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NOÇÃO DE AUTORIA
Rodrigo Conçole Lage 1
- Autor
É o primeiro elemento da composição, pelo fato do livro nascer
com sua escrita pelo autor. O estudo das biografias dos grandes
escritores, das condições básicas da autoria e da própria natureza de
uma carreira literária está no cerne desses estudos. Porém, o
conhecimento desses dados, continua obscuro para inúmeros períodos 9
da história, e inúmeras regiões do planeta. Como envolve o estudo
sobre a escrita do livro, isso requer o exame do manuscrito, quando
existente, e o estudo de qualquer fonte que trate sobre a composição
da obra (cartas, diários, relatos de amigos, etc.). Entre outros temas,
pode-se estudar também como o autor planeja distribuir sua obra, as
negociações para a venda (escritores famosos podem negociar a venda
de uma obra ainda não escrita ou em fase de composição), entre outras
possibilidades.
A pesquisa pode envolver também as relações do autor com
seus patrocinadores, com os editores, os impressores, os livreiros, os
resenhistas que, ao lerem o manuscrito, ou parte dele, sugerem
modificações no texto.
- Editor
O autor escreve. Por outro lado, para publicar ele precisa, na
maior parte do tempo, desde o surgimento da imprensa, de um editor
que queira publicá-lo e só assim seu manuscrito se tornará um livro.
Ao longo do tempo muitos escritores imprimiram sua obra e a
venderam por conta própria. Na contemporaneidade, com o
surgimento da internet isso mudou. A partir desses exemplos podemos
dizer que, em muitos casos, esse elemento do circuito pode inexistir. Se
antes ele foi uma figura totalmente ignorada nos estudos sobre os 10
livros, ganhou papel fundamental, graças aos novos estudos voltados
especificamente para ele. Para maiores detalhes sobre a figura do
editor, seu papel na produção dos livros e algumas linhas de pesquisa
ver meu artigo O papel do editor na produção dos livros (vide
referências).
- Impressores
De acordo com Darnton (1990, p. 124) “a oficina gráfica é muito
mais bem conhecida do que os outros estágios da produção e difusão
do livro” por ter sido um tema muito valorizado dentro da bibliografia
analítica. Assim, por meio do estudo do processo de sua impressão, os
pesquisadores procuram reconstituir o texto original do qual não
temos os manuscritos originais. É comum que o texto sofra algumas
alterações com o passar do tempo, como acontece com erros de
impressão, alterações gramaticais e mesmo cortes no texto que se
perpetuam de uma edição para outra. Mas, mesmo que não consigam
reconstituir esse texto original, pode-se demonstrar a existência de
diferentes edições de um texto, mostrando as variações no texto
existentes, algo importante nos estudos de difusão.
Estudar a impressão envolve o estudo de dois grupos de
pessoas: os fornecedores e os gráficos. Os fornecedores são aqueles
que fornecem aos impressores os materiais usados na impressão, o 11
que pode ser estudado a partir das notas de compra dos arquivos dos
impressores. Edições voltadas para o público infantil, de menor ou de
maior poder aquisitivo, vão determinar o tipo de material usado, a
qualidade de impressão, entre outros fatores.
Cabe ainda considerar que, ao estudarmos esses elementos,
podemos conhecer maiores detalhes sobre o público consumidor. O
estudo dos arquivos dos impressores é fundamental para isso e, ao ser
feito a partir das técnicas dos bibliógrafos, inaugurou uma nova fase
arquivística na história da impressão, estabelecendo novas perguntas
aos historiadores.
Como os impressores calculavam os custos e
organizavam a produção, principalmente após a
expansão do jornalismo e da impressão de
materiais volantes? Quais as alterações sofridas nos
orçamentos dos livros com a introdução do papel
feito a máquina, na primeira década do séc. XIX, e
do (sic) linotipo nos anos 1880? (DARNTON, 1990,
p. 125).
- Distribuidores
Os distribuidores são aqueles que remetem os livros das
gráficas para os depósitos, para os livreiros, e para todos os canais de 13
distribuição. Darnton afirma que, pouco se sabe sobre a maneira como
os livros saíam das gráficas e chegavam aos depósitos, supondo que:
- Livreiros
É por meio deles que o livro chega ao leitor sendo relevante
conhecer o seu mundo social e intelectual, seus gostos e valores e a
inserção em suas comunidades. Tal análise pode contribuir para o
entendimento de suas escolhas ao publicar ou recusar a publicação de
uma obra. Darnton também apresenta questões como:
Eles também operavam dentro de redes
comerciais que se ampliavam e se desfaziam como
as alianças no mundo diplomático? Quais a s leis
que governavam a ascensão e a queda dos impérios
comerciais na área editorial? (DARNTON, 1990, p.
126).
- Leitores
Os leitores são abordados como o último elo no circuito pelo
fato de que os livros são escritos para serem consumidos por eles.
