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Brigitte Montfort está vigiando uma espiã soviética.

De
repente, nossa deliciosa espiã internacional
desaparece e deixa a todos desesperados.
Os planos russos para explodir a compota do canal do
Panamá

© 1966 - LOU CARRIGAN


Publicado no Brasil pela Editora Monterrey
Digitalização: JVS 450126/450128
PRELÚDIO

Certos filmes da última fase hollywoodiana começam


violentamente, numa cena de impacto, agarrando pelos
cabelos a escassa atenção do espectador. Depois dos
primeiros dois ou três minutos de ação surgem os letreiros,
o título, o nome dos atores e diretores. Mas já então foi
gerado um clima de suspense muito necessário à densidade
da história.
Esta novela que vocês começam a ler agora também
segue o estilo novo de Hollywood. Atenção, senhores
espectadores:
Uma lancha pequena e discreta vai deslizando, motor
desligado, em direção à solitária baía de San Francisco de la
Caleta, nos arredores do Canal do Panamá. Pretende chegar
a um trapiche velho e abandonado, feito de pilares
escorregadios, tábuas bichadas, madeira roída pelo tempo,
um trapiche como tantos, cheirando a sal e iodo.
A bordo da lancha, dois personagens. Um homem forte,
de pistola em punho, e uma linda mulher loura, de grandes
olhos azuis precipitados sobre o mar. Curioso é que a
mulher, jovem e vigorosa, também está armada.
Ambos examinam com atenção, como se procurassem
uma presa, toda a paisagem em torno, desde o velho
trapiche até a praia, orlada de coqueiros, e a selva, ao fundo.
Não vêem, no entanto, o que procuram. Há outro par,
um homem e uma mulher metidos na água até o pescoço,
debaixo das tábuas do trapiche, entre os pilares arruinados.
Também estão armados, suas pistolas protegidas por sacos
plásticos especiais, atados aos pulsos, esses dispositivos que
permitem nadar e mergulhar com pistolas e revólveres e
sacá-los a qualquer momento, para uso instantâneo.
Do homem e da mulher que estão escondidos,
mergulhados na água, podemos dizer o seguinte: ele é um
tipo forte, ombros largos, tórax de atleta, uma espécie de
guarda-costas de alto coturno. Ela é morena, de olhos
também azuis, muito suave e agradável. Corpo bonito, pés e
mãos gentis. No fundo, também uma fêmea de ação, capaz
de acionar um gatilho com a mesma facilidade com que usa
o batom.
O leitor inteligente já terá reconhecido nesta última
heroína a nossa muito querida e virtuosa Brigitte Montfort,
a famosa agente internacional da CIA, repórter do “Morning
News” e mulher do mundo.
— Está preparada, Brigitte? — sussurrou o rapaz atlético
a seu lado, que não é outro senão um dos muitos agentes de
Pitzer.
— Estou, Simão! — disse a pequena, tranqüila. — Não
se preocupe comigo.
Enquanto isso, a lancha com o suspeito casal armado
vem se aproximando do trapiche.
— Vamos deixá-los desembarcar, Simão — murmurou
Brigitte.
— Claro! — concordou o rapaz. Se eles esperam um
ataque devem imaginá-lo vindo de terra; jamais de dentro
d’água, assim da nossa posição. Estou certo de que os
surpreenderemos.
Mas as cartas desta difícil jogada não estavam assim tão
bem marcadas quanto supunham Simão e Brigitte no seu
esconderijo. Um desses inexplicáveis pressentimentos fez a
mulher loura a bordo da lancha lançar um olhar mais
cuidadoso sob os pilares do trapiche. Teve um sobressalto e
chamou a atenção do seu companheiro:
— Olav! — disse ela, em voz muito baixa.
O homem inclinou-se para ela, inquieto, apertando ainda
mais a pistola na mão forte.
— Que há, Pavlova?
— Lá... Olhe debaixo do trapiche.
— Sim, parece que há alguém! Que vamos fazer agora,
minha querida Pavlova Maloief?
— É simples — observou, friamente, a loura. —
Aproximemos-nos um pouco mais. Quando eu levantar a
mão esquerda, como se fosse ajeitar o cabelo, você abre
fogo cerrado. Eu atiro em seguida. Mas não dê mostras de
haver percebido nada. Não olhe para o trapiche antes do
meu sinal. Esperemos que a lancha chegue bem perto. Não
podemos errar o alvo.
— Muito bem! — concordou Olav.
A lancha aproximou-se ainda mais. Pavlova Maloief já
distinguia com clareza as cabeças de Brigitte e Simão meio
escondidas entre os pilares. Mas fingia olhar a paisagem,
sem dar mostras do que percebera. De repente, levantou a
mão esquerda. A direita avançou, o dedo já acionando o
gatilho da pistola munida de silenciador. Olav também abria
fogo, como um desesperado.
Debaixo do trapiche começaram a formar-se vários
círculos concêntricos sobre a face das águas atingidas por
balas. Os vultos de Brigitte e Simão desapareceram nas
profundezas. Os círculos concêntricos iam aumentando,
lentamente, figurando o símbolo da morte.
Afinal, reinou o silêncio absoluto. A loura sorriu
satisfeita e disse:
— Podemos saltar agora, Olav. Os que estavam aí para
nos receber já devem ter chegado ao outro mundo. Que
apodreçam no inferno!
E pisaram em terra firme.

CAPITULO PRIMEIRO
“Baby” não responde,
e muitas pessoas importantes perdem a paciência

— Nenhuma notícia?
O agente da CIA de plantão no rádio moveu
negativamente a cabeça.
— Nenhuma, senhor.
— O rádio está funcionando bem? Tem certeza de que
não enguiçou?
O agente olhou de soslaio o inspetor Pitzer, cujo
nervosismo era evidente.
— Claro que funciona bem — resmungou.
— E por que não fala?
— Já disse que não veio qualquer mensagem, senhor!
Não recebemos nada! Nossos outros agentes do Panamá
informaram que Brigitte e o “Simão” que a auxilia, Albert
Darrell, desapareceram. Procuraram os dois por toda parte,
recorrendo a todos os meios. Parece que desta vez Brigitte e
seu Simão tiveram uma dificuldade.
O inspetor Pitzer empalideceu.
— Impossível. Impossível, Jess. Não era uma missão
muito difícil. Era coisa que Brigitte podia fazer com os
olhos vendados. Quanto ao Simão que lhe fornecemos desta
vez, Albert Darrell, é um dos nossos melhores homens em
serviço na América Central.
— Tudo o que posso dizer, senhor, é que “Baby” não
responde.
— Não posso acreditar — quase gemeu Pitzer. — Não é
pela missão, Jess. É porque...
Jess se permitiu um sorriso de simpatia.
— Sei, inspetor. Não esqueça de que também conheço
Brigitte. Quantas vezes respondi suas chamadas, do rádio
secreto de seu apartamento. Ela também me chama de
Simão, diz coisas amáveis e faz brincadeiras comigo. E
algumas vezes também veio comprar rosas aqui, para dar a
entender que somos mesmo floristas. Já me disse até que
me acha um sujeito “legal”. Faria qualquer coisa para ajudá-
la, se pudesse. Para conseguir escutar novamente sua voz.
Mas “Baby” não responde, inspetor.
Os dois ficaram muito tempo em silêncio, olhando
sombriamente o rádio transmissor-receptor. De repente,
ouviu-se uma chamada.
Pitzer nem tivera tempo de abrir a boca, já Jess atendia
febrilmente.
— Base do Tio Charlie à escuta! Câmbio.
— Aqui o sobrinho do Panamá, informando Tio Charlie.
— Adiante, adiante, sobrinho.
— O informe é breve: nada.
— Nada?
— Sentimos muito, Tio Charlie. “Baby” não responde.
— Não é possível! Ela tem de estar aí, perto de vocês,
em qualquer lugar.
— Certamente está perto, de nós. Mas não pode
responder. Procuramos por todo o Panamá, nas últimas
trinta horas. Consideramos inútil a continuação das buscas.
Pitzer apanhou furiosamente o microfone, empurrando
Jess e começando a falar.
— Aqui é o Tio Charlie em pessoa! — rugiu.
— Vou dar uma ordem, e quero que seja cumprida com
a máxima urgência.
— Senhor, fizemos o possível!
— Esta é a ordem: encontrem “Baby”! E depressa!
— Senhor, ela não responde...
— Quero que a encontrem, custe o que custar! E isto é
tudo!
Devolveu o microfone a Jess, deixando-o plantado no
rádio e, sem dar atenção aos argumentos de ‘seu “sobrinho
do Panamá”, saiu da sala como um vendaval.
***
Miky Grogan ficou olhando, sobressaltado, o homem
carrancudo, de gênio avinagrado, que entrou em seu
gabinete de trabalho sem se fazer anunciar.
— Pitzer! Que foi que houve? — perguntou o jornalista.
— Perdemos contato com Brigitte! — desabafou o
inspetor. — Será que você aqui no jornal tem alguma
notícia?
— Hum... Brigitte? No Panamá! Está no Panamá. Ë tudo
que sei. Aconteceu alguma coisa?
— Não teve notícias dela?
— Não, nenhuma. Quando. ela sai para alguma dessas
excursões que você lhe encomenda, nunca me dá
explicações. Pelo menos enquanto não considera oportunas.
Mas, aconteceu algo grave?
Pitzer desabou numa poltrona diante da mesa de Miky
Grogan, o diretor do “Morning News”. Acendeu, com mão
nervosa, um cigarro e dirigiu um olhar de brasa ao
jornalista.
— “Baby” não responde — declarou, com um suspiro.
— “Baby”? Não entendo — surpreendeu-se Grogan.
— Brigitte trabalhou muito tempo com seu nome
verdadeiro. Tempo demais, para sua segurança. A maioria
dos agentes da CIA tem nomes supostos, codificados, afim
de que nos dirijamos a eles sem quebrar seu anonimato.
Brigitte apelida todos os auxiliares, em qualquer parte do
mundo, de Simão. Então adotamos um apelido-chave para
ela.
— “Baby”? — murmurou Grogan, evocando na mente a
suave imagem de Brigitte.
— Exatamente. Hoje, qualquer agente secreto conhece o
nome codificado de seus colegas, para poder prestar-lhe
ajuda quando indicado. Pareceu-nos muito apropriado
apelidar Brigitte de “Baby”, dadas suas características.
hum... físicas. Sua doçura, sua beleza. Ela é realmente o que
se costuma chamar de “Baby”1, Grogan.
— Sei disto muito bem — suspirou Miky. — Mas não
entendo...
— Brigitte foi enviada ao Panamá para cumprir missão
rotineira. Estivemos em contato com ela e seu Simão. E de
repente ambos silenciaram.
— E isto significa tragédia? — Grogan empalideceu.
— Temo que sim.

1
Baby: palavra de origem inglesa que designa criança de colo. Também
usada como forma carinhosa ao se dirigir à pessoa muito querida. NA
Miky Grogan levantou-se e rumou para o barzinho que
havia a um canto de seu gabinete. Tirou uma garrafa da
estante e apanhou um copo na bandeja do balcão. Serviu
uma boa dose de uísque, “Cutty Sark”, sem oferecer ao
inspetor. Bebeu-a de um só gole. E pôs-se a olhar para
Pitzer, ambos pálidos.
— Quer um uísque?
— Não — grunhiu o inspetor. — Não quero beber. Vim
apenas saber se Brigitte não entrou em contato com você.
Era uma esperança desarrazoada, pois seria absurdo que ela
se comunicasse com você e nos deixasse de lado. Mas
nunca se sabe o que esperar daquela pequena.
— Pois não telefonou, nem escreveu. Não sei nada sobre
ela. Que foi fazer no Panamá?
— Esperar uma espiã russa e, naturalmente, prendê-la.
Ou matá-la, se fosse necessário. A mulher viria de Cuba,
não sabemos com que intenções. Um de nossos agentes no
Panamá inteirou-se da viagem daquela mulher, por meio de
um informante que nos custou dez mil dólares. Um sujeito
chamado Pancorbo, panamenho. Quando soubemos que a
espiã é russa, resolvemos enviar Brigitte. Ela fala russo
correntemente, e poderia tirar partido da detenção discreta
da mulher. Por outro lado, a russa não desconfiaria de uma
jovem de aspecto inocente... Depois de pagos os dez mil
dólares a Pancorbo, Brigitte viajou para o Panamá,
encontrou-se com nosso agente que logo apelidou de
Simão. A última notícia que nos deu informava que se
dispunham a esperar, na madrugada de ontem, a chegada da
espiã russa. Depois, o silêncio.
Miky Grogan tornou a encher o copo e esvaziá-lo de
uma só vez. Em seguida jogou-se em sua poltrona, abatido.
E os dois homens ficaram silenciosos durante alguns
minutos, pensativos e sombrios.
— Procuraram no hotel onde ela se hospedou, ou na casa
que ocupava?
— Naturalmente — resmungou Pitzer. — Alguns
agentes foram ao Hotel Miraflores, onde estava alojada,
mas não encontraram nem sinal dela. Nem do agente que a
ajudava. Desapareceram. Não respondem...
— E a espiã russa?
— Não tivemos notícia alguma, Grogan.
Miky Grogan engoliu em seco.
— Julga que... Julga que tenham... Tenham apanhado
Brigitte?
— Se entendi bem sua pergunta, a resposta é positiva,
Grogan. Sim, temo que tenham matado Brigitte.
— Meu Deus!
— É um azar que pode acontecer a qualquer espião.
— Sim, eu sei. Mas a Brigitte, nossa Brigitte..
— Alertei o Departamento Central da CIA, e a notícia
causou emoção lá. Asseguro-lhe, Grogan, que esta perda
não abala apenas a você e seus empregados Mas antes de
lamentarmos-nos, creio que devemos certificar-nos. Todos
os agentes no Panamá estão à sua procura. Se estiver viva,
eles a encontrarão.
— E se está...?
— Se está morta, talvez um dia encontrem seu corpo.
— Que opinião tem, realmente, sobre o silêncio dela,
Pitzer?
— Bem, você sabe... Brigitte já trabalha nisso há anos. E
nunca deixou de comunicar-se conosco.
— Mas talvez... Talvez alguma dificuldade passageira...
Pitzer sorriu tristemente.
— Estamos, ambos, querendo nos iludir com hipóteses
tolas. Tenha certeza de uma coisa: se ela está viva, nada no
mundo impedirá que entre em contato com seus colegas no
Panamá.
— Isto quer dizer, então...
Pitzer encolheu os ombros e apagou o cigarro no
cinzeiro. Com mãos tão trêmulas, que algumas fagulhas
queimaram seus dedos. Mordeu os lábios com raiva.
Afundou-se mais ainda na poltrona e ficou olhando o céu
através das persianas graduáveis.
Miky Grogan olhava para o inspetor, mas não o via. No
rosto do diretor do “Morning News” foi aparecendo
lentamente, sem que ele mesmo percebesse, uma profunda
marca de tristeza.
De repente, a porta da sala abriu-se com violência. E
Frank Minello, o redator-esportivo mais brilhante do jornal,
entrou como um tufão. ‘Seus lábios, seu rosto todo, se
abriam num sorriso.
— Chefe, olhe o que...
— Cale-se! — berrou Grogan. — Cale-se, infeliz!
Frank Minello ficou petrificado. O sorriso transformou-
se numa expressão de susto.
— Que diabo, chefe! Só queria mostrar-lhe...
— Cale-se, e suma daqui. Suma daqui, idiota!
Minello piscou, agora confuso. Olhou Pitzer, e franziu o
cenho.
— Alô, inspetor — murmurou a medo. — Como vai o
Tio Charlie?
— O Tio Charlie não vai muito bem, não — respondeu
Pitzer, em tom surdo.
— Então vou alegrá-lo. Transmito-lhe um abraço de
Brigitte. Que é isso, chefe? Ficou louco?
Miky Grogan havia saltado e apanhado Minello pelas
lapelas.
— Diga outra vez! Diga outra vez, meu rapaz. Diga
outra vez que Brigitte mandou um abraço para Tio Charlie!
— Solte-me, chefe. Vá sacudir tapetes, se quer fazer
força!
Empurrou Grogan para o lado. Pitzer, mais controlado
do que o diretor do jornal, estava agora diante de Minello,
como um anão à frente de um gigante musculoso.
— Teve notícias de Brigitte, Minello?
— Sim, senhor.
— De onde?
— Do Panamá. Ela está lá. Mas, que diabo! Eu
gostaria...
— Ela telefonou para você?
— Não, não. Enviou-me um postal. Aqui está.
Grogan arrancou o cartão da mão do repórter, rindo em
tom agudo e nervoso. Leu-o ràpidamente e estendeu o
postal colorido a Pitzer. Dirigiu-se novamente ao bar,
enquanto o homem da CIA olhava fascinado o retângulo de
cartolina.
— Vou tomar uma bebedeira daquelas! — exclamou o
diretor do jornal, alegremente. — Venha cá, Frank.
Convido-o para um gole.
— Enlouqueceu de verdade — murmurou Minello. —
Mas aceitarei o gole, já que não estou louco e sei que você
tem um uísque escocês de primeira.
Miky Grogan não cessava de rir, enchendo os copos.
Olhou para Pitzer, vendo-o encarar pensativamente o postal.
— Venha, Tio Charlie. Vamos festejar.
O inspetor olhou-o com a mesma seriedade e tristeza de
antes.
— Não há nada a festejar, Grogan. Brigitte deixou de
comunicar-se conosco há trinta horas, e este postal foi
enviado há quarenta e oito. Vou indo. Até outro dia.
O copo de Grogan despedaçou-se no chão. Minello, que
estava voltado para o inspetor, vendo-o sair da sala, olhou
então para seu chefe. Viu sua palidez, e outra vez se
assustou.
— Que há com você, chefe?
***
— Aqui fala Frank Minello — disse, quando atenderam.
— Está confirmada minha reserva para o vôo ao Panamá?
— Obrigado. Estarei no aeroporto dentro de vinte
minutos, então.
Desligou. Apanhou a maleta e, pálido e sombrio como
vira seu chefe e o inspetor Pitzer, pouco antes, saiu do
apartamento.
Frank Minello acabou de examinar a pistola. Guardou-a
no coldre sob a axila esquerda e pôs o paletó.
Fechou a maleta e foi até o telefone. Discou.
CAPITULO SEGUNDO
Também os jacarés podem ter segredos

