Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Introdução
1
Ver Bronckart 2003.
está em constante movimento. Por meio dos gêneros textuais, “o aprendiz pode
compreender o funcionamento sociointerativo das comunidades discursivas e as formas
da língua em uso” (DELL’ISOLA, 2009).
Ao adotarmos os gêneros textuais como foco de nossa pesquisa, colocamo-nos
na vertente teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2003), que além
de basear-se em autores fundadores como Bakhtin, no campo dos estudos da linguagem,
baseia-se em Vygotsky no campo dos estudos sobre desenvolvimento. Segundo a
perspectiva vygotskiana, a relação do homem com o mundo se dá por meio de
ferramentas operadas pelo homem no processo de trabalho. Elas acabam por realizar a
mediação entre ele e a realidade. Entretanto Machado e Lousada (2010) colocam,
citando Rabardel (1995), que nenhum objeto pode se tornar um instrumento mediador
da ação humana pelo simples fato de estar disponível para uso. É preciso que haja
apropriação do sujeito em relação ao artefato para que ele possa ter realmente uma
função mediadora, tornando-se um instrumento (uma ferramenta) para sua ação. A
partir da noção de instrumento acima citada, adotamos a noção de gênero textual não
apenas como unidade de ensino, mas como ferramenta que atua no processo de
aprendizagem (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, apud LOUSADA, 2009, p.167). Nesse
sentido, o gênero é encarado como verdadeiro instrumento para o desenvolvimento dos
três tipos de capacidade da linguagem (capacidade de ação, discursiva e lingüístico-
discursiva) as quais são os fundamentos para o domínio de uma língua. (SCHNEUWLY
& DOLZ, 1996, apud ABREU-TARDELLI, 2007, p. 87). É importante ressaltar que
essas capacidades, uma vez desenvolvidas, podem ser transpostas para a produção de
outros tipos de gêneros textuais, para outras situações de comunicação (LOUSADA &
ABREU-TARDELLI, 2010, p.50).
Para organizar um currículo de ensino baseado em gêneros textuais, adotando-os
como unidades de ensino, é necessário realizar um agrupamento dos mesmos para
posterior distribuição deles entre os diferentes níveis e unidades/lições. Entretanto, as
propostas de critérios de agrupamento de gêneros textuais já existentes foram
produzidas no âmbito de ensino de língua materna, existindo na área de ensino de língua
estrangeira poucas propostas de critérios para serem utilizados no agrupamento dos
gêneros. Sendo assim, além da escolha de gêneros textuais considerados adequados ao
ensino da língua francesa e sabendo que o ensino de línguas estrangeiras suscita
questões e problemáticas diversas do ensino de língua materna, definimos ainda um
critério para a organização do currículo tendo como eixo o ensino-aprendizagem de
gêneros textuais (RODRIGUES, 2000; SCHNEUWLY & DOLZ, 2004), sendo este
critério um “fio condutor” para agrupar os gêneros textuais que serão utilizados no
ensino, especificamente no de línguas estrangeiras (no caso, a língua francesa).
O presente estudo baseou-se nos pressupostos teóricos do Interacionismo
Sociodiscursivo, corrente do Interacionismo Social que ressalta o preponderante papel
da linguagem no desenvolvimento humano tal como apresentado por Bronckart (2003),
sobretudo no que diz respeito à questão dos gêneros textuais e às características
discursivas e linguístico-discursivas dos textos. Também fundamentamo-nos nos
trabalhos que exploram o uso de gêneros textuais para o ensino de língua materna
(francês) no contexto da Suíça francófona (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004) e
utilizamos, principalmente, as aplicações dessa perspectiva teórica para a língua
estrangeira, dando especial atenção às suas realizações no Brasil (CRISTOVÃO, 2002;
ABREU-TARDELLI, 2007; LOUSADA, 2002; entre outros). Fizemos ainda o estado
da arte das propostas de organização de currículos que usam o gênero textual como
unidade de ensino já existentes (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004; BRASIL, 1998,
RODRIGUES, 2000) para ser-nos possível apresentar uma nova proposta de
organização de currículo e agrupamento de gêneros.
2. Metodologia
2
Tradução de “Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues”
nesse estágio de aprendizagem do francês como língua estrangeira.
