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ARTIGO RUÍDO

Barulho prejudicial (Parte 1)

Pesquisador mineiro revela conseqüências


do ruído no homem dormindo e acordado

E
ste trabalho é dividido em duas par- tivamente a qualidade absoluta do sono, acar-
tes e trata da perturbação do ruído retando piores desempenhos físico, mental e
no homem dormindo e acordado. A psicológico.
primeira parte, que estamos apre-
sentando nesta edição, aborda a Per- NATUREZA DO SONO E DOS SONHOS
turbação do Ruído no Homem Dormindo. A- Nos trabalhos pioneiros, em experiência de
presenta também dados de uma pesquisa de- privação de sono com registro do eletroence-
senvolvida junto a hospitais de Belo Horizon- falograma (EEG), demonstrou-se a necessi-
te/MG, revelando os efeitos prejudiciais do dade do sono de Não Movimentos Oculares
ruído junto aos pacientes. A segunda parte, Rápidos (NMOR) para recuperação física e
que será publicada na edição de março, abor- dos sonos MOR (Movimentos Oculares Rápi-
da a Perturbação do Ruído no Homem Acor- dos) para recuperação do humor e da capaci-
dado e os problemas vivenciados pela socieda- dade intelectual. Nos primeiros dias da restau-
de atual, onde existe cada vez mais ruído, es- ração do sono mostrou-se um efeito compen-
pecialmente em países do Terceiro Mundo. satório das perdas (Aserinsky & Kleitman,
A maioria das pessoas dorme de olhos fe- 1953; Kleitman, 1973). A privação total do
chados e na penumbra. Em decorrência per- sono por 40 horas sem dormir provocou distor-
de-se a percepção visual, suprimindo mais de ções perceptivas, falta de perseverança e
90% das informações recebidas e um sistema irritabilidade e por 100 horas sem dormir até
de segurança de prevenção de ataque de sur- desordens psicóticas, depois seguido de com-
presa. No sono, a audição, o segundo sentido pensação com aumento do limiar do sono de
em quantidade de informação, assume o con- até 15 dB(A) (Chapon et al, 1972). Privações
trole para detectar qualquer sinal de perigo, parciais do sono grupado determinaram que-
mantendo seus canais abertos numa abertura da de desempenho em tarefas de vigilância e
angular total de 360º em torno do nicho indi- cálculo, perturbação da avaliação do tempo e
vidual. A perturbação pelo ruído é uma das degradação das relações humanas (Chapon et
mais críticas, porque o silêncio se faz neces- al, 1972).
sário para o sono ocorrer na melhor qualida- Privações seletivas do sono MOR tiveram
de, que garante as mais nobres funções, a pou- efeitos mais específicos nas perturbações psi-
co tempo desconhecidas. Caso contrário, mes- cológicas, memória, concentração mental e a-
mo dormindo, o organismo começa reagir gra- prendizagem (Chapon et al, 1972). Já Fisher
dualmente com seu alerta, e o indivíduo ten- (1965) (citado por Chapon et al, 1972 (3)),
de a acordar. numa abordagem psicoanalítica, observou
A partir do valor médio de 30 dB(A), apare- perturbações do eu e da personalidade, além
cem reações perturbadoras das vísceras, no de memória, concentração e avaliação do tem- panhadas de baixa de secreção de hormônios
eletroencefalograma (EEG) e da estrutura do po. do crescimento e da tireóide, de seqüelas de
sono. O ruído aumenta a duração dos estági- Confirmaram-se estes distúrbios mentais e insuficiência metabólica dos tecidos e depres-
os superficiais do sono, enquanto o tempo to- psicológicos de uma forma ou de outra na pri- sivas do organismo, embora uma sensação de
tal e os estágios necessários, MOR (Movimen- vação do sono MOR (Chapon et al, 1972). ligeira euforia e hiperatividade. Mas, a recu-
tos Oculares Rápidos) e estágios 3 e 4, se re- Mais recentemente estudo com eletroencefa- peração dos sonos NMOR profundos é ime-
duzem consideravelmente. O despertar cos- lograma durante meses confirmou a melhor diata, em poucos dias, em detrimento mesmo
tuma ocorrer mais devido aos picos de ruído, aprendizagem de dormidores com maior du- do sono MOR (Chapon et al, 1972).
