No capítulo 1, educação de surdos: percursos históricos, o autor ressalta o objetivo desta
unidade que é, mapear o contexto histórico que constituiu a educação de surdos traçando diferentes percursos para tal fim. Segundo o autor, os interesses religiosos, econômicos e jurídicos eram os elementos que subsidiavam e justificavam a educação dos nobres surdos, para que viessem a ganhar o estatuto necessário à sua condição socioeconômica, isso implicava que lhes fosse ensinado um conteúdo mínimo a ser demonstrado em sessões públicas através da fala ou pela escrita. Essas capacidades intelectuais desenvolvidas nos surdos, entendidas como mínimas, eram necessárias para que as famílias nobres pudessem lidar com questões de heranças e demais bens, pois de outra forma os filhos surdos não obteriam o reconhecimento jurídico necessário para que viessem a responder por questões legais e financeiras. Os filhos surdos de nobres deveriam, então, aprender a falar, a ler, a escrever, a fazer contas, a rezar, a assistir missa e confessar-se fazendo uso da palavra falada, tornando-se um modelo a ser seguido por sua educação e posição. A visibilidade que a palavra falada conferia aos surdos nobres embasava e justificava os procedimentos aos quais eram submetidos, que visavam a cura da deficiência e o controle do corpo por meio de terapias da fala e rígidos processos de “normalização” e de disciplinamento. Na Espanha, o pedagogo Pedro Ponce de Leon, atuou na educação dos nobres surdos, onde investiu esforços no ensino de surdos para demonstrar que os mesmos eram capazes de desenvolver suas faculdades mentais. Contudo, foi na França no século XVIII que a educação pública para surdos começou a ser consolidada, juntamente com uma comunidade que se articulou ao redor da primeira escola fundada em 1761, em Paris, denominada Instituição Escolar Imperial. A língua de sinais passou a ser reconhecida e utilizada tanto como forma de comunicação apropriada para a educação de surdos quanto nos procedimentos pedagógicos, servindo de base para uma pedagogia especial, da qual a religião, a moral e a língua nacional constituíam o núcleo do currículo. A principal função da língua de sinais era servir como prova, em “espetáculos” públicos, de que os surdos eram capazes de adquirir alguns conhecimentos, mesmo que simplesmente memorizados, e de desenvolver a escrita, entendida como indiscutivelmente superior em relação à língua de sinais. O método desenvolvido por l’Épée marcou um momento decisivo na educação de surdos, sendo o responsável pela fundação das bases do ensino bilíngue. Seu método ia da língua escrita à língua oral e não ao contrário, como era usual nessa época. l’Épée fez da educação de surdos um assunto coletivo, considerando os surdos como seres capazes e inteligentes, favorecendo seu reagrupamento e, através disto, a expansão da língua e da cultura surda. No final do século XVIII, as instituições que permitiam o uso e a circulação da língua de sinais passaram a proibir qualquer tipo de manifestação viso-gestual. A língua de sinais foi sendo obscurecida e o convívio com tutores e professores surdos adultos, proibido. Após a Revolução Francesa, o Estado assumiu para si a responsabilidade pela educação de todas as crianças, definindo como objetivo principal o acesso à cidadania. Essa decisão não agradou a todos, sendo julgada por diferentes perspectivas que, apesar de algumas divergências, de uma forma geral, partilhavam a noção de que não havia motivos suficientes para se investir na educação de sujeitos incapazes. Em decorrência dessas circunstâncias, as prioridades na educação de surdos mudaram, todo o trabalho desenvolvido até então, em relação aos sinais, foi desconsiderado, e a fala tornou-se imprescindível para inserir o surdo “cidadão e trabalhador” nesse novo contexto social. Tendo como prioridade a evolução do sujeito aprendiz, no final do século XVIII, o corpo e a higiene do estudante surdo mudo adquiriram grande importância e visibilidade. Em 1818, a ginástica foi introduzida no Instituto Nacional de Paris. No projeto ortopédico destinado aos surdos, a ginástica teve um papel fundamental, sendo do tipo militar e, sobretudo, moral. Pensava-se que a ginástica possuía, na sua própria prática, princípios