais
Creatinina ≥ 2 mg/dl
*Escore Modificado Marshal

38
Na determinação de gravidade devem ser avaliados a falência
orgânica (comprometimento cardiovascular, respiratório, renal
ou outros) e escores que quantifiquem a síndrome de resposta
inflamatória sistêmica. Outros parâmetros podem ser utilizados,
como a impressão clínica de gravidade e fatores indicadores de
gravidade, como obesidade, Apache II > 8 nas primeiras 24 horas
de admissão e 72 horas, proteína C-reativa >150 mg/l, Glasgow
≥ 3, persistência de falência orgânica após 48 horas de admis-
são (apesar de infusão fluida), BISAP (ureia > 25 mg/dL, estado
mental alterado, presença da síndrome da resposta inflamatória
sistêmica - SIRS, idade > 60, presença de derrame pleural).5-7
A tabela 2 resume vários parâmetros de gravidade na PA.
Além disso, pela classificação de Atlanta, a PA pode ser dividida
em duas categorias:
Intersticial, edematosa, que é caracterizada pela inflamação
do parênquima ou peripancreática, sem necrose tecidual detec-
tável e geralmente evoluem de forma leve.
Necrotizante, que, como o nome diz, apresenta inflamação
associada à necrose do parênquima ou peripancreática.
Em geral, os pacientes com PA grave precisam ser manejados
em centros de terapia intensiva, com suporte respiratório, renal,
circulatório e hepatobiliar, o que pode minimizar sequelas sistê-
micas.4-6

39
Tabela 2. Preditores de gravidade da pancreatite aguda

Preditores Preditores
Clínicos Laboratoriais
Idade > 60 anos Hemoconcentração (VG > 44%)

Obesidade Ureia elevada > 20 mg/dL na admissão


e elevação nas 24 horas
Etiologia alcoólica Glicemia elevada, cálcio na admissão e
no seguimento > 15 mg/dl

Falência orgânica - persistente (≥ 48 Creatinina sérica elevada dentro das


horas) 48 horas de admissão > 1,8 mg/dl

Comorbidades - doença pulmonar, Proteína C-reativa > 150 mg/L nas 48


doença cardiológica, doença renal horas da admissão

Hipotensão persistente - PAS < 80 RX tórax com derrame pleural e/ou


mmHg ou PAM < 60 mmHg ou PAD > infiltrado pulmonar nas primeiras 24
120 mmHg horas da admissão

Taquicardia persistente TC ou RM com necrose pancreática ou


peripancreática*

Hipoxemia persistente Procalcitonina elevada

Oligúria ou anúria Peptídio de ativação do tripsinogênio


na urina elevado**
Rebaixamento do nível de consciência Tripsinogênio aniônico urinário**

Dispneia persistente Procarboxipeptidase-B; peptídio


de ativação da carboxipeptidase-B;
tripsinogenio-2 sérico; fosfolipase A-2

*TC = tomografia computadorizada, RM = ressonância magnética, indicadas após 72 horas da


admissão para avaliar gravidade
** com pouca disponibilidade

Etiologia da PA
Os fatores etiológicos na PA devem ser identificados com ra-
pidez e precisão sempre que possível, pois, juntamente com a

40
avaliação da gravidade, têm um impacto importante no trata-
mento. Definir o fator etiológico em ao menos 80% dos casos é
o ideal.7 Sintomas ou episódios prévios, história ou diagnóstico
de cálculos biliares, consumo de álcool, hipertrigliceridemia ou
hipercalcemia devem ser levantados, entre outros.

Controle da dor abdominal


É o sintoma predominante e deve ser tratado adequadamen-
te, pois dor abdominal persistente pode contribuir para instabi-
lidade hemodinâmica. Em geral, analgésicos potentes, como os
de opioides por via endovenosa, são seguros e efetivos, inclusi-
ve por meio de bombas de infusão controladas pelos pacientes.
Fentanil (em bolus de 20 a 50 microgramas com intervalos de
10 minutos) e hidromorfona podem ser usados. Meperidina é
preferível à morfina, esta última pode aumentar a pressão do es-
fíncter de Oddi. Também, a infusão adequada de fluidos por si só
irá contribuir na melhora da dor abdominal, já que hipovolemia e
hemoconcentração podem causar ou agravar a dor por isquemia
pancreática e acidose lática.5-7

Nutrição
Na pancreatite grave, um suporte nutricional sempre será
necessário, visto que em muitos pacientes não será possível re-
torno da alimentação oral em cinco a sete dias. Alimentação por
sonda nasogástrica ou enteral (usando fórmula elemental ou se-
mielemental) é preferível que nutrição parenteral total (NPT).9
O tempo de reiniciar alimentação oral depende da reversão da
gravidade da PA, da ausência de “íleo paralítico” ou náuseas e
vômitos. Na ausência desses sintomas, alimentação oral deve
ser tentada precocemente, de acordo com a tolerância dos pa-
cientes, principalmente se a dor abdominal diminuiu e se hou-
ver melhora dos marcadores inflamatórios. Inicia-se com dieta
líquida, pobre em resíduos, hipogordurosa, progredindo a con-

41
sistência para sólidos conforme tolerância, mesmo sem total
resolução da dor abdominal e normalização das enzimas pan-
creáticas. Por outro lado, alguns pacientes podem não tolerar
a dieta sólida oral, apresentando dor pós-prandial, náuseas ou
vômitos, sintomas relacionados à inflamação gastroduodenal e/
ou compressão extrínseca por coleções fluidas, levando à obs-
trução gastroduodenal. Esses pacientes vão necessitar de nutri-
ção enteral. Com a melhora das complicações, novamente dieta
oral deve ser estimulada. A nutrição enteral irá ajudar a manter a
barreira intestinal e prevenir translocação bacteriana intestinal
associada a infecções. Lembrando que a persistência de enzimas
pancreáticas ou presença de coleções fluidas pancreáticas não
são necessariamente contraindicações da alimentação enteral.
A nutrição parenteral será indicada em poucos casos que não
tolerem nutrição enteral ou em que não se consegue adequada
nutrição dentro das primeiras semanas.5,6

Antibióticos
A maioria das diretrizes não recomenda profilaxia de infecção
com antibióticos, mesmo na pancreatite grave, aguardando-se
a confirmação de infecção para introdução de antibióticos. No
caso de necrose infectada, fica óbvio o uso de antibióticos, mas
nem sempre é evidente a confirmação ou não da presença de in-
fecção, pois o processo inflamatório intenso e a própria necrose
podem confundir esse diagnóstico. A procalcitonina apresenta
elevada sensibilidade e especificidade para distinguir SIRS (Sín-
drome da Resposta Inflamatória Sistêmica) de sepse, podendo
ajudar a diferenciar necrose pancreática infectada da não in-
fectada. Deve-se optar por antibióticos que penetrem áreas de
necrose pancreática (quinolonas e metronidazol, ou carbapene-
mes).5,6

42
Antifúngicos
A administração de antifúngicos de forma profilática também
não é recomendada. Aproximadamente 9% dos pacientes com
pancreatite necrotizante apresentarão infecção fúngica na área
de necrose.6

Inibidores da protease e outros medicamentos


Ainda é incerta a importância de inibidores de protease nos
quadros de PA, não sendo recomendados, aguardando-se maio-
res comprovações em estudos clínicos. Alguns estudos estão
em andamento avaliando inibidores da tripsina, como o anticoa-
gulante dabigatrana em fases iniciais da PA. Também o uso de
biológicos inibidores do Fator de Necrose Tumoral (TNF-α), que
está relacionado com a patogênese da PA, como o infliximabe,
está em estudo.6

Tomografia
A TC de abdome não é recomendada rotineiramente na
apresentação inicial da PA, pois não mostrará áreas necróticas
ou isquêmicas e não modificará o manejo clínico durante a pri-
meira semana da doença. No entanto, quando o diagnóstico é in-
certo, e o ultrassom de abdome não conseguiu ajudar, a TC deve
ser considerada, especialmente para descartar peritonite por
perfuração secundária ou isquemia mesentérica. A extensão da
necrose pancreática ou peripancreática pode se tornar eviden-
te somente após 72 horas do início do quadro.5,10 Pacientes com
PA grave, com sinais de sepse ou piora clínica 72 horas após o
início do quadro devem realizar TC com contraste para avaliar
presença de necrose pancreática ou extrapancreática ou com-
plicações locais, áreas com hemorragia ativa ou trombose asso-
ciada à pancreatite.

43
Escores de gravidade
Muitos escores de gravidade têm sido relatados no intuito de
ajudar a indicar manejos mais rigorosos e precoces, mas nenhum
é considerado perfeito. A recomendação é, se possível, associar
critérios de gravidade na avaliação do paciente com PA, não se
baseando somente em um deles.11 A tabela 3 mostra diversos
escores de gravidade. A falência de órgãos é central para a defi-
nição de PA grave. O paciente corre alto risco de morte (um em
cada três) se esse quadro persistir por mais de 48 horas. Além
disso, um período de doença com uma resposta inflamatória
acentuada (SIRS) precede a falência de órgão. Alguns escores
levam 48 horas para trazer a informação da gravidade da PA e
só podem ser utilizados uma vez, no início do quadro, não ten-
do alto grau de sensibilidade e especificidade (os tradicionais
critérios Ranson e Glasgow). Outros, apesar de maior comple-
xidade, permitem contínua avaliação, como o escore Apache

Tabela 3. Exemplos de escores de gravidade na pancreatite


aguda

Escores de Gravidade
Ranson

Glasgow
Apache II

Apache III
Escore da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica
BISAP
Balthazar - índice de gravidade tomográfica
Escores baseados em falência de órgãos (Marshall, Goris, Bernard, SOFA -
sequential organ failure assessment)

44
II - The Acute Physiology and Chronic Health Examination II, que
avalia parâmetros fisiológicos, presença de comorbidades e já é
usado rotineiramente em centros de terapia intensiva. Algumas
variáveis foram adicionadas para melhorar a acurácia, criando o
Apache III. Ambos os escores foram inicialmente desenvolvidos
para avaliar pacientes gravemente enfermos e não são específi-
cos para PA, mas contribuem para distinguir quadro leve do gra-
ve da PA. O escore da síndrome da resposta inflamatória agu-
da ou sistêmica (SRIS), que usa como parâmetro temperatura <
36°C ou > 38°C; frequência respiratória > 20/min ou PaCO2 <
32 mmHg; frequência cardíaca > 90/min; leucócitos < 4.000/mm
ou >12.000/mm ou mais que 10% bastonetes - desvio nuclear
à esquerda, pode ser feito diariamente, sendo de fácil aplicação
e baixo custo. Outro escore utilizado é o BISAP - Bedside index
of severity in acute pancreatitis, que usa como parâmetros a ureia
sérica, a presença de derrame pleural, idade acima de 60 anos e
o escore da SRIS e o estado mental., sendo que este escore é se-
melhante ao Apache II para avaliar prognóstico, onde uma pon-
tuação de 5 ou mais está associada a mortalidade de 22%. Alguns
escores avaliam a gravidade baseados na falência de órgãos, na
persistência da falência e se é múltipla, trazendo boa acurácia à
avaliação, como exemplo o SOFA (sequential organ failure assess-
ment). O índice de Balthazar, um escore baseado nos resultados
tomográficos, graduando pela presença e extensão de inflama-
ção e necrose pancreática e presença de coleções fluidas, sendo
importante na indicação terapêutica de intervenções.10-12

Complicações locais
Incluem coleções fluidas peripancreáticas, pseudocistos,
coleções necróticas e necrose delimitada ou encapsulada
(WON-walled-off necrosis) e complicações vasculares. Tanto o
pseudocisto como a necrose emparedada desenvolvem-se fre-
quentemente após mais de quatro semanas do início da PA.

45
Coleções fluidas peripancreáticas
Ocorrem usualmente na fase aguda da PA, sendo coleções
fluidas sem uma parede bem desenvolvida, a maioria resolven-
do-se espontaneamente, sem necessidade de drenagem. Caso
contrário, persistindo por mais de quatro semanas, desenvol-
vem cápsula e passam a ser chamados como pseudocistos.

Pseudocistos pancreáticos
Coleção fluida encapsulada, geralmente peripancreática e
com mínima ou nenhuma necrose, se desenvolvem após quatro
semanas do início da PA intersticial. Aqueles que forem volumo-
sos e causarem sintomas pela compressão deverão ser drena-
dos.

Coleções necróticas
Áreas de necrose podem resultar em coleções necróticas
agudas, mal delimitadas, que eventualmente com o passar do
tempo, em geral mais de quatro semanas, podem se organizar,
tornando-se encapsuladas por uma parede inflamatória bem
delimitada (walled-off necrosis -WON). Tanto a coleção necrótica
quando a WON são inicialmente estéreis, podendo se tornar in-
fectadas. A maioria dos pacientes com necrose estéril pode ser
tratada de maneira conservadora. A infecção da necrose pan-
creática e peripancreática ocorre em cerca de 20%-40% dos pa-
cientes com PA grave e está associada ao agravamento das dis-
funções orgânicas, determinando acentuada morbimortalidade.
Deve ser suspeitada nos pacientes que pioram o quadro clínico,
com sepses, instabilidade clínica, febre, aumento da leucocitose,
ou falha em melhorar após sete ou dez dias de hospitalização. Si-
nais clínicos de infecção abdominal e presença de gás dentro da
área de necrose são sugestivos de infecção, sendo mandatório
início de antibioticoterapia. Nessas situações, os pacientes ge-
ralmente necessitam de uma intervenção de drenagem, embora
46
o procedimento deva ser postergado até o paciente ultrapassar
quatro semanas do início do quadro, quando a necrose estará
“madura” e a drenagem é mais satisfatória. Deve ser indicada a
drenagem menos invasiva, que pode ser percutânea, endoscópi-
ca (necrosectomia guiada por ecoendoscopia) de acordo com a
disponibilidade.13 A maioria das infecções é causada por patóge-
no do trato gastrointestinal (Escherichia coli, Pseudomonas, Kle-
bsiella e Enterococcus). Portanto, devem ser usados antibióticos
que penetram na necrose pancreática, e atuem contra micro-or-
ganismos Gram-negativos e Gram-positivos aeróbios e anaeró-
bios, como carbapeném isolado, ou quinolona, ceftazidima ou
cefepima, combinados com agentes contra bactérias anaeróbias
como metronidazol. Não há uma correlação entre a extensão da
necrose e o risco da infecção, que ocorre na maioria das vezes
tardiamente, após dez dias. Também em coleções necróticas
não encapsuladas, mas infectadas, eventual drenagem percutâ-
nea ou ecoendoscópica pode ser necessária. Necrosectomia ci-
rúrgica só deve ser indicada se os procedimentos minimamente
invasivos (endoscópico ou percutâneo) não forem possíveis ou
falharem.5-7 A necrose estéril muitas vezes não vai requerer tra-
tamento de drenagem, porém estará indicado se houver obstru-
ção biliar ou gastrointestinal por compressão da coleção, persis-
tência da dor abdominal e vômitos, ou perda de peso e anorexia
após oito semanas do início da PA. Síndrome do ducto desconec-
tado (transecção completa do ducto pancreático principal), com
coleções sintomáticas persistentes após oito semanas do início
da PA, também pode requerem intervenção.4-6

Complicações vasculares peripancreáticas

Trombose venosa
Trombose venosa esplâncnica (esplênica, portal ou das veias
mesentéricas) pode ser encontrada incidentalmente em 1% a
14% dos pacientes com PA. O tratamento deve ser primeiramen-
47
te voltado para a PA, pois pode levar a resolução espontânea da
trombose. Anticoagulação deve ser iniciada se houver extensão
do coágulo para veia portal ou mesentérica superior que possa
comprometer a perfusão intestinal ou levar a descompensação
hepática.

Pseudoaneurisma
Apesar de raro, deve ser suspeitado em pacientes com PA com
hemorragia digestiva ou queda do hematócrito inexplicáveis ou
súbito aumento de coleções fluidas pancreáticas. Muitos desses
casos serão manejados pela radiologia intervencionista com em-
bolização do pseudoaneurisma.

Síndrome abdominal compartimental


Essa síndrome é definida como um aumento persistente da
pressão intra-abdominal > 20 mmHg associado à falência de ór-
gão. Pode ocorrer nos pacientes com PA grave pelo edema teci-
dual após infusão agressiva de fluidos, pela inflamação peripan-
creática, por ascite ou por “íleo paralítico”. Pode ser monitorada
e diagnosticada pela pressão intravesical.

Conclusão
A PA grave está associada à insuficiência orgânica persisten-
te (principalmente cardiovascular, respiratória e/ou renal) e alta
mortalidade. Diagnóstico precoce com definição da gravidade,
adequada reposição de volume intravenoso, monitoramento
rigoroso dos sinais vitais, alívio da dor abdominal, alimentação
oral ou enteral precoce, evitar uso de antibióticos profiláticos,
evitar cirurgia em pacientes com necrose estéril, abordagem mi-
nimamente invasiva e tardia (após quatro semanas ao menos) na
necrose infectada, são primordiais no manejo dessa situação. No
momento, nenhum teste laboratorial é consistentemente preci-
so para prever a gravidade na PA, embora numerosos biomar-
48
cadores estejam sendo estudados. Usar variados e simultâneos
escores de gravidade ainda é o preferível.

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2018;391:51.