de 8 a 19 dB(A) sobre o nível de fundo. Quan- ração de sono MOR, entre estudantes de lín-
do o ruído do fundo atinge 65 dB(A), os re- gua inglesa estudando francês (De Koninck MOVIMENTOS OCULARES
flexos protetores do ouvido médio parecem et al, 1989). Atual e extensa revisão sobre so- A duração dos sonos NMOR (Não Movi-
funcionar, anulando, em parte, a função da nhos (Foulkes, 1996) deixa claro a natureza mentos Oculares Rápidos) profundos parece
audição e introduzindo insegurança pela di- de “atividade mental alternativa do sonho”, ser relativamente mais estável, e estes sonos
minuição da vigília auditiva, evidenciada pela cuja rede neural primária seria a mesma da reagem logo de maneira compensatória. Eles
maior demora para se pegar no sono. atividade de vigília. Sabe-se que há “sonhos variam positivamente com o exercício físico
A situação insalubre na cidade e em hospi- lúcidos”, mais conscientes, que estão muito
tais de Belo Horizonte é mostrada como exem- mais ligados à continuidade de nossa vida em Tabela 1 – Limiar de despertar
plo corrente do Terceiro Mundo industriali- vigília do que com qualquer outra coisa com-
zado e urbanizado. A poluição sonora, cons- Estágio Limiar relativo (em dB)
plementar. A não existência de “sonhos lúci-
ciente ou inconscientemente, piora significa- dos” na primeira infância liga-se à escassez I 3
de imagens mentais mesmo acordado. No so- II 5
Fernando Pimentel-Souza no normal, as percepções externas e a motri- III 26
Professor Titular de Neurofisiologia e membro do
Laboratório de Psicofisiologia da Universidade cidade são mínimas e as atividades intrínse- IV 35
Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo cas sobressaem dando um traço mais nítido à V 31
Horizonte, membro pleno do Instituto de Pesquisa consciência do seu eu, no adulto dormindo. Limiar de despertar conforme o estímulo auditivo
sobre o Cérebro, da Unesco (Paris), engenheiro Por outro lado, a privação parcial dos sonos é aplicado em diferentes estágios do sono, acima
pelo ITA e MS Eletrônica ENSA (Paris) de onda lenta, NMOR profundos, são acom- do ruído de fundo, segundo Lukas (1971)

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motivado está ligada positivamente com a vo e menos despertares por estarem mais
duração do sono MOR, onde predominam os freqüentemente em estágios mais resistentes
sonhos. Confirmou-se também em trabalha- ao barulho. A ciência atual, no entanto, não
dores que se queixavam terem mal dormido, sabe como se pode conseguir dormir mais
mas mostrando grande incidência de estágio apenas sonos nobres e profundos.
1 e 2 e nítida diminuição do sono MOR e em
pacientes que passaram a primeira noite em RUÍDO BRANCO NO SONO
laboratórios de sono, com perdas ligeiras do A mais completa experiência de laborató-
sono total e estágio 4 e severas no sono MOR rio foi realizada por Terzano et al (1990) em
(Chapon et al, 1972). seis jovens de 25,8 anos em média, saudáveis,
Observou-se também que a duração total três homens e três mulheres, sem queixa de
do sono melhora a sensação de bem dormir insônia, submetidos a níveis diferentes de ru-
só até um máximo de 9 horas, a partir do qual ído branco. Este ruído é aquele que ocupa i-
há uma piora, explicada pelo aumento de des- gualmente toda a faixa espectral de freqüên-
gaste devido à maior atividade cerebral du- cia, para não ter influência de timbre, que cau-
rante o sono, consumindo mais energia meta- se identificação psicológica.