A loura parou diante da cerca que rodeava a bonita


“vila” perto do mar, e olhou a placa de pedra verde onde o
nome estava gravado: VILA TORTUGA.
Sorriu e estendeu a mão para a corrente que acionava a
campainha. Puxou-a, e logo a seguir viu um homem que
saía de trás de um canteiro de flores no interior do jardim.
Um homem com a calça arregaçada até os joelhos, camisa
branca solta na cintura e um velho chapéu de palha na
cabeça. Aproximou-se do portãozinho caminhando devagar,
como se estivesse muito cansado, arrastando os pés
descalços no calçamento de pequenas pedras coloridas.
— Que deseja?
— Ver o senhor Calatrava — disse a loura.
— O senhor Calatrava não está.
— Está. Diga-lhe que Doris chegou. Ele me espera.
— Oh, Doris! Vou deixá-la entrar, minha filha.
O homem ostentava enorme bigode esfiapado e grisalho.
Apesar de sua apatia e de seu aparente cansaço, via-se que
era forte. Tirou uma chave do bolso, introduziu-a na
fechadura do portão e abriu-o. A loura entrou e o bigodudo
fechou novamente o portão, sempre como se estivesse a
ponto de desmaiar de cansaço. Voltou-se para ela.
— Doris de quê?
— Doris, apenas.
— Bem, e qual é a senha?
— Darei ao senhor Calatrava...
A loura calou-se bruscamente, porque viu uma enorme
pistola surgir, como num passe de mágica, na mão do
homem. Ao mesmo tempo, a impressão de apatia
desapareceu das maneiras do bigodudo. Seus olhos escuros
perfuravam malignamente a pretensa Doris.
— Deve dar a senha a mim, moça. Caso contrário, não
vai entrar.
— Como é o seu nome? — perguntou a loura, em tom
altivo.
— Jaime. Os amigos me chamam de Jaimito. E os mais
íntimos, para simplificar, dizem apenas Mito.
— Pois bem, Mito. Guarde essa pistola, se não quer que
o senhor Calatrava lhe dê uma espinafração. Ele está à
minha espera.
— Muito bem. Mas eu estou à espera da senha. E já que
não quer dar-me, vou levá-la à presença do patrão sem
guardar a pistola. Vai ver que o senhor Calatrava não fica
aborrecido, menina. Vamos, vá andando. Para a casa.
A loura encolheu os ombros, voltou-se para o interior da
“vila” e pôs-se a andar. A casa ocupava o centro do grande
terreno gramado e plantado de palmeiras e coqueiros,
bananeiras da Índia e maciços de flores de colorido vário.
Iam percorrendo a estradinha que conduzia à casa,
quando a loura se virou para trás numa velocidade
espantosa. Jaimito ficou paralisado pela surpresa, as reações
congeladas. Uma fração de segundo. Foi o bastante. A mão
direita da jovem golpeou-o, de canto, seu pulso, e a pistola
saltou da mão de Jaime. Ao mesmo tempo, a mão esquerda
de Doris, em um golpe horizontal de caratê, atingia o
queixo, exatamente debaixo do lábio inferior. O golpe não
parecia muito forte, mas o homem voou para trás, de costas,
e caiu sentado na grama. Apoiou-se nas mãos, para não
continuar a queda e ficar estendido de costas no chão. Mas
Doris já estava ao seu lado, e com um pé chutou seu braço
esquerdo. Quando Jaime rolou para a esquerda, sem
equilíbrio, outro pontapé alcançou seu estômago. Dobrou-
se em dois, como se tivesse a intenção de partir-se.
Massageando o estômago dolorido com uma das mãos,
Jaime, agora de bruços, tentou levantar-se apoiado na outra.
Não tinha o consolo de poder gemer, pois o pontapé lhe
tirara o fôlego.
Fez mal em tentar levantar-se. A loura desta vez chutou
seu queixo. Jaime foi projetado para o ar e tornou a cair de
bruços. Ficou imóvel, enquanto Doris recolhia a pistola
tranquilamente.
Depois de examinar a pistola e verificar que estava
carregada (Jaime não era idiota de apontar uma arma sem
balas), ela examinou o homem caído. Viu logo que
desmaiara.
Contrariada, Doris olhou em redor. A pouca distância,
no lugar de onde Jaime surgira quando ela tocou a
campainha, viu uma mangueira de plástico verde soltando
um jato de água cristalina em direção aos tufos de grama.
Levantou-a, apontando o jorro para Jaime. Moveu-a
verticalmente, de modo quê a água atingiu a cabeça do
jardineiro da Vila Tortuga. Apesar da ducha, Jaime tardou
mais de meio minuto a abrir os olhos e mover-se. Doris
avançou um pouco, sorrindo maldosamente, e a água bateu
com mais força no rosto do homem, que começou a
levantar-se. Vacilava como se suas pernas fossem de
borracha.
Doris jogou a mangueira novamente sôbre a grama e
caminhou para o derrotado jardineiro.
— Muito bem, Mito — mostrou-lhe a pistola. — Agora
caminhe dez passos à minha frente e leve-me à presença do
senhor Calatrava. Falei claro?
Jaime assentiu com um gesto de cabeça e pôs-se a andar,
olhando com o canto dos olhos para a loura. Mas esta sabia
agir muito melhor do que ele, de maneira que se manteve a
distância prudente. Seria um suicídio tentar atacá-la.
***
Raimundo Calatrava estava sentado sob a sombra de
uma varanda, sob um teto formado de folhas de palmeira e
bananeira-de-jardim. Alguns travessos raios de ‘sol daquela
alegre e luminosa manhã filtravam-se por esse teto e
vinham brincar no interior da varanda. Ao fundo uma
piscina de azulejos cor-de-rosa, em formato de pêra, com
seu trampolim ladeado por duas escadinhas curvas.
Arranjadas artisticamente numa grande mesa, do lado,
frutas tropicais: cocos verdes, abacaxis, laranjas, bananas.
Raimundo Calatrava comia um enorme e sumarento
abacaxi, cortando-o hàbilmente com uma faquinha pontuda.
A seus pés, um cão-policial cor de canela e preto
cochilava, o focinho úmido e a língua rosada pendida. Uma
coleira de couro vermelho mostrava seu nome gravado em
letras negras: SATÃ. Impressionante, o cão. Por sua
corpulência, sua musculatura, suas mandíbulas. E sua
aparência feroz.
Mas Raimundo Calatrava era mais notável que Satã.
Muito mais! Homem gordo, rechonchudo de tão abundantes
carnes e banhas que mais parecia uma monstruosa gelatina
despejada na poltrona de vime fabricada sob medida para
seu traseiro colossal. Seus olhos negros eram miúdos
escondidos atrás das pálpebras inchadas. Suas mãos
pareciam um feixe de salsichas brilhantes e recém
fabricadas. No dedo mínimo da mão esquerda, um anel
apertado, a ponto de cortá-lo em dois, afundado na carne.
Grande pedra vermelha nesse anel, que não era o único,
pois o anular da mão esquerda e os mesmos dedos da direita
exibiam mais três, estes pequenos e também coloridos.
Algum joalheiro brincalhão se divertira enfeitando
grotescamente aqueles dois feixes de salsichas.
Raimundo Calatrava devia ter quarenta anos, e
conservava uma abundante e negra cabeleira brilhante de
cosmético. Seria a caricatura de um grande espanador de
penas de aves negras repousando sobre uma melancia.
Quando o cão alçou as orelhas, Raimundo Calatrava
olhou-o. E o suco do pedaço de abacaxi que levava à boca
na ponta da faca começou a escorrer-lhe pelo queixo e pela
papada.
— O que é, Satã?
O cão levantou-se, inquieto, mostrando silenciosamente
os dentes. Olhou seu amo e logo a estrada. Soltou um
rosnado e moveu-se lentamente para a entrada da varanda.
Calatrava já havia visto Jaime., que vinha diante da loura
escultural. O cão tornou a rosnar, mas Calatrava moveu
negativamente uma das salsichas.
— Não — murmurou. — Senta-te outra vez, Satã.
O animal deixou-se cair sobre os quartos traseiros, ainda
a rosnar, e olhando fixamente a loura que se aproximava.
Jaime e Doris finalmente pararam à frente de Calatrava
que, por sua vez, olhava com gula aquela esplêndida beleza
de olhos azuis e inteligentes.
— Senhor Calatrava? — perguntou ela, com voz gelada.
— Sim.
— Deixe de olhar-me assim. Nossas relações vão ser
puramente comerciais, segundo creio.
— Oh... Como é que eu a olhava?
— Como um porco para a sua gamela.
— É tão desagradável meu olhar?
— É. Este homem trabalha para você?
— Trabalha. Pode retirar-se, Jaime. A senhorita e eu nos
entenderemos sozinhos. Está de acordo, senhorita...
senhorita...?
— Doris.
— Doris de quê?
— Basta o primeiro nome, para você e enquanto eu
estiver no Panamá.
— Como quiser. Que houve entre você e Jaime? Parece
que tiveram um atrito.
— Ele me pediu a senha, e eu não quis dar.
— Porquê?
— Porque fiquei irritada, Calatrava.
— Que há? Esperava-a há mais de vinte e quatro horas.
— Sei. É por isto que fiquei irritada. Mas prefiro falar
somente a você, Calatrava.
— Está bem. Pode retirar-se, Jaime.
A moça vai devolver-lhe a pistola. Faz o favor, Doris?
A loura largou a pistola nas mãos de Jaime, que olhou
imediatamente para o patrão. Este moveu em sentido
negativo a cabeça. O jardineiro afastou-se arrastando os pés
no chão, e Calatrava tornou a olhar para a jovem. A um
sinal, ela foi sentar-se em outra poltrona de vime, mas de
proporções normais. Apanhou uma banana e pôs-se a
mordiscá-la.
A seu lado, Satã cheirava seus belos joelhos que a saia
curta e moderna deixava de fora. Ela olhou o cão, e seu
olhar se deteve por um momento na coleira vermelha.
— Alô, Satã — disse, com um sorriso.. — Vamos ficar
amigos?
Adiantou a mão livre e seus dedos se afundaram no pêlo
basto do cão, atrás de uma orelha. Satã ficou imóvel, olhos
fixos nos belos joelhos. Os dedos da moça coçaram
suavemente o ponto escolhido, e Satã cerrou os olhos e
ganiu fracamente.
Calatrava voltara ao abacaxi, que agora terminava de
comer. Limpou o queixo com um guardanapo que mais
parecia um lençol, e fitou com incredulidade o cão.
— Grande habilidade a sua, Doris — disse, em tom
melífluo. — Satã não costuma fazer amizades.
— Nem eu. Mas num cão se pode confiar.
Concordo. Temos muitos assuntos a tratar, Doris. Mas,
enquanto não me der a senha combinada...
— Será ao contrário, Calatrava.
— Chame-me de Raimundo, por favor, ele sorriu de
novo, meloso. — O contrário? Não entendo.
— Dê-me você a senha.
— Está brincando?
— Tenho motivos para não brincar, Raimundo.
— Bem... A senha é: “visita clandestina ao Canal”.
A loura sorriu secamente.
— Invente outra melhor, Raimundo.
— “Estamos esperando a visita de Doris” não serve?
O olhar azul da loura sensacional permanecia
ironicamente fito nos negros e miúdos olhos de Calatrava.
Desta vez ela se limitou a mover o dedo indicador para um
lado e outro, sem deixar de fitá-lo e sorrir com ironia.
— Também não? — Calatrava também sorria, embora
seu sorriso fosse um tanto desconcertado. — Vejamos se
gosta mais desta: “os dentes de Satã são brancos”.
A loura piscou um par de vezes, lentamente, antes de
murmurar:
— Os dentes de Satã são brancos, realmente, Raimundo.
— É esta a senha?
— Claro.
— Bem... Está tudo em ordem. Agora, diga-me seu
verdadeiro nome. E teremos a situação normalizada.
— Pavlova Maloief.
— Perfeito. Quer outra banana, Pavlova? Ou um
abacaxi?
— Não desejo sujar o queixo, coisa que creio inevitável
quando se come abacaxi.
Calatrava enrubesceu como um colegial. Franziu o
cenho, contrariado.
— Diga-me por que chegou com mais de vinte e quatro
horas de atraso.
— Estavam à minha espera.
— À sua espera? — as carnes gelatinosas de Calatrava
tremeram. — Quem?
— Um homem e uma mulher. Na madrugada de ontem.
Estavam dentro da água, escondidos debaixo do trapiche
onde eu ia desembarcar.
— E quem eram eles?
A loura encolheu os ombros.
— Não sei. Pude vê-los a tempo, e eu e Olav os
matamos. Disparamos antes que compreendessem que
estavam descobertos. Desapareceram no fundo da água.
Depois Olav os tirou de lá. O homem era um atleta de
músculos poderosos, e poderia ser perigoso. A mulher era
morena e jovem, muito bonita. Tinham saquinhos de
plásticos atados nos pulsos, protegendo as pistolas que
levavam. Ainda bem que os vimos a tempo...
— Sim, sim. Entendo.
— Pois eu não — disse ela, secamente. — Espero que
não fossem seus empregados, Raimundo.
— Claro que não. Você tinha as indicações necessárias para
chegar aqui. Por que haveria de complicar as coisas,
enviando alguém ao seu encontro?
— É o que pensei. Naturalmente não gostei de ver
aquelas pessoas escondidas debaixo do trapiche. Felicito-
me por não me ter enganado. E por termos matado os dois.
— Onde deixou os cadáveres?
— Como Olav ia voltar para a Colômbia, levou-os na
lancha. Neste momento devem estar no fundo do mar, bem
lastreados e longe da costa. Nunca mais aparecerão.
— Ótimo.
— Nem tanto, Raimundo. É de supor que o homem e a
mulher tenham amigos. E se estavam à minha espera no
trapiche, é possível que seus amigos andem vigiando você.
Não pensou nisto?
— Não sabendo de nada, nada podia pensar.
— Pois eu sabia. E por isto não vim ontem. Passei um
dia inteiro rondando os arredores da “vila”. Não gosto de
surpresas, Raimundo.
— Temia que fizessem uma tocaia em minha “vila”?
— Não seria impossível, não acha?
— Não — murmurou Calatrava, pensativamente. —
Realmente, não. Você foi muito prudente e astuta, Pavlova.
Notou alguém suspeito em torno da “vila”?
— Se tivesse notado, não estaria aqui.
O gordo soltou um suspiro profundo.
— Então tudo parece em ordem. Como eu estava
inquieto, temo ter cometido uma ação... precipitada.
A loura mostrou-se alarmada por um instante.
— Que ação?
— Usei o rádio para chamar outro agente russo.
— O quê?
— Lamento...
— Lamenta! Pensa que temos dúzias de agentes para
enviar para cá?
— Eu estava preocupado.
— Está bem, está bem. Já não se pode fazer nada. A
quem chamou? Onde?
— O agente de ligação de costume. Disse-me que, se
Pavlova Maloief não aparecesse, enviariam outro agente da
MVD. E que iriam à sua procura, também. O agente virá de
Cuba.
— Seu nome?
— Sergei Saborin. Conhece-o?
— Por este nome, não. Quando chegará?
— Esta mesma tarde, decerto. Mas não precisamos
esperá-lo, já que tudo está preparado.
— Tudo?
— Tudo. Esperando sua aprovação e a direção do
assunto. Tudo o que pode acontecer é que, quando Sergei
Saborin chegar ao Panamá, lhe digamos que foi um alarma
falso e que volte.
— Isto mesmo. Vamos examinar seu plano, Raimundo.
Mas o mais urgente é que você chame seu agente de ligação
e o informe que tudo agora está em ordem, que Pavlova
Maloief chegou e, como sempre, vai desempenhar sua
missão, sem que ninguém possa impedi-la. Onde está o
rádio? Espero que seja um lugar discreto.
— Discreto e seguro — sorriu astutamente Calatrava.
— Pois vamos lá. Pode ser que eu precise falar. Outra
coisa: quero encontrar o traidor.
— Quem? — Calatrava demonstrou seu assombro.
— O traidor que há entre seus homens. Ë evidente,
Raimundo, que o homem e a mulher que nos esperavam
sabiam de nossa chegada. E só podiam saber pela boca de
alguém que sabia.
— É verdade ... o rosto gordo tornou-se sombrio. —
Mas não se preocupe, Pavlova. Encontraremos o traidor em
menos de duas horas. Saberemos quem é, asseguro.
— Espero que tenha razão. Lembre-se de que nós lhe
enviamos ordem de preparar tudo, de modo a me permitir
agir no menor tempo possível.
— Já lhe disse que tudo está preparado.
— Mas não com a discrição e a segurança convenientes.
— Encontraremos o traidor e, antes que você aja, lhe
arrancaremos a verdade. Saberemos o que virá em seguida.
— Está vem. Vamos ao rádio, então.
— Vamos.
Raimundo Calatrava começou a levantar-se. Apoiou os
dedos, os feixes de salsichas nos braços da poltrona que
parecia um sofá e fez o primeiro esforço. Levantou umas
dezenas de quilos de carne e banha. Em seguida, fez um
movimento com a perna direita e depois outro com a
esquerda, aproximando os pés da poltrona de vime para
melhor firmar-se. Chegou então o momento do segundo
esforço com os braços.
— Quer que o ajude? — perguntou Pavlova Maloief,
não sem uma ponta de ironia.
Calatrava lhe dirigiu um olhar quase rancoroso. Acabou
de pôr-se de pé com um esforço supremo, a barriga e as
nádegas vibrando num ritmo especial que foi aumentando
quando caminhou rumo à piscina.
Pavlova Maloief seguiu-o e logo o alcançou. Caminhou
a seu lado, com uma graça que destacava ainda mais o
balanço de hipopótamo do homem. Um hipopótamo e uma
gazela avançavam até a piscina, •seguidos por Satã, que no
caso podia ser comparado a um leão sem juba. O cão gania
baixinho, como a pedir que a loura tornasse a coçar sua
cabeça.
Calatrava rodeou a piscina, chegando à pequena
escadaria que na margem oposta semelhava uma
arquibancada minúscula. Os degraus subiam à altura de um
metro e meio, e em seguida desciam para um diminuto lago
semelhante à piscina, mas sem azulejos. O lago era raso e
de terra, de barro. Naquele tanque artificial, como
petrificados sob os raios do sol, quatro magníficos jacarés,
meio afundados na lama, pareciam esculturas de pedra.
Pavlova Maloief olhou-os, incrédula e assombrada.
— É uma decoração pouco agradável, Raimundo —
protestou.
— Gosto não se discute, minha cara.
— São estátuas, ou de verdade?
Raimundo Calatrava é que ficou assombrado desta vez.
E de repente começou a rir, com tal intensidade que suas
carnes estremeceram como um pudim.
— Estátuas! Estátuas!
— São verdadeiros?
— Olhe, Pavlova: aconselho-a a cuidar de suas pernas
tão bonitas, quando entrarmos ali.
Pavlova Maloief empalideceu um pouco. Seus bonitos
olhos azuis fitaram os quatro jacarés e depois as margens
cimentadas do tanque. Se entrassem no lago, patinariam na
lama — principalmente Raimundo! — sem possibilidades
de escalarem com rapidez aquelas paredes desiguais de
concreto.
— Pretende que eu entre ali? — murmurou.
— Nós dois entraremos. E Satã conosco. Mas não tenha
medo. Não vai acontecer nada, se caminharmos com
cuidado. Venha.
Desceu dois degraus cavados no cimento, apoiou uma
mão em um ponto da rocha artificial e apertou com força.
Imediatamente surgiu debaixo de seus pés urna ponta de
viga, que continuou a estender-se mais e mais, até cruzar o
lago e incrustar-se na margem oposta, formando uma sólida
ponte.
— É muito forte — explicou Calatrava. — Há de
compreender que eu não construiria uma ponte que não
suportasse meu peso. Pode atravessar sem medo, que a
resistência dela é calculada para dez pessoas. Mas tenha
cuidado.
Ele próprio deu o exemplo. Começou a atravessar a
passarela, a pouco mais de um metro sôbre as cabeças dos
jacarés. Um deles logo se moveu com rapidez, levantando a
cabeça o quanto podia e abrindo as gigantescas mandíbulas.
Satã avançou pela ponte a pôs-se a ladrar furiosamente, os
pêlos do dorso eriçados. Outro jacaré se moveu, em
resposta, abrindo as fauces como se esperasse o apetitoso
banquete que o corpo de Raimundo Calatrava representaria.
— Cala-te, Satã. Não os provoques.
O cão deixou de ladrar, mas os pêlos de seu dorso
continuaram eriçados. Calatrava avançou até o outro
extremo da ponte, onde apertou um ponto do concreto em
que ela se apoiava. O bloco girou como uma porta, para
dentro. Satã foi o primeiro a entrar, logo seguido pelo gordo
e por Pavlova, cujo rosto não recuperara por completo a cor
natural.
Calatrava acendeu a luz dentro daquela inesperada sala,
e em seguida fechou a porta. Voltou-se para a russa,
olhando-a com ar satisfeito.
— Você parece um pouco assustada, Pavlova.
— É imaginação sua, Raimundo.
Ele começou a rir, sacudindo a gelatina.
— Sinto muito, mas você é que quis vir até o rádio.
Gostou do esconderijo?
— É sensacional. Não creio que alguém pense em
procurar alguma coisa neste fosso cheio de jacarés. Mas não
vejo o rádio...
— Eu sou cheio de truques, menina. Vai vê-lo.
Foi até o fundo da cova e apertou uma saliência. Um
pedaço de rocha deslizou para um lado mostrando outra
cavidade. Lá dentro, Calatrava acendeu outra luz e apontou
para a parede oposta, onde se via um potente emissor.
— Aí está. Chamo-a de “segredo dos jacarés”.
CAPITULO TERCEIRO
Que dos traidores não restem nem os ossos!