Em seguida, relacionamos os gêneros textuais às atividades sociais:
selecionamos quais gêneros textuais permitiriam ao aluno realizar as atividades sociais
elencadas.
Primeiramente, decidimos que seria importante o aluno desse nível ser capaz de
realizar a atividade “ir ao restaurante” e começamos a coleta do gênero textual
“conversa no restaurante”. Entretanto, os textos (vídeos) encontrados não mostravam
atividades de conversa entre o garçon e o cliente no restaurante, apenas conversas entre
amigos, que podem acontecer em qualquer lugar. Em outras palavras, eles mostravam
apenas a linguagem no trabalho (ou, na atividade social) “parcela da linguagem que não
participa diretamente da atividade específica por meio da qual um operador ou
determinado coletivo concretiza uma intenção de trabalho” (NOUROUDINE, 2002,
p.22) e não a linguagem para realizar a atividade social, a linguagem como trabalho
(NOUROUDINE, 2002, p.19) centrada essencialmente nas condições de realização da
atividade social, estando estas voltadas para um objetivo. Desse modo, concluímos que
ensinar a “linguagem na atividade/no trabalho” em língua francesa é muito importante,
mas mais adequado em níveis mais avançados, sendo mais apropriado, no 2º semestre,
trabalhar com os alunos a linguagem que permitisse a realização da atividade social de
fato. A partir dessa constatação, selecionamos, então, para trabalhar com os alunos, a
atividade social “cozinhar” e partir dela o gênero textual: “receitas em vídeo”. Aqui,
adotamos a noção de gênero textual como instrumento para desenvolver as capacidades
de linguagem dos alunos (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004) que poderão ser transpostas
para outras situações de produção de textos. Ensinar o gênero “receitas” não quer dizer
que todos os alunos vão precisar/querer cozinhar, mas eles terão, provavelmente, as
capacidades de linguagem desenvolvidas a partir do trabalho com o gênero, podendo
transpo-las para a produção de outros textos pertencente a outros gêneros textuais.
http://www.linternaute.com/femmes/cuisine/dessert/fontainebleau-aux-fruits-rouges/voir-la-
video.shtml
Ou seja, nesse gênero textual procura-se descrever as ações que devem ser
detalhadamente efetuadas para que aquele que seguir os passos indicados tenha sucesso
ao realizá-la.
O lugar social no qual as receitas são encontradas é a internet, e os textos usados
como corpus foram coletados dos seguintes sites:
• www.linternaute.com – famoso site francês que oferece serviços como
previsão meteorológica, dicionários, enciclopédia, etc.
• www.cookshow.com – site francês (possui também versão em inglês)
onde cozinheiros amadores e profissionais postam vídeos de receitas
filmadas com o intuito de conservar a “herança culinária mais fielmente
que uma receita escrita.” (trecho retirado da página de apresentação do
site)
• www.francechef.tv: site onde chefs de cozinha franceses famosos
apresentam diversos tipos de receitas.
No primeiro site acima especificado, uma pessoa “leiga” em cozinha (não
especialista) pode propor uma receita enviando ao site dados sobre o prato como: título,
3
Trecho original: « Il s’agit de faire-faire quelque chose à quelqu’un, de l’y incite plus ou moins
fortement, de lui garantir la vérité des informations fournies et, autre aspect du contrat implicite qui lie les
interactants, de lui garantir que s’il se conforme aux consignes-instructions, s’il respecte les procédures
indiquées, il paviendra au but visé. »
gênero, país, descrições das etapas de preparo e fotos de cada uma delas, foto do prato
pronto, informações e comentários adicionais da receita, informar seu nível de
dificuldade e por fim a pessoa deve aceitar o “termo de compromisso” do site. Após o
envio da receita, a pessoa deve se cadastrar no site preenchendo um formulário pessoal.
Em www.cookshow.com, cozinheiros amadores e profissionais (como acima dito)
podem postar receitas filmadas, sendo apenas necessário o cadastro do usuário na sessão
“chefs”. O usuário deve preencher seu perfil no site, fornecendo informações como uma
pequena apresentação pessoal, sua origem (cidade/país) e fotos (pessoais ou dos pratos).