49
50
IRA DE GAST
ILE RO
AS

BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000004

CAPÍTULO 4 1949

Doença celíaca: o presente e o futuro

Celso Mirra de Paula e Silva

A doença celíaca é uma enteropatia crônica do intestino del-


gado imunomediada, iniciada pelo contato alimentar com o glú-
ten em pessoas geneticamente predispostas, caracterizada por
autoanticorpos específicos contra transglutaminase tissular, en-
domísio e/ou peptídeo deaminado da gliadina.1
Cerca de 40% da população é portadora do genótipo HLA-
-DQ2 ou HLA-DQ8, que é necessário para o desenvolvimento da
doença celíaca; contudo, somente 2% a 3% deles desenvolvem a
doença.2 A doença celíaca afeta mais as crianças, mas pode se
desenvolver em qualquer idade. A sua prevalência na popula-
ção geral é em torno de 1%, mas essa incidência varia muito de
acordo com as regiões do mundo.
Os grupos de risco para a doença celíaca são os pacientes por-
tadores de diabetes tipo 1, tireoidite autoimune, hepatopatia
autoimune, síndrome de Down e síndrome de Turner em indiví-
duos geneticamente predispostos.3

Apresentação clínica
A apresentação clássica da doença celíaca é a má absorção,
que se manifesta por diarreia e déficit somático na infância, ano-
rexia, flatulência, vômitos, dor abdominal e manifestações ex-
traintestinais, como anemia, ansiedade, artralgias, artrite, ata-

51
xia, retardo na puberdade, dermatite herpetiforme, fadiga de
causa não explicada, infertilidade, aftas recorrentes, mialgias,
baixa estatura e outros.
Quadro 1. Prática clínica atual na suspeita de doença celíaca

Sorologia

Anticorpo Antigliadina IgA


Anticorpo Antiendomísio IgA
Anticorpo Antitransglutaminase Tecidual IgA
Histologia

Biópsia de duodeno 1ª e 2ª porção

Aumento de linfócitos intraepiteliais (≥ 25 por 100 enterócitos)


Hiperplasia de criptas
Atrofia de vilosidades

Situações especiais

Pesquisa de HLA-DQ2 e HLA-DQ8

Diagnóstico atual
Atualmente o diagnóstico é baseado, além da suspeita clíni-
ca, em três pilares: exames sorológicos, exame histopatológico
e teste genético. A sorologia utiliza anticorpo antigliadina e an-
tigliadina deaminado, anticorpo antiendomísio e anticorpo anti-
transglutaminase tecidual IgA ou IgG em caso de deficiência de
IgA.
A histologia de fragmentos de biópsias de bulbo, primeira e
segunda porções de duodeno mostra aumento de linfócitos in-
traepiteliais (25 ou mais por 100 enterócitos), hiperplasia de
criptas e atrofia de vilosidades.
Em situações especiais usamos estudo genético utilizando o
HLA-DQ2 e HLA-DQ8.

52
Perspectivas futuras no diagnóstico da doença celíaca, em
estudo, poderão auxiliar tanto no diagnóstico não invasivo da
doença quanto na avaliação do acompanhamento da aderência
à dieta isenta de glúten.

Perspectivas futuras no diagnóstico


Teste salivar para TG2
Biossensores (imunoeletrossensores)
Concentração plasmática da sinvastatina
Genes 1-α regeneradores
Peptídeos imunogênicos do glúten

Teste salivar para TG24


Ensaio imunoeletroquímico realizado na saliva, teste de bai-
xo custo e execução rápida, útil em screening. Capaz de detectar
anti-tTG IgA com especificidade de 89% e sensibilidade de 90%.

Biossensores
Imunoeletrossensores capazes de detectar peptídeos do glú-
ten na urina, sendo úteis para acompanhamento clínico de pa-
cientes celíacos e monitorização não invasiva de aderência à
dieta isenta de glúten.

Concentração plasmática da sinvastatina5


A sinvastatina é metabolizada pelo citocromo P450 situado
nas vilosidades do intestino delgado. Após administração da
sinvastatina catalisada ao paciente, a detecção de altas concen-
trações da droga indica déficit de metabolização, que ocorre
por causa de baixos níveis do citocromo P450 em decorrência
da atrofia das vilosidades, que em condições normais são ricas
desse citocromo.

53
Dosagem da citrulina plasmática6
A citrulina é um aminoácido sintetizado pelo enterócito. Dé-
ficit nos níveis da citrulina plasmática indica síntese prejudicada
por causa da atrofia das vilosidades intestinais. A dosagem de
citrulina é uma opção na detecção não invasiva de atrofia vilo-
sitária, sem necessidade da biópsia duodenal. Valor da citrulina
menor que 30 é compatível com atrofia Marsh II ou mais.

Genes 1-α regeneradores6


Genes 1-α regeneradores Reg-1α são expressos no intestino
e são considerados reguladores do crescimento celular, necessá-
rios para gerar e manter a estrutura das vilosidades intestinais.
Altos níveis de Reg-1α representam esforço do intestino delga-
do tentando compensar a lesão dos enterócitos. Em pacientes
com doença celíaca, em que há excessiva apoptose de enteróci-
tos, há uma alta expressão de genes Reg-1α nas criptas intesti-
nais. O nível dessa expressão de genes Reg-1α diminui acentua-
damente com a instituição da dieta isenta de glúten, indicando
regeneração de enterócitos e vilosidades.

Peptídeos imunogênicos do glúten7


Os peptídeos imunogênicos do glúten são fragmentos do glú-
ten que são resistentes à digestão e são eliminados na urina e nas
fezes. Sua pesquisa é útil para avaliar a aderência à dieta isenta
de glúten, sendo detectados mesmo com mínima transgressão
alimentar em relação à dieta proposta.

Tratamento atual da doença celíaca


O tratamento atual da doença celíaca tem como pilar princi-
pal a dieta livre de glúten, devendo ser rigorosamente observa-
da.

54
Quadro 2. Tratamento atual da doença celíaca

Tratamento atual
Além da exclusão do glúten

• Orientações nutricionais
• Avaliar deficiência de ferro, folato,
B12.
• Avaliar osteopenia, repor cálcio,
O único tratamento atual para doença vitamina D
celíaca é a dieta estritamente livre de • Screening sorológico de parentes
glúten, por toda a vida. de 1º e 2º graus.

Além da adoção de rigorosa dieta isenta de glúten, é impor-


tante que o paciente tenha orientações nutricionais. Devemos
verificar níveis sanguíneos de ferro, folato e vitamina B12, corri-
gindo-os se necessário. Cuidados especiais com a ocorrência de
osteopenia e osteoporose, repondo cálcio e vitamina D sempre
que estiverem em níveis baixos.
É também importante fazer o screening sorológico de paren-
tes de primeiro e segundo graus de forma a detectar precoce-
mente outros casos na família.
Alternativas à dieta isenta de glúten são motivos de pes-
quisas devido à dificuldade de uma adesão rigorosa ao
tratamento. A dieta apresenta restrições financeiras e
sociais. Fica mais difícil alimentar-se em festas e restauran-
tes e em viagens, o que leva a frequentes transgressões.

55
Figura 1. Perspectivas futuras no tratamento da doença celíaca
Substitua o trigo por Tratamento térmi- Sequestro de gliadina
1. Outros cereais ou Predigestão de farinha de trigo
co de micro-ondas utilizando: Ex: 1 ligantes poliméricos. 2. Oral AGY.
GFD de grãos de trigo 3. Variável de fragmento de cadeia
2. Trigo GM 1. Glutenase ou
hidratados 2. Transglutaminase microbiana única recombinante
Endosperma
Farelo
Germe
Glúten

Colheita de trigo Grão de trigo Farinha de trigo Gliadina após digestão

Antagonista de
slgA zonulina
Antagonista CCR3
Lúmen intestinal inibidor de sLgA-CD 71 zonulina
CCR3 Apoptose
HLA-E Atrofia
CD94
CD 71

Linfócito Perforins
intraepitelial NKG2D IL-15
MIC A / B
Vazamento de gliadina
Peptídeo gliadina Desamidado por paracelular através da
Junção apertada tíssue transgluta- junção firme relaxada
desamidado Anticorpos celíacos
Terapia anti IL-15 minase
IL-15 Inibidor da catepsina
Inibidor da
transglutaminase
Catepsina tecidual
Célula T auxiliar IFN-y
Lâmina própria HLA-DQ TNF-a Célula B
CD4 +
Terapia
Receptor de células T Supressão de células T anti-citocina Supressão de células B
Célula de apresentação
de antígeno Bloqueadores HLA-DQ

Adaptado de Frontiers in Pediatrics 2019,7: 193

Perspectivas futuras de tratamento da doença


celíaca
Diminuir epítopos imunogênicos no glúten
Sequestração intraluminal dos epítopos imunogênicos do glúten
Prevenção da captação de epítopos da gliadina
Inibição da tTG2 tissular na mucosa intestinal
Prevenção da ativação imune após exposição ao glúten
Probióticos

Diminuir epítopos imunogênicos no glúten


- Trigo geneticamente modificado através da manipulação dos
genes que codificam os componentes imunotóxicos do glúten,
atenuando assim imunotoxicidade.8 A meta é remover os genes
tóxicos da fração gliadina sem alterar as propriedades gastronô-
micas ou agronômicas do glúten.
56
- Digestão intraluminal do glúten usando glutenase oral. Para
os oligômeros derivados da gliadina entrarem na lâmina própria
e não induzirem reação imune, eles devem conter nove aminoá-
cidos ou menos. As glutenases, enzimas que digerem a gliadina
em peptídeos com nove ou menos aminoácidos têm sido explo-
radas como opção terapêutica na doença celíaca.9 Inúmeros es-
tudos têm sido desenvolvidos usando variadas glutenases, mas
o problema persiste em ter segurança de que estas enzimas eli-
minam completamente todos os epítopos imunogênicos e previ-
nam qualquer possibilidade de imunoativação pelo glúten.
- O trigo termicamente modificado por efeito de várias ses-
sões de micro-ondas tem como proposta atenuar a imunotoxi-
cidade do glúten (“pão de glúten amigável”), mas os estudos são
ainda inconclusivos, parece não abolir os epítopos implicados na
doença celíaca.10

Sequestração intraluminal dos epítopos imunogê-


nicos do glúten
- Ligadores poliméricos ligam-se ao glúten no intestino, com
avidez pela gliadina e previnem sua quebra e absorção. Podem
ser úteis para tratar exposição mínima ou inadvertida ao glúten,
como medida suportiva em adição à dieta isenta de glúten.
- Anticorpo antiglúten obtido da gema de ovo de galinha
quando as aves são superimunizadas contra gliadina.11 Esses an-
ticorpos podem ser encapsulados com manitol e usados junto às
refeições com resultados iniciais encorajadores. A contraindica-
ção a ser observada é a alergia à proteína do ovo.

Prevenção na captação de epítopos da gliadina


A opção é uma droga que interfira nas “tight junctions”, que
regulam a passagem de moléculas por via paracelular, facilitadas
pela ação da zonulina, que é um regulador da permeabilidade
epitelial. Essa droga é o larazotide,12 que tem como alvo a zonuli-

57
na, promovendo integridade das junções celulares.

Inibição da transglutaminase-2 tissular na mucosa


intestinal
O único inibidor tTG2 comercialmente disponível é a mercap-
tilina.13 Atua de forma competitiva pelo tTG2, tornando a enzi-
ma ativa incapaz de transamidar a gliadina.

Prevenção da ativação imune após exposição ao


glúten
- Bloqueadores HLA, bloqueiam a gliadina de se ligar à HLA-
-DQ2, usando peptídeos estruturalmente similares à gliadina,
competindo com ela e prevenindo uma cascata imunotóxica.
- Vacinas e terapias tolerogênicas.14 Nexvax é uma vacina que
tem como alvo o HLA-DQ2 epitopo-TCR, que liga a célula apre-
sentadora de antígeno às células CD4. É composta de 3 peptí-
deos da gliadina: NPL001, NPL002 e NPL003, cada um com 15
a 16 aminoácidos. Os estudos estão em fase 2 e têm mostrado
segurança, tolerabilidade e bioatividade.

Probióticos
Nova terapia promissora em estudo na doença celíaca é o uso
de probióticos.15 A microbiota intestinal participa e media a in-
flamação ligada ao glúten e pode ajudar a melhorar sintomas
clínicos. Os probióticos são uma fonte de endopeptidases que
atuam digerindo epítopos do glúten. Na doença celíaca observa-
-se abundância de Bacteroides spp e diminuição de Bifidobacterium
spp. O microbioma é vital para o desenvolvimento e função nor-
mal das células imunes. A disbiose, na doença celíaca, pode levar a
modificação da barreira mucosa nos enterócitos. Pesquisas futu-
ras vão se concentrar em detectar os probióticos mais efetivos na
digestão completa do glúten, anulando sua toxicidade.

58
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59
60
IRA DE GAST
ILE RO
AS

BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000005

CAPÍTULO 5 1949

Colites microscópicas e microbiota intestinal

Maria do Carmo Friche Passos

A colite microscópica (CM) é definida como uma inflamação


crônica do cólon, atualmente considerada uma causa frequen-
te de diarreia crônica, sobretudo em indivíduos com mais de 60
anos.1 A mucosa do cólon não apresenta alterações radiológicas
ou endoscópicas, por isso o diagnóstico definitivo baseia-se em
achados histológicos típicos de biópsias da mucosa do cólon, que
permite a distinção nos dois subtipos principais: a colite colage-
nosa (CC) e a colite linfocítica (CL).2,3 Para alguns autores, ainda
não está claro se essas duas condições são distintas ou se fazem
parte do mesmo espectro patológico.4
A CM é mais comum em mulheres (alguns estudos não
encontram diferença entre gêneros na CL) e tem uma incidência
estimada de 3,4 a 8/100.000 pessoas/ano.5,6 A prevalência varia
de 48 a 219 casos por 100.000 indivíduos, aumentando consi-
deravelmente em indivíduos idosos, podendo alcançar taxas de
prevalência muito maiores nesta faixa etária.6,7 O sexo feminino,
a idade avançada, doenças autoimunes concomitantes, tabagis-
mo e diagnóstico prévio ou atual de neoplasia são considerados
fatores de risco para o desenvolvimento das colites microscópi-
cas.1-3 Apesar do seu curso benigno, a CM ativa determina uma
diminuição significativa da qualidade de vida dos pacientes.
A fisiopatologia ainda é desconhecida, consistindo essen-
cialmente em uma resposta específica da mucosa luminal a di-

61
versos agentes nocivos em um hospedeiro suscetível.1,8 A CM é
considerada uma doença multifatorial e entre os mecanismos
etiopatogênicos mais estudados destacam-se predisposição ge-
nética, alterações autoimunes, infecções prévias, má absorção
de ácidos biliares, disfunção da barreira epitelial e alteração da
microbiota intestinal.7-9 A teoria mais aceita defende que ocorre
uma resposta imune descontrolada devido à exposição da muco-
sa a uma variedade de agentes luminais e consequente disbiose,
em indivíduos predispostos (figura 1).
Figura 1. Esquema ilustrativo dos vários elementos envolvidos
na patogênese da CM

Drogas Diminuição da
barreira epitelial (?) Antígenos bacterianos

Disbiose
Aumento da motilidade e
da secreção intestinal

Aumento da Aumento de citotoxicidade


IL-6 deposição de colágeno

TGF-β

Treg Tc17
Apresentação TGF-β
IL-12

alterada do antígeno

TGF
-1 1

-β +
IL L-2
7A

IL-6
I

IL-2
3
Th17

Tc1

Legenda
IL-1
2
-y
Célula apresentadora de antígeno
Colágeno Th1 IFN

Droga
Célula T
Bactéria
Célula epitelial
Receptor de célula T

Fibroblasto/miofibroblasto MHC II

Adaptada de Pisani L, et al.9

62
Alguns estudos observaram maior prevalência de CM em paí-
ses nórdicos, mais frios, especulando-se que a vitamina D possa
ter um papel preponderante na patogênese da doença, embora
estes dados sejam bastante controversos na literatura.9 Outros
autores consideram bastante provável uma associação entre a
patogênese da CM e as reações de alergia alimentar, tendo em
conta as características histológicas, clínica e a resposta favorá-
vel aos corticoides, observada nesses pacientes.10 Todas estas
anormalidades também estão diretamente correlacionadas a
alterações da microbiota intestinal.
Pesquisas recentes apontam para uma associação com o an-
tígeno leucocitário humano (HLA), sobretudo nos pacientes
com CL, especificamente HLA-DQ1-DQ3 e HLA-DQ2, presen-
tes também na doença celíaca.8,9 Questiona-se, dessa forma, a
possibilidade de existir semelhanças na patogênese dessas duas
doenças. Tanto a CC como a CL estão relacionadas com o aló-
tipo HLA-DR3-DQ2 e com o fator de necrose tumoral (TNF).8
Infecções prévias por inúmeros micro-organismos, como Cam-
pylobacter jejuni, Yersinia e Clostridium difficile, têm sido descritas
(colites pós-infecciosas), sobretudo em pacientes com CC.1,13
Além disso, estudos em animais de experimentação demons-
traram que alguns medicamentos são capazes de desencadear
um processo inflamatório crônico do cólon e, consequentemen-
te, as alterações típicas da CM.1,3 Dentre os fármacos destacam-
-se os anti-inflamatórios não esteroides, os inibidores da bomba
de prótons e os inibidores seletivos da recaptação de serotoni-
na. Foi evidenciado que os sintomas e as alterações histológicas
desaparecem com a interrupção do fármaco e reapareceram
com a sua reintrodução.12 O mecanismo pelo qual estes medi-
camentos induzem a CM ainda é pouco esclarecido; estuda-se
uma possível reação idiossincrática que poderia ocorrer direta-
mente pela atividade farmacológica da droga ou, indiretamente,
ao provocar uma alteração no padrão da microbiota intestinal
nativa do paciente.12