— Está bem, Raimundo — suspirou a loura. — Façamos


a chamada.
— Para Cuba?
— Não sei... Ë de supor que Sergei Saborin já esteja em
viagem para o Panamá, e não creio que tenha um rádio.
Esperemos que chegue. Falarei com ele, e direi que volte
para Cuba. Deixemos o pessoal de Cuba em paz. Chame o
elemento de ligação e diga-lhe que comunique ao pessoal da
Colômbia que Pavlova Maloief chegou bem. E que tudo
segue como previmos. Tem telefone aqui?
— Para quê?
— Para chamarmos seus homens e procurarmos o
traidor entre eles.
— Podemos chamá-los pelo rádio. Estou sempre em
contato com eles. Não se preocupe com isto. Quem
devemos chamar primeiro?
— Seus homens. Vejamos que é que eles sabem a
respeito da armadilha no trapiche de San Francisco de la
Caleta.
— Muito bem.
Raimundo Calatrava sentou-se diante do aparelho,
colocou o dial na freqüência conveniente e efetuou a
chamada. Recebeu resposta imediata.
— Fale, senhor.
— É você, Camilo?
— Sim.
— Está sozinho aí?
— Sim. Sim, senhor.
— E os outros?
— Não sei. Como o senhor nos disse que até...
— Sei, sei. Ocorreu uma coisa boa, e pode estar
ocorrendo outra coisa má. A moça que esperávamos já
chegou; por este lado vai tudo bem. Mas ela foi recebida, no
trapiche velho, por um homem atlético e uma morena
bonita. Os dois foram mortos pela nossa visitante.
Precisamos averiguar como é que souberam da chegada de
alguém no trapiche da baía de San Francisco de la Caleta.
Está entendendo?
— Sim, senhor.
— Parece que temos um traidor entre nós, Camilo.
— Não diga!
— Cale-se. É claro que alguém revelou o que ia
acontecer. Eu não fui, de modo que.
— Juro que não tenho nada a ver com isso!
— Eu não disse que tenha sido você o traidor. Mas só há
um modo de descobrirmos: quero que os quatro venham
imediatamente aqui. E então veremos quem é o traidor.
— Não acredito...
— Pois eu tenho certeza! E quero que vocês venham o
mais depressa possível. Chame os outros e venham: você,
Moncho, Pancorbo e Pedro. Ouviu?
— Sim, senhor.
— E outra coisa, Camilo: quem não vier, estará
confessando, não acha? A ausência só pode ser
compreendida como uma confissão. E você sabe que os
traidores não devem escapar, Camilo.
— Muito bem, senhor. Chamarei os outros e direi. ..
Direi que precisamos ir imediatamente à “vila”.
— Não venham de uni em um. Reúnam-se em algum
lugar, embarquem num dos carros e venham juntos.
Entendeu?
— Sim, senhor. Aí estaremos, o mais depressa que
pudermos.
— Muito bem. Desligo.
Cortou a comunicação e moveu novamente o dial, até
situá-lo no comprimento de onda adequado a entrar em
contato com o elemento de ligação entre o MVD na
América Central e os agentes das diversas nacionalidades.
— Tortuga chamando Mar... Responda, Mar... Tortuga
chamando Mar... Câmbio.
— Mar na escuta. Adiante, Tortuga.
— Doris chegou. Teve um pequeno contratempo, já
solucionado. Depois explicaremos com todos os detalhes.
Avise as pessoas que estão à sua procura, pois tudo está
bem.
— Qual foi o contratempo?
— Havia gente à sua espera no trapiche. Mas estamos
investigando, e agiremos de acordo com a necessidade.
— Onde está Doris?
— Aqui, comigo. Quer que ela fale, que se identifique?
— Isto aqui é apenas um posto de ligação, Tortuga. Mas
é bom que ela fale. Enviaremos sua mensagem à Colômbia.
Diga-lhe que fale em russo.
— Boa idéia, Mar.
Calatrava voltou-se para Pavlova Maloief, que o olhava
com expressão divertida.
— Querem falar com você, em russo.
— Eu ouvi — a espiã falou friamente. — Está
surpreendido com esta precaução, Raimundo?
O gordo encolheu os ombros.
— Fale.
A bela loura começou a falar:
— Aqui, Doris, de serviço no Panamá. Tortuga está ao
meu lado e, salvo algum imprevisto que surja com os seus
homens, tudo vai bem. Avisem a base da Colômbia. Avisem
que Olav chegará um dia mais tarde do que o previsto.
— Está bem, Doris. Por que Olav chegara mais tarde?
— Tivemos de eliminar dois obstáculos. Depois Olav
me acompanhou até o Panamá. Regressou à lancha e
navegou para a ponta Naranjas, onde deve ter jogado os
dois obstáculos ao mar. Convinha que fossem jogados fora
da Baía do Panamá, bem lastreados para que não flutuem.
Não queremos que sejam encontrados, não é? A volta é bem
grande, mas não atrasará Olav mais de vinte e quatro horas.
— Está bem. Felicidades, Doris.
Pavlova afastou-se do rádio e Calatrava retomou o
microfone.
— Tudo em ordem?
— Tudo, Tortuga. Saio do ar.
Calatrava desligou o aparelho e levantou-se. Encarou
aloura.
— A coisa está em marcha. Quer fazer mais alguma
recomendação?
— Não. Eu agora só quero tomar um bom banho.
— Vou mostrar-lhe seu quarto. Poderá tomar banho de
chuveiro, de banheira...
— Eu gostaria de nadar um pouco.
Raimundo Calatrava sorriu.
— Não lhe aconselho a entrar na piscina.
— Por quê? Você nunca entra?
— Não.
— Não sabe nadar?
— Sei. Tenho até muita facilidade de boiar. Mas não
consigo subir a escadinha. Além disso...
— Não vai dizer-me que a piscina é apenas para enfeitar.
— Mais ou menos. Se você quiser nadar, não faço
objeção. Mas não esqueça de que pode falhar o
mecanismo...
— Mecanismo?
— O que abre a comporta de comunicação com o tanque
dos jacarés.
***
Pelas sete da tarde, Pavlova Maloief abriu os olhos
bruscamente. Raimundo Calatrava estava inclinado sobre
ela, junto à cama, fitando-a com os olhos brilhantes e a
respiração ofegante. Os diminutos olhos pareciam querer
absorver toda a beleza do seu magnífico corpo,
completamente nu devido ao calor.
Os olhos azuis da loura tomaram uma expressão gelada.
— Que significa isso? — perguntou, no auge do mau
humor.
— Como você é bonita!
— Sou bonita, e daí, Raimundo? Saia daqui,
imediatamente!
— Deixe-me contemplá-la mais um pouco. Só mais um
pouco...
— Saia!
Um dos feixes de salsichas avançou para o arredondado
de um seio maravilhoso.
— Podemos ser amigos, Pavlova. Sou rico, muito rico...
Deixe-me apenas tocar.
Plaft!
A bofetada ressoou no quarto, e as bochechas de
Raimundo sacudiram. Mas a cabeça não se moveu e o feixe
de salsichas tocou no seio da jovem. Pavlova Maloief saltou
pelo outro lado da cama, levando consigo o lençol, com o
qual envolveu o corpo.
— Saia daqui, Raimundo, se não quer que eu o mate.
— Se você deixasse... Se quisesse aceitar minha
proposta...
— Se eu quisesse ganhar dinheiro à custa do corpo, já
estaria rica há muito tempo. E mais rica do que você, idiota.
Aviso-o de que sua atitude pode custar-lhe as relações com
a MVD. Estamos trabalhando, não esqueça.
— E quando terminar o trabalho, não poderíamos...?
— Quando o trabalho terminar, eu gostaria de oferecer
um banquete a seus jacarés. Saia daqui, e não torne a entrar
sem minha licença!
Calatrava pareceu desinchar. Esfregou os dedos,
nervoso.
— Está bem. Agora, seria conveniente que você
descesse ao jardim. Já apanhamos o traidor.
— Já? E quem é?
— Um de meus homens, naturalmente. Chama-se
Pancorbo.
— Bem, eu me encarregarei dele.
— Você? Que quer dizer com isso?
— Primeiro vou interrogá-lo. Depois, o amigo Pancorbo
e eu daremos um passeio. E só eu voltarei dês se passeio...
— Vai matá-lo?
— Que outra coisa poderíamos fazer com ele? Espere-
me lá embaixo.
— Estaremos junto da piscina, onde me encontrou esta
manhã.
— Já desço.
***
Pancorbo era um homem magro e descobri- do, de olhos
castanhos muito vivos que naquele momento se moviam
ràpidamente de um para outro lado, assustados. Rodeado
pelos outros ajudantes e Calatrava, cada um lhe apontava
uma pistola.
Calatrava estava esparramado em sua poltrona especial,
olhando em silêncio a cena, com expressão maligna.
Pavlova Maloief sentou-se a seu lado, acendeu um cigarro e
também se pôs a olhar fixamente o apavorado traidor.
— Como é que descobriram?
Calatrava apontou um dos homens.
— Diga, Pedro.
— Sm, senhor. Pancorbo recebeu o recado de Camilo
para reunir-se a nós na Taberna de Totlicoatán, o Índio.
Mas não foi. Começamos a imaginar que lhe teria
acontecido alguma coisa. Fomos procurá-lo na pensão. No
estava. Quando estávamos perguntando por ele à dona da
pensão, chamaram Pancorbo pelo telefone. Eu atendi,
fazendo-me passar por ele. Era uma empregada do
aeroporto, confirmando reserva para o vôo com destino a
Honolulu. Corremos ao aeroporto e apanhamos Pancorbo.
Ele fugiu, mas tornamos a encontrá-lo. Tinha dez mil
dólares consigo.
— Bom trabalho, Pedro. Suponho que queira fazer
algumas perguntas a Pancorbo, Doris...
— Claro — concordou a loura. — Mas talvez ele prefira
dizer-nos tudo, sem necessidade de perguntas. Que acha,
Pancorbo?
— Não sei nada...
— Não seja idiota — grunhiu Calatrava. — Você pode
enganar Doris, que não o conhece. Mas nós sabemos que
você nos traiu. E melhor que colabore conosco, Pancorbo.
— Não sei nada. Só ia viajar...
— Claro. Depois que Camilo lhe deu meu recado... E em
vez de obedecer minhas ordens, sabendo que queríamos
descobrir o traidor, você levanta vôo com dez mil dólares
no bolso. Dez mil dólares que você não podia possuir
normalmente, mas que tinha em casa, dinheiro vivo...
Apanhou o dinheiro e comprou passagem para Honolulu.
Alguma vez lhe dei a impressão de ser burro, Pancorbo?
— Não... Não, senhor.
— Então aceite um bom conselho: confesse a verdade,
responda com sinceridade tudo o que lhe perguntarmos. Vai
fazer isso?
— Sim... Sim, senhor.
Luís Pancorbo estava apavorado. E o olhar frio, duro, de
Pavlova Maloief não contribuía para levantar seu ânimo.
— Vejamos, Pancorbo — murmurou ela. — Foi você
quem revelou a outras pessoas que eu ia chegar ao Panamá,
pela baía de San Francisco de la Caleta, pelo trapiche
abandonado?
— Sim, fui eu. Fui obrigado...
— Já trataremos disso. A quem foi que disse?
— A um homem...
— Como se chama? De onde o conhece?
— Vi-o algumas vezes, no porto. Ele me abordou, outro
dia, e disse que ia dar-me dez mil dólares se eu lhe dissesse
o que significavam minhas visitas ao senhor Calatrava.
— Ele sabia que você trabalha para mim? Sabia alguma
coisa a meu respeito? — exclamou o gordo.
— Não... Mas parece que suspeitava do senhor. Acusou-
me de ser espião, afirmando que ele estava a par de todas as
nossas atividades. Disse que andavam a vigiar-me e que eu
não viveria um minuto a mais, se não dissesse tudo a
respeito do senhor. Eu disse que ele estava enganado, mas
ele disse que eu é que estava. Prometeu-me dez mil dólares,
um passaporte e ajuda para fugir, se eu o ajudasse. Isso, ou
duas balas na barriga ali mesmo. Avisou-me que eu não
poderia escapar dele e de seus amigos, se o enganasse.
— E quem são seus amigos?
— A CIA.
— A CIA! — gritou Calatrava. — Maldito, vou.
— Acalme-se, Raimundo — sussurrou Pavlova. —
Deixe Pancorbo falar.
— Mas este porco nos vendeu à CIA!
— Não, senhor — a voz de Pancorbo tremia. — O
homem não tinha certeza de nada, de modo que eu insisti
em dizer que o senhor não é nada disso e que eu o visito por
sermos amigos. Só reconheci que às vezes trabalho para o
senhor, em negócios honestos.
— E ele acreditou? — o gordo quase gemia, suando de
angústia.
— Creio que sim. Eu lhe disse que não tinha nada a
revelar a seu respeito, mas podia dar-lhe uma informação.
Fiz isso para que ele confiasse em mim e não se metesse
com o senhor...
— Neste ponto, agiu bem — suspirou Calatrava.
— Que foi que informou ao homem da CIA? —
perguntou Pavlova.
— Eu disse... Bem, ele queria obter alguma informação
de mim, caso contrario me mataria... Eu disse que uma
espiã russa, chamada Pavlova Maloief, chegaria pelo
trapiche velho.
— Entendo — a voz da loura parecia uma pedra de gelo.
— Se o homem me matasse, seu trato com ele estaria
cumprido. E ninguém molestaria o senhor Calatrava, não é?
— E ele me aconselhou a deixar o Panamá somente
quando recebesse ordem. Disse que me daria o passaporte.
Deu-me o dinheiro pouco depois, num bar. Não sei onde o
conseguiu... Levou-me lá e de repente me entregou o
dinheiro e deu ordem para ficar sentado à mesa. E foi
telefonar. O telefone estava muito perto da mesa...
— Você ouviu alguma coisa? — inquiriu Calatrava.
— Eu estava assustado. Não queria comprometê-lo,
senhor...
— Não tente recuperar o prestígio somente com o senhor
Calatrava, Pancorbo — interrompeu a loura com rudeza. —
Eu sou tão dura quanto ele. Ou mais. E você, para salvar sua
pele, não hesitou em vender-me.
— Eu não a conhecia...
— Que importa isso? O certo é que me vendeu. Como se
chama o homem?
— Não sei. Juro que não sei. Mas espere. Ele disse que,
se não fosse ele quem me iria levar o passaporte, seria um
homem chamado Simão.
— Simão?
— Sim. Tenho certeza de que é Simão o nome que ele
disse.
— Está bem. Chamaremos esse homem de Simão. Era
alto, forte, atlético, jovem? Como era ele?
— Assim mesmo como a senhora está dizendo.
— Está bem. E para quem telefonou?
— Perguntou se era o Hotel Miraflores. Em seguida,
disse que queria falar com uma mulher... Como era o nome
dela? Lembro-me de que era francês... Brigitte, parece. Sim,
creio que era Brigitte.
— Não disse o sobrenome?
— Sim, disse. Mas não entendi. Era francês, também. O
que entendi foi o número do apartamento: dezesseis. Sim, o
dezesseis...
— Quando foi isso, Pancorbo?
— Anteontem, à noite.
— Foi quando você disse ao homem o nome dela? —
perguntou Calatrava. — De Pavlova, quero dizer.
— Não. Eu lhe havia dado a informação três dias antes.
Mas ele resolveu dar-me tempo, pois queria que eu me
convencesse de que não convinha mentir-lhe. Entregou-me
o dinheiro anteontem e disse... Disse tudo aquilo, falou no
passaporte, e pediu que eu não viajasse sem avisá-lo, pois
em qualquer lugar aonde chegasse haveria alguém à minha
espera para matar-me.
— A CIA é dura, hem? — a loura sorriu
enigmàticamente. — Está bem, Pancorbo. Não precisa
preocupar-se mais com seu amigo da CIA, com a tal
Brigitte e com Simão.
— Ele me forçou a falar. Era muito forte e muito
esperto... Foi como se eu... eu estivesse amarrado diante
dele. Não sabia o que fazer, não tinha coragem para nada.
— Está bem, está bem. Foi melhor assim, afinal. Pior
seria se você tivesse denunciado o senhor Calatrava, pois
então estaríamos todos em maus lençóis. Eu consegui
escapar da emboscada, e agora ninguém sabe onde estou.
Nem suspeitam do senhor Calatrava. O gordo olhou
nervosamente para todos os lados.
— Talvez suspeitem e estejam vigiando, esperando...
— Se vigiassem, eu os teria visto. Se eu não os visse,
eles me teriam visto. Já estou aqui há oito horas, o que é
tempo demais para que a CIA ficasse inativa, Raimundo.
— Bem...
— Tranqüilize-se. Por sorte, só souberam de mim. E eu
escapei. Você me explicou o plano, que aprovei. Agora
resta esperarmos Sergei Saborin, mandar que ele volte a
Cuba e depois entrar em ação. Acalme-se, Raimundo.
— Sim, tudo isto é razoável.
— Perfeitamente razoável. Bem, Raimundo, as
informações que eu tenho a seu respeito dizem que é um
homem sereno, despreocupado das contrariedades... Não
combinam com a realidade.
— Não? Pois eu gostaria de vê-la às voltas com a CIA,
escondendo-se dela, evitando-a...
— Há vários anos que eu faço isto — sorriu a loura com
desprezo. — E, se não me engano, na madrugada de ontem
tive um encontro com dois de, seus agentes, um homem
chamado Simão e uma mulher chamada Brigitte. E soube
resolver o problema. Os dois estão agora no fundo do mar,
diante da ponta Naranjas, e eu estou aqui.
— Creio que eu fiquei um pouco nervoso, realmente —
admitiu o gordo. — Mas sei que as coisas não podem
acabar bem, quando começam as traições.
— Este assunto vai acabar bem. E para que ninguém
desconfie de você, nem se ponha a vigiá-lo, eu mesma
dirigirei a marcha para a comporta de Miraflores. Você não
precisa ir, Raimundo.
— É um terreno difícil...
— Mais um motivo. Suas características físicas o fazem
pouco apto a mover-se em terrenos assim, Raimundo.
— Num jipe...
— Está maluco? — exclamou Pavlova. — Ninguém vai
viajar de jipe, depois do que aconteceu. Iremos à comporta
a pé, seus homens e eu. E iremos em silêncio, com
discrição, com rapidez. . . Você ficará aqui, à nossa espera.
— Mas eu planejei ir com você, para explodirmos juntos
a comporta...
— Os planos mudam de acordo com as circunstâncias.
Nunca aprendeu isto, Raimundo?
— Não sei...
— Você e seus homens, na realidade, não passam de
amadores. Eu sou uma profissional da espionagem e da
sabotagem. Por motivos políticos, para provocarmos uma
rebelião dos panamenhos contra os Estados Unidos, temos
de inutilizar a comporta de Miraflores, a poucos
quilômetros daqui. Se a inutilizarmos, os panamenhos
protestarão gritarão, e nossos outros agentes subversivos
insuflarão a rebeldia. O que acontecer então já não será
conosco, Raimundo. Nem com você, nem comigo. Nossa
missão, de acordo com o plano que você preparou seguindo
as instruções, é a de fazermos explodir a comporta. Dadas
as circunstâncias, creio aconselhável que você permaneça
em sua “vila”, comendo abacaxi e bebendo água de coco...
Enquanto isso, seus homens e eu iremos à selva com a carga
de explosivos. Faremos a comporta voar pelos ares e
voltaremos. Se os americanos estiverem vigiando você, o
golpe não pode ser mais perfeito. Se não estiverem, você
estará poupando suas banhas de uma viagem desagradável e
desnecessária. Uma vez inutilizada a comporta e arruinado
o canal, eu voltarei aqui e em seguida partirei de volta à
Colômbia.
— Parece que você considera tudo muito fácil, Pavlova.
— Será fácil — ela olhou, com um sorriso aliciante, para
os sequazes do gordo. — Não será, Camilo, Pedro,
Moncho?
Os três panamenhos sorriram alegremente.
— Creio que sim — assentiu Moncho.
— Parece que é o mais aconselhável — aceitou Pedro.
— Eu também acho — concluiu Camilo.
Raimundo Calatrava olhou Satã, que se deitara
encostado às belas pernas da loura, O cão gania
suavemente, enquanto ela coçava sua cabeça atrás das
orelhas.
— De acordo — murmurou. — Aceito. Parece, mesmo,
que é o melhor.
— Tudo certo, então disse Pavlova. — Agora só falta
que Sergei Saborin apareça aqui. Dir-lhe-emos que volte
para Cuba, já que estou em condições de levar o plano
avante. Em seguida, agiremos.
— Falta acertarmos Outro detalhe — lembrou Calatrava.
— Pancorbo.
— Senhor — gemeu Pancorbo. — Eu fiz aquilo para não
comprometê-lo, para ajudá-lo..
— Não seja idiota, Pancorbo.
— Eu não queria que lhe acontecesse nada!
— Eu me encarrego dele — disse Pavlova, em tom seco.
— Não precisa incomodar-se — sorriu Cala- trava, um
sorriso cruel. — O caso de Pancorbo já está solucionado,
Pavlova.
Fez um sinal aos outros, e Pancorbo foi inesperadamente
empurrado para a piscina. Seu corpo afundou na água,
espadanando. Quando sua cabeça emergiu, o homem
começou a gritar e chorar. Nadou com todas as forças para
uma das escadinhas. Aferrou-se a ela, desesperado, e
começou a subir. Um pé de Moncho golpeou sua boca,
jogando-o à água outra vez. Pedro e Camilo correram para a
outra escada.
— Não! — gritava Pancorbo. — Não, não,
Pavlova Maloief olhava Calatrava com o cenho franzido,
mas este parecia divertir-se muito. Um de seus enormes pés
moveu-se e apertou um azulejo da borda da piscina.
— Tenho um sistema especial para desfazer- me de
cadáveres, Pavlova. Nada de caminhadas longas, balas ou
facadas. Os corpos podem aparecer, um dia ou outro... Não,
não: verá como não deixo rasto de Luís Pancorbo.
Pancorbo nadava em direção à outra escada. Chegou a
ela e agarrou o corrimão com toda a força de que dispunha.
Camilo e Pedro deram repetidos pontapés em seus dedos,
até conseguirem jogá-lo novamente na água.
O nível da água na piscina começou a baixar a olhos
vistos. Em poucos instantes, já Pancorbo não podia alcançar
a borda. E em seguida apareceram na superfície uns dorsos
esverdeados, uns olhos salientes e umas longuíssimas
mandíbulas cor de terra. Os sáurios deslizaram com
impressionante suavidade em direção ao desditoso traidor,
cujos gritos refletiam a terrível angústia, o pânico mortal.
As quatro fauces se aproximaram velozmente dele e
desapareceram debaixo da água. Pancorbo ficou por um
instante sozinho no meio da piscina, paralisado de terror e
mudo de agonia. De repente, soltou um grito pavoroso.
Desapareceu sob a água, para logo voltar. Mas muito
depressa mergulhou outra vez, rodeado de caudas
serrilhadas que batiam fortemente na superfície, levantando
borrifos para todos os lados.
Em seguida, o silêncio. A ondulação da água começou a
serenar, e a piscina se tingiu de um estranho tom rosado...
Raimundo Calatrava mordeu uma laranja e voltou-se
tranquilamente para a espiã, cujo rosto estava
extraordinàriamente pálido.
— Eu lhe disse que não é aconselhável nadar nesta
piscina, não foi?
Pavlova Maloief deixou-se cair numa poltrona de vime.
Acendeu um cigarro com mão trêmula e olhou para o céu,
como se no azul do firmamento pudesse encontrar remédio
para sua náusea.
— Ficou impressionada, Pavlova? — o gordo riu.
Ela o olhou, como se Calatrava fosse mais asqueroso
que os jacarés.
— Raimundo.— murmurou. — Na madrugada de
ontem, eu matei a tal Brigitte e o homem chamado Simão.
Atirei neles, vi-os afundar e depois examinei os cadáveres.
Ordenei a Olav que os jogasse no mar. Mas espero nunca
mais ver uma morte como a que acabo de assistir.
— Tenha calma. Afinal, não foi você quem serviu de
jantar para os jacarés: foi o homem que a denunciou. Devia
estar satisfeita, pois foi vingada. Ninguém jamais o
encontrará. Asseguro-lhe que os bichos não deixarão nem
os ossos. Por que complicaríamos a vida, deixando em
algum canto um cadáver que mais cedo ou mais tarde seria
encontrado?
— É, talvez tenha razão, Raimundo. Mas creio que
qualquer pessoa normal se horroriza ante o espetáculo.
— Você não é normal. É uma espiã, não se lembra?
— Claro que me lembro. E já que mencionamos isto,
gostaria de saber quem era a tal Brigitte, a bonita moreninha
que matei no trapiche.
— Posso mandar Camilo ao Hotel Miraflores, para fazer
algumas averiguações.
— Hotel Miraflores, apartamento dezesseis. . . Eu irei
com Camilo. Creio que terei melhor oportunidade de agir
com eficiência do que ele.
— Não duvido. E tomara que possa encontrar algum
dado interessante a respeito de Brigitte.
***
— Brigitte Montfort? Sim, senhor, está hospedada aqui.
— Gostaria de falar com ela. Anuncie-me, por favor.
Meu nome é Frank Minello. Somos grandes amigos. Diga-
lhe que sou eu, e ela logo me receberá.
O recepcionista do Hotel Miraflores sorriu amàvelmente.
— Com prazer o atenderia, senhor. Mas a senhorita
Montfort não está.
— Onde está, então?
— Não sabemos, senhor. Ela saiu há dois dias, mais ou
menos a esta hora, e não voltou. Estávamos precisamente
pensando em avisar a Polícia.
— Porquê?
— Bem... Ela não tem muita bagagem, e seu valor não
compensa as três diárias que ficou devendo. O senhor
compreende, este é o hotel mais luxuoso do Panamá... Além
disto, é claro, deve-se dar aviso à Polícia quando alguém
desaparece.
— Claro — murmurou Frank Minello, pensativamente.
— Tem um apartamento para mim?
— Sim, senhor, lhe daremos...
— Dê-me qualquer apartamento. E quanto às despesas
da senhorita Montfort, não se preocupe. Eu as pagarei.
— Ela estava no dezesseis, o melhor apartamento do
hotel. É exigente, a moça...
— Sei. Inclua as despesas dela na minha conta. Qual é o
meu apartamento?
— Vinte e seis, senhor. Tem vista para a baía. Agrada-
lhe?
— Muito bem. Mande levar minha maleta. Eu subirei
depois.
— Perfeitamente, senhor.
Frank Minello, como um espião barato, olhou em redor
com ar suspicaz e rumou para a escada.
Pouco depois, parava diante da porta do apartamento
nupcial, o dezesseis. Olhou para os dois lados do corredor,
certificando-se de que estava sozinho, e tirou do bolso uma
gazua. Introduziu-a cuidadosamente na fechadura, girou-a
com ainda maior cautela e a porta se abriu.
Entrou ràpidamente, tirando a pistola do coldre sob a
axila.