bólica, hormônios e mediadores químicos O tempo total de sono caiu 38,8 minutos,
(Chapon et al,1972). “Dormir mais” pode ser em valor relativo 8,2%, e se correlacionou in-
uma inútil busca de compensação pela quali- versa e significativamente com o nível de ru-
dade de sono perdida, mas que não é resgata- ído entre 30 deciBéis Acústicos (dB(A)) e 75
da, como confirmado por Braz (1988) na ci- dB(A) (Figura 1). Houve uma queda impor-
dade de São Paulo e por Pimentel-Souza et al tante entre 45-55 dB(A) com elevado aumen-
(1996) em pacientes em alta em hospital mais to do estágio 1, confirmando Vallet et al
barulhento em Belo Horizonte. (1975). A 44 e 53 dB(A) de pico já se come-
Desde 1963 que Webb (citado por Chapon çam a despertar respectivamente em ambien-
et al, 1972) constatou que as mulheres dor- te calmo, de 25 dB(A), e mais barulhento, 45
mem pior do que os homens, confirmado na dB(A) (Tabela 2). Mais despertares ocorre-
cidade de São Paulo por Braz (1988). As mu- ram entre 55-65 dB(A) de fundo, correspon-
lheres, em particular as donas de casa, são dendo também ao máximo de sonos superfi-
mais facilmente acordadas pelo barulho (Cha- ciais, 69,4% do total (Figuras 1 e 2).
pon et al, 1972). No cotidiano observa-se em
geral como a mãe é mais sensível ao choro do Figura 1 - Tempo total de sono e de des-
bebê, desperta-se logo, apesar do pai conti- pertar versus nível de ruído
nuar a dormir.
Com a idade constata-se uma diminuição
do tempo total de sono, aumento dos estágios
1 e 2, quedas do estágio 4 e do sono MOR, só
aparente após 60 anos (Chapon et al,1972).
Isto não significa um envelhecimento normal,
mas efeitos de doenças, poluição sonora e
maus hábitos. Relacionam-se à queda do es-
tágio 4 com início da patologia cerebral, pela
falta de regeneração orgânica, e à queda da
duração do sono MOR com baixa da função
e estresse e negativamente com a idade, de- intelectual. Lukas et al (1970; citado por Cha- Figura 2 - Duração dos estágios superfi-
monstrando relação direta com o nível de gas- pon et al, 1972) encontraram aumento das re- ciais do sono versus nível de ruído
to energético (Chapon et al, 1972). ações ao barulho de aviões subsônicos e su-
O sono pode ser dividido em duas partes persônicos com a idade, sobretudo na dura-
funcionalmente bem distintas. A primeira, ção do despertar, que cresce mais de 30 vezes.
onde predominam os sonos NMOR profun- Donde se pode prever envelhecimento insa-
dos, é considerada obrigatória por ser neces- lubre no sono e conseqüente perda de desem-
sária à saúde física, a sobrevivência. A segun- penho, induzido pela poluição sonora existen-
da, onde predomina o sono MOR (Movimen- te no mundo moderno, principalmente no Ter-
tos Oculares Rápidos), é considerada menos ceiro Mundo industrializado e urbanizado,
obrigatória, por ser considerada facultativa à sujeito à maior poluição sonora do que o Pri-
recuperação psicológica e mental, mas que meiro Mundo (Pimentel-Souza, submetido).