63
Clinicamente, a CM caracteriza-se por diarreia aquosa crôni-
ca ou intermitente, sem sangue, pus ou esteatorreia, várias eva-
cuações ao dia, sendo frequentes os episódios noturnos.1-3 O
início pode ser súbito em até 25% dos casos e, por esta razão, é
muitas vezes confundida com um quadro de infecção intestinal.5
Além da diarreia, os pacientes podem apresentar dor e/ou dis-
tensão abdominal, flatulência, tenesmo e incontinência fecal.1,9
Cerca de 30% dos pacientes podem apresentar manifestações
sistêmicas, como febre baixa, astenia, emagrecimento e artral-
gia.1 Embora raros, casos de CM sem diarreia (predominando
dor abdominal) ou até mesmo com constipação intestinal já fo-
ram descritos na literatura.9
Nos últimos anos, o diagnóstico das microcolites tem sido um
pouco mais precoce, dado o crescente reconhecimento da CM no
diagnóstico diferencial das diarreias crônicas e com a realização
de biópsias durante a colonoscopia, mesmo nos casos em que a
mucosa intestinal é normal. Na maioria dos pacientes, os exames
laboratoriais são normais, à exceção das provas inflamatórias
(VHS, PCR calprotectina fecal), que podem estar discretamente
aumentadas e do hemograma, que pode revelar uma leve ane-
mia.3,9 Testes para doença celíaca devem ser sempre solicitados
quando houver suspeita de colite microscópica.1 A colonoscopia
com biópsias seriadas do cólon e íleo está indicada em todos os
casos suspeitos de CM e para os pacientes em propedêutica de
diarreia crônica de etiologia desconhecida.1,2 O exame histológi-
co é essencial para o diagnóstico e para diferenciar a CC da CL.
Algumas características histológicas são comuns às duas formas
de CM, tais como o aumento de linfócitos intraepiteliais, lesões
no epitélio de superfície e infiltrado mononuclear no córion. Nos
casos de CC observa-se também colágeno na mucosa (>10μm),
que leva a um espessamento significativo e não contínuo da ca-
mada basal subepitelial.13 Por outro lado, a CL se caracteriza por
um aumento das células inflamatórias mononucleadas, monóci-
tos e linfócitos, que se distribuem pelo cólon e, sobretudo, pelo
epitélio superficial. O aumento de linfócitos deve ser superior a
64
20/100 células epiteliais, ou seja 3 a 4 vezes mais do que no có-
lon normal.14 É preciso ressaltar que as alterações observadas
na CM são inespecíficas e que histologia semelhante pode ser
encontrada em outras condições clínicas.
A distinção entre a CC e CL algumas vezes é complexa, pois
as alterações mais típicas nem sempre são observadas. Por esta
razão, é bastante comum o emprego de termos menos específi-
cos pelo patologista como, por exemplo, colite incompleta, colite
inespecífica e CL paucicelular.14
O diagnóstico diferencial da CM inclui todas as causas de
diarreia crônica, especialmente doença celíaca, síndrome do in-
testino irritável (SII), diarreia funcional e supercrescimento bac-
teriano.8,9 É frequente o diagnóstico incorreto de SII, devido à
sobreposição clínica e à ausência de alterações na colonoscopia.
Têm sido descritos alguns casos de colite microscópica, que pos-
teriormente evoluem com lesões sugestivas da doença inflama-
tória intestinal (doença de Crohn ou retocolite ulcerativa).2,8
Parcela dos pacientes com diagnóstico de SII ou diarreia fun-
cional apresenta alterações compatíveis com CM. Neste caso, a
diarreia noturna é muito mais frequente e deve ser sempre pes-
quisada. São também descritos casos de sobreposição de CM e
SII, visto que estas doenças podem apresentar fisiopatologias
similares, como infecção intestinal prévia e disbiose.15 Assim
sendo, em pacientes com diarreia crônica e suspeita de doença
funcional intestinal que realizam colonoscopia, as biópsias in-
testinais devem ser solicitadas rotineiramente.
O tratamento da CM vai depender da gravidade e duração
dos sintomas. O primeiro passo nestes casos é investigar os fa-
tores que exacerbam o quadro clínico. É preciso avaliar se algum
alimento piora a diarreia e ajustes dietéticos, realizados de for-
ma individualizada, estão indicados. É fundamental investigar o
uso de medicamentos ou de suplementos dietéticos que possam
agravar os sintomas.2,12

65
Nos casos mais leves, o tratamento deve ser sintomático, com
o emprego de antidiarreicos, como a loperamida e de antiespas-
módicos para alívio da dor.1 Para os pacientes com quadro clínico
mais intenso (moderado a grave), o tratamento medicamentoso
está indicado e as opções terapêuticas são os corticosteroides
mesalazina, colestiramina e salicilato de bismuto.8 O tratamen-
to de primeira linha para os pacientes com CM é a budesonida
oral.1,2,8,9 Uma meta-análise de seis estudos clínicos randomiza-
dos mostrou claramente o benefício da budesonida na indução
da remissão clínica e em cinco deles observou-se também a re-
solução histológica.16 Dois destes estudos mostraram melhora
evidente da qualidade de vida dos pacientes com CM em ativi-
dade após o tratamento com o corticosteroide.17 De acordo com
o guideline da AGA (American Gastroenterology Association),
a budesonida está indicada para os pacientes com CM ativa na
dose de 9 mg/dia durante 6 a 8 semanas.16 Nos casos de recidiva
após a sua suspensão, a budesonida pode ser mantida por pe-
ríodos mais prolongados. Os probióticos representam opções
terapêuticas recentes com resultados promissores, como abor-
daremos no próximo tópico deste capítulo.7,16

Papel da microbiota intestinal no desencadeamen-


to da colite microscópica
Acredita-se que a infecção intestinal possa desencadear uma
alteração do padrão da microbiota (disbiose) e, consequen-
temente, alterações inflamatórias na mucosa intestinal.8,9 As
infecções por espécies de Yersinia, Clostridioides  difficile, Cam-
pylobacter jejuni e Aeromonas hydrophyla foram alguns dos casos
estudados, especialmente em pacientes com CC.18,19 Como os
sintomas podem surgir de forma súbita em até 25% dos casos
e, por vezes, os pacientes respondem à terapêutica antibiótica,
colocou-se a hipótese de que estas infeções, prévias ao diagnós-
tico, pudessem servir de estímulo para o desenvolvimento da
CM.18,21

66
Além disso, existem pesquisas que comprovam uma alteração
na dinâmica das citocinas durante este processo, com restabele-
cimento da função de barreira da mucosa e da sua permeabilida-
de.21 Estudos recentes demonstraram uma diminuição da bacté-
ria Akkermansia spp em pacientes com CM comparativamente a
indivíduos saudáveis, e esta alteração é ainda mais evidente nos
pacientes tabagistas.11 Esta bactéria está comumente presente
no cólon, tendo um papel protetor ao epitélio contra o material
fecal possivelmente tóxico.9
Existem evidências de que a exposição a micro-organismos
não patogênicos, incluindo helmintos, transmitidos pelos ali-
mentos e por via orofecal, exerce um impacto homeostático pro-
vavelmente por indução de mecanismos de tolerância mediados
por células T reguladoras.8,20,21 Doenças de desregulação imuno-
lógica, como as doenças inflamatórias intestinais, alergias, escle-
rose múltipla, diabetes tipo I, são caracterizadas por defeitos na
atividade das células T reguladoras.21
Várias pesquisas demonstraram claramente que a micro-
biota intestinal e o sistema imune estabelecem uma constante
interação de mutualismo com o hospedeiro, na qual ambos se
beneficiam. Desta inter-relação resultam várias respostas imu-
nológicas, como a secreção de imunoglobulina A e liberação de
peptídeos antimicrobianos, que possibilitam a manutenção de
um equilíbrio dinâmico com os micro-organismos comensais.21
A indução da tolerância imunológica do intestino é fundamental
para que não ocorram respostas inflamatórias indesejáveis con-
tra proteínas alimentares ou mesmo contra a microbiota intesti-
nal. As células T podem gerar subpopulações cuja resposta imu-
nológica pode ser anti ou pró-inflamatória. Tem sido observado
ainda que alterações dietéticas e ambientais são capazes de
determinar mudanças qualitativas e quantitativas na microbio-
ta intestinal e na resposta imune, propondo-se que por esta via
possa ocorrer um aumento da incidência de doenças com com-
ponente inflamatório significativo.21 Diversos estudos sugerem

67
que a população microbiana de pacientes com CM tem caracte-
rísticas anômalas em sua composição: grupos bacterianos inco-
muns, baixa diversidade e alta instabilidade do ecossistema.22
Assim sendo, a suscetibilidade genética e os defeitos do ecos-
sistema microbiano intestinal seriam os fatores condicionantes
para o desenvolvimento do processo de inflamação crônica do
cólon, como mostra a figura 2.

Figura 2. Fatores condicionantes para o desenvolvimento do


processo de inflamação crônica do cólon

Suscetibilidade genética

Desregulação Alteração da microbiota


imunológica intestinal (Disbiose)

Resposta imune exagerada frente a


comensais não patógenos

Inflamação crônica de cólon

A reatividade anormal do sistema imunológico contra bactérias do cólon pode ser explicada
pela confluência da suscetibilidade genética com fatores ambientais. Estes fatores podem
ser causa de defeitos na regulação do sistema imune e na colonização intestinal que condi-
cionariam uma resposta imune inadequada frente a elementos não nocivos da microbiota e
consequente inflamação (micro ou macroscópica) da mucosa colônica.22

68
Existem inúmeras evidências de que a microbiota intestinal
encontra-se alterada em um subgrupo de pacientes com uma mi-
croinflamação da mucosa, caracterizada por infiltração celular,
alteração no número de mastócitos e linfócitos T, anormalidades
do RNAm da interleucina 1 (IL-1), redução da relação entre IL-10
e IL-12, aumento na circulação de IL-6, IL-8 e do fator alfa de ne-
crose tumoral.8,22 Alguns autores acreditam que a SII pós-infec-
ção (SII-PI) se acompanha frequentemente de supercrescimen-
to de bactérias no intestino delgado (SCBID) e MC.23 Existe, na
verdade, uma grande sobreposição de sintomas nestas síndro-
mes – diarreia, dor abdominal, flatulência e distensão abdominal
– e por isso tem sido questionada a possibilidade dos pacientes
com SII-PI apresentarem CM subjacente.8,21,23 Todos estes acha-
dos, oriundos de pesquisas em animais de experimentação e em
pacientes portadores de uma dessas condições, sugerem que a

Figura 3. Papel da microbiota intestinal e da barreira intestinal


nas doenças funcionais
DFGI-PI

Alteração da microbiota
Disfunção da barreira intestinal
Inflamação
DII
CM

DFGI: Doenças Funcionais Gastrointestinais pós-infecção


DII: Doença Inflamatória Intestinal
CM: Colite Microscópica

Esquema simplificado ilustrando o papel da microbiota intestinal e da barreira intestinal


nas doenças funcionais (SII pós-infecção), doenças inflamatórias intestinais (doença de
Crohn e retocolite ulcerativa) e colite microscópica, sendo frequente a sobreposição en-
tre estas três condições. Adaptado de Van Hemert S, et al.22
69
microbiota intestinal possa desempenhar um importante papel
na etiopatogenia dessas doença22 (figura 3).
Com a participação inquestionável das alterações da micro-
biota intestinal na fisiopatologia da CM, o tratamento visando à
modulação da microbiota com prebióticos, probióticos e mesmo
antibióticos tem sido proposto por vários pesquisadores.1,20 O
mecanismo de ação dos probióticos parece ser mais amplo do
que especificamente modular a microbiota intestinal. É possível
que eles atuem também inibindo a colonização e aderência
de bactérias patogênicas aos enterócitos, aumentando a
secreção de defensinas e diminuindo a síntese de citocinas pró-
inflamatórias como IL-10 e IL-12 em pacientes com quadro de
microinflamação crônica da mucosa colônica.8,24
Algumas pesquisas foram conduzidas com probióticos em pa-
cientes com CM. Um primeiro ensaio clínico aberto foi realiza-
do na Alemanha em 14 pacientes com CC com a cepa probiótica
Escherichia coli Nissle 1917.25 Os autores observaram redução
da frequência evacuatória e melhora da consistência das fezes.
Um estudo duplo-cego controlado por placebo foi realizado na
Dinamarca com 29 pacientes com CC com uma combinação das
cepas bacterianas Lactobacillus acidophilus LA-5 e Bifidobacte-
rium animalis BB/12.26 Nenhuma resposta clínica significativa à
intervenção probiótica foi encontrada, mas uma tendência para
a melhora da consistência das fezes foi observada. Isso foi apoia-
do por uma análise post hoc mostrando mudanças significativas
no grupo de probióticos com relação à frequência evacuatória e
consistência fecal. Em um estudo aberto realizado na Índia, 30
pacientes portadores de CM foram tratados com a mistura de
probióticos VSL#3, sendo observada uma resposta clínica de
curto prazo e melhora dos sintomas intestinais, porém sem ne-
nhuma alteração histológica.27 É importante ter em mente que
as propriedades das bactérias probióticas podem ser altamente
variáveis ​​entre as cepas, portanto uma boa seleção de cepas é
necessária.24

70
Colites microscópicas e microbiota intestinal: con-
clusões
CM é causa frequente de diarreia crônica, ocorrendo em cer-
ca de 10% dos casos. É mais prevalente nas mulheres e em pa-
cientes com mais de 60 anos.
O diagnóstico diferencial com doenças funcionais como a SII
é por vezes muito difícil e somente a colonoscopia com biópsias
seriadas do intestino pode definir o diagnóstico.
A fisiopatologia das colites microscópicas é multifatorial. Al-
terações no padrão da microbiota intestinal com consequente
disbiose parecem fundamentais no desencadeamento da mi-
croinflamação.
Alguns medicamentos têm se mostrado eficazes, sendo a bu-
desonida a droga de primeira escolha.
A modulação da microbiota intestinal é uma opção terapêu-
tica atraente para pacientes com CM. Acredita-se que o uso de
probióticos ou de outros agentes capazes de modular a micro-
biota intestinal e a barreira intestinal possa beneficiar pacien-
tes com CM, contudo a evidência atual é ainda limitada e novas
pesquisas nesta área se fazem necessárias. O futuro nos parece
bastante promissor neste sentido.

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73
74
IRA DE GAST
ILE RO
AS

BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000006

CAPÍTULO 6 1949

Novas opções terapêuticas na DII

Carlos Brito

Introdução
Desde as primeiras moléculas utilizadas no tratamento da
doença inflamatória já se passaram quase 70 anos. Durante cin-
co décadas, a terapia foi baseada no uso de derivados de 5-ASA
(ácido 5-aminossalicílico), azatioprina e corticoterapia.
Apenas em 2002 é publicado o primeiro estudo de fase III
com infliximabe, iniciando uma nova era da terapia biológica e
de alvos terapêuticos anticitocinas, com um crescimento expo-
nencial no número de estudos para o desenvolvimento de novas
moléculas e novas estratégias terapêuticas nos anos seguintes.
As novas opções terapêuticas incluem estratégias como os no-
vos biológicos, pequenas moléculas e transplante de células-
-tronco hematopoiéticas.
Outros estudos começam a ser desenhados objetivando iden-
tificar a melhor terapia para cada paciente, a chamada “terapia
personalizada”, baseada na avaliação do padrão de resposta
imune de cada pessoa, selecionando a terapêutica capaz de ob-
ter as melhores respostas, com isso reduzindo falhas primárias
e secundárias, aumentando as janelas de oportunidade para evi-
tar complicações da atividade de doença, reduzindo eventos ad-
versos a drogas e seus custos.

75
Nesta revisão iremos abordar os principais estudos clínicos
em desenvolvimento, os mecanismos de ação dessas drogas e
perspectivas futuras no tratamento da Doença Inflamatória In-
testinal.

Passado e presente
Durante muitas décadas, a terapia da DII foi baseada no uso
de medicações tradicionais, como aminossalicilatos, corticoste-
roides e imunossupressores (azatioprina, metotrexato, ciclospo-
rina, tacrolimo, etc.), que apesar de representarem as primeiras
terapias desenvolvidas, até o presente fazem parte do arsenal
terapêutico, sendo efetivas em muitas situações clínicas.
Em 2002 surgiram os primeiros estudos de fase III demons-
trando a efetividade de infliximabe na DII, ao agir no fator de ne-
crose tumoral (TNF-α), iniciando uma nova era das terapias dos
anticorpos monoclonais, voltado para o bloqueio de citocinas,
com aprovação nos anos seguintes de outros anticorpos anti-T-
NF-α (adalimumabe, certolizumabe, golimumabe).
Dois anos depois surgiu uma droga com diferente mecanismo,
capaz de bloquear a migração e recrutamento de linfócitos, o ve-
dolizumabe, um anticorpo monoclonal que bloqueia a integrina
α4β7, que por sua vez interage com ligantes endoteliais neces-
sários para o recrutamento de leucócitos para o intestino.
Em 2017, o arsenal terapêutico contra citocinas é ampliado
para além do bloqueio do TNF, com aprovação do ustequinu-
mabe, um anticorpo monoclonal direcionado à subunidade p40
da interleucina-12 e interleucina-23.
Recentemente, em 2018 um novo eixo de abordagem tera-
pêutica surge com a aprovação do tofacitinibe para RCUI, do
grupo denominado de pequenas moléculas, que agem inibindo
a via de sinalização JAK/STAT, envolvida na regulação de genes
que expressam diferentes citocinas.

76
São várias as diferenças entre as pequenas moléculas e os
biológicos, que incluem o peso molecular, via de administração,
meia-vida, toxicidade, etc. (Tabela 1).4

Tabela 1. Diferenças entre biológicos e pequenas moléculas

Pequenas moléculas Biológicos


Peso molecular (Da) <1000 >> 1000
Estrutura química Compostos orgânicos Proteínas
pequenos
Localização do alvo Intracelular Extracelular
Via de administração Oral Parenteral
Distribuição Variável Limitado a plasma e fluidos
extracelulares
Degradação Metabolismo Proteólise
Meia vida sérica Curto Longo
Antigenicidade Não antigênico Potencialmente antigênico
Interações medica- Possível Pouco frequente
mentosas
Toxicidade Toxicidade específica Toxicidade mediada por
devido ao composto receptor
original ou metabólitos.
Possíveis efeitos "fora do
alvo"
Produção Síntese química Produção biológica
Custo de produção Variável Alto

Genéricos Idêntico Biossimilar

Futuro: novas moléculas


O melhor entendimento da complexa fisiopatogênese da DII,
e as diferenças entre RCUI e doença de Crohn, tem permitido
o desenvolvimento de uma grande variedade de drogas, agindo
em diferentes alvos terapêuticos.1

77
Iremos abordar de forma resumida os principias grupos de
drogas em desenvolvimento, em diferentes fases, consideradas
promissoras para o tratamento da DII, destacando principal-
mente os mecanismos de ações das mesmas (Figura 1).
Figura 1. Alvos terapêuticos na Doença Inflamatória Intestinal
baseados na imunopatogênese da doença

4
L-

IL-1
2,
,I

IGN IL-18
-2
IL

-Y
CELL NATIVE
o THO IL-4, TGF-β
noic AC
Reti Re
AC CD4+ tino
β ico
F- TG
TG F-β

GF
6T
IL-
1,
IL-

Drogas e seus alvos terapêuticos em diferentes vias da imunopatogênese da RCUI e doença


de Crohn.
MAdCAM-1, molécula de adesão celular de adressina da mucosa; IL, interleucina; TNF-α, fa-
tor de necrose tumoral alfa; TGF- β, fator de crescimento transformador beta; NKT, natural
killer T; DC, célula dendrítica; Th, T helper; GATA3, proteína de ligação a GATA 3; IRF4, fator
regulador de interferon 4; PU.1, proteína de ligação à PU-box rica em purina; FOXP3, Proteí-
na de transcrição responsável pela função e diferenciação da célula Treg; TLR; Treg, células T
reguladoras Toll-like receptores; NF-kβ, fator nuclear Kβ; RORγt, fator de transcrição nucle-
ar das células Th17. Adaptada de: Olivera P e cols. 2017; Sabino J e cols. 2019; Yeshi K e cols.
2020; Shivaji UM e cols. 2020.