CAPITULO QUARTO
Taça de champanha com cereja dá para identificar uma beleza

— Brigitte! — sussurrou.
O silêncio lhe respondeu.
Depois de uns segundos de espera, Frank Minello pegou
a esferográfica que Brigitte lhe havia presenteado há algum
tempo, e que era também uma lanterna. Diminuta, mas
suficiente para orientá-lo nas trevas daquela série de
luxuosos quartos e salas.
Lentamente, o delgado raio de luz foi percorrendo a
salinha de entrada. Um sofá, poltronas, uma pequena mesa,
espelho, cadeiras, um barzinho.
O pequeno círculo de luz retornou ao barzinho. Era um
pequeno balcão brilhante e limpo, ligeiramente curvo. Sobre
ele, uma taça.
Frank Minello aproximou-se silenciosamente, contendo
o nervosismo, apertando a pistola nos dedos. E o círculo de
luz caiu em cheio sobre a taça, iluminando-a
completamente.
Uma taça de champanha, em cujo fundo se via,
agigantada pela distorção, uma cereja. Minello estremeceu.
Champanha com cereja, a bebida favorita de Brigitte!
Mas no mesmo instante o pesar apertou o coração do
repórter. Aquela taça podia estar ali há dois ou três dias. Ou
até mais. A alegria que o dominara no primeiro momento
não tinha razão de ser.
Apanhou a taça, com a unção que dedicaria a uma
relíquia. Seus dedos logo notaram o frio do champanha.
Imaginação!, pensou. O champanha estava fria, realmente,
mas não gelada.
Havia outra maneira de comprovar-se se a champanha
estava ali há dois dias ou há poucos minutos. Levantou a
taça e provou-a. Estava deliciosa. E era “Perignon 55”!
Sentiu na língua a suave efervescência da bebida fresca e
recentemente vertida na taça.
— Brigitte! — chamou carinhosamente. — Onde está
você? Sei que está aqui, e...
De repente, à sua esquerda, saltou uma língua de fogo
alaranjada. Plop! Exatamente do ponto onde divisara a porta
que devia ligar a sala ao dormitório. E simultaneamente à
chispa e ao ruído, a taça despedaçou-se entre seus dedos,
salpicando-o de cristal e champanha.
Deu um salto para o lado e orientou sua pistola para a
porta. Plop! Sua arma, tão silenciosa como a que o alvejara,
despejou uma língua de fogo semelhante à anterior. E o
ruído característico da bala encravando-se em madeira foi
logo seguido por outro plop, vindo da arma atacante. O
projétil zumbiu por cima de sua cabeça, antes de cravar-se
na parede e borrifá-lo de caliça. Tornou a disparar sua
pistola em direção à porta, enquanto corria para a saída do
apartamento.
Estava a poucos passos desta, quando a porta se abriu
diante dele. E um homem apareceu, como uma sombra
estranha, inquietante.
— Doris, deixe que...
Plop!
A bala passou roçando a manga de Frank Minello e
atingiu o peito do homem que surgira à porta. Este caiu de
bruços, e o jornalista saltou por cima de seu corpo,
tropeçando em sua cabeça, correndo para o corredor. Bateu
a porta atrás de si, fechando-a ruidosamente.
— Ai! Doris! — gemeu o ferido.
A porta do dormitório abriu-se totalmente e uma silhueta
feminina correu para o homem. Ajoelhou-se a seu lado, e
em sua mão esquerda apareceu urna luz, que deu de cheio
no rosto do homem.
— Está louco, Camilo? — resmungou ela.
— Ouvi... os tiros... com silenciador... e quis... ajudá-la...
— Ajudar-me? Você pôs tudo a perder! Aquele homem
estava armado, e por isso adotei tantas precauções. Quando
o tenho de costas para mim e vou atirar contra ele, você
aparece, atrapalhando tudo. Onde é que acertei?
— Num lado... do peito... Não é... grave...
— Precisamos sair daqui imediatamente, Camilo. O
homem pode ser da CIA. Está à procura de Brigitte, como
nós.
— Encontrou... alguma coisa... no dormitório?
— Claro que sim. Chamava-se Brigitte Montfort e
trabalhava para um jornal de Nova Iorque, o “Morning
News”. Mas vi uma curiosa maleta, com algumas coisas
muito interessantes... Evidentemente, essa Brigitte Montfort
era uma agente secreto da CIA. Você poderá caminhar?
— Sim... Tentarei... Creio que poderei...
— Então, vamos indo.
— Ele não terá... fechado a porta com...
— Não se preocupe com a porta. Se esse homem é da
CIA, não deve ter vindo só. Creio que há um batalhão de
agentes americanos lá embaixo. Só podemos sair pela janela
do banheiro, passando para o pátio interno, e dali para a
Avenida Gálvez y Soto. Examinei o local. Conseguirá andar
numa saliência de parede, Camilo?
— Sim...
— Pois vamos logo. Já sabemos tudo o que nos interessa
sobre Brigitte Montfort, de modo que só nos resta sumir
daqui. A esta altura, seria um desastre se a CIA nos
encontrasse.
***
No corredor, Frank Minello consultou mais uma vez o
relógio, enquanto a mão direita permanecia afundada no
bolso, empunhando a pistola Seus olhos escuros não se
afastavam muito tempo da porta do apartamento dezesseis.
Mas ninguém pretendia sair por ali...
Franzindo o cenho, decidiu que já havia esperado
demais. Foi até a porta, empurrou-a suavemente. Ela se
abriu um pouco. Com um empurrão, Frank terminou de
abri-la, saltando para um lado no mesmo instante. Mas nada
aconteceu. Esperou um minuto inteiro, e então jogou-se
ràpidamente para dentro, a pistola pronta para disparar,
embora já estivesse certo de que nada ocorreria.
Pôs-se de pé, pouco depois, sempre vigilante, e tornou a
acender a pequena lanterna. Deixou escapar um grunhido,
correu para o interruptor e acendeu a luz. Fechou a porta
atrás de si.
A primeira coisa que viu foi a taça despedaçada, cujos
cacos se espalhavam pelo solo e sobre o barzinho. A cereja
havia ficado sobre o balcão, abandonada... À frente de seus
pés, aquelas manchas de sangue testemunhavam o ocorrido
minutos antes. Suspirou de satisfação, ao compreender que
a pessoa que disparara de dentro do dormitório ferira
acidentalmente o recém- chegado, e que ele escapara ileso
graças a isso.
Estava claro que o ferido e o companheiro deviam ter
fugido por outra saída. Momentos depois comprovou que a
escapada se dera pela janela do banheiro. Encontrou-a
aberta, e ao debruçar-se para fora viu uma saliência pouco
abaixo e um enorme cano que descia até o pátio.
Regressou à salinha, mal-humorado. E ficou parado,
olhando a cereja sobre o balcão. Apanhou-a, limpou-a com
os dedos para remover qualquer caco de cristal, e jogou-a na
boca. Saiu do apartamento.
Surgiu diante do recepcionista, segundos após. Este
abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Frank Minello foi
mais rápido:
— Quem levou champanha para a senhorita Montfort?
— Champanha? — espantou-se o homem.
— Com cereja. Qual foi o garçom que...
— Há um barzinho nos apartamentos de luxo, senhor
Minello. De modo que os hóspedes não precisam pedir
bebidas. Aconteceu alguma coisa, senhor?
— Não...
— Telefonei há poucos minutos para seu apartamento, e
o senhor não atendeu.
— Eu estive batendo na porta do apartamento dezesseis,
pensando que talvez a senhorita Montfort tivesse voltado...
Que queria de mim?
— Lembrei-me de que ela deixou um envelope...
— Para mim?
— Não, senhor, Bem, não sei. A senhorita Montfort
deixou-o há duas noites, antes de sair. Disse que um amigo
viria apanhá-lo. Mas não foi o seu nome que ela mencionou,
senhor Minello.
— Não importa, não importa. Ela me estava esperando
— mentiu o jornalista. — De modo que esse envelope pode
ser entregue a mim. Dê.. mo, por favor.
O empregado o entregou e Frank apressou-se a abri-lo.
Dentro havia uni papel, cujo conteúdo era simples e
também pouco elucidativo. Dizia apenas: “Luís Pancorbo.
Molhes”.
Isto era tudo. Frank voltou-se para o recepcionista,
decepcionado.
— Não deixou mais nada?
— Não, senhor. Lembrei-me disto faz poucos minutos,
depois...
— Sim, sim. Está bem. Obrigado. Diga: conhece um
homem chamado Luís Pancorbo?
— Pancorbo? Não, senhor. Não me recordo deste nome.
— Bem... Creio que vou sair esta noite. Não sei a que
hora voltarei, mas se perguntarem por mim, especialmente a
senhorita Montfort, diga-lhe que regressarei logo que puder.
— Sim, senhor. Digo que o esperem?
Frank Minello esteve a ponto de soltar uma risada.
— Diga apenas que Frank Minello chegou. Ela saberá o
que deve fazer. E para que não se esqueça do recado, tome
este lembrete.
Entregou uma nota de dez dólares ao recepcionista, que
abriu a boca de espanto. E saiu do Hotel Miraflores.
Desceu à calçada, olhando o ruidoso tráfego, iluminado
pelas cores dos anúncios luminosos. Acendeu um cigarro,
esperando até que um táxi passou vazio diante do hotel.
Fez um sinal e o carro parou. Embarcou, calado, perdido
em seus pensamentos. O motorista voltou-se para trás.
— Aonde, senhor?
— Não sei...
— Não sabe? Turista? Quer que o leve a lugares
interessantes? Posso mostrar-lhe.
— Não vim passear, meu amigo. Sabe onde são os
molhes?
— Mais ou menos — sorriu o homem.
— Pois leve-me lá. E, se lhe interessa, estou disposto a
pagar cem dólares a quem me disser onde se pode encontrar
Luís Pancorbo. Meu nome é Minello, e estou hospedado no
Hotel Miraflores.
— Cem dólares! E uma boa quantia...