morais capazes de “desentortar” o corpo do surdo e de impedir manifestações de outras ordens. E quanto mais se obrigava os jovens surdos a se submeterem “[…] fisicamente a regras restritas – braços ao longo do corpo, marcha em fila indiana, mãos atadas às costas”, mais a impossibilidade de se comunicarem em língua de sinais, língua que se constrói prioritariamente no espaço significante do corpo inteiro, se fazia evidente. No decorrer do século XIX, diversos tipos de próteses auditivas foram inventados, seguidas, no século XX, pelas primeiras próteses elétricas, visando fazer com que os surdos entrassem de alguma forma no mundo sonoro. Seguindo os passos de Itard, primeiro médico e ortopedista da educação de surdos, e de Victor, primeiro sujeito desta ortopedia, a surdez passou a ser progressivamente inscrita no entrecruzamento da medicina e da educação. Itard marcou o início da patologização da surdez e, por considerá-la reversível, passou a buscar obstinadamente a sua cura. Os sinais aos quais L’Epée tinha dado status de língua de instrução foram gradativamente eliminados da educação de surdos, o método oral foi sendo imposto de forma cada vez mais forte, e, no final do século XIX, os sinais foram totalmente proibidos nas escolas. Em 1880, o Congresso de Milão constituiu um marco na educação dos surdos, que desde então passou a ser definida pelo modelo clinico terapêutico, destacando o modelo ouvinte como paradigma, e a língua na modalidade oral como objetivo principal, decretando a “extinção” da língua de sinais. Como consequência, criou-se um círculo de baixas expectativas pedagógicas em relação aos alunos surdos, ou seja, o educador já partia do princípio de que esses alunos possuíam limites naturais, e o fracasso era considerado uma consequência previsível. Ao longo dessa trajetória destacaram-se personagens e acontecimentos importantes para a história dos surdos. Pedro Ponce de León – reconhecido como o primeiro professor de surdos, Charles-Michael de L’Epée – elaborou um método denominado “signos metódicos”, combinando o francês à língua de sinais, Jean Marc Gaspard Itard – pai da otologia francesa e o fundador da psiquiatria para crianças, Thomas Hopkins Gallaudet – fundou a primeira escola para surdos dos Estados Unidos, disseminando a língua de sinais na educação desses sujeitos, Ernesto Hüet – surdo com conhecimentos em metodologia de ensino para surdos. A língua de sinais sobreviveu na sala de aula, nos pátios e corredores da escola até meados de 1957, quando foi severamente proibida. No Congresso de Milão em 1880, foi decretado a proibição da língua de sinais na educação dos surdos, impondo a superioridade do método oral no ensino e na vida dos surdos. Gerou um retrocesso em relação a tudo que vinha sendo desenvolvido na educação dos surdos baseada na língua de sinais. William C. Stokoe Jr. Professor emérito da Universidade Gallaudet, foi amplamente reconhecido como o precursor do estudo linguístico da língua de sinais. No Brasil, as primeiras instituições destinadas ao atendimento escolar dos portadores de deficiência surgiram na segunda metade do século XIX como uma iniciativa de Dom Pedro II, culminando com a fundação, em 1857, do Imperial Instituto de Surdos-mudos. Surdez e deficiência auditiva formaram um elo indissolúvel, por terem passado a serem olhadas prioritariamente através das lentes da medicina. Seguindo essa lógica, a educação de surdos foi encontrando subsídios em diferentes teorias e vertentes educacionais (ancoradas em doutrinas reabilitadoras), e a língua de sinais, em meio a todo esse movimento histórico, transitou entre distintas posições, sendo aceita, patologizada, negada, tolerada e, nos dias atuais, exaltada. Exaltada pela inclusão escolar, eleita nesse contexto como instrumento de integração e de aproximação da comunidade escolar com os surdos, e sendo utilizada pelas políticas inclusivas como elemento de acessibilidade dos alunos surdos à escola regular. O segundo capítulo tem como objetivo endereçar não só para aqueles que estão aprendendo língua de sinais, mas também para aqueles que começam a transitar nessa temática pela primeira vez, não tendo a pretensão de aprofundar discussões, mas de apresentar conceitos básicos sobre o tema. A