78
Para um melhor entendimento das perspectivas dos estudos
em andamento, é importante nos familiarizarmos com algumas
características das diferentes fases de uma pesquisa. Os ensaios
clínicos no desenvolvimento de um novo medicamento envol-
vem várias etapas, e possuem diferentes objetivos, número de
participantes e tempo para a execução das mesmas (Tabela 2).
Tabela 2. O processo de desenvolvimento de novos medicamen-
tos
Descoberta/ Fase I Fase II Fase III Fase IV
Testes
pré-clínicos

Tempo em 6,5 1,5 2 3,5 Pesquisa


anos pós-comer-
cialização
População Estudos in 20 a 100 "100 a 500 1000 a
testada vitro e em voluntários pacientes 5000
animais sadios voluntários" pacientes
voluntários
Objetivo "Acessar Determinar Avaliar efi- Confirmar
segurança, segurança cácia, inves- eficácia,
atividade e dosagem tigar efeitos monitorar
biológica colaterais reações
e formu- adversas
lação"
Taxa de 5000 5 entram em 1 entra no
sucesso compostos testes mercado
avaliados

Retirado de Quental C, et al. Rev Bras Epidemiol 2006;9(4):408-24.

Inúmeras terapias estão sendo testadas em estudos de fase 2


e 3 e em breve muitas destas novas moléculas podem estar dis-
poníveis para uso de DII, porém cabe ressaltar que muitas delas
podem ao final dos estudos não mostrarem eficácia ou apresen-
tar efeitos adversos que impossibilitam o seu uso na prática clí-
nica. Um exemplo recente foi o uso de tofacitinibe, que se mos-
trou efetivo na RCUI, mas a eficácia não diferiu do placebo em
estudos de fase 2 para a doença de Crohn e o seu desenvolvi-
mento clínico foi descontinuado para essa indicação.
79
Uma outra droga, o natalizumabe, que bloqueia a integrina
α4, se mostrou eficaz na indução da remissão clínica em alguns
pacientes com doença de Crohn ativa moderada a grave, porém
devido ao surgimento de leucoencefalopatia multifocal progres-
siva (LMP) associada a essa droga e à disponibilidade de agentes
alternativos que não estão associados a complicação, essa tera-
pêutica foi excluída do arsenal terapêutico e atualmente é utili-
zada apenas na neurologia para esclerose múltipla.
Recentemente, o PF-04236921 um anticorpo monoclonal
totalmente humano anti-IL-6 administrado por via subcutânea,
foi testado para DC em dois estudos, um de fase II e um outro
de extensão para avaliação de segurança. Apesar do aparente
benefício do mecanismo da droga, o desenvolvimento de PF-
04236921 foi interrompido após relatos de perfurações gas-
trointestinais intestinais em diferentes populações de pacientes
estudadas com essa droga.

Anticorpos anti-IL-23
Apesar da existência de biológico como o ustequinumabe,
que age na subunidade p40 das interleucinas-12 e 23, estudos
buscam terapias que possam agir em um único alvo. Embora a
subunidade p40 da interleucina-12 no intestino tenha papel pa-
togênico, estudos em modelos experimentais de colite sugerem
que IL-23 em vez de IL-12 pode ser o principal fator de inflama-
ção intestinal.2,3
Objetivando reduzir a inflamação pelo bloqueio seletivo de
IL-23, estão sendo testadas drogas que bloqueiam a subunidade
p19 da IL-23, como o miriquizumabe, risanquizumabe, brazicu-
mabe e guselcumabe, em estudos de fase II e III para DC e RCUI
(Figura 1, Tabela 3).
O risanquizumabe (Skyrizi®) já é utilizado no Brasil para o
tratamento da psoríase e o guselcumabe (Tremfya®) na psoríase
e artrite psoriásica.2,4

80
Tabela 3. Estudos em desenvolvimento com anticorpos mono-
clonais anti-23

Fase do estudo - Aprovação para Nome comercial


Droga
Doença uso (Brasil)

Brazikumabe Fase II/III - DC; -


(MEDI 2070) Fase II -RCUI
Fase II/III- DC e Psoríase Skyrizi®
Risankimumabe RCUI
(BI 655066)

Fase III - DC e -
Mirikizumabe RCUI
(LY 3074828)

Fase II/III - DC; Psoríase e artrite Tremfya®


Guselkumabe Fase II -RCUI psoriásica

- Psoríase -
Tildrakizumabe

Bloqueadores de via de sinalização JAK/STAT


Essas moléculas são bloqueadoras intracelulares de proteí-
nas denominadas quinases associadas a Janus (JAKs). Essas pro-
teínas são ativadas por um ligante, que incluem as citocinas. Ao
serem ativadas, as JAKs atraem e ativam (por fosforilação) um
outro grupo de proteínas, denominadas STAT (transdutores de
sinal e ativadores de transcrição). Uma vez fosforilados, os STATs
dimerizam e translocam para o núcleo para alterar a transcrição
do gene e ampliam a expressão de citocinas (Figura 2).5-7

81
Figura 2. Via de sinalização JAK-STAT e inibidores de JAKs

JAK, quinases associadas a Janus; STAT, transdutores de sinal e ativadores de transcrição;


TYK2, tirosina quinase 2. Adaptada de: Salas A e cols. 2020; Olivera P e cols. 2017; Shivaji
UM e cols. 2020.

A análise transcricional de amostras inteiras de biópsia intes-


tinal revelou uma regulação aumentada de Janus quinase (JAK)
na colite ulcerativa ativa. O aumento da transcrição desses ge-
nes foi associado à presença de inflamação, e a transcrição foi
marcadamente reduzida na mucosa de pacientes com colite ul-
cerativa e doença de Crohn em remissão.6
Quatro JAKs foram identificadas: JAK1, JAK2, JAK3 e TYK2
(tirosina quinase 2). Existe uma seletividade e cada proteína JAK
tem especificidade para um conjunto diferente de receptores de
citocinas. JAKs são ativadas em pares, e diferentes combinações
de JAKs estão associadas a diferentes receptores de citocinas.
A inibição pode potencialmente bloquear várias citocinas e vias
inflamatórias ao mesmo tempo, diferindo dos produtos. Há dife-
rentes drogas que bloqueiam as JAKs, porém diferem na seleti-
vidade (Tabela 4, Figura 2).
82
Tabela 4. Inibidores da JAK na Doença Inflamatória Intestinal
Droga - Seletividade Fase do Aprovação Nome
Classificação da JAK estudo - para uso comercial
quanto a Doença (Brasil)
seletividade

Tofacitinibe - JAK1, JAK2, Fase II suspen- RCUI; Artrite Xeljanz®


Não-seletiva ou JAK3 so - inefetivo reumatóide;
Pan-seletiva em DC Artrite pso-
riásica
Filgotinibe - JAK1 Fase III - DC; Artrite reu-
Seletiva Fase IIb - matóide
RCUI

Upadacitinibe JAK1 Fase III - DC e Artrite reu- Rinvoq®


(ABT-494) - RCUI matóide
Seletiva

Peficitinibe JAK1, Sem dados -


(JNJ-54781532, JAK2(?), - DC; Fase II
ASP015K) - JAK3, TYK2 -RCUI
Não-seletiva
TD-1473 - JAK1, JAK2, Fase II - DC; -
Não-seletiva JAK3 Fase IIb/III -
RCUI

PF-06651600 - JAK3 Fase IIa - DC; -


Seletiva Fase II - RCUI

PF-06700841 - JAK1, TYK2 Fase IIa - DC; -


Seletiva Fase II - RCUI

Apesar do aparente benefício do bloqueio de várias citocinas


na redução da inflamação intestinal, a via de sinalização JAK/
STAT também está envolvida em importantes processos biológi-
cos, como eritropoiese, resposta imunológica e tolerância e pro-
teção contra tumores, sendo a seletividade importante e uma
vigilância rigorosa para avaliar os efeitos colaterais em virtude
desse amplo bloqueio.

83
Estudos com tofacitinibe têm mostrado um maior risco de
infecção com essas drogas, especialmente para herpes-zóster.
Outros efeitos incluem aumento dos níveis de colesterol LDL,
enzimas musculares, creatinina sérica e em estudos do uso da
droga em pacientes com artrite reumatoide se observou um
maior risco de trombose venosa profunda e embolia pulmonar,
especialmente em pacientes de risco e na presença de comorbi-
dades.

Moduladores do receptor de esfinosina-1-fosfato.


Os moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato (S1PR)
regulam o tráfego de células T e B dos nódulos linfáticos e timo
para a corrente sanguínea e, eventualmente, para o local da in-
flamação. Os moduladores (S1PR) permitem a inativação fun-
cional dos linfócitos, mantendo-os nos órgãos linfoides.4,7-9
A ativação dos linfócitos T naive ocorre em órgãos linfoides
secundários, como o baço, nódulos linfáticos e placas de Peyer.
A esfingosina 1-fosfato (S1P) é um mediador lipídico derivado
do metabolismo dos esfingolipídeos da membrana celular, gera-
do dentro da célula e translocado para a área extracelular, onde
exerce funções biológicas. A egressão dos linfócitos dos nódu-
los linfáticos é mediada pela expressão do receptor 1 de esfin-
gosina-1-fosfato (S1P1) em linfócitos efetores e pela presença
de um gradiente de concentração de S1P, que determina a saída
das células imunológicas para a circulação em direção às áreas
de inflamação. (Figura 3. Mecanismo de ação dos moduladores
de SIPR.) Os moduladores do receptor S1P ligam-se a S1P1 e in-
duzem sua internalização e subsequente degradação, inibindo
assim a saída de linfócitos dos tecidos linfoides (Figura 3).

84
Figura 3. Mecanismos de ação dos moduladores do receptor de
esfingosina-1-fosfato
Droga moduladora de S1PR Funções dos receptores de S1P

Oz
an
im
od
S1

e
PR
1
S1P
2 R
R5 P
S1

S1
e

PR
od

4 3
S1PR
m
e
od

ni
za

Fi
im

ng
O
ol

ol
ng

im
Fi

de od
limo
Fingo e

Adaptada de: Sabino J e cols, 2019.

Existem cinco isoformas diferentes do receptor S1P (S1P1-5),


que modulam as várias ações de S1P. S1PR1 medeia a saída de
células T de órgãos linfoides secundários para o vaso linfático,
circulação sistêmica e tecidos inflamados. Os moduladores do
receptor S1PR1 mantêm as células T aprisionadas e sequestra-
das dentro dos órgãos linfoides. S1PR4 e 5 estão envolvidos em
diferentes vias pró e anti-inflamatórias. Em contraste, S1PR2 e 3
medeiam vasoconstrição e fibrose e são provavelmente respon-
sáveis ​​por efeitos colaterais cardíacos, como bradicardia, hiper-
tensão e lesão renal. Os S1PR1-4 estão envolvidos em mecanis-
mos cancerígenos e anticancerígenos. Esses diferentes efeitos
tornam a inibição seletiva de S1PR desejável.
Ozanimode é um agonista oral S1P1 e S1P5 e etrasimode é
um modulador S1P1, S1P4 e S1P5. A tabela 5 faz um resumo
destas moléculas em estudo na DII.
85
Tabela 5. Moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato na
Doença Inflamatória Intestinal

Droga Seletividade Fase do estu- Aprovação Nome


do S1PR do - Doença para uso comercial
(Brasil)

Fingolimode S1PR1, 3, 4, Nenhum dado Esclerose Gilenya®


E5 múltipla

Ozanimode S1PR1 E 5 Fase III - DC e Esclerose


RCUI múltipla

Etrasimode S1PR1, 4, E 5 Fase II - DC; -


Fase III - RCUI

Amiselimode S1PR1 E 5 Fase II - DC; -


Fase III - RCUI

Inibidores da fosfodiesterase PDE4


O AMPc tem efeito na regulação da resposta inflamatória, ao
ativar proteínas quinases A, interferindo na diferenciação de cé-
lulas T e na quimiotaxia e adesão de neutrófilos. As fosfodieste-
rases são enzimas expressas em células imunes e que degradam
o AMPc (monofosfato de adenosina cíclico) em AMP inativo, re-
duzindo os níveis de AMPc produzindo um efeito pró-inflamató-
rio (Figura 1).
Os inibidores de fosfodiesterase como o apremilaste eleva os
níveis de AMPc e reduzem os níveis os níveis teciduais das citoci-
nas pró-inflamatórias TNFα, IFN-γ, IL-2, IL-4 e IL-5 e aumentam a
expressão de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10. Esta dro-
ga agora testada em estudo de fase II para RCUI já é utilizada em
artrite psoriásica e psoríase em placas moderada a grave, com
nome comercial no Brasil de Otezla®.8,10

86
Regulação positiva de micro RNA-124
O ABX464 é um novo candidato a medicamento com efeito
anti-inflamatório oral, que regula positivamente o miR-124 de
maneira específica. O miR-124 é um modulador crítico de imu-
nidade e inflamação. A droga reduz a expressão de quimiocinas/
citocinas pró-inflamatórias MCP1, CXCL1, IL-1β, TNFα, IL-17,
IL-6, G-CSF e as vias JAK-STAT.10
A droga mostrou induzir remissão e cicatrização e RCUI e um
estudo de fase II de manutenção evidenciou que 69% dos pacien-
tes estavam em remissão clínica e 94% se beneficiaram de uma
resposta clínica após o segundo ano de tratamento continuado.
A droga também está sendo testada em pacientes com artrite
reumatoide e em pacientes com infecção aguda por COVID-19.

Drogas que regulam a atividade de TGF-β1


Entre as funções do TGF-β1 (O fator de transformação do
crescimento beta 1) está a inibição de células T e células apre-
sentadoras de antígeno. O TGF-β1 exerce seus efeitos através
de um receptor transmembrana que ativa (por fosforilação)
um grupo de proteínas denominadas SMAT (SMAT2, SMAT3,
SMAT4), permitindo a translocação deste complexo de SMATs
para núcleo, que exercem um efeito regulatório na transcrição
do gene e inibe a síntese de citocinas como TNFα, IL-8, IL-2, IL-6,
IL-17 e IFN-γ (Figura 4).

87
Figura 4. Mecanismo de ação de drogas que regulam a atividade
de TGF-β1

SMAD7
Super Expressa
na DII

Mongersene

Deixa de inibir a expressão de citocinas inflamatórias


Transcrição do Gene

Transcrição do Gene
Inibe a síntese de citocinas pró-inflamatórias

O TGF-β1 exerce seus efeitos através de um receptor transmembrana que ativa (por fosfo-
rilação) um grupo de proteínas denominadas SMAT (SMAT2, SMAT3, SMAT4), permitindo a
translocação deste complexo de SMATs para núcleo, que exercem um efeito regulatório na
transcrição do gene e inibe a síntese de citocinas como TNFα, IL-8, IL-2, IL-6, IL-17 e IFN-γ. A
super expressão de SMAD7 é observada em pacientes com DII, o que impede a supressão de
genes inflamatórios mediada por TGF- β1 e, portanto, regula positivamente várias citocinas
inflamatórias. O monogersene hibridiza com o mRNA SMAD7 e induz a degradação desta
proteína, evitando a dimerização e entrada no núcleo. Assim, inibe a produção de SMAD7 e
restaura a atividade de TGF- β1. Fonte (adaptada): Olivera P e cols. (2017).7

Nos pacientes com DII há uma baixa atividade do TGF-β1, o


que justificaria uma menor supressão da síntese destas citocinas
inflamatórias. Um dos mecanismos prováveis é uma superex-
pressão nos pacientes com DII de uma outra proteína chama-
da SMAT7. Essa proteína bloqueia a fosforilação (ativação) das
SMAT2 e 3, evitando a sua translocação para o núcleo e desta
forma deixando de inibir a expressão das referidas citocinas. O
monogersene, administrado por via oral é um oligonucleotídeo
sintético de fita simples de 21 bases que hibridiza com o mRNA
SMAD7 e induz a degradação desta proteína. Ao inibir a produ-
ção de SMAD7, ela restaura a atividade de TGF-β1.

88
O monogersene vem sendo testado para doença de Crohn em
estudos de fase II e III. Em virtude do efeito pró-fibrogênico do
TGF-β1, um potencial efeito adverso que precisa ser avaliado é
a indução de fibrose e estreitamento da estenose, podendo li-
mitar o uso de monogersene para tratamentos de exacerbações
agudas de DC.8

Anti-integrinas e Antiadesinas
A migração dos leucócitos do sangue periférico para o local
de inflamação depende de moléculas de adesão como a MAd-
CAM-1 (molécula de adesão celular de adressina da mucosa). A
interação entre MAdCAM-1 e seu ligante integrina, α4ß7, resul-
ta no recrutamento de linfócitos para o intestino ou tecido lin-
foide associado ao intestino.
Carotegraste (AJM300), uma pequena molécula oral que an-
tagoniza a subunidade da integrina α4, foi avaliada em estudo de
fase II e mostrou resposta clínica, remissão clínica e cicatrização
superior ao placebo na semana 8.
Além de alvos terapêuticos voltados para anti-integrinas, mo-
léculas vêm sendo desenvolvidas para bloquear a proteína MA-
dCAM-1. Várias moléculas (biológicos e pequenas moléculas)
vêm sendo estudadas com o objetivo de bloquear o tráfico de
células inflamatórias para o intestino (Tabela 6).