CAPITULO QUINTO
Sergei Saborin vem, Sergei Saborin vai

— Foi uma grande asneira, Camilo.


— Sinto muito, senhor Calatrava... Pensei que Pavlova
estivesse em apuros, e entrei no apartamento...
— A intenção é louvável — grunhiu Calatrava.
— Mas ela havia ordenado que você a esperasse no lado
de fora, vigiando, e que não entrasse.
— Eu estive vigiando. E vi o sujeito entrar no
apartamento. Pensei que Pavlova poderia dominar a
situação, e que me chamaria no momento oportuno. Colei o
ouvido à porta, e ouvi disparos de duas armas. Isso
significava que o homem reagiria, e pensei que ela
desejasse minha ajuda.
— Pois viu em que deu — Calatrava agora ria.
Agradeceu sua intervenção enfiando-lhe uma bala nas
costelas. Ainda bem que resvalou na costela, sem quebrá-la
nem penetrar no tórax. Você teve sorte, apesar de tudo.
— Uma sorte que não merecia — disse fria- mente
Pavlova Maloief. — Camilo é um incompetente. O homem
nos escapou, e eu quase matei nosso companheiro. Tenho
certeza de que, se eu não o tivesse derrubado com aquele
tiro, o sujeito o teria tirado da frente a balaços na barriga.
— Ainda quer que lhe agradeça? — resmungou Camilo.
— Erra um tiro no inimigo, acerta em mim, e ainda reclama
porque eu não fico contente...
— Você deveria estar — brincou Calatrava.
O rosto do gordo, repentinamente, tornou-se sombrio.
Voltou-se para a loura:
— Quem seria aquele sujeito, Pavlova?
— Creio que só há uma resposta, Raimundo.
— Da CIA?
— Naturalmente. Estão procurando Brigitte Montfort, a
jornalista do “Morning News” de Nova Iorque. Vi alguns
documentos no apartamento. E vi uma maleta muito
interessante, contendo coisas que me fizeram compreender:
a garota que matei no trapiche era uma espiã de primeira
categoria. A menos que os mortos mudem muito...
— O quê?
— Se os mortos não mudam de rosto, a moça que Olav e
eu matamos era Brigitte Montfort.
— Como sabe com tanta certeza?
— Esquece que Olav recolheu os corpos dos dois? Vi os
rostos de ambos. E o da pequena era igual ao que vi num
dos documentos de Brigitte Montfort, no hotel.
— Ah!
— Por isto digo: se os mortos não mudam de rosto, e é
claro que não mudam, a espiã que matamos era Brigitte
Montfort. O homem era Simão, apenas Simão para nós, pois
não sabemos mais nada sobre ele. E os companheiros de
Brigitte e Simão estão à sua procura, o que me parece muito
compreensível. E muito conveniente.
— Conveniente? Por quê?
— Se estão à sua procura aqui, é porque não sabem que
eles foram ao trapiche. Talvez nem saibam em que é que os
dois estavam metidos. Quem sabe não tiveram tempo de
avisar a CIA?
— Seria ótimo.
A loura encolheu os ombros e acendeu um cigarro.
— Devemos agarrar-nos a esta estupenda possibilidade.
Mas, de um modo ou outro, levemos nosso plano adiante.
Tem os explosivos prontos, Raimundo?
— Claro.
— Os detonadores, os fios, o mecanismo automático?
— Tudo. Só falta levar para lá, ligar e voltar.
— Não sei... Não me parece prudente sairmos à noite,
Raimundo. Que acha?
— Bem... A selva não é muito cerrada até lá, mas isto é
assunto que você deve decidir, pois eu ficarei aqui.
— Quanto tempo se leva para chegar à comporta de
Miraflores?
— É pouco mais de quinze quilômetros. Mas o caminho
não é bom, e vocês irão a pé. Digamos, umas seis ou sete
horas. Muito tempo e muita trabalheira, Pavlova. Por isto é
que eu tinha pensado no jipe. Que há, Jaime?
Mito acabava de aparecer, surgindo da entrada da “vila”.
Pavlova, Calatrava, Camilo, Moncho e Pedro estavam
reunidos na varanda, o gordo afundado em sua poltrona
especial e os outros espalhados nas cadeiras comuns de
vime. Duas lâmpadas vermelhas e tênues iluminavam o
local sem atrair insetos. Lá fora, a noite deixava ouvir seus
ruídos peculiares, e d quando em quando um vaga-lume
traçava uma pincelada de luz no ar.
Jaime apontou para trás, e todos viram um homem a dois
passos dele.
— Acaba de chegar, e deu a senha.
O homem adiantou-se. Alto, muito forte, testa ampla,
olhos escuros e frios, boca de desenho áspero. Parou, a
olhar fixamente para Calatrava.
— Calatrava?
— Sim, sou eu.
— Sou Sergei Saborin — voltou-se para a loura e
perguntou: — E você é Pavlova Maloief?
— Sim. Você se atrasou, Sergei Saborin.
— Minha lancha teve uma pequena avaria... Quem são
estes homens?
— Meus auxiliares — esclareceu Calatrava,
enumerando-os: — Camilo, Pedro, Moncho e Jaime. Eles
vão levar os explosivos à comporta.
— Trataremos disso depois — voltou-se novamente para
a loura e perguntou em russo: — Informaram-nos que você
teve um problema, Pavlova; que foi?
A jovem sorriu secamente e também falou russo.
— Muita gente teve complicações, não eu. Diga-me,
Sergei: de onde é que você veio?
— De Cuba.
— Para quê?
— Para substituí-la, já que nos informaram que você não
compareceu ao local designado em seu devido tempo.
— Quem lhe deu a informação?
— Um de nossos agentes de ligação na América Central
— o russo, repentinamente, sorriu. — Está me interrogando
para verificar se sou realmente Sergei Saborin?
— Exatamente. E o motivo é simples: não o conheço.
— Nem eu a você.
— Pergunte o que quiser, então. Até convencer-se.
— Posso saber qual é o assunto? — grunhiu Calatrava,
que não entendia uma palavra do idioma.
Saborin olhou-o com ar crítico, ainda um pouco
espantado da corpulência do homem.
— Pavlova e eu estamos trocando cumprimentos,
Calatrava.
— Cumprimentos! Eu creio que não estão aqui para isso,
Saborin. Há uma tarefa a cumprir, mas não precisamos de
você. O melhor será que volte para seu posto em Cuba.
Veio pelo Canal?
— Naturalmente.
— Com documentos falsos?
— Que acha? — riu o russo.
— Não faça perguntas idiotas, Raimundo — interveio a
loura. — É óbvio que Sergei passou pelo Canal com
documentação falsa. Que esperava que fizesse?
— Não sei... Bem, de qualquer modo, creio que ele deve
sumir daqui imediatamente. Vamos comunicar-nos com
Cuba para que o avisassem, e você evitasse vir ao Panamá.
Mas julgamos que você não teria condições de receber a
mensagem, de modo que não adiantaria chamarmos Cuba.
— Deveriam ter chamado. Minha lancha tem uma
emissora capaz de alcançar muito mais longe. Teria
recebido a mensagem.
— É pena que não soubéssemos... Mas não se perdeu
grande coisa. Você volta, e está liquidado o assunto.
— Nada disso, Calatrava. Não vou voltar
imediatamente. Devo permanecer no Panamá pelo menos
esta noite. Amanhã, a comporta e uma parte do Canal
estarão destruídas, de modo que não poderei fazê-lo por
mar, A menos que atravesse os sessenta e tantos
quilômetros do istmo, o que não me atrai. Tenho outra
solução.
— Qual é?
— Um helicóptero. Vem trazendo dois especialistas em
sabotagem, que saíram de Cuba depois de mim. Calculo que
chegarão dentro de umas duas horas.
— Mas um helicóptero é um pouco escandaloso...
— Não, eles não chegarão ao Panamá no helicóptero.
Descerão dele no mar, com um barco de borracha. Remarão
até o ponto combinado, e lá os receberemos.
— Qual é esse ponto?
— Caleta Blanca. Conhece?
— Suponho que não veio ensinar-me geografia de meu
país, Saborin. Caleta Bianca é a pouco mais de meio
quilômetro da cidade. Não é um lugar muito agradável,
semeado de rochas esbranquiçadas, ásperas.
— O lugar ideal para que não haja ninguém lá — sorriu
Saborin. — Não acha?
— Tem razão. Mas há uma coisa que não entendo: por
que mandaram esses especialistas em sabotagem?
— Julgamos que talvez vocês estivessem em
dificuldades para a empreitada, Calatrava.
— E...
— Então, decidimos fazê-lo nós mesmos. Pavlova eu e
os dois companheiros nos encarregaremos de tudo. Você só
precisa fornecer-nos um guia que nos conduza até lá pelo
caminho mais rápido e seguro. Efetuada a explosão,
Pavlova se dirigirá à Colômbia e nós a Cuba.
Raimundo Calatrava não pôde ocultar seu desagrado.
— E para isto me deram tanto trabalho, Saborin?
O sorriso do espião russo agora era duro como aço.
— Terá de perdoar-nos, Calatrava. Parece que erramos
ao julgar que você não discutiria as ordens que recebesse.
O gordo mordeu os lábios e empalideceu um pouco.
— Entendo. Tem razão Saborin. De acordo: será feito
segundo suas ordens, naturalmente.
— Muito obrigado. Esclarecido isto, resta-nos esperar os
especialistas. Rum... Não temos muito tempo, já que é
possível que cheguem antes do tempo previsto. Precisamos
estar no lugar combinado. Mas, que tal me informarem
quais foram as contrariedades que surgiram?
— Eu o informarei, Sergei — ofereceu-se a loura. —
Podemos conversar no caminho.
— No caminho?
— Se você não tem objeção a fazer, irei junto, ao
encontro dos companheiros. Quando chegarmos lá, você já
saberá tudo em detalhes. E quando nós, os quatro,
regressarmos em busca dos explosivos e do guia, já
estaremos combinados.
Sergei Saborin olhou com admiração a bela loura.
— Grande idéia, Pavlova. Vamos imediatamente, já que
devemos fazer uma caminhada e o tempo é escasso.
— Posso emprestar-lhe um carro — ofereceu Calatrava.
— Não interessa, Calatrava — recusou Saborin. — Nada
de veículos com placas e marcas e cores... Não. Temos
tempo para ir a pé, e é mais seguro. Concorda, Pavlova?
— Sim, Sergei.
A loura levantou-se, logo imitada por Saborin.
Despediram-se, e Jaime os acompanhou até o portão.
Quando voltou à varanda, os outros estavam sombrios e
silenciosos.
— De qualquer modo — sorriu Jaime — nós saímos
ganhando. Eles nos pagam, façamos ou não o trabalho. Se
eles querem correr todos os riscos, melhor para nós.
— Um de nós correrá perigos — insinuou Moncho.
— Quem?
— O guia que os conduzir à comporta.
— Ah,é verdade...
Os quatro homens se entreolharam, expectantes.
Finalmente, todos dirigiram o olhar a Calatrava. Este
levantou uma das mãos e decidiu, salomonicamente:
— Tirem a sorte.
***
— Não estamos indo para Caleta Bianca — disse
Pavlova, já na cidade. — Mas para os molhes.
— Sim. .. Preciso ir até lá para verificar se tudo está bem
na lancha. E chamarei o helicóptero pelo rádio, para
informar-me se tudo corre bem.
— Está certo.
— Continuaram caminhando em silêncio, atravessando
ruas cheias de letreiros luminosos em espanhol e inglês. A
maior parte dos transeuntes usava terno branco e chapéu de
palha fina e delicada. Falavam aos gritos, gesticulando,
sobretudo depois da passagem da espetacular loura. As
portas dos bares e tabernas ferviam de freqüentadores.
Saborin, já a par do que sucedera a Pavlova Maloief no
trapiche, voltou-se de repente para ela, inquieto,
murmurando:
— É estranho, este descontrole que parece existir na
CIA. Um agente não desaparece sem mais nem menos, não
deixando uma pista de seu trajeto.
— Em geral é assim — admitiu a loura. — Mas eu
própria, Sergei, às vezes ajo sozinha, forçada pelas
circunstâncias. Se numa ocasião dessas me matassem, a
MVD jamais saberia notícias minhas.
— Sim, entendo. A mim também já aconteceu, mas...
— Você não estará superestimando a CIA? Olav e eu
matamos dois agentes, um chamado Simão e a famosa
Brigitte Montfort. A CIA está desconcertada, procurando os
dois. Não me parece que seja uma organização muito
eficiente.
— Talvez seja desconfiança minha, Pavlova. Não sei.
Mas creio que não convém sermos vistos juntos.
— Que quer dizer?
Sergei Saborin refletiu uns segundos, caminhando
sempre a passos largos, antes de responder.
— Creio que é melhor que nos separemos. Sabe onde é a
Caleta Blanca?
— Claro. Não saímos para lugar algum sem estudar bem
o terreno, nos mais completos mapas. Conheço
perfeitamente a cidade, o canal, os arredores, a estrada de
ferro, o aeroporto.
— Bem. Esta é a idéia, Pavlova: separemos-nos agora
mesmo. Vá para Caleta Bianca, e lá nos encontraremos de
novo. Eu vou comunicar- me com o helicóptero, do rádio na
lancha.
Pavlova Maloief parou, olhando-o fixamente, cenho um
tanto franzido. Por fim, assentiu com a cabeça.
— Como queira, Sergei.
— Creio que é o melhor. Até logo.
— Até logo.
Separaram-se. Sergei Saborin continuou caminhando
para os molhes durante um trecho, mas de repente voltou
sobre seus passos. Rode- ou um quarteirão, depois outro.
Voltou a retroceder, desviou-se para o sul, regressou para o
norte, de novo para o centro da cidade, outra vez para os
molhes. Tudo em menos de quinze minutos, sempre dando
voltas pelas mesmas ruas, caminhando apressado, a passo
vigoroso.
Por fim, chegou à parte dos molhes onde tinha sua
lancha. Olhou para trás e para os lados dissimuladamente, e
saltou ao interior. Era uma lancha bem montada, de
matrícula norte-americana, potente. Saborin entrou na
cabina, inclinando-se para passar pela porta baixa. Sem
acender luz alguma, foi ao fundo da cabina e sentou-se
diante do rádio. Efetuou a ligação numa tomada escondida a
um canto, e pôs o dial em posição. Falou em inglês:
— Anfíbio chamando Voador. Anfíbio chamando
Voador. Câmbio.
— Voador na escuta. Fale, Anfíbio.
— Tudo vai bem, rapazes. Encontrei minha ex-noiva e
espero reatar o noivado. Lembram-se dela? Chama-se
Doris, e tem umas amiguinhas que esperam vocês para
começarmos a festa. Entendeu, Voador?
— Perfeitamente, Anfíbio — riu o interlocutor. — É uma
ótima notícia.
— Há um problema, no entanto. Achei Doris diferente.
Talvez seja imaginação minha, já que não a conhecia muito
bem. Achei-a muito parecida com aquela bailarina russa que
vimos em Miami, umas semanas atrás. E não tenho certeza
se é uma ou a outra. Entendeu?
— Entendi. A bailarina russa chama-se Pavlova Maloief,
se não me engano.
— Sim, é esse o nome. Mandei Doris seguir na frente,
pois vocês podiam chegar logo. Se chegarem antes de mim,
cuidem-se dela. Talvez Doris não esteja de muito bom
humor...
— Você acredita que tenha mudado tanto, a ponto de
transformar-se em outra pessoa?
— Nunca se sabe, não é? De qualquer modo, tratem-na
com cuidado, de acordo com as circunstâncias.
— Muito bem, muito bem. E as outras pequenas, que
tal?
— Uma é gorda, como você gosta. As outras são tipos
comuns. Não muito inteligentes, mas isto não interessa
muito, não é?
— OK. Mais alguma coisa?
— A que distância vocês estão?
— Chegaremos dentro de meia hora.
— Se eu não estiver lá, ainda, Doris receberá vocês.
Tenho de falar com minha família, antes de ir. Esperem-me
no lugar combinado. Tudo pronto, Charlie?
— Tudo. E tudo entendido.
— Então, saio do ar.
Sergei Saborin moveu novamente o dial da emissora e
fez outra chamada:
— Anfíbio a Casa. Está escutando, Casa? Câmbio.
— Casa à escuta. Como vai, meu filho?
— Bem, papai. Todos bem aí!
— Todos. Como se foi de viagem?
— Otimamente. O Voador está quase chegando,
também. E encontrei minha ex-noiva Doris.
— Não havia sofrido um acidente?
— Não, felizmente não. Saiu com sorte do acidente. O
outro carro é que ficou avariado. Ela está bem, papai.
Lembra-se dela?
— Claro que lembro. É uma moça muito bonita...
— Loura ou morena?
— Loura. E que loura!
— Trinta e cinco anos?
— Não! Deve ter uns dez anos menos, filho.
— Olhos azuis?
— Bem... Parece que sim. Azul, verde, cinzento... De
tudo um pouco, creio.
— Você se lembra muito bem dela, papai.
— Como não havia de lembrar uma beleza daquelas? E,
além disso, pouco depois de você partir chegou uma
fotografia dela. Fotografia colorida. Parece que uns amigos
a enviaram da Colômbia para cá. Ela deve ter esquecido a
fotografia naquele país, e remeteram cá para Casa. Ela é
uma loura e tanto, rapaz. Mas não me faça falar mais nela,
pois sua mãe pode ouvir-me e ficar com ciúmes.
— Muito bem, papai. — Saborin riu com gosto. — Não
há dúvida de que você a conhece bem. Eu estava enganado,
segundo parece. Beijos à mamãe. Saio do ar.
Cortou a ligação.
E naquele mesmo instante sentiu que havia alguém atrás
dele. Em uma imponderável fração de segundo, Sergei
Saborin compreendeu o que estava ocorrendo: o rádio o
tornara surdo, enquanto conferenciava com o Voador e a
Casa, impedindo-o de escutar qualquer ruído na lancha. E
alguém havia embarcado, silencioso como uma sombra. E
estava atrás dele, esperando.
Tudo isto passou pela mente de Sergei Saborin em
menos tempo do que o que necessitou para mover a mão
direita em direção à axila, onde tinha a pistola.
Pouco tempo. Uma fração infinitesimal de segundo. Mas
o suficiente para que a pessoa que estava atrás dele passasse
um braço em redor de seu pescoço. Ao sentir-se agarrado,
tentou virar- se. Mas a outra mão do atacante, empunhando
um punhal, foi mais rápida. A ponta aguda afundou entre
duas costelas, com um som abafado. Sergei Saborin soltou
um gemido, meio afogado pelo braço que lhe apertava o
pescoço. Conseguiu tirar a pistola do coldre, mas o punhal
enfiou-se outra vez em suas costas, implacável, diluindo
suas energias, retalhando seus músculos, levando um frio
mortal a seu coração. Outra vez o punhal mergulhou nas
carnes de Sergei Saborin. Mas, embora ele ainda respirasse,
já não era necessário. Depois do segundo golpe, só lhe
restariam alguns segundos de vida.
O braço afrouxou a pressão e o corpo do russo
escorregou para o solo. Lentamente, mole- mente. A luz
vermelha do tabuleiro da emissora brilhou em seus olhos
arregalados e sem vida, refletindo a imagem do assassino.
Em seguida, a mão apagou o rádio. E a cabina ficou em
total escuridão.
***
O bote de borracha embicou na margem de Caleta
Bianca. Um vulto feminino surgiu entre as rochas,
aproximando-se dos dois homens que já saltavam na areia.
Um deles puxou ràpidamente a pistola, apontando para o
vulto escultural da loura.
— Doris?
— Sim?
— Que mais?
— Pavlova Maloief, da base colombiana da MVD.
— Muito bem — o homem guardou a pistola.
— Eu sou Basil, e este aqui é Ferenko. Onde está
Sergei?
— Creio que não demorará. Deixei-o a caminho dos
molhes. Disse-me que ia fazer uma chamada pelo rádio para
o helicóptero. Mandou-me na frente, pois julga conveniente
que não nos vejam juntos.
— Sim, ele nos falou nisso. Mandou que o esperemos
aqui. Vamos esconder o barco. Creio que ele não vai
demorar muito.
***
Ferenko perdeu a paciência.
— Sergei está demorando. Estamos esperando há mais
de uma hora! Os molhes são tão distantes assim, Pavlova?
— Não. E Sergei caminha depressa.
— Acho conveniente irmos aos molhes, à sua procura.
— Conhece a lancha? — perguntou a loura.
— Eu conheço — adiantou-se Basil.
— Bem... Creio que tem razão. Vamos lá. Ele já deveria
estar aqui há muito tempo. Basil, descreva-nos a lancha, e
nós três a procuraremos. Vamos separados, mas sem nos
afastarmos muito, uns dos outros. Já são quase onze horas, e
precisamos apressar-nos, para termos tempo de fazer voar a
comporta esta noite.