compromete profundamente o desempenho do Os dados da duração do sono grupado apon-
ser integral (Chapon et al, 1972). tam média de 7,5 horas, com 5% das pessoas Figura 3 - Duração dos estágios profun-
A classificação acima parece confirmada dormindo mais de 9 horas e 5% menos de 6 dos do sono versus nível de ruído
por Lukas (1971), onde os limiares de desper- horas (Chapon et al, 1972). Hartmann et al
tar pelo estímulo auditivo sobre o estágio IV (citados por Chapon et al, 1972) constatou que
é maior do que o do V, indicando a prioridade os “grandes dormidores” despertavam mais e
natural na preservação adaptativa do lado me- tinham mais estágios 1, 2 e MOR e os “pe-
tabólico de recuperação e sobrevivência ce- quenos dormidores” tinham mais estágios 3 e
lular sobre o mental e psicológico. Os maio- 4. Jones e Oswald (1966; citados por Chapon
res limiares para acordar com ruídos estão nos et al, 1972) estudaram dois indivíduos excep-
estágios III, IV e V, considerados por isto pro- cionais que dormiam menos de 3 horas, que
fundos (Tabela 1). possuíam 49% de estágios 3 e 4, sendo seu
valor absoluto igual à duração média dos in-
BEM E MAL DORMIR divíduos sem insônia dormindo 7,5 horas, o
A sensação de ter bem dormido e acordar que explica o seu caráter metabólico adaptati-
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ARTIGO RUÍDO
Já entre 65-75 dB(A) ocorre um fenômeno do tempo total de sono, 45,5%, a 30 dB(A), e
paradoxal: o tempo total de sono aumenta de se limitando a menos da terça parte, 29,4%, a
2,8 minutos, caindo um pouco o percentual 75 dB(A). Naturalmente tudo isto ocorreu
do estágio 2 e ganhando paradoxalmente em desequilibrando o sono para o lado mais su-
sono MOR, mostrando que em nível elevado perficial, estágios 1 e 2, que aumentaram 17%
de ruído o sono até recupera em parte sua es- no valor relativo, passando de 54,5% a 69,2%
trutura, mas continua perdendo em sonos pro- do tempo total de sono (Figura 2). Paralela-
fundos NMOR, e a qualidade do sono conti- mente, no adulto, há também aumentos sig-
nua precária em relação ao mais silencioso. nificativos de micro-acordares, detectado por
Isto pode significar que na audição, o reflexo padrões de curtas oscilações denunciando
protetor do ouvido médio vai provavelmente despertar só eletro-oscilograficamente, sem
neutralizar a percepção do ruído crescente, tomada de consciência, descrito por Terzano
perdendo também capacidade de vigilância do et al (1990).
sono (Figuras 1, 2 e 3). A duração dos períodos acordados consci-
Instalou-se gradualmente uma perda signi- entes após o primeiro sono subiu significati-
ficativa da qualidade do sono, enquanto o ru- vamente, acentuadamente até 65 dB(A). De
ído branco subiu de 30 dB(A) a 75 dB(A), 65 dB(A) a 75 dB(A) houve discreta rever-
mostrado por: são: queda dos despertares e aumento do tem-
- Queda significativa do sono MOR (Figu- po total do sono e sono MOR (Figuras 1 e 3).
ra 3), cujo percentual passou de 29,0 % para Esta aparente melhora do sono a níveis eleva-
20,8 % do tempo total de sono, totalizando dos de ruído parece ser devida à grande perda
uma perda de 47,3 minutos no tempo absolu- de audição por ação do reflexo do ouvido
to, médio, cuja função é proteger o ouvido do im-
- Queda significativa dos sonos profundos pacto do ruído, mas desguarnece o organis-
NMOR (Figura 3), que passaram de 16,5 % mo do sistema alternativo de vigilância duran-
a 8,6% do tempo total de sono, totalizando te o sono. Conseqüência provável é que, en-
uma perda de 36,7 minutos no tempo absolu- tre 65-75 dB(A), o paciente tem dificuldades
to. O efeito é particularmente válido para o crescentes de conciliar o sono, pois o tempo
estágio 4, que sofre perda relativa de 70% e para dormir subiu até 22 minutos, provavel-
mantém elevada correlação linear com o ní- mente devido à ansiedade da insegurança da
vel de ruído, correspondendo à queda de ocor- falha na vigilância. Em níveis mais baixos de
rência das ondas delta. até 55 dB(A) o tempo para dormir quase não
variou, não ultrapassando dez minutos, não
MICRO-ACORDARES mostrando reações por pequenas perdas dos
Há ação antagônica do ruído com os sonos reflexos auditivos.