89
Tabela 6. Anti-integrinas e antiadesina na Doença Inflamatória
Intestinal

Droga Mecanismo Fase do estudo -


Classificação
(via administração) de ação Doença

Abrilumabe Anticorpo α4β7 Fase II - DC e RCUI


(Subcutâneo) monoclonal
totalmente
humanizado
Carotregaste/AJM- Pequena subunidade α4 Falha em DC (Fase
300 (oral) molécula II); Fase III - RCUI

Etrolizumabe Anticorpo subunidade β7 Fase III - DC e RCUI


(Subcutâneo) monoclonal
humanizado

SHP647/PF- Anticorpo MAdCAM-1 Fase III - DC e RCUI


00547659 monoclonal
(Subcutâneo) totalmente
humanizado
PTG-100 Pequena α4β7 Sem dados - DC;
molécula Fase II - RCUI

Terapia combinada
Em virtude da complexa rede de inflamação presente na DII,
induzida por diferentes vias e proteínas, estratégias buscando
bloquear diferentes mecanismos combinando biológicos e pe-
quenas moléculas passaram a ser descritas.
Yang e cols. analisaram 22 pacientes que combinavam diferen-
tes biológicos, utilizando associação de drogas com diferentes
mecanismos de ação, que incluíram infliximabe, adalimumabe,
vedolizumabe, ustequinumabe, certolizumabe e golimumabe. A
melhora endoscópica ocorreu em 43% e 26% alcançaram remis-
são endoscópica; 50% tiveram resposta clínica e 41% alcança-
ram remissão clínica e redução de fístula reduziu em 18% dos
90
casos, com poucos eventos adversos. Os autores consideram a
possibilidade de associação para pacientes que haviam falhado
a múltiplos biológicos.
Um outro estudo retrospectivo, conduzido por Glassner K e
cols., analisou 50 pacientes tratados com terapia combinada de
biológicos e pequenas moléculas, com um significativo aumento
de resposta no acompanhamento em comparação com a linha de
base, tanto para remissão clínica (50% vs 14%, p = 0,0018) quan-
to endoscópica (34% vs 6%, p = 0,0039). Ocorreram oito even-
tos adversos graves e nenhuma morte.
Estas terapias passaram a ser utilizadas em pacientes com
doença de difícil controle, com a falha às diferentes terapias, po-
rém o risco de eventos adversos precisa ser determinado.

Futuro: outras abordagens terapêuticas


Transplante de células-tronco hematopoiéticas
(TCTH)
Transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é uma
modalidade de tratamento baseada na infusão de células-tron-
co hematopoiéticas (CTH) do próprio paciente (autólogo) ou de
doador da mesma espécie (alogênico), aparentado ou não apa-
rentado. O objetivo é restaurar a tolerância imunológica que
ocorre em doenças autoimunes, como ocorre na DC, através da
eliminação da memória imunológica e reconfiguração do siste-
ma imunológico.
Em revisão sobre o tema, Ruiz MA e colaboradores destacam
que o TCTH alogênico geralmente não é recomendado para DC
devido aos riscos inerentes à toxicidade do procedimento, sen-
do indicado o TCTH autólogo, porém realizado para casos gra-
ves, doenças progressivas e refratárias às terapias padrões.
Os autores descrevem os seguintes critérios para indicação
de TCTH para DC: pacientes refratários a imunossupressores e
91
biológicos; persistência da atividade da doença comprovada por
endoscopia, colonoscopia ou enterorressonância; e doença ex-
tensa para a qual um procedimento cirúrgico iminente expõe o
paciente ao risco de síndrome do intestino curto ou doença do
cólon refratária. Os autores consideram ainda a indicação na
presença de uma lesão perianal persistente onde a coloproctec-
tomia com um implante de estoma definitivo não é aceita pelo
paciente.11
Esses mesmos autores demonstraram que a redução de doses
de ciclofosfamida tanto na mobilização quanto no condiciona-
mento em 14 pacientes submetidos a TCTH autólogo reduziu os
eventos adversos do procedimento e ainda resultou em redu-
ção acentuada na atividade clínica da doença, com 13 pacientes
atingindo a remissão da doença (CDAI < 150) em 30 dias.
Em um outro estudo envolvendo 29 pacientes com DC, Lo-
pez-Garcia e cols. descreveram que após TCTH autólogo foi ob-
servada remissão clínica e endoscópica livre de drogas (CDAI <
150, SES-CD < 7) em 61% em 1 ano, 52% em 2 anos, 47% em
3 anos, 39% em 4 anos e 15% em 5 anos. No entanto, 80% dos
pacientes que tiveram recidiva responderam à reintrodução da
terapia anti-TNF. Seis dos 29 foram operados após o auto-TCTH
e 1 paciente morreu de infecção por CMV.
Serão necessários novos estudos para ampliar o número de
casos submetidos a essa terapia, definindo riscos e benefícios.

Células-tronco mesenquimais em fístula


Uma outra forma de terapia celular que vem sendo testada
é a aplicação de células-tronco mesenquimais diretamente na
fístula. Em um estudo de fase III, de Panes J e cols., os autores
relataram uma resposta superior na remissão da fístula compa-
rada ao placebo com o uso desta terapia na semana 24 (50% vs.
34%, p = 0,024). Em uma meta-análise envolvendo três estudos
clínicos com grupo de comparação, as células-tronco mesenqui-

92
mais foram associadas à melhora de cicatrização das fistulas em
comparação com os indivíduos controle nas semanas 6 a 24 (OR
= 3,06; p = 0,04) e com 24 a 52 semanas (OR = 2,37; p = 0,08).
Não foram observados efeitos adversos significativos. Apesar
do pequeno número de estudos, essa terapia pode ser promisso-
ra para alguns tipos de fístula de difícil controle em combinação
com outras terapias sistêmicas.12

Transplante de microbiota fecal


Baseado no fato de que a disbiose é um importante fator en-
volvido na fisiopatogênese da DII, o transplante de microbiota
fecal passou a ser uma possiblidade terapêutica, porém o nú-
mero de estudos ainda é limitado, heterogêneo e com curtos
períodos de seguimento. Os primeiros ensaios randomizados
controlados mostram benefício na remissão da DII em TMF fe-
cal superior ao placebo.
Em recente estudo, Costello P e cols. relataram uma remissão
livre de corticoide superior em TMF comparando ao controle,
com remissão em 12 dos 38 participantes (32%) recebendo FMT
de doador superior em comparação aos 3 dos 35 (9%) receben-
do FMT autólogo (diferença, 23% razão de chances, p = 0,03) na
semana 8, porém a resposta diminuiu ao longo dos 12 meses.13
Recentes consensos, como o australiano, sobre regulação do
TMF para prática clínica de 2020 e as diretrizes em DII da So-
ciedade Britânica de Gastroenterologia de 2019, recomendam
no momento que a utilização deve se limitar apenas a ensaios
clínicos, fazendo parte de terapias futuras que necessitam de va-
lidação.

Futuro: terapia personalizada


Apesar dos ganhos no controle clínico da doença com as novas
terapias e com as perspectivas de inúmeras moléculas a serem
liberadas para uso nos próximos anos, muitos desafios fazem

93
parte da abordagem terapêutica na prática médica do gastroen-
terologista. A complexidade da imunopatogênese na DII e a
variabilidade de padrões de resposta imune entre os pacientes
acometidos pela doença justificam muitos desses desafios e limi-
tações dos tratamentos. Cerca de 30% a 40% dos pacientes têm
falha primária às novas terapias biológicas, além de uma perda
de resposta (secundária), que ocorre de 10% a 20% por ano, com
necessidades de aumentos de doses e trocas de terapias ao lon-
go da vida dos pacientes com DII, retardando em muitos casos o
controle efetivo da inflamação e suas complicações.
De uma maneira geral, as terapias são padronizadas e apli-
cadas de forma universal a portadores de DII. Apesar de reco-
nhecermos alguns grupos de fenótipos para escolha de algumas
terapias, como por exemplo o uso de infliximabe em fístulas
complexas, ou utilizarmos marcadores de inflamação ou dosa-
gem sérica de drogas para orientar as estratégias, não há no mo-
mento uma terapia individualizada.
Os esforços são para que no futuro tenhamos a escolha da te-
rapia individualizada, com base na avaliação do padrão de res-
posta imune de cada indivíduo, selecionando a terapêutica ca-
paz de obter as melhores respostas, com isso reduzindo falhas
primárias e secundárias, aumentando as janelas de oportunida-
de, para evitar complicações da atividade de doença, reduzindo
eventos adversos a drogas, diminuindo custos, levando à redu-
ção de morbimortalidade relacionada à doença.
Diferentes técnicas têm sido desenvolvidas para identifica-
ção destes marcadores de padrões e de resposta terapêutica a
drogas, que incluem: genômica, transcriptômica, proteômica,
microbiômica (Figura 5).14-16

94
Figura 5. Técnicas para identificação de marcadores

Amostra Análise Resultados


Genômica Transcriptômica Proteômica Microbiômica Tratamento
Escore de risco poligênico
Genômica Transcriptômica

Anti-integrina + inibidor
JAK/STAT

Genes agressividade Genes expressos Níveis elevados IL-22 Abundância de


José (aumentada expressão): TNFRSF11B, STC1, e IL-23 = melhores Roseburia inulinivorans
Proteômica Microbiôma PAR2, MDR1, CDx1, PTGS2, IL-13RA2 = respostas a MEDI2070 e de Burkholderiales
RPS6KA2, mIR-29a, remissão endoscópica anti-IL-23 maior remissão ao
mIR-29b em uso de infliximabe vedolizumabe

ABX-464 ou moduladores
de S1PR

Presença do alelo Genes expressos Níveis de citocinas Espécies


HLA-DQA1*05 associado .............. .............. ..............
Luiza com aumento de anticorpos
anti-TNF

Anti-IL-9 + anti-TNF ou
anti-TLR7/8.

Marcos Variante rs11209026 do Genes expressos Níveis de citocinas Espécies


gene IL23R risco de lesões .............. .............. ..............
psoriasiformes com uso de
anti-TNF

Genômica
A genômica tem contribuído na identificação de genes as-
sociados não apenas a um maior risco de desenvolver DII e
o entendimento da patogênese, mas tem contribuído para
o desenvolvimento de alvos terapêuticos, avaliar a resposta
terapêutica a drogas e riscos de eventos adversos. Diferentes
genes já foram identificados como associados à patogênese de
DII em diferentes vias da resposta imune: a) Na resposta imu-
ne inata da mucosa, os genes CARD 9 para DII, NOD2 na DC e
SLC11A1 na RCUI; b) na via IL-23/Th17 os genes IL-23R, JAK2,
TYK2 nas DII, STAT3 na DC e IL-21 na RCUI, entre outros.15
Apesar da correlação, as chances de análise de um único gene
são limitadas, com alguns genes tendo um efeito divergente
entre DC e RCUI e com uma grande maioria dos portadores da
variante nunca desenvolvendo a doença e indivíduos sem a va-
riante podendo desenvolver a doença. Como os fatores de risco
95
genéticos individuais não são úteis na triagem e previsão, dada
a natureza poligênica da doença, foi sugerido que um escore de
risco poligênico (PRS), que calcula a carga genética combinando
os alelos de risco, pode ser mais útil, porém seu uso na prática
clínica está para ser estabelecido.
A identificação de genes associados a uma doença ou a um
padrão clinico pode isoladamente não representar o desenvol-
vimento de doença, podendo não serem expressos ao longo da
vida. Além disso, outros fatores ambientais, como alimentação,
tabagismo ou infecções podem modificar a estrutura desses ge-
nes (Ex.: metilação do DNA ou RNA não codificantes), aumen-
tando a atividade de transcrição e nível de expressão de genes
contribuindo para o surgimento da doença (Epigenética).
Porém, objetivando apoiar a decisão terapêutica, vários estu-
dos tentam demonstrar padrões genéticos que influenciam na
resposta terapêutica às drogas e os riscos de eventos adversos,
constituindo a chamada farmacogenômica. Jurgens M e cols.
encontraram que a presença de autoanticorpo citoplasmático
antineutrófilo negativo (ANCA) (P = 0,01) era um preditor posi-
tivo independente para resposta ao IFX; por outro lado, os por-
tadores homozigotos de variantes de IL-23R para DII de alto ris-
co eram mais propensos a responder ao IFX do que portadores
homozigotos de variantes de IL-23R de risco diminuído de IBD
(74,1 vs. 34,6%; P = 0,001).
Em uma coorte de 1.240 pacientes naive de tratamento bioló-
gico com doença de Crohn, Sazonovs e cols. identificaram que o
alelo HLA-DQA1*05 foi associado com o aumento da formação
de anticorpos contra infliximabe e adalimumabe.
Outros estudos demonstram em pacientes com defeitos epi-
teliais em genes como EPCAM152,153 e TTC7A154–156 resul-
tados piores após transplante de células-tronco hematopoiéti-
cas (HSCT).14
Um outro alvo da farmogenética é identificar indivíduos com
96
risco de desenvolver eventos adversos às drogas, que muitas ve-
zes limitam o uso da droga ou podem levar a complicações gra-
ves. Estudos demonstram que variante homozigótica NUDT15
ou haplótipo NUDT15-TPMT (TPMT-tiopurina metiltransfera-
se) foram associados ao risco de mielossupressão e que o ha-
plótipo HLA-DQA1*02: 01 HLA-DRB1*07:01 pode aumentar o
risco de pancreatite em até 17%.15 Tillack C e cols. descreveram
que pessoas portadoras da variante GG do rs11209026 do gene
IL-23R podem desenvolver lesões psoriasiformes na pele duran-
te o tratamento com anti-TNF e podem se beneficiar do uso de
ustequinumabe.
No futuro, a utilização de painéis de genes poderá definir para
cada paciente qual a droga com maior chance de efetividade e
com menor risco de eventos adversos na primeira escolha, redu-
zindo falhas e riscos.

Transcriptômica
Apenas uma pequena proporção do código genético, estima-
da em 5%, é transcrita em RNA. No transcriptoma, a análise vai
além de detecção do gene e avalia se de fato um gene foi trans-
crito, utilizando sequenciamento do RNA e detectando todo
RNA transcrito ou identificação de RNAm (RNA mensageiro)
predefinidos com a utilização de sondas (microarray), permitin-
do identificar quais vias imunológicas de fato são ativadas ou re-
primidas em um paciente individual.
Desregulação de RNAm tem sido associada a diferentes me-
canismos patogênicos em diferentes doenças autoimunes. Em
estudos transcriptômicos de DII, muitos dos mRNAs aberrantes
foram encontrados envolvidos em funções moleculares associa-
das com a resposta imune, inflamação da mucosa, absorção de
nutrientes, dano epitelial, oncogênese e proliferação celular.
Transcriptoma para predizer resposta a droga tem sido estu-
dado. Em uma análise de mucosa colônica de pacientes que par-

97
ticiparam de estudos de intervenção para o uso de infliximabe,
Arijs I e cols. encontraram 212 transcrições que foram expressas
diferencialmente em amostras de biópsia antes da implementa-
ção da droga, comparando pacientes que responderiam ao infli-
ximabe com amostras de biópsia daqueles não respondedores.
Cinco genes expressos (TNFRSF11B, STC1, PTGS2, IL-13RA2 e
IL-11) eram capazes de prever remissão endoscópica em respos-
ta ao infliximabe com 95% de sensibilidade e 85% de especifici-
dade.17
Os estudos de perfil de expressão do transcriptoma ajudarão
a entender a patogênese da DII. As informações poderão ser uti-
lizadas como alvos no desenvolvimento de biomarcadores diag-
nósticos ou agentes terapêuticos em tratamentos de DII.

Perfil imunológico (Preoteômica)


Após finalizado o mapeamento genético humano com suas re-
levantes descobertas, identificou-se que era preciso avaliar não
só a presença do gene, mas a expressão do mesmo e a síntese de
proteínas que poderiam estar relacionadas com os mecanismos
patogênicos das doenças. A detecção destas substâncias passou
a ser medida no sangue e em material de biópsia intestinal, pos-
sibilitando mais recentemente ter como objetivo terapêutico
predizer resposta às diferentes abordagens terapêuticas basea-
das no perfil sérico destas substâncias nos portadores de DII.
Recentemente, West et al. (2017) compararam a expressão
de citocinas em biópsias da mucosa intestinal de pacientes com
DII e descobriram que a oncostatina M (OSM) era a mais expres-
sa quando comparada a controles. A OSM aumenta a secreção
de várias moléculas pró-inflamatórias (por exemplo, IL-6), bem
como quimiocinas, que atraem neutrófilos, monócitos e células T.
A deleção genética ou bloqueio farmacológico de OSM ate-
nua significativamente a colite em um modelo animal de colite
resistente a anti-TNF. A identificação na mucosa de expressão

98
elevada desta citocina nos pacientes poderá orientar a terapêu-
tica a ser instituída e o desenvolvimento de novos alvos terapêu-
ticos.
Em um estudo de fase 2 utilizando o MEDI2070, um bloquea-
dor de IL-23, Sands B e cols. dosaram níveis de IL-22 (uma outra
citocina induzida pela via IL-23) antes de iniciar a terapia e ob-
servaram que os melhores índices de respostas estavam relacio-
nados com os maiores níveis de IL-22 pré-tratamento.
No futuro, a identificação dos perfis de citocinas, detectadas
em soro ou em mucosa, para os diferentes padrões de doenças
ou para um paciente individual irá contribuir para definir a tera-
pia com maior probabilidade de resposta.

Análise do microbioma intestinal (Microbiômica)


A disbiose sabidamente é um dos mecanismos envolvidos na
imunopatogênese da DII e estratégias têm sido voltadas para
identificar padrões de microbioma intestinal que ajudem a res-
taurar o equilíbrio e reduzam a inflamação, seja por uso de pro-
bióticos, prebióticos ou via transplante fecal.
Surge a possibilidade de no futuro podermos determinar atra-
vés desta análise os pacientes com melhor resposta à terapia
instituída. Um estudo de Ananthakrishnan A e cols. avaliando a
influência da microbiota na resposta terapêutica ao uso de anti-
-integrina, detectou que específicas diversidades da microbiota,
além de abundância de espécies de Roseburia inulinivorans e de
Burkholderiales estavam associadas a maior remissão da doença
na semana 14 após uso do vedolizumabe, sugerindo que estudos
do microbioma podem predizer resposta ao tratamento da DII
para drogas específicas.