CAPITULO SEXTO
Mensagem para o senhor Frank Minello

Foi Ferenko quem o encontrou.


Quando Pavlova Maloief e Basil se juntaram a ele, os
três ficaram silenciosos, olhando sombriamente o cadáver
de seu companheiro de missão.
— Foi apunhalado pelas costas — murmurou Basil.
— E com golpes certeiros — resmungou Ferenko.
— A CIA — sussurrou Pavlova. — Só pode ser a CIA,
Ferenko. As complicações não terminaram. Parece que eles
estão seguindo nossa pista. Matamos dois agentes, e agora
eles apanharam um nosso. Temos de sair imediatamente
daqui, e com as armas nas mãos. Isto pode ser uma
armadilha.
— Você escapou, porque se separou de Sergei —
grunhiu Basil.
Pavlova Maloief olhou-o com frieza.
— Foi ele quem resolveu separar-se de mim. Está
insinuando alguma coisa, Basil?
— Ela tem razão — interveio Ferenko. — Sergei falou
conosco, e disse isto mesmo. Precisamos conservar a calma.
Sobretudo por termos a CIA contra nós.
— Está bem. Que faremos com Sergei?
Foi Pavlova Maloief quem encontrou a solução.
— Vamos zarpar com a lancha. Se estiverem no molhe,
emboscados, terão uma decepção. Se não estiverem,
melhor. Deixaremos a lancha em algum lugar bem oculto e
viajaremos nela depois de explodir a comporta de
Miraflores. Como não poderemos sair pelo Canal, vamos
todos para a Colômbia. De lá será fácil vocês voltarem para
a base em Cuba.
Ferenko e Basil trocaram um olhar interrogativo. Basil
pareceu hesitar, mas Ferenko aceitou o plano.
— Acho que é o melhor que temos a fazer. E em seguida
vamos procurar o tal Raimundo Calatrava. Depois, a
comporta de Miraflores.
***
Raimundo Calatrava deu um pulo ao receber a notícia.
Seu rosto mudou de cor e as bochechas tremeram
visivelmente.
— Não estou gostando... — exclamou. — Alguma coisa
está errada, Pavlova.
— Que sugere? — a voz da loura congelou o gordo. —
Quer que Ferenko, Basil e eu vamos embora do Panamá
sem explodirmos a comporta, quem sabe?
— Não sei. Talvez fosse mais prudente. Basil agarrou
rudemente Calatrava pela blusa escandalosamente colorida.
— Escute, porco...
— Pare, Basil — interveio Pavlova, sempre calma. —
Se Satã o vê fazendo isso... Não vamos brigar, agora.
Vamos é tratar de explodir a comporta. Não interessa se é
prudente ou não, já que recebemos ordem de fazê-lo.
Nossos superiores resolveram assim, por motivos políticos,
e só nos resta obedecer. Somos agentes de ação, e vamos
entrar em ação. Está entendendo, Raimundo?
O gordo olhava de um para outro, branco como uma
folha de papel.
— Está bem — murmurou. — Farei o que for
necessário.
— Só queremos o guia e os explosivos.
— Em menos de um minuto. Mas não poderão chegar à
comporta antes que amanheça. O dia clareia pelas quatro
horas, e já passa de meia- noite. Não conseguirão chegar lá
durante a noite.
— Também para isto há solução — disse a loura,
decidida. — Você pretendia ir num jipe...
— Com meu corpo...
— Oh, é verdade. E mais fácil ganhar dinheiro sentado
nessa poltrona, não é? Não se preocupe, pois nós faremos
todo o trabalho. Você só precisa fornecer-nos O guia, o jipe
e os explosivos. Estudei bens o plano. E o guia precisará ir
apenas até onde seja imprescindível. Basta que ele nos
conduza ao lugar que assinalamos no mapa e espere para
voltar conosco. Ou pode deixar o jipe lá e voltar a pé, se
julgar mais seguro para o seu pescoço. Voltaremos
sozinhos.
— Assim é mais seguro — exclamou Camilo. Calatrava
apontou para ele.
— É o guia. Vá tirar o jipe da garagem, Camilo. E
vocês, tirem os explosivos do depósito. Ponham a carga
com cuidado no jipe, sim?
Camilo, Pedro e Mancho desapareceram, seguidos de
longe pelo lento Jaime. Calatrava tomou um gole de
refresco, pensativo. De repente, olhou para a loura e
perguntou:
— Onde deixaram a lancha?
— Isto é conosco, Raimundo. Regressaremos no jipe, o
deixaremos aqui para você, e iremos embora. Só isso lhe
interessa.
— Sim, é claro. Tornarei a vê-la, Pavlova?
Um sorriso sarcástico e frio apareceu nos lábios da
loura.
— Decerto, Raimundo. Se está pensando que vai
acontecer-me alguma coisa má, esqueça. Ninguém me
impedirá de chegar à comporta, fazê-la voar pelos ares e
voltar aqui. Não posso renunciar ao prazer de despedir-me
de você. Para sempre.
— Para sempre? Não pensou em minha... proposta?
— Nem por um momento. — Pavlova Maloief fez uma
expressão de asco. — O dinheiro soluciona quase tudo,
Raimundo. Mas apenas quase tudo... Com quem pensa que
está lidando?
— Com uma mulher, ora!
— Mas nem todas as mulheres se vendem, idiota. De
qualquer modo, pode ficar certo de que nunca encontrou
uma mulher como eu. E não esqueça de que o mel não foi
feito para alimentar porcos.
Ferenko soltou uma risadinha seca, enquanto Basil
olhava com indisfarçável repugnância o dono da casa. A
loura, por sua vez, acariciava o deliciado Satã com seus
dedos bem torneados, enquanto com a outra mão sustentava
um copo de refresco. Seus belos olhos fitavam o gordo
Calatrava com uma chispa de ironia.
Pouco depois, Camilo voltava. Tinha a expressão
preocupada, evidentemente nada tranqüilo com o futuro.
— Está pronto. Podemos sair quando quiserem.
— Pois vamos andando. Já é quase uma hora. Quanto
tempo levaremos, Camilo?
— Não sei. Teremos de procurar um caminho transitável
e pouco movimentado, o que é difícil. As estradas estão em
mau estado, devido às últimas chuvas. Mas encontrarei uma
combinação de caminhos que nos servirá. É um pouco mais
longa, é claro. E demoraremos tanto como a pé, em certos
trechos.
— Chegaremos antes do amanhecer?
— Oh, sim. Espero chegar lá pelas três horas.
— Teremos uma hora para colocar os explosivos. É
suficiente, Basil?
— Então, vamos.
***
Atingiram as proximidades da comporta de Miraflores
cinco minutos antes das três horas. A previsão de Camilo
fora acertada, O guia, que em todo o caminho não cessara
de queixar-se da sorte, pois perdera para os companheiros
no sorteio determinado por Calatrava, dirigiu hàbilmente o
veículo. Passava de uma a outra estrada, através de atalhos
aparentemente intransitáveis, evitando encontrar outros
veículos no caminho.
Camilo queixava-se disto, também, alegando que
tardariam menos de uma hora se seguissem diretamente
para a comporta.
— Basta de queixas — cortou Pavlova. — Agora que
chegamos, cale-se de uma vez. Mostre-me o ponto exato em
que estamos.
— Dê-me o mapa.
Os quatro desceram do jipe, que Camilo estacionara em
meio às frondosas árvores da selva. Guiados por ele,
atravessaram aquele trecho da mata, chegando à borda de
uma enorme clareira. O terreno era baixo, levemente
ondulado, e a menos de quinhentos metros à sua frente se
viam as luzes da comporta de Miraflores.
Pavlova, que estudara detidamente o mapa, sabia que o
Canal naquele ponto é cortado pelo dique central da
comporta, paralelo as suas margens, e a cada lado uma
comporta. Ainda mais perto deles, e à mesma altura das
comportas, viam-se as luzes dos edifícios onde se situam os
escritórios e oficinas. A estrada, depois da ponte que
atravessa um dos ramais secundários do Canal, d bem
iluminada.
Em redor de Miraflores, na selva baixa, tudo era
silêncio. Apenas se ouvia o normal ruído noturno, e nem
sequer o marulhar das águas no Canal era audível.
— A vigilância não foi reforçada — murmurou Pavlova
Maloief.
— E por que haveria de ser? — grunhiu Camilo. — Há
uma vigilância normal, dia e noite. São simples
empregados, gente de pouca ação, cabeça dura e olhos que
não enxergam. Vocês poderão enganá-los fàcilmente.
— Esperemos que seja assim. Agora, vamos examinar o
mapa, Camilo — a loura o desdobrou, iluminando-o com
uma minúscula lanterna.
— Temos aqui os pontos onde devem ser colocadas as
cargas. Ferenko e Basil saberão chegar até eles e fazer o
trabalho. Isto já está bem estudado. Queremos que marque
no mapa o caminho de volta.
— O mapa não lhes servirá muito, se vão percorrer a
selva e estes malditos caminhos, Pavlova.
— Não serviria a você, mas para nós será útil. De
qualquer modo, a volta será mais rápida. Não pretendemos
perder tempo na selva, nem nos caminhos embarrados.
Marque dois itinerários: um, o mais fácil que conduza a
Punta Brujas...
— Deixaram a lancha lá?
— Não é de sua conta, Camilo. O segundo será o mais
rápido para voltarmos a “Vila Tortuga”.
Camilo olhou alarmado para a loura.
— Vai voltar à “vila”?
— Talvez — Pavlova sorriu secamente. — Limite-se a
fazer o que estou ordenando.
— Está bem. Espero que saibam resolver como for mais
conveniente.
— Pode estar certo que saberemos.
Camilo marcou no mapa os dois itinerários pedidos por
Pavlova, com um lápis vermelho que ela mesma lhe
alcançou.
— Muito bem. Agora, vamos descarregar os explosivos.
Vamos fazer deste lugar a nossa base.
— Não pesam muito — opinou Basil. — Ferenko e eu
podemos levá-los diretamente aos lugares onde serão
dispostos. Assim ganharemos tempo.
— Não se trata de ganhar tempo, pois chegamos a uma
hora conveniente. Mas de trabalhar com segurança. Vamos
trazê-los para cá, com a ajuda de Camilo. Depois, ele
poderá ir embora, se quiser.
— Prefiro ir — concordou logo o guia.
— Pois irá a pé — disse friamente a loura. — A
explosão, por mais que retardemos o mecanismo, nos
alcançaria muito perto das comportas, se voltássemos a pé.
Você terá muito mais tempo, pois sairá antes.
— Vou a pé mesmo.
— Vamos buscar os explosivos — resmungou Basil.
Os três homens trasladaram o material ao lugar que lhes
servira de observatório, enquanto Pavlova Maloief
explorava ràpidamente os arredores. Quando ela voltou a
reunir-se aos homens, tudo estava convenientemente
empilhado.
— Pode ir embora, Camilo.
O panamenho estendeu a mão.
— Desejo que tenham sorte, e.
Calou-se e retirou a mão, pois a luz das estrelas lhe
revelou três olhares gelados. Depois de hesitar um instante,
deu meia volta e encontrou o caminho entre as árvores.
Pavlova ordenou aos outros:
— Comecem a carregar o material. E se eu não tiver
voltado, quando estiverem prontos, podem ir sem mim.
— Aonde é que você vai?
— Não confio em Camilo. Vou segui-lo, para que não
nos faça uma surpresa levando o jipe.
— É uma boa idéia, Pavlova. Ele parece estar muito
assustado, e pode inventar qualquer asneira.
— Gente como ele só serve para pequenas tarefas e
assassinatos... Sabe enfiar uma faca na barriga de uma
pessoa incômoda. Mas se essa pessoa também tiver uma
faca, a coisa fica mais difícil — Ferenko sorriu. — Foi bom
termos vindo, pois os homens de Calatrava não dariam
conta do recado.
— Os chefes deviam ter decidido assim desde o início
— concordou Pavlova. — Mandaram- me para dirigir um
bando de idiotas, que não fariam voar a comporta.
— Parece mentira...
— Basta de conversa. Vamos trabalhar — cortou
Pavlova. — Vou garantir que Camilo não leve o jipe. São
três e dez, de modo que às três e quarenta e cinco, tudo pode
estar feito. E às cinco, o mais tardar, podemos estar
chegando a Punta Brujas ou a “Vila Tortuga”.
***
Frank Minello voltou ao hotel às três e meia da
madrugada, barbudo, cansado, decepcionado. E, sobretudo
triste, pois não encontrara o menor sinal de Pancorbo nos
molhes. Nem a menor notícia de Brigitte.
— Minha chave, por favor.
— Oh, senhor Minello. Há um recado para o, senhor.
— Um recado? — o moral de Frank voltou
imediatamente ao nível normal. Que está esperando?
O recepcionista do hotel estendeu-lhe um envelope. Ou
melhor, um papel encardido, que alguém improvisara em
envelope. Minello desdobrou-o e leu o conteúdo:
“Pancorbo jamais aparecerá. Vigie a “Vila Tortuga”,
bem armado e com muito cuidado.”
Olhou para o recepcionista.
— Quem deixou este recado?
— Não sei, senhor. Encontrei-o em cima do balcão.
Ninguém se apresentou com ele, simplesmente apareceu
aqui. Guardei-o para o senhor, pois tinha seu nome.
— Fez bem. Sabe onde que fica a “Vila Tortuga”?
— Não, senhor.
Frank Minello pôs umas cédulas sobre o balcão.
— Você e o homem que for capaz de levar-me o mais
depressa a “Vila Tortuga” podem repartir este dinheiro.
Estarei no apartamento, tomando um banho rápido e
descansando um pouco. Mas chame-me logo que conseguir
alguém que possa levar-me lá.
— Sim, senhor. Obrigado, senhor...