Informações como a quantidade de receitas que foram postadas pelo usuário, o número
de vezes que suas receitas postadas foram visualizadas e eleitas como favoritas
aparecem no perfil de cada “chefe”. O site se apresenta como o lugar onde todos os
estilos de cozinhar são apresentados e seu objetivo é desacralisar a cozinha, tornando-a
acessível a todos. Há um trecho que sintetiza os tipos de receitas em vídeo nele
encontradas: “com ou sem fala ou ainda só com música, as receitas colocam em ação
um chefe de cozinha e de alguns veremos apenas as mãos”.4 (trecho extraído do site).
Existe no site uma sessão chama “trucs et astuces” (truques e astúcias, em português)
onde os chefes também filmam dicas de cozinha.
“Vocês cozinharão como as estrelas” é a descrição do site www.francechef.tv.
Nele são cozinheiros famosos que preparam as receitas que são filmadas. O usuário do
site pode escolher a receita que quer visualizar tanto por suas palavras chave quanto
pelo chefe de cozinha famoso que a preparou. No cadastro de todos os cozinheiros que
participam do site vemos abaixo de seu nome o restaurante francês no qual ele é chefe.
Diferentemente dos outros dois sites, não é qualquer pessoa que pode propor uma
receita. Há um link chamado “recrute de chefs” (recruta de chefes, em português) onde
interessados em participar das gravações das receitas em vídeo exibidas enviam seus
currículos, passando eles por uma seleção.
Quanto ao momento de produção das receitas, a data de publicação do vídeo
sempre aparece nos sites e sem prazo de expiração.
Em relação ao folhado textual (BRONCKART, 2003), compreendendo os
elementos internos mobilizados pelo contexto de produção das receitas em vídeo, no
que concerne à infraestrutura geral dos textos, foram encontradas características
diversas. Examinando o plano global dos conteúdos temáticos, vimos que não há
divisão entre o título, ingredientes e “modo de fazer”. Os ingredientes são enunciados
no início do vídeo, mas alguns aparecem durante o “modo de fazer” (chamado de
“passo a passo” algumas vezes). O tipo de discurso presente nesse gênero textual é o
discurso implicado: o apresentador “conversa” com o telespectador, entretanto notamos
ainda a presença de dêiticos de pessoa e lugar que caracterizam o discurso interativo.
No que concerne aos tipos de sequência, observamos que a sequência injuntiva
tradicional da receita escrita não é realizada da mesma forma nas receitas orais, já que:
há verbos no imperativo, mas também em outros modos verbais; o “vous” aparece, mas
também o “je”. Assim, nas receitas orais foram observadas as sequências injuntivas, a
sequência global básica. A primeira pessoa do singular apareceu no site
www.franceshf.tv, onde são cozinheiros famosos que explicam as receitas, talvez com
função de propaganda (“eu, chef famoso do restaurante X”).
4
Trecho original: “avec ou sans paroles ou encore em musique, dês recettes mettant em scène un
chef ou certaines où on ne verra que des mains ».
Em termos de mecanismos de textualização, classificados por Bronckart (2003)
em coesão (verbal e nominal) e conexão, foram encontrados como elementos da coesão
nominal os pronomes utilizados “on a besoin”; “il vous suffit”; “il nous faut”;
“personellement, j'aime bien”. Notamos também a repetição de substantivos e também
de palavras que o substituam, como por exemplo: repetição de « prenez la pomme »
(pegue a maçã) e também de « prenez-la » (pegue-a)
No que se refere à coesão verbal, os verbos presentes nos textos são conjugados
no Presente do Indicativo, Futuro próximo, Imperativo, Infinitivo e alguns no “Passé
Composé”. Como elementos de conexão, encontramos: “Premièrement”, “après”
(sequência), “donc” (consequência).
No nível dos mecanismos enunciativos, as vozes encontradas foram a voz do
enunciador que prepara a receita e a do espectador (vous). As modalizações presentes
em todos os textos são deônticoas (“Il vous faut”; vous devez” – trad. “é preciso que
você”; “você deve”). Além disso, as escolhas lexicais realizadas nas receitas são
referente ao universo culinário (utensílios, ingredientes, verbos).