99
Multiômica
A multiômica diz respeito à análise simultânea das diferentes
técnicas, que geram diferentes informações, para um melhor
entendimento da imunopatogênese do paciente com DII e que
poderá ser aplicada para cada indivíduo.16
Um exemplo da aplicação da multiômica foi publicado por
Liang J e cols., onde o autor, utilizando técnicas de transcriptô-
mica e proteômica sugere padrões de respostas imunes para DC
e RCUI. Em DC, detectou um aumento da diferenciação de célu-
las T auxiliares e elevação do receptor Toll-like e de sinalização
JAK/STAT. Na RCUI, uma análise da rede de coexpressão gênica
ponderada sugeriu um possível papel da regulação epigenética
na UC.18
No futuro, a aplicação das diferentes técnicas em um indiví-
duo particular poderá não apenas entender o padrão de altera-
ções da resposta imune e vias envolvidas, mas principalmente
dirigir a terapêutica de forma personalizada, contribuindo para
uma escolha, precisa e a mais segura, da primeira terapêutica a
ser instituída, reduzindo morbidade, complicações e mortalida-
de dos pacientes portadores de DII.

Agradecimento
Agradecemos a Luiza Coelho Moraes de Brito que elaborou a
arte digital das figuras adaptadas.

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CAPÍTULO 7 1949

Inibidores da bomba de prótons na


doença do refluxo gastroesofágico:
como e quando suspender
Décio Chinzon
Miriam Chinzon

Os inibidores da bomba de prótons (IBPs) são a base do tra-


tamento das doenças ácido-relacionadas, como a doença do re-
fluxo gastroesofágico (DRGE), úlcera péptica (DUP) e dispepsia
(relacionada ao ácido), como parte da erradicação do Helicobac-
ter pylori (H. pylori) alem de condições hipersecretoras (por exem-
plo, síndrome de Zollinger-Ellison).1 Também são usados tanto
na profilaxia de pacientes com história de úlcera péptica, como
em pacientes na Unidade de Terapia Intensiva e em indivíduos
que fazem uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs).1
Embora os IBPs sejam eficazes e tenham um bom perfil de
segurança, ainda há dúvidas em relação à segurança da terapia
com IBP em longo prazo. Na última década observamos algumas
mudanças importantes no panorama do uso dos IBP, em razão
de estudos que relataram a ocorrencia de eventos adversos de-
vido ao uso dos IBPs em longo prazo.
Embora existam críticas a esses estudos, principalmente re-
lacionadas a metodologia utilizada, tipo de população avaliada,
a presença de fatores de confusão e casualidade, a patogênese
dessas associações não é clara, pois são derivadas de estudos
observacionais (baixa qualidade de evidência) e os relatos que
suportam essas observações são objeto de discussão em razão
103
dos “fatores de confusão”, além de estabelecerem somente
uma associação e não uma relação causal (R.R < 1.5  fraca
associação).

Desprescrevendo o IBP
Envolve o processo de redução e/ou interrupção da terapia
com IBP após consideração da indicação terapêutica, benefí-
cios e riscos. O objetivo da desprescrição de IBPs na maioria dos
casos é reduzir a carga de medicamentos e os efeitos adversos
potenciais, mantendo a qualidade de vida.2 Algoritmos de des-
prescrição de IBP foram propostos e publicados no Canadá e na
Austrália.3 Ambos recomendam a desprescrição de IBP em adul-
tos sem sintomas, após um mínimo de terapia com IBP de quatro
semanas para DRGE ou sintomas gastrointestinais superiores.
No entanto, a desprescrição pode ser difícil e não existe um mé-
todo consensual, baseado em evidências, para interromper ou
reduzir o uso dos IBPs (Figura 1).

Figura 1. Etapas na prescrição de inibidores da bomba de


prótons

Passo 1 Avaliação da indicação e eficácia


Passo 2 Equilíbrio entre benefício e danos
Passo 3 Valores e preferências do paciente
Passo 4 Continuar, reduzir ou descontinuar
Passo 5 Remover e monitorizar

104
O aumento da secreção de ácido gástrico para níveis acima
do pré-tratamento ou da linha de base após a retirada dos IBPs,
constitui a base do problema da desprescrição e foi bem docu-
mentado em vários estudos fisiológicos.4,5
A elevação da gastrina é a responsável pelo rebote ácido en-
contrado nos pacientes após a suspensão abrupta do IBP, sendo
mais proeminente nos primeiros meses e até 1–2 anos de trata-
mento de longo prazo.6 Portanto, parece imperativo minimizar
a duração do tratamento, pois isso poderia reduzir substancial-
mente o risco de rebote ácido. A redução gradual também é con-
siderada por alguns pesquisadores como uma abordagem mais
bem-sucedida para diminuir os efeitos da a elevação da gastrina
antes da descontinuação.7
Estudos relataram uma resposta de gastrina dependente,
dose induzida, na terapia com IBP, onde níveis mais altos foram
observados em pacientes que utlilizaram doses mais altas e mais
frequentes de IBP (diariamente vs. dias alternados). Além disso,
foi observada uma associação positiva entre a dose de IBP ex-
pressa em dose por peso (mg/kg) e os níveis de gastrina.8
Não há evidências concretas para determinar as abordagens
ideais de desprescrição (por exemplo, descontinuação abrupta,
redução gradual para a menor dose efetiva ou uso de terapia
alternativa para superar os sintomas de rebote em potencial).
Devido à pouca quantidade de estudos publicados, a evidência
atual é geralmente de baixa qualidade metodológica e fornece
evidência de certeza relativamente baixa. No entanto, uma re-
visão sistemática para a Colaboração Cochrane de ensaios clí-
nicos randomizados publicados entre 2003 e 2016 foi realizada
e incluiu seis estudos, cinco deles sob demanda entre pacientes
com doença de refluxo não erosiva ou forma mais leve de esofa-
gite erosiva (EE) (graus A e B de Los Angeles (LA)).9
Os dados agrupados desses estudos mostraram que aproxi-
madamente 84% toleraram a intervenção sob demanda, embora

105
a taxa de recidiva tenha sido maior em comparação com o grupo
de manutenção (16% vs. 9%, p < 0,0001).
A redução gradual do tratamento com IBP, em vez de inter-
romper abruptamente sua administração, foi sugerida como
a melhor estratégia para minimizar os sintomas do rebote áci-
do, particularmente em pacientes que foram tratados por mais
tempo e aqueles que experimentaram recorrência dos sintomas
após a suspensão do IBP.
Em um estudo sueco, a redução gradual foi conduzida durante
um período de três semanas antes da descontinuação e compa-
rada com a descontinuação abrupta.9 A redução gradual se mos-
trou superior comparada à descontinuação bem-sucedida da
terapia com IBP.
Em resumo, não há dados suficientes disponíveis sobre a
abordagem de desprescrição ideal, por exemplo, se os pacientes
diminuem a dose por algum tempo antes de parar. Embora a evi-
dência de que a redução do IBP antes da descontinuação seja
melhor do que a descontinuação abrupta, tenha uma subsídio
robusto nos trabaçhos avaliaods,10 acredita-se que a redução
gradual seja mais eficaz7 e esta estratégia para a descontinuação
é recomendada no algoritmo australiano.11

Referências
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CAPÍTULO 8 1949

Helicobacter pylori e lesões


pré-neoplásicas do estômago

Luiz Gonzaga Vaz Coelho


Maria Clara de Freitas Coelho

Introdução
A identificação do Helicobacter pylori (H. pylori) alterou
drasticamente o conhecimento acerca das afecções do trato
digestivo superior, sendo hoje reconhecido como o principal
fator etiológico da gastrite crônica e classificado como carcinó-
geno do tipo 1 para a ocorrência do adenocarcinoma gástrico.
Atualmente, o diagnóstico acurado dessas afecções gástricas
requer a realização de endoscopia digestiva alta (EDA), com
coleta de biópsias. Esse método, realizado em diferentes to-
pografias do estômago, permite, na maioria dos casos, correta
diferenciação fenotípica das gastrites como, por exemplo, su-
perficial ou atrófica, ou se está localizada no antro, no corpo
gástrico ou em ambas as regiões. Tais informações foram bem
definidas pelo Sistema Sydney de Classificação das Gastrites,
atualizado em 1996, e geralmente permitem a uniformização
e adequada avaliação etiopatogênica das gastrites crônicas.1
A sequência infecção pelo H. pylori → gastrite crônica →
atrofia glandular → metaplasia intestinal → displasia → ade-
nocarcinoma do tipo intestinal constitui uma sequência de
alterações histopatológicas conhecidas como cascata de

109
Pelayo Correa. Um grande estudo multicêntrico japonês, en-
volvendo 2.455 pacientes, relatou a presença de gastrite atró-
fica em 89,2% dos indivíduos infectados e em apenas 9,8%
dos não infectados. Da mesma forma, metaplasia intestinal
foi detectada em 43,1% dos indivíduos H. pylori positivos, en-
quanto somente 6,2% dos não infectados apresentavam tal
anormalidade.2
Estudos mostram que o risco de adenocarcinoma gástrico é
quatro a cinco vezes maior em pacientes portadores de atrofia
acentuada do corpo comparados a pacientes saudáveis. En-
tre os pacientes com atrofia acentuada do antro existe risco
18 vezes maior para o desenvolvimento de câncer gástrico,
chegando a 90 vezes naqueles com atrofia intensa do corpo
e do antro (pangastrite), quando comparáveis a pessoas sau-
dáveis.
Dessa forma, tanto pela extensão como pela localização da
metaplasia no estômago é possível identificar os pacientes de
maior risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma gás-
trico. A displasia gástrica, caracterizada pela atipia celular e
desorganização da arquitetura glandular constitui a lesão pré-
-neoplásica menos frequentemente observada e de identifica-
ção mais difícil. Estudos mostram que até 32% dos portadores
de displasia de alto grau desenvolveram adenocarcinoma gás-
trico após seguimento por até 10 anos.3

Diagnóstico
A atrofia glandular da mucosa gástrica, quando discreta, pode
trazer dificuldades diagnósticas, principalmente na mucosa an-
tral, que normalmente apresenta o conjuntivo da lâmina própria
mais desenvolvido que na mucosa do corpo gástrico; por isso, o
reconhecimento histopatológico de atrofia glandular, discreta
ou moderada, da mucosa do corpo guarda menor grau de subje-
tividade que aquela do antro. A presença de infiltrado inflama-
tório denso de permeio às glândulas gástricas pode levar à con-
110
clusão errônea de atrofia e, em consequência, à interpretação
equivocada de regressão da atrofia após erradicação do H. pylori
e resolução do infiltrado inflamatório. Por sua vez, graus mais
avançados de atrofia da mucosa gástrica são histologicamen-
te mais acurados. Como já é conhecido, pacientes com gastrite
crônica de antro e corpo (pangastrite crônica) costumam evoluir
com atrofia glandular da mucosa gástrica e desenvolvem carci-
noma gástrico com frequência significativamente maior.
Metaplasia intestinal no estômago se refere à reposição pro-
gressiva e de distribuição focal do epitélio gástrico por epitélio
tipo intestinal. O epitélio neoformado apresenta características
bioquímicas e morfológicas (tanto à microscopia óptica quanto
eletrônica) do epitélio intestinal, seja do tipo do intestino delga-
do (tipo I ou metaplasia completa) ou do epitélio do cólon, com
secreção de sulfomucinas (tipo II ou metaplasia incompleta).
Assim sendo, o epitélio metaplásico pode ser constituído por
diferentes linhagens de células próprias da mucosa intestinal,
como células caliciformes, células absortivas, células de Paneth
e, inclusive, com a presença de variável número de células en-
dócrinas. O diagnóstico histológico de metaplasia intestinal na
mucosa gástrica é relativamente simples e poucas vezes oferece
dificuldades.
Na metaplasia tipo I, ou completa, o epitélio intestinal meta-
plásico reproduz muito de perto, morfológica e bioquimicamen-
te, o epitélio do intestino delgado, inclusive com o desenvolvi-
mento de vilosidades e criptas nos estágios mais avançados. A
presença das células de Paneth, de vilosidades características da
bordadura em escova (brush border) e de muitas outras caracte-
rísticas de epitélio intestinal absortivo, motivou sua denomina-
ção de completa; muitos desses aspectos faltam aos outros tipos
de metaplasia com células intestinais. Na metaplasia completa
(tipo I), a sialomucina constitui o tipo predominante de glicopro-
teína, podendo ocorrer somente pequenas quantidades de mu-
cinas neutras e mesmo sulfomucinas, estas últimas característi-
cas da mucosa do cólon.
111
Na metaplasia tipo II, ou incompleta, as células absortivas,
com borda em escova, estão ausentes, persistindo células mu-
cosas com aspecto semelhante àquelas das fovéolas gástricas.
Nessa metaplasia, há predomínio secretório de mucinas neutras
ou de sulfomucinas. Dependendo desse comportamento funcio-
nal, essas células mucossecretoras podem ser identificadas his-
toquimicamente com facilidade e, com base nesta característica
tintorial, a metaplasia incompleta costuma ser subdividida em
tipos IIA (predomínio de mucinas neutras) e tipo IIB ou III (pre-
domínio de sulfomucinas).
A presença de glândulas ou de epitélio tipo intestinal na mu-
cosa gástrica pode ser facilmente reconhecida, na maioria das
vezes, através do exame histopatológico rotineiro, corado pela
hematoxilina e eosina. Entretanto, a estrutura morfológica das
células metaplásicas não mostra diferenças detectáveis entre um
tipo e outro e, como enfatizado anteriormente, são necessários
métodos especiais de coloração para evidenciar, com bom grau
de especificidade, os diferentes tipos de metaplasia intestinal. A
abordagem inicial consiste na utilização da coloração pelo Alcian
blue em pH 2,5 e da reação do ácido periódico (reagente de Schi-
ff; PAS), abreviadamente designados PAS/Alcian blue. Como o
muco tipo intestinal é constituído predominantemente por mu-
cinas ácidas (inclusive as sulfomucinas, que são fortemente ací-
dicas), em pH 2,5, a coloração pelo PAS/Alcian blue vai fornecer
boa individualização entre o muco ali presente: na presença de
muco intestinal (predominantemente ácido) a coloração Alcian
blue será positiva (= azul), enquanto na presença de muco do es-
tômago (neutro), a coloração por PAS será positiva (= vermelho).
Outros métodos são necessários para diferenciar os tipos II e III,
mas pouco usados na prática médica.
Para o diagnóstico da displasia gástrica, também denominada
neoplasia intraepitelial, existem várias classificações. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, a displasia é classificada como
de baixo e alto grau e como sua confirmação histológica muitas

112
vezes é difícil e apresenta baixa concordância interobservador,
é recomendado que o diagnóstico de displasia, especialmente
aquela de alto grau, deva ser confirmado por dois patologistas.
Embora a endoscopia digestiva convencional seja considerada
uma ferramenta inadequada para o correto diagnóstico da pre-
sença de atrofia e metaplasia intestinal, estudos recentes em-
pregando endoscópios modernos, dotados de alta resolução e
cromoscopia digital, têm demonstrado incremento crescente de
sua acurácia diagnóstica e boa reprodutibilidade com os acha-
dos observados no exame histopatológico de lesões pré-neoplá-
sicas. O uso de endoscópios modernos é hoje bem estabelecido
pelos mais recentes guidelines da área4,5 para rastreio de lesões
gástricas pré-neoplásicas.

Prevalência
Os dados epidemiológicos acerca da prevalência e incidência
das lesões pré-neoplásicas em diferentes regiões do mundo são
difíceis de comparar devido às diferenças metodológicas entre
os estudos e as características das populações estudadas. Revi-
são sistemática recente sobre a prevalência de lesões pré-neo-
plásicas estimou que, em todo o mundo, um terço e um quarto
dos indivíduos podem apresentar gastrite crônica atrófica e me-
taplasia intestinal, respectivamente. A presença de lesões pré-
-neoplásicas gástricas tipo gastrite atrófica e metaplasia intes-
tinal, em populações de países de incidência baixa ou moderada
de câncer gástrico na população, como o Brasil, foi estimada em
22,8% (IC 95% 18,0-27,6) para a gastrite atrófica e 21,7% (IC
95% 16,1-27,4) para a metaplasia intestinal. Foi ainda obser-
vado que a prevalência de lesões pré-neoplásicas é três vezes
maior em indivíduos acima de 40 anos quando comparada com
os menores de 40 anos.6

113
Estudos populacionais
A detecção e seguimento de pacientes portadores de lesões
gástricas pré-malignas (gastrite atrófica, metaplasia intestinal e
displasia) poderia, potencialmente, favorecer o diagnóstico pre-
coce e, assim, o tratamento mais adequado do câncer gástrico.
Estudos populacionais têm sido realizados para quantificar o ris-
co dessa neoplasia em pacientes portadores de lesões gástricas
pré-malignas no mundo ocidental. Em 2008, uma coorte realiza-
da na Holanda com 92.250 portadores de lesões pré-malignas
estimou os seguintes riscos para desenvolvimento de câncer
gástrico, dentro de um período de dez anos após o diagnósti-
co inicial: 0,8% para portadores de gastrite atrófica; 1,8% para
portadores de metaplasia intestinal; 3,9% para portadores de
displasia leve a moderada e 32,7% para aqueles portadores de
displasia de alto grau.3
Em 2015, uma coorte realizada na Suécia analisou 405.172 in-
divíduos que foram submetidos à biópsia gástrica por indicações
não malignas no período de 1979 a 2011. Os achados obtidos
permitiram predizer, no período de análise, que 1/256 pacientes
com mucosa gástrica normal, 1/85 com gastrite crônica, 1/50
com gastrite atrófica, 1/39 com metaplasia intestinal e 1/19
com displasia desenvolverão câncer gástrico dentro de 20 anos
após a identificação dessas lesões.7 Tais achados sugerem que
a implantação de seguimento endoscópico em pacientes com
lesões pré-malignas acentuadas poderia reduzir a mortalidade
por câncer gástrico se a análise de custo-benefício se mostrar
favorável para determinada população.

Sistemas histológicos para estadiamento das gas-


trites
Com o objetivo de proporcionar informações prognósticas/
terapêuticas úteis na condução de pacientes portadores de le-
sões gástricas pré-neoplásicas têm sido desenvolvidos sistemas

114
histológicos para estadiamento das gastrites nessa situação. Em
2007, foi desenvolvido o sistema OLGA (Operative Link for Gas-
tritis Assessment) baseado na presença, extensão e topografia
(antro e/ou corpo gástrico) das alterações atróficas8 (Tabela 1 e
Figura 1).
Pacientes classificados como estágio III ou IV são conside-
rados de alto risco para desenvolvimento de câncer gástrico.