mais profundos, que ocupavam quase metade Já o efeito do ruído branco de fundo, de

O ruído das ruas


Como aeroportos e o trânsito afetam
a qualidade do sono da população
Nos arredores do aeroporto de Los An- Mudanças para estágios superficiais de sono
geles, nos EUA, depois de um mês de greve, começam a partir de 35 dB(A), atingem já
os moradores tiveram um ganho estabiliza- 60% a 40 dB(A), com picos de 65 dB(A)
do de 23% nos estágios III e IV de sonos (Thiessen, 1980; citado por Vallet, 1982). O
profundos. De 23h às 6h, o nível máximo de aumento de despertares e de duração dos mes-
ruído externo caiu de 71 para 51 dB(A) e o mos com nível de ruído foi confirmado por
interno de 52 para 39 dB(A) (Friedman & Muzet & Metz (1970; citados por Vallet, 1982).
Globus, 1974). O impacto de ruído como o Este dado é corroborado por Vallet (1982) pela
de aviões tem adaptação mais difícil, por- queda de 39% nestes estágios profundos de
que a 57 dB(A) de pico só 25% da popula- sono NMOR na população ribeirinha de uma
ção não tem mudança no eletroencefalo- autopista na França, com a variação dos ru-
grama, mas a 70 dB(A) de pico com 50 dB(A) ídos internos máximos de cerca de 47,5 dB(A)
na média 25% já acordam segundo Lukas para 57,5 dB(A) e médios de 25 para 45 dB(A).
(1973; citado por Vallet, 1982). Mesmo a Perderam ainda 16% do estágio V do sono
longo prazo após um ano, os moradores ri- (Tabela 2). Estas constatações mostraram que
beirinhos do aeroporto Paris-Roissy não se não há habituação ao ruído, mesmo em se tra-
adaptaram, acordando a partir do pico de tando de indivíduos residentes no local há
44 dB(A) no estágio II e do pico de 60 dB(A) mais de um ano, resultando um envelhecimen-
nos sonos NMOR e MOR, tendo 20% de to em relação aos sonos profundos de pesso-
superficialização de estágios para picos de as, em média, de 35 anos para 50 anos. No
60 a 70 dB(A) segundo Vallet et al (1980; meio calmo, de 25 dB(A), antes da inaugura-
citado por Vallet,1982). ção da autopista havia menores efeitos no
Um nível de 60 dB(A) de ruído de trânsi- eletroencefalograma (9 contra 21) do que de-
to causa impacto de 25% de probabilidade pois, apesar dos valores dos picos para rea-
para acordar uma pessoa, mas há uma re- ção no meio calmo serem menores do que no
dução à metade depois de duas semanas. barulhento (Tabela 2).

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cerca de apenas 40 Tabela 2 Hospital das Clínicas de 30,8% contra 4,7%
dB(A) junto ao ouvido Reações Meio Calmo Meio Barulhento no Hospital da Baleia, significativamente dife-
dos neonatos, mostra Acordares * 43,9 52,6
rentes, e do estágio V, por estar ligado à ativi-
eficácia de aumentar de dade intelectual, perdas de concentração de
Mudanças de estágio * 42,4 51,0
25% para 80% dos que 23,1% e 13,6%, para níveis de ruído médio
dormem em apenas 5 Efeitos transitórios * 42,0 50,6 de 53,7 e 45,5 dB(A), respectivamente, du-
minutos, para sonos ti- Duração estágios III e IV ** 18% 11% rante à noite (Tabela 3). Os números médios
picamente medulares, Duração estágio V ** 21,7% 18,2% de despertares por noite de sono foram esta-
não cerebrais (Spencer * Limiares de ruído de pico em dB(A) para início de reações no EEG do sono. tisticamente idênticos, 2,50 e 2,75, respecti-
et al, 1970). ** Porcentagem de duração de estágios III, IV e V na duração do sono total, num vamente, no silencioso e no barulhento, sen-
A baixa de qualida- meio calmo, 25 dB(A), e num meio barulhento, 45 dB(A), de uma população ribei- do praticamente idêntico também o número
de do sono com o ruí- rinha respectivamente antes e depois da abertura de uma autopista na França
Fonte: Vallet, 1982
de picos acima de 10 dB(A) sobre o ruído de
do pode ainda ser liga- fundo, 19 e 21, confirmando que o número
da com o seguinte: nificativa em todos os horários medidos, ex- de acordares se liga mais com a relação sinal/
1o) Na forma de sensação subjetiva de ter ceto às 14h, onde provavelmente já existia uma ruído do que com o nível médio (Carvalho,
mal dormido, fator que se correlaciona signi- maior incidência circadiana do ritmo biológi- 1996). Os números de acordares nas cidades
ficativamente também com os micro-acorda- co para a de sonolência natural (Cipolla-Neto de baixa poluição sonora na Europa, cerca de
res e deve estar ligada também à perda dos et al, 1988), além de outras prováveis seqüe- 1,0 por noite, é significativamente menor do
sonos profundos, especialmente MOR, las não mensuradas como o aumento de can- que encontramos em Belo Horizonte (Janson
2o) No aumento da sonolência diurna. A es- saço, perdas de concentração, de humor, de et al, 1993).