CAPITULO SÉTIMO
Um convite à piscina

Passou pelo apartamento 16, o de Brigitte. Mas nada


mudara, desde a última vez que estivera ali.
Foi ao seu, tomou um banho de chuveiro. A água fria
retemperou suas energias, e o sono desapareceu.
Barbeou-se e acendeu um cigarro. Vestiu roupas limpas
e recostou-se na cama, para descansar e meditar.
O telefone tocou antes que o cigarro terminasse. Soltou-
o no cinzeiro e apanhou o fone.
— Alô?
— Senhor Minello, encontrei um motorista que sabe
onde é a “Vila Tortuga”.
— Onde está ele?
— Na porta, á sua espera. Quando quiser...
— Desço imediatamente.
— Senhor Minello...
—Sim?
— Quanto à senhorita Montfort, o gerente acha que,
embora o senhor pague suas despesas, devemos avisar a
Polícia. Compreenda... Resolvemos avisar às dez da manhã,
se até essa hora a senhorita Montfort não voltar.
— Entendo. Está bem, façam como acharem melhor. Já
vou descer.
Saiu apressadamente do apartamento, e em poucos
segundos estava no vestíbulo do hotel. Antes que chegasse
ao balcão, o recepcionista apontou um homem que estava
ao lado da porta, fumando um cigarro de palha muito
comprido e fino. Frank dirigiu-se a ele.
— Você pode levar-me à “Vila Tortuga”?
— Sim, senhor. Sei onde é. Não é longe daqui.
— Vamos, então.
Saíram, e Minello instalou-se no banco traseiro do carro,
enquanto o motorista punha o motor em marcha.
— Muito bem — suspirou o jornalista. — Vejamos: que
me diz dessa “vila”?
— É num bairro próximo ao Canal, senhor. Passei por lá
diversas vezes.
— Quem é que mora nela?
— Ah, não sei. Cipriano perguntou se eu sabia onde fica,
dizendo que alguém oferecia cem dólares para ir até lá, e
aceitei imediatamente a oferta.
— Entendo. Demoraremos muito a chegar? O motorista
consultou o relógio.
— Estaremos lá às quatro horas, mais ou menos. É perto.
Frank examinou sua pistola, verificando estar municiada
e bem lubrificada. Em ordem para qualquer eventualidade.
Guardou-a no coldre, franzindo o cenho sombriamente.
Nem sequer tinha esperança de encontrar Brigitte, que
começava a duvidar que estivesse viva. A taça de
champanha com cereja podia ter sido uma brincadeira cruel
e ao mesmo tempo uma isca dos assassinos da belíssima
espiã. Quanto à mensagem que recebera, escrita, em
grandes letras maiúsculas, desiguais na forma e no estilo,
não davam a menor indicação de que se referisse a Brigitte.
Talvez indicasse seus matadores. E então...
— Estamos chegando, senhor.
Frank Minello olhou para o lugar que a mão esquerda do
motorista indicava. Viu ao longe uma casa rodeada de
árvores de diferentes alturas, tufos de flores e arbustos. Um
quarteirão inteiro. E em redor, uma alta cerca de ferro.
As primeiras luzes do novo dia começavam a tingir o
horizonte. Dentro em pouco a aurora permitiria ver com
absoluta clareza.
— Pare aqui.
— Aqui?
— Seguirei a pé.
O homem deteve o táxi e Frank apeou. Enfiou uma
cédula pela janela.
— Gorjeta para você. Pode voltar imediata mente à
cidade.
— Eu vi pelo retrovisor que o senhor tem uma arma.
Não tenho nada com seus assuntos, senhor. Mas tome
cuidado.
A cédula, a mão que a apanhara e o carro
desapareceram, em rápida sucessão. E Frank Minello ficou
sozinho, à beira da estrada, o olhar fixo na “vila” que ficava
a uns duzentos metros de distância.
Dirigiu-se cautelosamente a ela, ocultando-se entre as
árvores e os arbustos da margem do caminho. Rodeou-a,
procurando um ponto favorável à invasão.
Escalou a cerca e saltou para. o interior, com a facilidade
de um atleta bem treinado. Viu-se em meio a um jardim
espesso e bem cuidado. Lá no fundo, um par de lâmpadas
vermelhas iluminava fracamente a varanda lateral da casa
branca com grandes arcos em estilo colonial.
Foi caminhando entre canteiros floridos, até encontrar
um pavilhão de telhado baixo e pouco inclinado. Colou-se à
parede e foi seguindo, até encontrar a porta. Era uma porta
larga, que ocupava toda a fachada: porta de garagem. Lá
dentro havia dois automóveis.
Pistola em punho, Frank tornou a olhar para o ponto
onde avistara as lâmpadas vermelhas. Viu nitidamente a
varanda, e diante dela percebeu o cintilar de seus reflexos
numa superfície líquida. Devia ser uma piscina. Lá dentro
da varanda, uma enorme poltrona de vime, quase um sofá,
continha um vulto imenso e arredondado. Estava de costas,
e Frank não pôde distinguir que espécie de animal era
aquele, com tal volume. Quando viu uma brasinha e um
rolo de fumaça, convenceu-se de que era um ser humano,
pois s os sares humanos fumam cigarros. Ou, quem sabe,
duas pessoas muito juntas naquele meio-sofá.
Entrou na garagem, olhando cautelosamente para os
lados, sempre esperando encontrar algum indício de
Brigitte. Uma idéia lhe ocorreu: talvez o bilhete fosse uma
cilada preparada por aquelas mesmas pessoas com quem
topara no apartamento número dezesseis do Hotel Mira-
flores. E ele caíra, como um idiota. Como um principiante.
Voltou-se velozmente para a porta, pronto a disparar.
Mas não havia ninguém.
Gotas de suor começaram a escorrer de sua testa. Não
era covarde, mas a tensão era demasiada para seus nervos.
Estava em condições de lutar face a face com qualquer
pessoa, mas aquela incerteza estava acima de sua
capacidade de resistência. Não entendia como é que uma
jovem aparentemente tão delicada como Brigitte podia
mover-se com desembaraço naquele mundo subterrâneo.
Saiu da garagem, olhando atentamente para o vulto que
fumava na varanda. Não deveria dar- lhe tanta atenção,
como logo percebeu. Mas já era tarde, quando compreendeu
o erro que cometera.
Um homem saltou sobre ele, pistola no alto, de um lado
da porta. A coronhada se abatia em sua cabeça, e já o
homem gritava, chamando seus companheiros.
Frank Minello pôde evitar a tempo o impacto da
coronhada na cabeça. Mas recebeu o golpe no ombro
direito, tão violento e doloroso que o arremessou de joelhos
no chão. Meio aturdido, ouviu gritos e correrias em redor, e
viu as pernas do homem que o atingira, sem dúvida
preparando outro golpe mais forte e certeiro que o anterior.
Estava em seu elemento, embora começasse em
desvantagem. A luta era com ele, pois tinha treino e força
suficientes para partir o maxilar de um adversário com um
só murro. Bastaria que descuidasse um só instante.
Saltou de cabeça contra o outro, dando impulso com os
pés. E conseguiu seu objetivo. Sua dura cabeça atingiu o
estômago de Moncho, como uma bola de ferro disparada
por um canhão medieval. E Moncho voou para trás como
um polichinelo, braços e pernas dançando no ar. A pistola
saltou longe, e o homem não teve fôlego para gritar ou
gemer. Caiu de costas, e logo a mão esquerda de Frank
Minello aferrou sua garganta, levantando-o no ar. A direita,
ainda dormente pele golpe recebido no ombro, espetou a
pistola em seu estômago, firmando-o de encontro à fachada
lateral da garagem.
— Onde está ela? Onde? Onde? — perguntou, frenético.
— Aaaaa... aaaggg...
Minello, como louco, sacudiu o homem contra a parede,
batendo repetidamente suas costas e apertando-lhe o
pescoço. Batendo, batendo, batendo. E perguntando sem
cessar:
— Onde? Onde? Onde?
Inesperadamente, recebeu outro golpe na cabeça, outra
coronhada. Por trás. Ainda pôde voltar-se, cego pela fúria,
pelo ódio. E recebeu mis uma coronhada. E um murro no
estômago. E apagou-se.
***
Quando abriu os olhos, já era dia claro.
— Está voltando a si — ouviu.
Quis virar a cabeça, mas um lampejo de dor fê-lo soltar
um gemido e fechar novamente os olhos. Parecia ter a
cabeça cheia de parafusos soltos. Por um momento pensou
que fosse explodir, mas alguns segundos passaram e nada
aconteceu.
Um jato de água, que lhe jogaram na cabeça, aliviou
instantaneamente a dor. Suas idéias se tornaram mais claras.
E conseguiu abrir os olhos, entre as gotas que escorriam.
A primeira coisa que viu foi um hipopótamo vestido de
gente e parado sobre as patas traseiras. Um hipopótamo que
fumava um charuto aromático, e que em seguida largou o
corpanzil na poltrona de vime. Um hipopótamo que sorria
como gente, um sorriso tão amável que o jornalista
estremeceu de espanto.
— Espero que esteja melhor, senhor Minello. Embora
ainda seja muito cedo, gostaria que aceitasse uma dose de
uísque. Para melhorar mais um pouco...
O gordo fez um sinal, e Frank sentiu que o agarravam
pelos braços e o sentavam em outra poltrona de vime, esta
de proporções normais. A cabeça ainda doía, mas agora
podia suportar a dor. Também o ombro, e o estômago. Não
daria àqueles homens o prazer de ouvirem seus gemidos.
Viu um copo de uísque estender-se à sua frente.
Aceitou-O sem vacilar, e bebeu um gole. Efetivamente,
poucos segundos depois sentia-se melhor, menos pesado,
mais audaz.
— Melhorou?
Olhou diretamente os olhos do gordo.
— Quem é você?
— Raimundo Calatrava. Não sabia?
— Não tinha a menor idéia de sua existência. Onde está
Brigitte?
As sobrancelhas de Calatrava se ergueram.
— Refere-se a Brigitte Montfort?
— Sim.
— É sua amiga?
— E se for?
— Tenho grande interesse em tudo o que se relacione
com a senhorita Brigitte Montfort. E com a CIA, em
conseqüência. Pertence à CIA senhor Minello?
— Já que sabe quem sou, descubra por si mesmo.
— Bem... Isto não é tão fácil. Nós o revistamos, quando
estava desacordado, e encontramos seus documentos.
Trabalha para o “Morning News”, de Nova Iorque, o
mesmo em que a senhorita Brigitte trabalha, se não me
engano.
— E há algum mal nisto?
— Não, mal não há. O que não nos agrada é que
trabalhem para a CIA também.
— Você está imaginando absurdos.
— Não creio. Poderia dizer-me que é que a senhorita
Brigitte veio fazer no Panamá?
— Passear. Em férias.
— Ah, sim. E o senhor?
— Casar com ela.
— Invejo seu senso de humor, senhor Minello. Como
chegou aqui, quem o trouxe, veio só ou acompanhado?
Tenho uma série de perguntas a fazer-lhe e espero que tenha
a amabilidade de respondê-las. Dá-me a desagradável
impressão de que estou em apuros. Antes de pôr-me a salvo,
posso prejudicá-lo muito, se não colaborar comigo.
— Não direi uma só palavra, enquanto não me disser
onde está Brigitte.
— Posso fazer sua vontade, se é assim. Senhor Minello,
é com o maior pesar que lhe dou os pêsames pela morte de
sua noiva. A senhorita Montfort abandonou este mundo.
Frank Minello empalideceu. Sua cor parecia a de um
cadáver.
— É mentira! — exclamou, engasgado pela dúvida.
— É tão verdadeiro, como a morte de Moncho, senhor
Minello. É um homem perigoso. Matou meu empregado
usando apenas as mãos.
— Não! Está mentindo! Brigitte não morreu. Não pode
ter morrido.
— Afirmo-lhe que morreu. Ei, que é isso? Frank Minello
havia saltado de sua poltrona como uma fera gritando e
brandindo o copo de uísque com a borda para frente. O
gordo mal teve tempo de gritar, de dar um salto desajeitado
para trás. E teve sorte, pois o copo que se cravou em sua
papada estava inteiro e tinha a borda grossa e forte. Caso
contrário, o golpe o teria degolado. Mas ainda assim deixou
um círculo avermelhado na pele flácida de Calatrava.
No entanto, não pôde desfrutar muito tempo a pequena
vitória. Recebeu dois socos simultâneos à altura dos rins,
que o fizeram dobrar-se para trás. E então recebeu um golpe
no pescoço. Caiu de costas, sem fôlego.
Quando deu de si novamente, estava fortemente
amarrado de pés e mãos, deitado no chão diante de
Calatrava. Este o fitava com seus olhinhos reluzentes e
malignos, passando os dedos como salsichas no ponto onde
o copo deixara sua marca.
— Deveríamos tê-lo atado antes, senhor Minello. O
senhor é muito perigoso, na verdade. Mas vai lamentar
muito. Antes de fazê-lo servir de almoço a meus jacarés,
quero convencê-lo de que a senhorita Montfort morreu. Está
morta e bem morta. Seu corpo foi jogado ao mar, bem longe
daqui, e talvez a esta hora tenha sido devorado pelos
tubarões. É estranha, a sorte do casal, não acha? Um,
comido por tubarões; o outro, por jacarés...
— Está maluco — ofegou Frank. — Você não é homem
para derrotar Brigitte, porco imundo.
— Talvez não seja, realmente. Nem mesmo tive o prazer
de conhecê-la. Mas uma amiga minha, Pavlova Maloief,
matou-a. Já deve saber isto, não é? O que me resta revelar-
lhe é que Pavlova Maloief, depois de matar Brigitte
Montfort e um homem chamado Simão, que acompanhava
sua noiva, está terminando a missão que a trouxe ao
Panamá. Depois, senhor Minello, não vou interrogá-lo mais.
É evidente que veio sozinho, pois seus amigos já estariam
aqui, se o tivessem acompanhado. Se veio sozinho, é só o
senhor que tinha informações a meu respeito. Não tenho
necessidade de fazer-lhe mais perguntas. Só quero ver meus
jacarés almoçarem. Será um pequeno prazer que nunca
canso de assistir.
— Ela não morreu!
— Morreu, senhor Minello — Calatrava sorriu
pacientemente.
— É mentira.
— Basta de discussões estéreis. Vai reunir-se a ela em
breve, de modo que logo verá que eu disse a verdade —
voltou-se para os empregados. — Desamarrem-no e
joguem-no na piscina. Vamos ver como é que seus
músculos enfrentarão os jacarés.
Naquele instante, soou uma explosão a distância. Acima
dos ramos das árvores, em direção ao norte, surgiu uma
coluna de fumaça e poeira. Um momento depois, outra
explosão e outra coluna de fumo e pó, muito perto da
primeira.
Raimundo Calatrava esfregou as mãos.
— Aí está, senhor Minello. Já não existe o famoso Canal
do Panamá! Pelo menos, os idiotas que o exploram levarão
anos e gastarão bilhões para pô-lo novamente em condições
de uso. Pavlova Maloief conseguiu seu objetivo. Terminou
a missão. Joguem-no na piscina
CAPITULO OITAVO
A melhor espiã do mundo