Tabela 1. Sistema OLGA (Operative Link for Gastritis


Assessment)

Corpo
Escore de Ausência de Atrofia Atrofia Atrofia
Atrofia atrofia leve moderada intensa
(Escore 0) (Escore 1) (Escore 2) (Escore 3)

Sem atrofia Estágio 0 Estágio I Estágio II Estágio II


(Escore 0)
Antro Atrofia leve Estágio I Estágio II Estágio II Estágio III
(Escore 1)
Atrofia Estágio II Estágio II Estágio III Estágio IV
moderada
(Escore 2)
Atrofia intensa Estágio III Estágio III Estágio IV Estágio IV
(Escore 3)

Atrofia: perda de glândulas próprias (com ou sem metaplasia).


Atrofia é graduada em dois diferentes compartimentos gástri-
cos: mucosa antral e mucosa oxíntica (corpo e fundo gástrico),
em escala 0 a IV, de acordo com a escala visual analógica do
Sistema Sydney de Classificação das Gastrites, atualizado em
Houston.3 O estadiamento resulta da combinação de alterações
atróficas encontradas em ambos os compartimentos. (Adaptado
de ref. 8)

115
Figura 1. Fotomicrografias (10x, hematoxicilina-eosina) de dife-
rentes estágios do sistema OLGA

a) Mucosa gástrica do corpo apresentando fovéolas e glândulas íntegras. Ausência de infil-


trado inflamatório (OLGA 0); b) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia glandular
discreta. Presença de infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear (OLGA I); c)
Mucosa gástrica antral apresentando atrofia glandular discreta/moderada, presença de dis-
creto infiltrado inflamatório mononuclear (OLGA II); d) Mucosa gástrica antral apresentans-
do atrofia glandular moderada/intensa, presença de discreto infiltrado inflamatório mono-
nuclear (OLGA III); e) Mucosa gástrica antral apresentando atrofia glandular intensa (OLGA
IV).

O sistema OLGIM (Operative link for Gastric Intestinal Metapla-


sia Assessment) é também baseado no mesmo conceito, mas con-
sidera apenas a presença, extensão e a topografia da metaplasia
intestinal na mucosa examinada.9 (Tabela 2 e Figura 2).

116
Tabela 2. Sistema OLGIM (Operative Link for Intestinal Meta-
plasia)

Corpo
Escore de Ausência de Metaplasia Metaplasia Metaplasia
metaplasia metaplasia intestinal intestinal intestinal
intestinal intestinal leve moderada intensa
(Escore 0) (Escore 1) (Escore 2) (Escore 3)

Ausência de Estágio 0 Estágio I Estágio II Estágio II


metaplasia
intestinal
(Escore 0)
Metaplasia Estágio I Estágio II Estágio II Estágio III
Antro intestinal leve
(Escore 1)
Metaplasia Estágio II Estágio II Estágio III Estágio IV
intestinal
moderada
(Escore 2)
Metaplasia Estágio III Estágio III Estágio IV Estágio IV
intestinal
intensa
(Escore 3)

Metaplasia intestinal é graduada em dois diferentes com-


partimentos gástricos: mucosa antral e mucosa oxíntica (cor-
po e fundo gástrico), em escala 0 a IV, de acordo com a escala
visual analógica do Sistema Sydney de Classificação das Gastri-
tes, atualizado em Houston.3 O estadiamento resulta da com-
binação de alterações metaplásicas encontradas em ambos os
compartimentos (Adaptado de ref. 9).

117
Figura 2. Fotomicrografias (10x, Hematoxicilina-eosina) de
diferentes estádios do sistema OLGIM

f) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia moderada e ausência de metaplasia intes-


tinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM
0); g) Mucosa gástrica do corpo apresentando atrofia glandular moderada e focos de meta-
plasia intestinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria
(OLGIM I); h) Mucosa gástrica antral apresentando áreas ocupadas por glândulas com meta-
plasia intestinal. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria
(OLGIM II); i) Mucosa gástrica antral apresentando extensas áreas de metaplasia intestinal.
Presença do infiltrado inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM III); j)
Mucosa gástrica quase totalmente ocupada por metaplasia intestinal. Presença do infiltrado
inflamatório mononuclear discreto na lâmina própria (OLGIM IV).

Sistemas OLGA e OLGIM: análises de desempenho


A análise do desempenho dos sistemas OLGA e/ou OLGIM
como protocolo histopatológico capaz de aumentar o rendi-
mento de detecção de lesões pré-neoplásicas tem mostrado
resultados promissores. Em 2018, Yue H et al.10 realizaram re-
visão sistemática e meta-análise avaliando a associação entre
sistemas OLGA e OLGIM e o risco de câncer gástrico, bem como
a força dessa associação. Foram analisados 2.700 pacientes in-
118
cluídos em seis estudos caso-controle (sistema OLGA usado em
todos e sistema OLGIM em três) e duas coortes (uma incluindo
sistema OLGA e outra sistema OLGIM). Em relação ao sistema
OLGA, a análise dos estudos de coorte revelaram que indivídu-
os estadiados como de alto risco apresentaram risco 27,7 vezes
maior de desenvolver câncer gástrico em comparação com suas
contrapartes. A análise da única coorte analisando o sistema
OLGIM demonstrou que pacientes classificados como OLGIM
de alto risco apresentaram RR 16,67 (IC 95% 0,80-327,53) para
o desenvolvimento de câncer gástrico ou displasia gástrica. Em
relação aos estudos caso-controle, ao analisar o sistema OLGA
foi observado que, apesar de mostrar heterogeneidade signifi-
cativa, havia uma relação positiva entre pacientes classificados
como OLGA de alto risco e câncer gástrico (OR 2,64; IC 95%
1,84-3,79; p < 0,00001). A análise dos estudos caso-controle
pelo sistema OLGIM também mostrou risco de câncer gástrico
significativamente maior nos indivíduos classificados como OL-
GIM de alto risco (OR 3,99; IC 95% 3,05-5.21; p < 0,00001) e
sem heterogeneidade significativa. Os autores concluem que o
acompanhamento próximo e frequente de pacientes classifica-
dos como OLGA ou OLGIM de alto risco é necessário para possi-
bilitar o diagnóstico precoce do câncer gástrico.
Duas coortes recentes têm, também, analisado o papel dos
sistemas OLGA e OLGIM no paralelismo entre a intensidade das
lesões pré-neoplásicas e o risco de desenvolvimento de câncer
gástrico.
Rugge M et al.,10 em 2018, na Itália, acompanharam 7.436 pa-
cientes submetidos à endoscopia digestiva alta devido a queixas
dispépticas. Foi feita avaliação histológica segundo o sistema
OLGA (OLGA 0: 80%, OLGA I: 12,6%, OLGA II: 4,3%, OLGA III:
2,0% e OLGA IV: 0,3%) e os pacientes foram seguidos por um pe-
ríodo mediano de 6,6 anos. 28/7.436 pacientes incluídos no es-
tudo desenvolveram lesões neoplásicas: 17 pacientes com dis-
plasia de baixo grau, quatro com displasia alto grau e sete com

119
câncer gástrico. De acordo com o estadiamento OLGA quando
da inclusão no estudo, 1/28 casos de neoplasia gástrica estava
classificado OLGA 0, 2/28 pacientes como OLGA I, 3/28 pacien-
tes como OLGA II, 17/28 pacientes como OLGA III e 5/28 como
OLGA IV. Análise multivariada do estudo incluindo sexo, idade,
presença de H. pylori e sistema OLGA determinados quando da
admissão no estudo revelou, dentre estas variáveis, apenas o
sistema OLGA como preditor de progressão neoplásica: OLGA
III: HR: 712,4 (IC 95% 92,543-5484,5) e OLGA IV: HR 1450,7 (IC
95% 166,7-12626,0).
Em 2019, Den Hollander WJ et al.12 analisaram, prospectiva-
mente, 279 pacientes holandeses e noruegueses incluídos no
estudo por apresentarem, à endoscopia digestiva alta, evidên-
cias histológicas de gastrite atrófica, metaplasia intestinal e/ou
displasia da mucosa gástrica e estadiados segundo o sistema OL-
GIM. Após um período de seguimento médio de 57 meses, 4/279
(1,4%) pacientes desenvolveram adenoma/displasia de alto grau
ou câncer gástrico, sendo um paciente excluído por apresentar
neoplasia já no primeiro exame de seguimento. Os autores con-
cluem que, mesmo em regiões de baixa incidência de câncer gás-
trico, programas de seguimento são capazes de detectar câncer
gástrico em estágios potencialmente curáveis, com risco de pro-
gressão neoplásica de 0,3% ao ano.

Sistema OLGA ou OLGIM?


Estudos comparativos entre os sistemas OLGA e OLGIM no
estadiamento das lesões pré-neoplásicas gástricas e sua pro-
gressão para o câncer gástrico têm sido avaliados. Ambos foram
desenvolvidos a partir do Sistema Sydney para classificação e
graduação das gastrites que é dependente dos achados histopa-
tológicos provenientes de biópsias endoscópicas. Uma das limi-
tações atribuídas ao sistema OLGA está relacionada ao fato de
que seu principal parâmetro é a intensidade e extensão da gas-
trite atrófica, com estudos de patologistas norte-americanos e

120
europeus mostrando que a concordância interobservador é bai-
xa, mesmo com a utilização de escala visual analógica.
Por outro lado, o sistema OLGIM, ao propor o emprego da me-
taplasia intestinal, o passo seguinte da cascata de Pelayo Correa
para o desenvolvimento do câncer gástrico,13 oferece um mar-
cador mais facilmente identificável na mucosa gástrica e, conse-
quentemente, com maior concordância interobservador.
Isajevs S et al.,14 em 2014, compararam a concordância
interobservador entre patologistas gerais e patologistas espe-
cializados em doenças gastrointestinais no estadiamento das
gastrites pelos sistemas OLGA e OLGIM em 835 pacientes. O
sistema OLGIM proporcionou a maior concordância interobser-
vador, porém foi observado que uma proporção substancial de
indivíduos de alto risco não seria detectada se apenas o sistema
OLGIM fosse adotado.
Em 2018, Mera RM et al.,15 em estudo de seguimento por até
16 anos de 795 pacientes portadores de lesões pré-neoplásicas
gástricas, confirmaram que a probabilidade de progressão para
câncer gástrico era significativamente maior para os pacientes
com lesões avançadas (III ou IV) por ambos sistemas, porém na-
queles estadiados como OLGIM de alto risco o risco de progres-
são foi duas vezes maior que aquele observado nos pacientes
estadiados como de alto risco pelo sistema OLGA.
Estudo recente, realizado por nosso grupo, em Belo Horizon-
te,16 mostrou concordância de 85,4% e discordância de 14,6%
entre as classificações de baixo e alto risco, pelos sistemas
OLGA e OLGIM em pacientes portadores de gastrite crônica. O
emprego simultâneo de ambos os sistemas de classificação his-
tológica permitiu a identificação adicional de pacientes no grupo
de alto risco. Tais achados coincidem com aqueles observados
em meta-análise recente10 e estudo europeu12 sugerindo que,
embora o sistema OLGIM proporcione uma identificação mais
fácil da metaplasia intestinal e uma melhor reprodutibilidade in-

121
terobservador, ele deixa de identificar um número apreciável de
pacientes de alto risco. Assim sendo, é sugerido por esses estu-
dos que, para uma predição acurada do risco de câncer gástrico,
ambos os sistemas devam ser empregados, simultaneamente, na
prática patológica diária.

Recomendações de seguimento
Várias diretrizes de vigilância endoscópica têm sido elabora-
das para orientar a melhor forma de seguimento de pacientes
portadores de infecção por H. pylori e lesões pré-neoplásicas
gástricas, sendo a erradicação da bactéria a providência inicial.
Em 2018, o IV Consenso Brasileiro sobre a infecção por H.
pylori17 sugere que o estadiamento das lesões pré-neoplásicas
deve ser baseado, no mínimo, em 4 fragmentos de biópsias en-
doscópicas (duas no antro e duas no corpo) para o estadiamen-
to histológicos das gastrites. Pacientes estadiados como OLGA/
OLGIM III ou IV deverão ser submetidos a seguimento endoscó-
pico a cada 2 anos. Mais recentemente, os guidelines promovidos
pelas sociedades europeia4 e norte-americana18 recomendaram
o emprego dos sistemas de estadiamento das gastrites, com al-
gumas peculiaridades.
Em 2019, o guideline para o manuseio de condições e lesões
pré-neoplásicas no estômago promovido pelas sociedades euro-
peias de endoscopia gastrointestinal, Helicobacter pylori e pato-
logia4 (Figura 3) recomenda que pacientes com atrofia discreta
ou moderada restrita ao antro (OLGA I ou II) não necessitam
seguimento endoscópico. Pacientes com metaplasia intestinal
mesmo restrita a uma única localização (antro ou corpo), porém
com antecedentes de história de câncer gástrico em familiares
de primeiro grau, diagnóstico histológico de metaplasia intes-
tina do tipo incompleta é sugerido o seguimento endoscópico
a cada 3 anos. Aqueles estadiados como OLGA e/ou OLGIM III
ou IV deverão fazer seguimento a cada 1-2 ou 3 anos, na depen-
dência da presença ou não de história familiar e/ou metaplasia
122
intestinal incompleta. Para os pacientes que apresentem displa-
sia gástrica sem lesão endoscopicamente visível é recomendada
realização de endoscopia de alta resolução com cromoendosco-
pia e, na dependência da classificação histológica da displasia,
seguimento a cada 6 ou 12 meses. Nas displasias gástricas com
lesão visível à endoscopia procede-se ao estadiamento e ressec-
ção com seguimento anual. Em relação à subtipagem da meta-
plasia intestinal, em completa e incompleta, o consenso europeu
ainda não a considera rotineiramente recomendada devido a
dificuldades técnicas e/ou operacionais. Entretanto, caso tenha
sido descrita, deve ser considerada na definição do seguimento,
como fator de risco mais importante de progressão ao câncer
que aquele observado com a metaplasia do tipo completa. Por
fim, é salientada a grande importância do exame endoscópico de
alta definição com o emprego de novas tecnologias, como a cro-
moendoscopia, para não apenas aumentar a acurácia diagnósti-
ca do exame endoscópico para as lesões pré-neoplásicas, como
também para possibilitar a realização de biópsias dirigidas para
regiões suspeitas da presença de gastrite atrófica e/ou metapla-
sia intestinal e/ou displasia gástrica.

123
Figura 3. Como fazer o seguimento dos pacientes e até quando?

Exame endoscópico preferencialmente com aparelho de alta resolução com cromoscopia e biopsias
dirigidas OU no mínimo duas biopsias de antro e corpo, pequena e grande curvatura

Erradicação H. pylori sempre que presente

Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia Pacientes com displasia


intestinal (MI)

Reavaliação endoscópica em centro de


referência com aparelho de alta resolução com
cromoscopia
Atrofia leve ou MI apenas ou Atrofia ou MI
moderada ape- MI apenas no tanto no antro
nas no antro corpo como no corpo

Lesão visível?

Não Sim
História de câncer História de
gástrico em familiar 1º câncer gástrico
grau, MI incompleta, em familiar 1º
gastrite autoimune ou Endoscopia de alta Estadiar e
grau
infecção persistente HP resolução com cro- ressecar
moscopia em 6 meses
para displasia de alto
grau e em 12 meses para
displasia de baixo grau
Não Sim Não Sim

Na ausência de lesão
visível re-estadiar a
gastrite e adequar o
seguimento

Sem Seguimento Seguimento preferencialmente com endoscópicos de alta resolução com cro-
moscopia e biopsias dirigidas

A cada 3 anos A cada 1-2 anos A cada ano

Adaptado de Pimentel-Nunes et al, 2019.4

Em 2020, a Sociedade Americana de Gastroenterologia (AGA)


publicou seu guideline sobre o manuseio de pacientes portado-
res de lesões pré-neoplásicas18 que vem sendo motivo de várias
124
controvérsias e críticas. Em decorrência da inexistência de en-
saios clínicos randomizados demonstrando que a vigilância en-
doscópica das lesões pré-neoplásicas reduz o risco de desenvol-
vimento do câncer gástrico, o guideline da AGA não recomenda
o seguimento endoscópico de rotina em pacientes com metapla-
sia intestinal e sugere que a decisão seja compartilhada com o
paciente. Tal recomendação contrasta com outros guidelines que
se baseiam em vários estudos observacionais como acima discu-
tidos indicando que o estadiamento e seguimento de portadores
de lesões pré-neoplásicas reduzem o risco de desenvolvimento
de câncer gástrico avançado, uma vez que proporcionam diag-
nóstico e intervenção precoce de lesões malignas. Outro aspec-
to importante também divergente de outros consensos é que,
ao invés de recomendar a vigilância endoscópica a todos pacien-
tes com atrofia gástrica avançada, o guideline norte-americano
considera seguimento apenas para aqueles portadores de meta-
plasia intestinal e, ainda assim, em decisão compartilhada entre
o médico e o paciente. Tais diferenças têm sido interpretadas
como consequentes aos critérios metodológicos adotados, às
peculiaridades do sistema de saúde americano e os potenciais
encargos econômicos. Novos estudos são necessários, mormen-
te vistos os estudos recentes sugerindo aumento da incidência
de câncer gástrico em países de baixa incidência, inclusive adul-
tos jovens nos EUA e Europa.19

Lesões pré-neoplásicas e biópsia sorológica


Como alternativa para avaliação não invasiva da presença de
lesões pré-neoplásicas gástricas tem sido avaliado a performan-
ce de painel sorológico composto dos biomarcadores Pepsino-
gênio I (PGI), Pepsinogênio II (PGII), Gastrina-17 (G17) e sorolo-
gia qualitativa (IgG) para H. pylori, acrescido da análise da razão
PGI/ PGII obtida por essas determinações. Os resultados encon-
trados têm mostrado resultados variáveis.
Em estudo de meta-análise realizado, em 2017, Zagari RM et

125
al.20 analisaram 20 estudos incluindo 4.241 pacientes e obser-
varam sensibilidade de 74,7% (IC 95% 62-84,3) e especificidade
de 95,6% (IC 95% 92,6-97,4) do painel sorológico para identifi-
cação de pacientes portadores de gastrite crônica atrófica. Es-
tudo de revisão semelhante para análise de acurácia do painel
sorológico, realizado em 2016, incluindo 27 artigos, identificou
sensibilidade de 53,8% (IC 95% 49,9-59,5%) e especificidade de
84,1% (IC 95% 71,3-91,9) do método para identificação de gas-
trite crônica atrófica.21
Uma terceira meta-análise, de 2015, avaliou 31 estudos visan-
do identificar a acurácia do teste de pepsinogênios em pacientes
portadores de gastrite crônica atrófica e câncer gástrico encon-
trou sensibilidade de 69% (IC 95% 55-88) e especificadade de
88% (IC 95% 77-94) do teste de pepsinogenicos na identificação
de pacientes portadores de gastrite crônica atrófica.22
Estudo nacional recente16 avaliando 41 pacientes portadores
de lesões pré-neoplásicas associadas à infecção por H. pylori,
encontrou 24 classificados histologicamente como OLGA e OL-
GIM de baixo risco e 17 como OLGA e/ou OLGIM de alto risco.
Os biomarcadores PGI, relação PGI/PGII e G17, analisados iso-
ladamente ou em conjunto, apresentaram acurácia inferior a
60% para o diagnóstico de lesões pré-neoplásicas na população
estudada. Assim, novos estudos são ainda necessários para vali-
dação de seu uso na prática clínica no Brasil.