cala de Stanford sinalizou uma variação sig- criatividade, etc.
TOLERÂNCIA MAIOR AQUI
Um dos mais silenciosos hospitais na peri-
Hospitais barulhentos feria de Belo Horizonte, dentro de um parque
ecológico, recebendo exclusivamente o baru-
lho de atividades internas e devido ao mau
Levantamento em Belo Horizonte constata projeto arquitetônico, generalizado no país,
elevado barulho externo e riscos aos pacientes está no mínimo 5,5 dB(A) acima do recomen-
dado pela Associação Brasileira de Normas
Os níveis de ruído encontrados nos hospi- constaram perdas de 28% e 12% dos estágios Técnicas (ABNT, 1966) e 15,5 dB(A) pela
tais de Belo Horizonte em pacientes pratica- III e IV e de 21% e 14,1% do estágio V, respec- nova recomendação da OMS (Bergland &
mente sãos, por estarem em alta, em trabalho tivamente, ao nível de 55 e 45 dB(A) de mé- Lindvall, 1995). Isto significa que provavel-
de Pimentel-Souza et al (1996), foram com- dia. Estas quedas dos estágios III e IV, por mente nenhum hospital de Belo Horizonte
parados aos dados de diminuição de estágios estarem ligados ao repouso físico, são confir- satisfaz as condições sonoras ideais.
profundos de sono em pesquisas em labora- madas indiretamente pelos dados obtidos de Os níveis sonoros noturnos dos dois hospi-
tório na Itália de Terzano et al (1990), onde maior cansaço ao acordar dos pacientes do tais nesta cidade são bem superiores aos de

IMPACTO POR UNIDADE


Griefahn (1977; citado por Vallet, 1982)
concluiu que o impacto por unidade de ru-
ído impulsional cresce quando a freqüên-
cia do ruído cai. Assim a partir 40 minutos
de intervalo se atingiria o maior efeito indi-
vidual, em um lugar silencioso, sendo en-
tão recomendado agrupar as poucas ocor-
rências de ruído do que separá-las. Quan-
to a vôos noturnos, o número mínimo de
reações aparecem para nível médio até 35
dB(A), que era o nível de bem-estar notur-
no recomendado pela Organização Mun-
dial da Saúde (OMS, WHO, 1980), conju-
gado a um pico máximo de 50 dB(A), e para
um número de vôos até 15 por noite. Por
outro lado, mostrou-se também que um ní-
vel de ruído diurno elevado provoca um
sono noturno pior, com maiores períodos
acordados, 11,9%, condizentes com baixa
de serotonina, e compensatoriamente so-
frendo aumento de sonos NMOR profundos
para 29,3%, coerente com maior necessi-
dade de recuperação física e queda de sono
MOR para 22,6% (Vallet, 1982et al, 1975;
Vallet, 1982; Frustorfer et al, 1985). Por
outro lado, noutra experiência, os indiví-
duos submetidos a cinco anos de barulho
de cerca de 47 dB(A) no sono e que depois
se mudam para outro quarto de 36 dB(A)
tiveram um aumento de 19% de sono MOR
Vallet (1982).