Libras é composta por sinais que correspondem, em português, a palavras, entretanto não se trata simplesmente de uma substituição, uma palavra por um sinal correspondente, ela tem suas peculiaridades, além de ser independente da língua portuguesa. Para isso, cada sinal possui: uma configuração de mão (o formato que a mão, ou as mãos, tomam para realizar determinado sinal, sendo que a(s) mão(s) podem tomar outra configuração no fazer do sinal); um movimento (movimentação que a mão, ou ambas, devem fazer para sinalizar); uma locação (espaço onde a mão ou as mãos devem estar posicionadas para a sinalização); orientação (direção para a qual a mão ou as mãos se movimentarão) e expressões não manuais (expressão realizada pelo corpo ou pela face: olhos, sobrancelhas, boca etc.). Estes conceitos são abordados também para abranger o entendimento de que muitos dos sinais são icônicos, mas a língua de sinais não é mímica: mímica é imitação, expressão de pensamentos ou sentimentos através de gestos. No tópico língua e linguagem a autora diz que, a linguagem pode ser um sistema de comunicação humano ou não. Em que com relação a sistemas de linguagem utilizados por nós, seres humanos, podemos citar a linguagem do trânsito, que de forma alguma pode ser considerada uma língua, mas facilmente entendida como linguagem. E a própria língua é uma forma de linguagem. À primeira vista, a oficialização como língua pode parecer sem importância, porém tal status significou muito para os surdos brasileiros, quando, em 2002 por meio da Lei nº 10.436, passou-se a entender a Libras como uma forma de comunicação e expressão em que, o sistema linguístico de natureza visual- motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. No tópico língua e cultura um dos primeiros questionamentos que surgem quando nos deparamos com a expressão cultura surda é o que fez dela uma cultura, e é primordial que tenhamos definido tal conceito para posteriormente a enxergarmos como cultura surda. Trago Hoffmeister (2009), que justifica a transformação dos surdos em um grupo cultural pelo fato de serem pessoas “que veem”, por acessarem o mundo através da visão, tornando-os sujeitos de uma cultura, com seu modo de comunicação. O autor ressalta, ainda, o meio de comunicação visual-gestual como uma forma de opor-se à surdez e olhá-la, primeiramente, como diferença cultural. Cito Perlin para afirmar que “o surdo tem diferença e não deficiência” (PERLIN, 2001, p. 56). É o que nos faz reconhecer não a surdez, que olha primeiro para a deficiência de audição, mas a cultura surda, que enxerga primeiramente a diferença na língua falada por este sujeito, o sujeito surdo. No tópico línguas naturais, a autora ressalta que a Libras é a língua de sinais utilizada pelos surdos brasileiros, e em cada país uma língua de sinais diferente é utilizada: na Argentina, a língua argentina de sinais; na Bolívia, a língua boliviana de sinais; no Equador, a língua equatoriana de sinais. Notando que me referi, nos exemplos, a três países de língua espanhola, é crucial entender que línguas de sinais não são dependentes das línguas orais faladas no país de origem. Elas são línguas naturais dos surdos, não foram idealizadas a partir da língua oral. A autora diz ainda que espera, haver esclarecido conceitos geralmente obscuros para quem começa a transitar nas temáticas da surdez, tais como os conceitos de língua e linguagem, diferenças entre sinais e gestos, língua de sinais e mímica etc. E que em tempos em que se questionam como deve se dar a educação de surdos, é válido lembrar como foi a educação das pessoas ouvintes, infâncias cercadas por pessoas falantes de uma língua compreensível; nos primeiros anos escolares, alunos conversam entre si, já tendo um meio de comunicação estabelecido, mesmo que básico, quase todos têm suas línguas desenvolvidas devido ao contato com pessoas que falam a sua língua. Crianças surdas só podem adquirir a língua de sinais se alguém a souber, e o primeiro contato com pessoas fluentes em língua de sinais se dá na escola. A mesma ainda conclui o texto, afirmando ser “[…] apenas por meio da língua que entramos plenamente em nosso estado e cultura humanos, que nos comunicamos livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações”.