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128
IRA DE GAST
ILE RO
AS

BR

EN
FEDERAÇÃO

TER
OLOGIA
DOI: 10.222288/978658847501000009

CAPÍTULO 9 1949

Manifestações extradigestivas
da infecção pelo Helicobacter
pylori
Schlioma Zaterka

Introdução
A infecção pelo Helicobacter pylori (H. pylori) é bastante fre-
quente, ocorrendo em cerca da metade da população mundial,
sendo mais frequente nos países subdesenvolvidos, particular-
mente nas populações de baixo nível socioeconômico. A gastrite
crônica superficial consequente à infecção pela bactéria se res-
tringe inicialmente ao antro, o seu nicho ecológico; nesta situa-
ção, 10% a 15% dos infectados correm o risco de desenvolver
úlcera gastroduodenal. Com a migração da bactéria para o corpo
gástrico e a inflamação resultante de sua presença, estabelece-
-se uma pangastrite e risco de adenocarcinoma do estômago em
1% a 2% dos infectados. A úlcera gastroduodenal e o adenocar-
cinoma são considerados como as principais afecções decorren-
tes da infecção pelo H. pylori. No entanto, não são somente o es-
tômago e o duodeno os alvos da infecção pelo Helicobacter, tema
que abordaremos a seguir.
O primeiro relato da associação entre o Helicobacter pylori e
afecções extragástricas foi feito por Mendall e col. em 1994.1
Desde então, várias observações na literatura têm se referido
a manifestações extradigestivas potencialmente associadas ao
Helicobacter.
129
Vamos nos reportar às seguintes:
• Neurológicas
• Dermatológicas
• Hematológicas
• Oculares
• Cardiovasculares
• Metabólicas
• Alérgicas
• Hepatobiliares

Doenças neurológicas
Várias doenças neurológicas podem estar relacionadas com
a infecção pelo Helicobacter, como acidente vascular isquêmico
(AVC), Parkinson, Alzheimer, Esclerose Múltipla, ainda que os
dados da literatura sejam conflitantes.
Um estudo de coorte prospectivo, realizado em 2013, incluin-
do 9.885 indivíduos que tiveram AVC, mostrou não só que não
havia qualquer relação entre a infecção pelo H. pylori e a ocor-
rência de AVC, mas que a mortalidade nos infectados era menor
que na população em geral.2 Contrariamente, Wang e col. mos-
traram uma relação positiva entre a ocorrência de AVC e infec-
ção crônica pelo H. pylori CagA+.3
Um estudo realizado em Israel, por Schindler-Itskovitch,4 uti-
lizando dados da segunda maior instituição de seguro de saúde
de Israel, analisou uma possível ligação entre a infecção pelo H.
pylori, úlcera gastroduodenal e AVC. De 147.936 indivíduos que
realizaram o teste respiratório para verificar a presença do H.
pylori entre 2002 e 2016, 76.965 (52,0%) mostraram ser positi-
vos para a presença da bactéria, 60,7% eram mulheres.
Durante o período de estudo ocorreram 1.397 casos de AVC

130
(0,9%). Após ajustar os dados para todos os possíveis fatores de
risco para AVC (sexo, idade, país de nascimento, obesidade, hi-
pertensão, fibrilação auricular, diabetes mellitus, dislipidemia e
estado socioeconômico), a infecção pelo H. pylori mostrou estar
significativamente relacionada com a ocorrência de AVC (OR
1,16: IC 95% 1,04-1,20). Desconhecemos o exato mecanismo
pelo qual o H. pylori aumenta o risco de AVC. Aumento expres-
sivo dos mediadores inflamatórios envolvidos na cascata que
resulta na coagulação com ativação das plaquetas é um dos me-
canismos sugeridos.5
Várias observações na literatura mostram uma relação entre
o H. pylori e a doença de Alzheimer (DA). Huang e col.6 relataram
que pacientes infectados pelo H. pylori têm um risco seis vezes
maior de desenvolver Alzheimer. Kontouras e col.,7 em publica-
ção de 2016, mostraram que pacientes com DA infectados pelo
H. pylori têm um aumento expressivo no polimorfismo da apo-
lipoproteína E4 (Apo 4), o mais importante marcador genético
para o risco de DA. Observação anterior do mesmo autor (2009)8
mostrou altos níveis de anticorpos anti-IgG H. pylori no líquido
cérebro-espinhal e no soro de pacientes com DA quando com-
parados com indivíduos normais. Uma das possíveis explicações
para esta associação seria o acesso ao cérebro pelo H. pylori via
rota oronaso-olfatória, com consequente neurodegeneração. O
sentido do olfato pode estar reduzido em até 90% em pacientes
com DA, observando-se uma significativa atrofia do bulbo olfa-
tório nesses pacientes. Chang e col. observaram que a erradica-
ção do H. pylori retarda a progressão da doença.9
Apesar de todas essas observações favorecendo uma relação
entre a DA e a infecção pelo H. pylori, estudo japonês não confir-
mou essa associação.10
Enquanto a relação entre Esclerose Múltipla e a infecção pelo
H. pylori é controversa,11 tudo indica que a doença de Parkinson
(DP) tem íntima relação com a infecção pelo Helicobacter.

131
A DP é consequência da degeneração dos neurônios dopami-
nérgicos da substância nigra pars compacta do sistema ganglio-
nar basal. Dois estudos recentes confirmam a relação entre a in-
fecção pelo H. pylori e a DP, a meta-análise de Shen e col. (2017)12
avaliando 8 estudos, incluindo 33.125 participantes, e o estudo
populacional de Huang e col.13 realizado na Tailândia.
Esta última observação mostrou a relação da infecção pelo H.
pylori e DP em indivíduos > 60 anos. Além de aumentar o risco
de DP, a infecção pelo H. pylori interfere também na absorção da
L-dopa utilizada no tratamento da DP.14
Outra possível afecção relacionada com o Helicobacter seria a
síndrome de Guillain-Barré, uma neuropatia autoimune carac-
terizada pela paralisia progressiva dos membros, sendo os infe-
riores inicialmente comprometidos. Esta afecção pode compro-
meter os músculos respiratórios, com risco de vida. No entanto,
os pequenos números de casos nos estudos limitam demonstrar
uma real relação com a infecção pelo H. pylori.11

Doenças dermatológicas
A rosácea, a psoríase, a urticária crônica e a alopecia areata
são as afecções dermatológicas mais frequentes associadas à in-
fecção pelo H. pylori.

Rosácea
É uma dermatite facial crônica que se manifesta por eritema e
lesões cutâneas, caracterizadas pela dilatação dos capilares su-
perficiais. A infecção pelo H. pylori foi observada em 48,9% dos
pacientes contra 26,7% do grupo controle por Gravina e col., com
regressão parcial ou completa após a erradicação da bactéria em
96,9%.11 A manifestação papular responde melhor ao tratamen-
to de erradicação que a forma erimatosa.15 Segundo Gravina e
col.,11 todos os pacientes com rosácea devem ser submetidos a
pesquisa do H. pylori, que quando presente deve ser erradicado.

132
Psoríase
É uma doença inflamatória crônica de natureza autoimune,
não contagiosa. Sua relação com a infecção pelo H. pylori é con-
troversa.

Urticária crônica
Alguns investigadores relatam uma prevalência maior de H.
pylori em pacientes com urticária crônica. Campanati e col.,16
ainda que não tenham confirmado uma maior prevalência da in-
fecção pelo H. pylori em pacientes com urticária crônica, cons-
tataram uma melhora significativa das lesões cutâneas após a
erradicação da bactéria.

Alopecia areata
É uma afecção autoimune que resulta na queda de cabelos,
podendo se apresentar de forma variável nos diferentes
indivíduos. São poucos e discordantes os dados referentes à
associação da alopecia areata com a infecção pelo Helicobacter.
Um estudo iraniano relativamente recente encontrou relação
significativa entre a infecção pelo H. pylori e alopecia areata (OR
= 2,26; IC 95% 1,199-4,27).17

Doenças hematológicas
As principais doenças hematológicas relacionada com a in-
fecção pelo Helicobacter são: a anemia ferropriva de causa des-
conhecida, a trombocitopenia imune primária e a deficiência de
vitamina B12.

Anemia ferropriva de causa desconhecida


Quando afastamos todas as possíveis causas de anemia fer-
ropriva em um paciente infectado pelo Helicobacter pylori, todos
os consensos sobre a bactéria, como o Brasileiro,18 indicam a er-
radicação da bactéria. A primeira publicação sugerindo uma re-
133
lação entre o Helicobacter e a anemia ferropriva foi a de Becker
e col. em 1991; o autor descreve um caso de gastrite hemorrá-
gica relacionada à infecção pela bactéria, sugerindo esta rela-
ção. Posteriormente, cinco meta-análises concluíram que existia
uma relação significativa entre a anemia ferropriva e a infecção
pelo H. pylori.11 Hershko e col.19 demonstraram que 64%-75%
dos pacientes com anemia ferropriva infectados pelo H. pylori se
recuperam totalmente após a erradicação da bactéria.

Trombocitopenia imune primária


A trombocitopenia imune primária, anteriormente denomi-
nada púrpura trombocitopênica idiopática (ITP), é uma doença
autoimune caracterizada por plaquetopenia isolada, na ausência
de outras causas. O primeiro caso foi descrito por Garcia Perez
e col.20 na Espanha em 1999. Estudos realizados na Itália mos-
tram um significativo aumento do número de plaquetas, de 32%
a 100% após a erradicação da bactéria.11 O mecanismo envolvi-
do na plaquetopenia induzida pelo Helicobacter é multifatorial.11
Deficiência de vitamina B12
A vitamina B12 é uma coenzima envolvida em várias reações
importantes no corpo humano, que resulta na síntese do DNA.
Uma revisão sistemática realizada por Lahner e col.,21 incluindo
17 estudos, num total de 2.454 pacientes, mostrou uma clara
correlação entre a infecção pelo H. pylori e níveis séricos baixos
de vitamina B12. O mecanismo pelo qual o Helicobacter interfere
nos níveis de vitamina B12 é desconhecido.

Doenças oculares
Três afecções oculares têm sido associadas à infecção pelo H.
pylori: glaucoma, coriorretinite central e blefarite.11 Os dados re-
ferentes à associação com glaucoma são discordantes; no entan-
to, meta-análise de Zeng e col.,22 avaliando 10 estudos, sugere
uma associação entre glaucoma e infecção pelo H. pylori. A favor

134
desta real associação, Testerman e Morris23 mostraram signifi-
cativa redução da pressão intraocular nos pacientes que foram
erradicados quando comparados aos que não foram tratados.
A coriorretinite central causa uma redução da visão central,
acometendo em geral um único olho. Duas observações, a de Liu
e col.24 em 2016 e a de Cotticelli e col.25 confirmam essa associa-
ção.
As observações sobre a associação com blefarite são discor-
dantes na literatura.11

Doenças cardiovasculares
Os principais fatores de risco para as doenças vasculares is-
quêmicas são diabetes, obesidade, tabagismo., hipertensão ar-
terial, hipercolesterolemia com aumento do LDL e diminuição
do HDL e hiperlipemia. Processos infecciosos podem ocasionar
uma alteração do endotélio vascular, com a formação de placas
ateroscleróticas. As placas ricas em lípides são consideradas
¨moles¨, com o risco de se desprender, e no seu trânsito produzir
a obstrução de pequenos vasos, com isquemia resultante levan-
do ao infarto agudo isquêmico.
As observações na literatura são discordantes em relação à
associação de isquemia aguda, seja miocárdica ou cerebral e a
infecção pelo H. pylori. A primeira observação chamando a aten-
ção para o risco de infarto miocárdico em pacientes infectados
pelo H. pylori foi publicada em 1994 por Mendall e col.27 Estudan-
do 111 pacientes, ele observou uma relação altamente significa-
tiva na associação (OR-2,28). Observação bastante interessante
foi de Budzinsky. Este investigador demonstrou que pacientes
com angina miocárdica recorrente passaram a necessitar de um
número significativamente menor de internações após a erradi-
cação do Helicobacter.28 Algumas observações não encontraram
relação entre o risco de infarto do miocárdio e a infecção pelo H.
pylori, como a de Ikeda e col. no Japão.29

135
Os dois principais mecanismos sugeridos para a participação
do H. pylori no risco de isquemia miocárdica são contribuir na
formação da placa aterosclerótica e no espessamento da íntima
das coronárias.
As investigações sobre a participação do Helicobacter no AVC
também apresentam resultados conflitantes. Meta-análise de
Yu e col.,30 reunindo 10 estudos prospectivos observacionais,
não encontrou qualquer relação (OR = 0,96), enquanto um es-
tudo populacional de Huang e col., comparando 17.332 pacien-
tes H. pylori + e 6.928 controles incluídos em 1o de dezembro de
2000 e acompanhados até 31 de dezembro de 2010 mostrou
risco significativo de AVC nos infectados (14,8 vs. 8,45/1.000
pessoas ano).

Doenças metabólicas
A infecção pelo Helicobacter tem sido associada a alterações
no metabolismo da glicose e dos lipídeos. Algumas observações
na literatura relacionam a infecção pelo H. pylori com aumento
do colesterol e de triglicérides. Esta relação foi observada na po-
pulação finlandesa.11
Associação entre diabetes e infecção pelo Helicobacter foi
relatada na população chinesa em pacientes com > 65 anos. A
erradicação do Helicobacter favorece uma melhor resposta à in-
sulina nos pacientes a ela resistentes.
Gravina e col., em sua excelente revisão, chamam a atenção
para o fato dos dados na literatura não serem conclusivos quan-
to a uma possível relação entre a infecção pelo H. pylori e diabe-
tes.11

136
Doenças alérgicas
Observa-se uma relação inversa entre a infecção pelo H. pylo-
ri e doenças alérgicas. Várias observações na literatura e meta-
análises confirmam uma relação inversa entre a infecção pelo
H. pylori e asma.11 Blaser e col.32 mostraram uma relação inversa
não somente com a asma, mas também com outras doenças alér-
gicas em crianças e adolescentes; esta associação tem sido con-
firmada particularmente com as cepas CagA+. O Helicobacter, na
maioria dos casos, protege contra as afecções respiratórias, mas
a proteção depende dos linfócitos regulatórios T, proteção essa
totalmente abolida pela erradicação do Helicobacter.33 Associa-
ção inversa é observada entre o Helicobacter e rinoconjuntivite,
rinite alérgica, dermatite tópica, urticária.34

Doenças hepáticas
A associação do Helicobacter com diferentes doenças hepá-
ticas, como esteatose hepática não alcoólica (NAFLD - Non Al-
coholic Fatty Liver Disease), hepatite viral e hepatocarcinoma
vem sendo discutida há muitos anos. Os genes do H. pylori têm
sido identificados com frequência em amostras de hepatocarci-
nomas ressectados, mas até o momento não há evidência direta
de que o H. pylori promova o hepatocarcinoma.35
A NAFLD é uma afecção que vem sendo diagnosticada com
frequência crescente, inclusive nos países asiáticos. O espectro
da doença vai desde uma simples esteatose até a esteato-hepa-
tite, que em geral é progressiva, podendo evoluir para a cirrose.
A patogênese da NAFLD é desconhecida. Uma das hipóteses su-
gere que citocinas inflamatórias oriundas de diferentes tecidos,
como o adiposo do aparelho digestivo, desempenhariam papel
central na cascata inflamatória. A associação do H. pylori com
NAFLD tem sido muito discutida na literatura, com resultados
contraditórios. Observação de Fan e col.,36 em 21.456 indivíduos
que realizaram check-up, não constatou relação entre a infecção
pelo H. pylori e NAFLD. No entanto, diferentes investigações11
137
mostram associação entre a infecção pelo H. pylori e NAFLD.
Um estudo populacional realizado na China, incluindo 20.389
indivíduos, dos quais 7.848 eram Helicobacter + (teste respira-
tório com C13), mostrou que a prevalência do Helicobacter foi
significativamente maior nos pacientes com NAFLD (41,25% vs
36,85%, p < 0,001).37 Chen e col. mostraram que a infecção pelo
H. pylori agrava a intensidade da NAFLD.38

Conclusões
Evidências na literatura suportam uma associação do Helico-
bacter pylori com anemia ferropriva de etiologia desconhecida,
trombocitopenia imune primária e deficiência de vitamina B12.
Nessas situações, a erradicação da bactéria está indicada. Em-
bora contraditória, a associação do Helicobacter pylori com do-
enças isquêmicas cardiovasculares e cerebral, dermatológicas,
neuro degenerativas e hepáticas, alguns estudos recomendam
a erradicação da bactéria por diminuir o risco ou os sintomas
decorrentes da afecção. Ainda que contraditória a necessidade
da erradicação nessas situações, ponderem, o tratamento de er-
radicação é eficaz e barato e pode contribuir beneficamente ao
paciente.

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6502913 – LIVRO FAPEGE FBG

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