Estudando-os podemos responder a questões sobre como entendem os
sinais na página impressa, quais os efeitos sociais dessa experiência e
como ela sofre variações com o tempo, e de um lugar para outro. Nesse
sentido, acreditamos que estuda-los é vê-los também como uma
espécie de coautores, pelo fato de elaborarem sua própria
interpretação do texto, que será em maior ou menor grau diferente da
do autor.
Na contemporaneidade, tais estudos, feitos tanto entre os
pesquisadores ligados a literatura, quanto entre os historiadores, levou
à criação de um novo domínio da história que é o da História da Leitura
e cujo desenvolvimento exige um estudo em separado. Alguns 16
trabalhos sobre esse domínio como o livro O príncipe de Maquiavel e
seus leitores e o artigo Roger Chartier, o especialista em história da
leitura estão citados nas referências bibliográficas no final deste artigo.
Ao estudarmos todos os elementos desse circuito e as práticas a
que eles se relacionam, pode-se inferir que, a partir das pesquisas
sobre a História do Livro, é possível adotar uma nova definição do
conceito de autoria. Para isso, precisamos entender que o livro é um
objeto que surge a partir do trabalho de todos os envolvidos na sua
produção – o que impõe incluir para quem o livro é produzido.
Partindo dessas premissas, contudo, consideramos importante
assinalar que, nos textos de Darnton, não são mencionados alguns
profissionais relacionados ao processo de produção de um livro como
tradutores, revisores e ilustradores. Essas ausências abrem novas
possibilidades de estudo e mesmo diante da brevidade desse artigo,
entendemos ser necessário tecer algumas considerações.
A ausência do tradutor se explica pelo fato de Darnton estudar,
nas obras consultadas, autores franceses publicados em seu próprio
país ou vendidos para o exterior; cabe destacar que ele não trabalha
com autores estrangeiros publicados na França. Portanto, uma
pesquisa que envolvesse o estudo da publicação de autores
estrangeiros no próprio país, ou no exterior, obrigatoriamente, teria
que incluir os tradutores dentro do circuito. Já a do revisor e a do 17
ilustrador, e de quaisquer outros profissionais envolvidos na produção
do livro e que não foram percebidas durante a execução do trabalho, a
nosso ver, requerem uma pesquisa que possa tentar explicar sua
ausência, o que não é nosso objetivo.
Deve-se assinalar que o revisor é o encarregado de examinar o
texto antes de ser impresso para corrigir, principalmente, erros
gramaticais, de digitação, etc. Um fato interessante a se destacar a
importância desse profissional e demonstrar como uma falha na
revisão pode alterar o texto, é o romance de José Saramago, História do
Cerco de Lisboa, que trabalha com essa questão.
A obra gira em torno de um revisor que altera o texto de um
livro, colocando um “não”, e com isso muda todo o sentido da história,
pois o texto passa a negar um fato que aconteceu. Nesse sentido
podemos apresentar a hipótese de que o revisor também pode ser
visto como um tipo de coautor, pelo fato de que pode mudar o texto
por conta própria, independentemente da vontade do autor.
Já o ilustrador é responsável pelas imagens existentes em uma
obra e com isso pode se entender que ele cria uma interpretação do
texto. Podemos observar tal mecanismo nas ilustrações existentes em
muitas Bíblias. Vemos, então, que o estudo desses profissionais pode,
em muito, enriquecer os estudos voltados para a História do Livro no
que se refere ainda à questão da autoria – nosso enfoque preferencial. 18
Ressaltamos, assim, a necessária valorização de outros
mecanismos que, junto a esse modelo, muito podem contribuir para
ampliar a abordagem do processo de produção. Assim como o estudo
de alguns dos profissionais envolvido na produção e que exigem um
estudo individual, por terem sido ignorados por Darnton, o que fugiria
aos limites desse trabalho. Para terminar, precisamos destacar o fato
de que a questão da autoria impõe uma contínua reflexão para que
essas e outras possíveis ausências sejam preenchidas por novos
estudos.
Conclusão
Os historiadores da Escola dos Annales incorporaram novos
objetos de estudo o que levou ao surgimento de diferentes domínios
dentro da historiografia, sendo um deles a História do Livro. Dentre os
que trabalham dentro dessa área pudemos examinar a teorização
desse campo pelo historiador Robert Darnton. Procuramos
demonstrar como a noção de autoria deve ser trabalhada de forma
mais ampla que o usual, incluindo todos os profissionais responsáveis
pela produção do livro. Além disso, indicamos o domínio da História da
Leitura como uma área relacionada que abre caminho para novos 19
estudos.
Nosso artigo não pode ser considerado o ponto final sobre o
assunto. Como foi assinalado, Darnton, em seus estudos, não incluiu
alguns profissionais como o tradutor, o revisor ou o ilustrador, que
procuramos inserir em nossas reflexões como parte essencial da
problematização sobre a questão. Essas, e outras possíveis ausências –
ainda que se considere seu modelo como referência maior – indicam
que o tema precisa de maiores estudos no que diz respeito a noção de
autoria, a fim de tornar mais ampla sua compreensão.
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