Pedro se inclinou para soltar as cordas que prendiam


Frank Minello. Mas Jaime pôs uma das mãos em seu
ombro.
— Espere. Vem vindo um carro...
Raimundo Calatrava empalideceu, logo imaginando a
invasão de sua “vila” por um bando de agentes da CIA.
Enfiou a mão embaixo da almofada de sua poltrona e tirou
de lá uma pistola. E em seguida começou a encetar a difícil
operação de levantar-se. Apenas começou. E não continuou,
pois o mesmo Jaime completou:
— É o jipe. Posso jurar que é o jipe, senhor Calatrava.
— Vá ver.
Jaime correu para o portão, a uma velocidade
inesperada. Os outros três homens ouviram o ruído do
motor que se aproximava cada vez mais. Pouco depois, o
jipe surgia na estradinha.
Raimundo Calatrava soltou um suspiro de alívio ao vê-
lo, um suspiro que soou como o bufado de um búfalo.
Dirigiu um breve olhar a Minello.
— Tem sorte: antes de morrer, vai ter a honra de
conhecer uma mulher extraordinária. A espiã russa que
matou sua amiga Brigitte Montfort.
Frank, pálido como cera, olhava para o jipe que chegava.
Viu uma cabeleira loura e um rosto formoso. E ao lado da
loura, Jaime, sorridente, economizava a caminhada de volta.
O jipe parou perto da varanda e Pavlova Maloief saltou.
Veio em passo elástico para a sombra do telheiro, seguida
pelo novamente lento Jaime. Parou diante do pálido
Minello, apontando-o com um dedo empoeirado.
— Quem é? — perguntou com frieza.
— Chama-se Frank Minello, é americano, jornalista.
Trabalha no “Morning News” de Nova Iorque, Pavlova.
A loura olhou com mais interesse o petrificado
jornalista.
— O jornal de Brigitte Montfort, não é?
— Sim. Decerto ele também trabalha para a CIA,
embora afirme que Brigitte Montfort estava aqui em férias e
que agora veio para casar-se com ela.
— Deveras? — a loura sorriu, deliciada. — Pelo que vi,
quando me despedi de Brigitte, creio que o senhor Minello
não vai casar... E é pena, pois não tem mau gosto. Suponho
que está em condições de dar-nos algumas informações,
Minello.
— Já puxei por ele, Pavlova — interveio Calatrava — e
não consegui nada. Não nos importam, agora... Onde estão
os outros?
— Basil e Ferenko estão à minha espera. Camilo ainda
não chegou?
— Não.
— Creio que não teve tempo mesmo. Pedimos que
deixasse o jipe, e ele voltou a pé. Deve demorar algumas
horas, decerto. Vim devolver- lhe o jipe e dizer-lhe que tudo
correu bem. E vejo que as coisas aqui não vão tão serenas,
Raimundo.
— Não há perigo, Pavlova. Ele veio sizinho. E teimoso e
duro na luta. Mas os jacarés têm dentes mais fortes.
A loura olhou Minello com ironia.
— E ele merece, para não ser teimoso. Merece que lhe
aconteça o mesmo que a Pancorbo: um banho de piscina, a
comporta que comunica o lago e a piscina se abre, e os
jacarés vêm fazer uma competição de natação com ele.
Minello desaparecerá para sempre, como Pancorbo. É uma
excelente idéia, Raimundo.
— Pensei que não gostasse de meu sistema de livrar-me
de cadáveres, Pavlova. Na vez anterior...
— Há coisas difíceis de acostumar, mas eu compreendo
que é conveniente, nas atuais circunstâncias.
Raimundo Calatrava assentiu com uni gesto de cabeça.
Sorriu, as bochechas sacudindo, enquanto olhava com gula
as bem torneadas pernas de Pavlova Maloief.
— Você chegou de volta momentos depois das
explosões, Pavlova. Como é que conseguiu isso?
— Você sabe que Ferenko e Basil são especialistas no
assunto. Regulamos a explosão, calculando o tempo que
levaríamos a chegar de volta à “vila”. Como viu, tudo
correu como esperávamos. Eu nunca falho, Raimundo.
— Já vi. Mas está cheia de poeira, e decerto cansada.
Quer tomar um banho, beber uru refrigerante?
— Aceito um refresco, Raimundo — Pavlova Maloief
sorriu docemente. — Tomaria com grande prazer uni pouco
de champanha com uma cereja no fundo da taça.
— Champanha com cereja? — Calatrava espantou-se.
— Acha exótico? Eu julgo menos extravagante do que
tomar café gelado com suco de limão, Raimundo. E já o vi
tomar essa beberagem.
— Bem, cada qual com suas manias. Jaime pode
providenciar o que você pede. Temos cerejas Jaime?
— Não sei, senhor. Creio que não.
Pavlova Maloief sorriu novamente, com a expressão de
uma menina arteira e feliz.
— Pelo menos a champanha gelada. E, se possível, de
minha marca preferida. E da safra predileta.
— Qual é?
— “Don Perignon 55”.
Frank Minello desatou a rir, saindo por fim de seu
estupor. Um riso nervoso e agudo, que o engasgava e
chamava a atenção dos outros homens. Calatrava, Pedro e
Jaime o olharam como se ele tivesse enlouquecido. Pavlova
Maloief, por sua vez, brindou-o com mais um sorriso
surpreendentemente doce, quase carinhoso.
— Parece que o senhor Minello está apavorado com seu
destino. Vamos fazer-lhe uma caridade, a última graça ao
condenado: dar-lhe uma taça de “Don Perignon”. A menos
que prefira outra bebida, Minello.
— Tomarei “Perignon 55” — sorriu Frank, já mais
animado e calmo. — Traz-me boas recordações.
— Vá buscar, Jaime — ordenou Calatrava.
— Não conheço essa marca, patrão. Acho que não
temos.
— Pois traga a marca que houver — sorriu Pavlova. —
Mas que esteja bem geladinha.
Minello tornou a rir, o que lhe valeu um pontapé de
Pedro nas costelas.
— Você nunca aprende, Minello? — perguntou a loura,
rindo de sua careta de dor. — Não deveria ser tão teimoso.
Quem é que já viu um condenado à morte rir assim... Bem,
Raimundo. Enquanto Jaime busca a champanha, vou
guardar o jipe na garagem. Sobraram alguns explosivos, que
quero levar comigo. E também alguns detonadores. Venha
ajudar-me, Pedro. Quando Jaime voltar, mande-o lá, para
também ajudar, Raimundo. Depois, tomarei meu
champanha geladinha e irei embora.
Levantou-se, caminhando com garbo para o jipe
empoeirado, enquanto Pedro corria a abrir a porta da
garagem.
— Requiescat in pace — disse Frank Minello.
— Que foi que você disse? — perguntou Calatrava,
olhando-o com estranheza.
— Não sabe latim?
— Não. Tenha cuidado com a língua, ou...
— Pois deveria aprender latim, Calatrava. A frase que eu
pronunciei lhe revelaria muitas coisas, se soubesse.
Calatrava, desconfiado, soltou um grunhido. Acalmou-
se, olhando o jornalista à idéia de que seus jacarés o
livrariam dele dentro de alguns minutos.
***
A loura entrou na garagem, dirigindo hàbilmente o jipe.
Saltou e esperou que Pedro entrasse depois de fechar
metade da porta dupla.
— Venha, Pedro. Começaremos sem esperar por Jaime.
Pedro aproximou-se do veículo. Olhou o pacote que a
loura lhe mostrava e inclinou-se para apanhá-lo, de costas
para ela.
O braço fino e aparentemente delicado da espiã rodeou
seu pescoço, apertando-o com uma força inesperada.
Quando Pedro começava a abrir a boca para expressar seu
assombro e esboçava uma reação, sentiu a ponta de um
punhal cravar-se em suas costas.
Foi um golpe magistral, de apurada técnica. O punhal
penetrou silenciosa e eficientemente entre duas costelas do
panamenho, que não emitiu o menor som e afrouxou
instantaneamente a resistência. O braço macio da loura
soltou o pescoço de Pedro, que se abateu brandamente no
piso da garagem.
Pavlova Maloief curvou-se para ele, verificando que
estava morto. Empurrou-o com os pés e as mãos, até
esconder seu corpo debaixo do veículo.
Ao levantar-se, já soavam os passos arrastados de Jaime
nus proximidades da porta. Segundos depois, o sempre
cansado jardineiro dava entrada na garagem.
— Eu sabia que não temos o tal de “Perignon”, Pavlova.
— Não faz mal. O que há está gelado?
— Quase. Estava guardado no canto mais fresco da
adega, e eu o coloquei num baldezinho, rodeado de gelo.
— Obrigada, Jaime. Agora, venha ajudar-me aqui.
— Onde está Pedro?
— Debaixo do jipe. Está olhando um defeito, não sei
onde.
— Que quer que eu faça?
Aproximou-se. Viu os pés de Pedro e deu-lhes um
pontapé.
— Espertinho, deixe de fingir que está examinando o
carro e venha fazer força.
Ficou olhando o estranho vaivém do pé de Pedro,
espantado. Hesitou um instante, e em seguida abaixou-se e
puxou aquele pé bailarino.
— Saia daí, seu...
O corpo de Pedro surgiu, arrastado atrás do pé. Mole,
sem ação, e com uma mancha vermelha no lado esquerdo da
camisa clara. Jaime, ainda sem compreender o que
acontecia, passou a mão pelas costas do outro e olhou com
expressão atônita o sangue que a manchara.
Levantou os olhos para a loura, começando a entender o
mistério, e viu o sorriso gelado de Pavlova.
— Os assassinos também morrem, Mito — murmurou
ela, como se lhe revelasse um segredo.
Jaime compreendeu de todo. Quis gritar, quis sacar a sua
pistola, quis fazer muitas coisas. Mas não pôde fazer nada.
Plop. Plop.
Dois estampidos abafados, mais surdos do que o espocar
da garrafa de champanha que ele abrira momentos antes, e a
pistola que aparecera como num passe de mágica na mão da
loura cuspiu duas línguas de fogo. As duas balas foram
cravar-se no coração de Jaime, que logo deixou de
preocupar-se com o calor e o trabalho, o cansaço e a
preguiça...
Pavlova Maloief guardou a pistola, foi até o fundo da
garagem e tirou da pilha de pneus que lá havia uma maleta.
Era a maleta bonita e curiosa que encontrara no apartamento
de Brigitte Montfort.
Saiu da garagem, sempre com seu passo elástico e
elegante, digno das mais conceituadas passarelas de modas
de Paris, e encaminhou-se à varanda fronteira à piscina.
Chegou sorrindo beatificamente. Suspirou, soltou a
maleta cm cima da mesa e sentou-se a uma poltrona,
olhando alegremente a garrafa de champanha metida num
baldezinho de prata lavrada e rodeada de gelo picado.
Serviu-se, bebeu metade da taça num só gole, e soltou
um suspiro mais profundo que o anterior.
— Requiescat in pace!2 — fez Minello.
— Per omnia secula seculorum3 — suspirou ela.
Calatrava corria os olhos do prisioneiro para a loura,
sem saber o que pensar. Apontou a maleta.
— Que é isso?
— É a bagagem da melhor espiã do mundo. Não posso
deixá-la aqui, é evidente.
Minello olhava com expressão divertida para a loura.
Falou:
— Sabe de uma coisa? Não gostei de seus cabelos. Esta
cor não lhe fica nada bem. Não gostei, mesmo. Nada, nada.
— Você sempre diz asneiras nos momentos mais
impróprios, Frank. Merece que eu mesma o jogue aos
jacarés deste porco aqui.
— Em compensação, suas pernas continuam sendo as
mais bonitas do mundo, embora estejam arranhadas pelas
selvas panamenhas. Tenho vontade de curá-las a beijos.
— Você é o mesmo imprudente de sempre, Frank. Não
entendeu meu recado? Você devia vir com todas as
precauções. E quando chego de volta, encontro-o
embrulhado para presente.
— Mas matei um a tabefes.
Raimundo Calatrava movia a cabeça de um lado a outro,
começando a compreender que havia um novo mistério
diante de si. Seus olhos se estreitavam mais do que de
hábito, e um feixe de salsichas deslizava disfarçadamente
para a almofada. As salsichas tatearam a pistola, apertaram-
na.
2
Descansam em paz!
3
Por todos os séculos dos séculos
Repentinamente, tirou a anão o mais depressa que pôde,
voltando os olhinhos reluzentes para a loura Pavlova
Maloief. Mas a espiã era mais veloz: uma pistola surgiu
aparentemente do ar cru sua mão, antes mesmo que a de
Calatrava erguesse a outra.
O feixe de salsichas abriu-se e a pistola do gordo saltou
longe.
— Deixe-me beber a champanha em paz, Raimundo —
disse a loura, com amabilidade. — Ainda não percebeu que
a situação está em minhas mãos?
Raimundo Calatrava gemia como um cãozinho ferido,
apertando a mão contra a barriga. Sua camisa de colorido
escandaloso começou a tomar uma cor única, sobre o
ventre: vermelha.
— Deixe de grunhir — protestou Minello. Voltou-se
para a moça: — E você, desamarre-me logo, Brigitte.
— Ainda não matei a sede — sorriu a loura. — Tenha
um pouco de paciência, Frank. Estou cansada, com calor...
Está sentindo alguma coisa, Raimundo? Vejo que me olha
com expressão mais idiota do que Frank.
— Não entendo, Pavlova! Ele a chamou de Brigitte!
— Brigitte Montfort, sua criada — sorriu angelicalmente
a loura. — Com o cabelo oxigenado. É verdade que não
gostou de meu cabelo, Frank?
— Você é um espetáculo, morena ou loura. Ou até ruiva.
Mas prefiro a cor natural. Seu cabelo vai demorar muito a
recuperar a cor natural?
— Não. Esta tinta sai com água e um sabão especial. É
muito prática. Quer mais alguma explicação, Raimundo?
— Eu... Eu não entendo nada... — gaguejou o gordo.
— Ora, é tão fácil entender! Não compreendeu quando
eu lhe disse que me chamo Brigitte Montfort, que não sou
Pavlova Maloief, ou Doris, ou qualquer outra pessoa?
— Você... Você matou a verdadeira Pavlova Maloief...
E Olav?
— Somente Olav. Apanhamos Pavlova Maloief viva e
conseguimos convencê-la a abrir-se conosco. É uma mulher
de valor, resistente, corajosa. Precisamos puxar muito por
ela, Raimundo. Simão quase a despedaçou. Deixou-a em
estado lastimável. Mas ela vai recuperar-se. E passará uma
boa temporada na penitenciária.
— E Jaime, e Pedro... Onde estão eles?
— Foi pena, Raimundo, mas precisei matá-los.
— E Sergei Saborin? Camilo, Ferenko, Basil?
— Requiescat in pace, como diz meu amigo Frank.
— Não acredito. As comportas de Miraflores
explodiram...
— Bobagem, Raimundo. Matei os três idiotas, coloquei
as cargas em um lugar inofensivo, para convencer você e
seus auxiliares, e vim ver como Frank se arranjava com meu
amigo Calatrava. Eu desejava que ele ficasse rondando sua
“vila”, pois assim não se meteria em complicações na
cidade. E o idiota meteu-se na boca do lobo...
— Você não pode ter feito tudo isso sozinha.
— Não ofenda Brigitte, porco — protestou Minello. —
Ela pode fazer muito mais do que isso. Está apenas em
férias, como eu lhe disse.
— Mas sozinha!
— Sozinha e desprotegida — sorriu Brigitte. — O
mundo é cruel, para uma pobre moça, não é?
— Não acredito! A CIA inteira está ajudando você.
— Não, meu amigo. Cortei todo o contato com meus
colegas.
— O que foi uma brincadeira de mau gosto —
resmungou Minello. — A quantidade de lágrimas que o
pessoal derramou por “Baby”!
— Sei que todos me querem muito, Frank. Mas eu tinha
um motivo poderoso. Simão e eu decidimos assim, depois
de matarmos Olav e prendermos Pavlova Maloief no
trapiche. Se a CIA entrasse no brinquedo, o plano de
Raimundo e da MVD não teria ido para frente. Simão e eu
queríamos descobrir tudo, desbaratar o bando. Eu tive a
idéia: tingi os cabelos, já que Pavlova Maloief é muito
parecida comigo, e vim para cá. Simão escondeu-se,
levando a prisioneira consigo. E assim descobri tudo e
resolvi tudo. A movimentação da CIA, à minha procura,
serviu para tranqüilizar Raimundo e seu bando. Acabei com
quatro espiões soviéticos e outros tantos traidores e
assassinos, tendo Pavlova Maloief em meu poder e ainda
confisquei dois aparelhos de rádio: o da lancha de Saborin e
o que Raimundo tem no lago dos jacarés. Não é
formidável? Creio que sou um gênio, Frank. Que acha?
— Foi você quem entregou a nota no hotel?
— Fui, querido. E fui eu quem quebrou a taça em sua
mão, com um tiro. Eu a havia deixado lá para que você
compreendesse que tudo ia bem e fosse embora para Nova
Iorque, mas você é muito burro para entender as coisas mais
claras. Achei melhor dar-lhe um susto. Quando o idiota do
Camilo entrou, tive de atirar nele para que você pudesse
escapar. Deixei o bilhete no balcão do hotel depois de matar
Saborin, pois as coisas se haviam complicado um pouco.
Ele desconfiou de mim, quis afastar-me da lancha para
pedir informações. Segui-o discretamente, matei-o, deixei o
bilhete no hotel e apanhei um táxi para chegar a Calta
Blanea a tempo de receber os outros nossos. Bem... Mais
tarde explicarei melhor, com todos os detalhes, Frank.
Estou cansada e com see...
— Que... Que pensa fazer comigo? — murmurou
Calatrava, depois de uns segundos de silêncio.
Brigitte terminou de beber a terceira taça de champanha
e estalou a língua. Olhou-o, como se o tivesse esquecido
completamente.
— Onde está Satã, Raimundo?
— Hum... Não sei.
— Sabe, sim. E é melhor dizer-me a verdade. O cão
deveria estar aqui, pronto a defendê-lo. Onde está?
— Não gostei de vê-lo tão fàcilmente dominado por
você. Isso significava que qualquer pessoa habilidosa
também o dominaria. Eu desejava que ele fosse amistoso
somente comigo.
— Onde está Satã? — insistiu Brigitte.
— Joguei-o aos jacarés. Não me servia mais, já que
basta alguém coçar sua cabeça para dominá-lo.
Brigitte estava encolerizada.
— Você é um assassino covarde, Raimundo.
— Vai... Vai matar-me? — quase gemeu ele.
— Não perco meu tempo com gente como você.
Desamarre Frank.
— Estou ferido.
— E daí? Tem outra mão. E não invente nenhum truque.
Raimundo Calatrava deslizou da poltrona de vime ao
solo. Deixou-se cair junto a Minello, que estava atento
apenas à tristeza nos olhos de Brigitte.
Uma vez solto, Frank aproximou-se dela.
Carinhosamente, tomou sua mão. Percebera que ela estava
magoada, não só pela morte do cão como por ter sido
forçada a matar vários inimigos.
— Convido-a a tomar um “Don Perignon 55” esta noite,
Brigitte.
— Oh, Frank! Deixe de dizer asneiras. Ainda temos
trabalho a fazer. Veja: este é o dispositivo que abre a
comporta do lago dos jacarés para a piscina. Apertando esta
pedra, os jacarés passam para o lado de cá, atraídos pela
correnteza que se forma quando o lago despeja seu excesso
na piscina. E pelo hábito, pois sabem que, sempre que a
comporta se abre, um apetitoso banquete lhes é oferecido.
Jogue Raimundo na piscina, Frank.
As gelatinas de Calatrava iniciaram um nervoso e
comovente bailado.
— Não! Não! Isso não!
Minello olhou para Brigitte, incrédulo. Mas ela piscou
afirmativamente. E a fé cega que o jovem sentia por ela fez
o resto. Aproximou-se de Calatrava, que procurava
levantar-se do chão para fugir, e pegou-o pelo fundilho da
calça e pela gola da blusa colorida.
— Vamos. Vá nadar um pouquinho. Vamos!
Conseguiu erguê-lo, mas Calatrava prosseguia no
bailado gelatinoso e não dava um passo. Minello apressou-o
com uma sonora bofetada e foi empurrando a imensa massa
mole em direção à piscina.
— Não! Não! Não!
Um pontapé no traseiro impulsionou Calatrava mais um
pouco, e um segundo conseguiu arremessá-lo de barriga na
água. Um espadanar impressionante molhou os arredores da
piscina. O gordo logo voltou à tona, bracejando
desesperadamente e gritando sem cessar. Nadou
frenèticamente até uma das escadas e tentou subir por ela.
Mas a mão ferida impediu que subisse, e ele perdeu o
equilíbrio, tornando a cair na água e espalhar um enorme
borrifo para todos os lados.
— Você vai soltar os jacarés? — perguntou Minello.
— Creio que ele não poderá sair da piscina, Frank.
— Não foi isto o que eu perguntei, e sim se você vai
soltar os jacarés.
Brigitte sorriu tristemente. Abriu sua maleta, tirou dela o
falso maço de cigarros que continha um rádio-transmissor e
ligou-o.
— Alô, Simão.
— Alô, “Baby”. Tudo bem?
— Tudo bem, Simão. Como está a hóspede?
— Muito estragada pelo que fizemos com ela. Mas seu
estado geral é satisfatório. Você está bem, Brigitte?
— Perfeitamente.
— Ouvi a explosão, vi a fumaça...
— Foi uma brincadeira minha. Tudo em ordem, Simão.
De agora em diante, “Baby” poderá responder às chamadas
de Tio Charlie.
— Viva! Você se encarrega do que falta fazer?
— Prefiro que você se encarregue, Simão. Gostaria de
voltar para casa, descansar. Deixarei em seu hotel uma fita
magnética gravada, contando tudo em detalhes, O que
aconteceu e o que você deve fazer. Está bem, assim?
— Está, Brigitte. Boa viagem.
— Obrigada. Chame nossos amigos do Panamá, que eles
o ajudarão a liquidar o caso.
— Não se preocupe, “Baby”. Tome o primeiro avião e
volte para Nova Iorque. Eu me encarregarei do resto.
— Muito obrigada, Simão. Ah, ia esquecendo: deixo
uma baleia nadando na piscina da “Vila Tortuga”. Venham
apanhá-la. Chama-se Raimundo Calatrava, e é o chefe dos
panamenhos traidores. Mereceria servir de almoço a uns
jacarés que vivem aqui, mas creio que será mais útil nas
mãos da CIA. Isto é tudo, Simão. Até breve.
— Até breve, Brigitte. Foi um prazer trabalhar com
você. Obrigado, “Baby”.
Brigitte cortou a ligação e pôs-se de pé. Olhou o
silencioso Frank Minello, que demorou alguns segundos a
reagir.
— Vou buscar o jipe e levá-la a cidade. Enquanto você
descansa um pouco, providenciarei as passagens para Nova
Iorque.
Minello foi retirar o jipe da garagem. Brigitte
aproximou-se da piscina, levando na mão mais uma dose de
champanha gelada.
— Tire-me daqui! — gritou Calatrava. — Pelo amor de
Deus, tire-me daqui!
— Você é muito gordo, Raimundo. Não poderá sair
desta piscina tão cedo... À sua saúde! — e tomou um gole
de champanha.
— Não me deixe aqui! Não solte os jacarés! Pelo que
houver de mais sagrado, não solte os jacarés!
Brigitte olhou com frieza o gordo aterrorizado.
— Não pretendo soltá-los, Raimundo. Eles só virão se o
mecanismo da comporta falhar. Quem sabe?
EPÍLOGO
“Baby” continua sem responder!

Frank Minello levou um dedo aos lábios, reclamando


silêncio. Em seguida apertou o botão da campainha, à porta
do luxuoso apartamento da Quinta Avenida.
A porta e abriu pouco depois, e Peggy, intrigada,
assomou a cabeça.
— Oh,é o senhor?
— Eu e mais dois amigos. Brigitte está em casa?
— Creio que para os senhores ela está... Um momento.
— Não nos anuncie. Queremos fazer-lhe uma surpresa.
— É que ela está tomando banho.
Frank Minello voltou-se para seus companheiros e
piscou um olho.
— Melhor. Se tivermos sorte, poderemos ver a espuma
de seu sabonete.
Os companheiros de Minello eram Miky Grogan e
Charles Pitzer. Os três entraram no apartamento e rumaram
para o banheiro. Minello, mais imprudente, abriu a porta de
repente, enfiando a cabeça para dentro.
— Brigitte, onde está você?
Tirou a cabeça, fechou a porta e encostou-se à parede.
Estava vermelho como uma brasa, sem fôlego.
— Está ou não está lá dentro?
— Está.
A porta abriu-se neste momento e Brigitte apareceu,
amarrando o cinto de seu albornoz azul-celeste e olhando
maliciosamente para Minello.
— Frank, você é o sujeito mais sem-vergonha que eu
conheço.
— Eu... Eu... Eu não pensei que fosse... Que fosse ver
tanto.
Brigitte sorriu docemente e voltou-se para os outros
visitantes.
— Que há de novo, senhores?
— Bem... pensamos... Sim, nós três pensamos que...
Pensamos que devemos festejar sua volta, e trouxemos
umas garrafas de “Don Perignon 55”, bem gelada.
— Excelente idéia, meus amigos.
Minello fez cara de idiota, olhando os cabelos negros de
Brigitte.
— Meu bem, você estava fenomenal com o cabelo louro.
Mas assim, ao natural, é ainda melhor. Quer casar comigo?
Brigitte apanhou a garrafa que Pitzer tinha na mão,
olhou o rótulo e caminhou para a sala. Já diante do
barzinho, tirando quatro taças da prateleira, voltou-se para
Frank Minello e disse rindo:
— “Baby” não responde.

A seguir:
A FILHA DE GISELLE NUMA VIAGEM DE PRAZER.

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