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ARTIGO RUÍDO
três de Rennes, na França, no mesmo período o sono de 69,2% dos pacientes no Hospital
com 42, 32 e 32 dB(A) em média, lá conside- das Clínicas contra 31,8% no Hospital da Ba-
rados incômodos por 91% do pessoal, mos- leia, sendo as porcentagens de 31% e 0% res-
trando paradoxalmente enorme tolerância ao pectivamente relacionadas especificamente ao
ruído da população de Belo Horizonte, como ruído de trânsito, significativamente diferen-
aliás no Brasil como um todo, apesar de acom- tes. Nas Clínicas, 61,5% dos pacientes acorda-
panhadas de sérios comprometimentos físicos, ram ainda não satisfeitos com o sono, que-
mentais e psicológicos, que podem estar pas- rendo dormir mais, apesar de terem uma du-
sando despercebidos por renunciarmos aos ração de sono 30 minutos maior do que na
nossos direitos fundamentais do ser humano. Baleia, onde cai para 27,3% os que queriam
Estamos nos sujeitando a ser cidadãos de se- dormir mais, dados significativamente dife-
gunda categoria, pois só 66,6 e 33,4% respec- rentes. Enfim, num total de 21 aspectos dos
tivamente dos pacientes em Belo Horizonte distúrbios do sono, direta ou indiretamente
relatam incômodo com nível de ruído superi- afetados por barulho, todos foram piores nas
or de cerca de 22 e 13 dB(A) bem menores do Clínicas do que na Baleia, apesar de ser um
que os percentuais de Rennes (Soyer & hospital de instalações bem melhores, mos-
Pichon, 1993). trando que o ruído neutraliza a melhor infra-
As conseqüências da queda de estágio V, estrutura e a mais qualificada equipe técnica.
onde ocorre a maioria dos sonhos, poderiam O prolongamento do sono nas Clínicas nada
ser melhor estudadas na pesquisa em hospi- resolveu, pois o sono era comprometido pela
tais em Belo Horizonte. Mas, já se pode per- pior qualidade, deixando o paciente com mais
ceber em parte o prejuízo, pois além de acor- vontade de dormir, mais perturbação ao acor- NÍVEIS DE RUÍDO PARA DORMIR
dar sem concentração, ocorre também piores dar, muito menos prazer em dormir, mais per- Já em 1981, Vallet (1982) demonstrou que
índices em Prazer em dormir, Recordação de turbado com outros incômodos (doença orgâ- um índice da qualidade fisiológica para o so-
sonhos e Pensamentos influenciados pelos nica, cuidados médicos, presença ou atenção no, combinando o tempo total de sono, dura-
sonhos. É difícil de se tirar maiores conclu- a outra pessoas, problemas psicológicos) e ção de estágios profundos III, IV e V e tempo
sões nesta amostra de pacientes de hospital com menos desfrute dos sonhos, piorando para passado despertado, só era preservado abai-
por terem nível de escolaridade baixa, 80% alguns com acordar mais precoce (Tabela 3). xo de nível médio de 40 dB(A) para ruído de
só com primário completo ou incompleto, e Os danos sutis da poluição sonora no sono trânsito. Juntando-se ao incômodo e mudan-
não exercerem ocupação intelectual. Mas se devem atingir a maioria dos hospitais, residên- ças de estágios por ruído de vôos de aviões
for solicitado desempenho nesta área, certa- cias e escolas da região metropolitana de Belo este valor caía para 35 dB(A) Vallet (1982),
mente será insuficiente, pois as atividades ce- Horizonte, e se pode estimar a extensão do dando origem à primeira recomendação da
rebrais parecem não terem sido bem recupe- dano epidemiológico por estar a maioria dos OMS de que o nível médio (Leq) de ruído para
radas pela queda de duração do estágio V. As níveis de ruído da cidade compreendidas en- sono de qualidade deveria ser no máximo de
funções psíquicas também devem ter sido afe- tre os níveis desses dois hospitais e certamente 35 dB(A) (WHO, 1980).
tadas e são ainda mais difíceis de avaliar (Ta- valendo para a maioria das zonas urbanas do O ruído “in situ” é mais prejudicial à quali-
bela 3). Brasil e provavelmente também em grande dade do sono por possuir, associado a um ní-
Nos hospitais em Belo Horizonte, consta- parte para o barulhento Terceiro Mundo in- vel de fundo, valores impulsionais elevados.
tamos ainda que o ruído perturbou diretamente dustrializado e urbanizado. Estabeleceram então diferenciação dos índi-
ces de incômodo e de despertar, baseados na
Tabela 3 – Avaliação dos pacientes em um hospital silencioso e um barulhento relação ruído de pico em relação ao de fundo.
Em conclusão, o ruído em pico desperta e in-
Aspecto do sono Hospital
comoda mais quando o ruído de fundo é me-
Silencioso Barulhento nor, sendo abafado seu efeito quando o ruído
Acordar mais cedo 27,3 38,5 de fundo é maior, mas aí já se nota uma perda
Acordar mais tarde 31,8 38,5 de qualidade pela superficialização do sono
Acordar cansado 4,6 30,8* sem despertar (WHO, 1980; Álvares &
Acordar sem concentração 13,6 23,1 Pimentel-Souza, 1992).
Acordar precocemente s/ conseguir dormir 27,3 38,5
Pesquisas mais recentes revistas para a OMS
chegaram à conclusão que os níveis de ruído
Acordar por ter sido perturbado 31,8 46,2
nos quartos de dormir deveriam ser ainda 5
Distúrbio do sono por desadaptação às acomodações 9,1 15,4 dB(A) mais baixos em relação à recomenda-
Distúrbio do sono por cuidados médicos 36,4 53,9 ção anterior, portanto média de 30 dB(A),
Distúrbio do sono por barulho 31,8 69,2* valor contínuo, e máximo de 45 dB(A) de pico
Distúrbio do sono por doenças orgânicas 18,2 46,2 (Bergland & Lindvall, 1995), baseados em
Distúrbio do sono por presença ou atenção a outra pessoa 9,1 38,5 trabalhos como de Terzano et al (1990). Estes
Distúrbio do sono por problemas psicológicos 9,1 30,8
são valores que deveriam servir de referência
para a jurisprudência do Código Civil (ainda
Distúrbio do sono por dormir durante o dia 50,0 61,5
a tempo por estar sua reforma em trâmite no
Existência de acordares noturnos 86,4 92,3
Congresso Nacional), direito de propriedade,
Falta de rotina para preparar para dormir 22,7 38,5 das leis de contravenções penais e ambiental
Latência maior do que 20 min para dormir 40,9 69,2 no Brasil, para garantir ao cidadão o direito à
Necessidade de dormir mais 27,3 61,5* tranqüilidade no lazer e no trabalho (Muller,
Não estar calmo bastante na hora de dormir 19,1 30,8 1956; Oliveira, 1995) e para estabelecimento
Prazer em dormir 63,4 23,1 de legislação municipal pertinente e normas
expedidas pelo IBAMA, introduzindo conse-
Recordação de sonhos 18,2 15,4
qüências punitivas mentais e intermediárias,
Pensamentos influenciados pelos sonhos 14,3 9,1
como multas crescentes, para garantir recupe-
Aspectos do sono, direta ou indiretamente ligados ao ruído, em percentagem de pacientes em alta. Num hospital ração física, psicológica, condições necessá-
mais simples, porém silencioso, todos itens foram mais favoráveis do que num hospital de melhor infra-estrutu- rias para potencializar devidamente a capaci-
ra, porém barulhento, segundo Pimentel-Souza et al (1966).
* Diferente significativamente do hospital silencioso. dade do cidadão para o trabalho moderno.
68 FEVEREIRO/2002

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