A partir do modelo didático das receitas orais, é possível fazer uma comparação
com suas versões escritas (que são encontradas no site junto com as receitas orais). As
receitas culinárias em geral são compostas pelo texto escrito e a imagem do prato que
almeja ser preparado. A organização textual da receita possui o título do prato, os
ingredientes necessários para realizá-lo e o “modo de fazer” em seguida, sendo possível
encontrarmos outras informações sobre o processo de preparação do prato ou o modo de
servir no final.
Vimos assim que também nas versões escritas das receitas alguns itens são fixos
e outros são “opcionais” – variam de um site para o outro, como acontece nas receitas
tradicionais (podemos encontrar ou não informações adicionais no final das receitas);
algumas das partes opcionais são encontradas em qualquer receita (tanto oral quanto
escrita); outras são especificas das receitas on-line (votação, comentários, número de
exibições, quantas pessoas classificaram o vídeo como favorito).
Através do modelo didático do gênero textual receitas em vídeo, foi-nos possível
chegar à suas características, aquelas que estão presentes em todos os textos desse
gênero. As receitas em vídeo são caracterizadas por mostrar e explicar como se efetuam
os procedimentos da receita. Procura-se descrever as ações que devem efetuadas de
modo detalhado, para que aquele que seguir os passos indicados tenha sucesso ao
realizá-la. Desse modo, vimos que estas características são os elementos ensináveis do
gênero (CRISTOVÃO, 2002, p.97).
A partir do modelo didático produzido e das características centrais do gênero
assinaladas foi possível montar a sequência didática, “conjunto de atividades
organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 97). O papel da sequência didática consiste em propor
um conjunto de atividades que “propicie a transposição didática adequada de
conhecimentos sobre o gênero ao mesmo tempo em que explora a esfera de circulação
de textos produzidos”. (CRISTOVÃO, 2010, P. 307). Tais atividades devem possibilitar
o desenvolvimento das capacidades de linguagem necessárias para a produção de textos
pertencentes aos gêneros textuais que circulam na sociedade, devendo englobar práticas
de escrita, de leitura e práticas orais e realizar uma verdadeira “sistematização para que
o aluno possa realmente apropriar-se de uma determinada prática de linguagem”
(BARROS, 2009, p.134).
Além de propormos atividades que trabalhem aspectos das receitas em vídeo,
pretendemos ainda trabalhar as receitas em vídeo em comparação com as versões
escritas das mesmas receitas que estão disponíveis nos sites.
Apresentamos a seguir algumas atividades da sequência didática elaborada a
partir das receitas em vídeo.
I. Echauffement.
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
Echanges
Discutez des questions ci-dessous avec votre voisin.
1. Faites-vous la cuisine ? Aimeriez-vous savoir faire la cuisine ?
2. Aimeriez-vous faire le plat que vous venez de voir ?
3. Aimeriez-vous goûter à ce plat ?
4. Quels sont vos plat ou recettes préférés ?
Vocabulaire en action
6. De quoi a-t-on besoin pour réaliser ces actions ? Associez.
1. Faire frire des aliments a) un couteau
2. Couper des légumes b) un fouet
3. Faire bouillir de l’eau c) une cuillère en bois
4. Battre des œufs en neige d) un couteau-éplucheur
5. Faire cuire un gâteau e) une poêle
6. Éplucher des légumes f) une plaque électrique
7. Mélanger des ingrédients. g) un four
8. Étendre une pâte à tarte h) un rouleau á pâtisserie
Devinette
Formez deux groupes. Chaque groupe choisit une recette et dit à une autre personne de
l’autre groupe de quelle recette il s’agit. La personne choisie de chaque groupe doit
mimer la recette, sans rien dire, et son groupe doit deviner. Les points sont comptés
lorsque le groupe devine la recette en une période de temps déterminée à l’avance (3
min, 4 min)
3. Comparez la recette écrite que vous venez d´analyser avec la version em vidéo que
vous avez vue. Visionnez à nouveau, si nécessaire et dites quelles sont les différences
par rapport
a) au mode verbal
b) à l´information supplémentaires
c) à la présentation des ingrédients
1. Par groupes de deux ou trois, faites une recherche et choisissez une recette écrite que
vous aimeriez expliquer à l´oral. Réfléchissez aux changements qu´il faudra faire pour
l´expliquer à l´oral.
Production orale
Par groupes de trois, vous allez préparer une émission de télévision sur la cuisine.
Premièrement, choisissez une recette que vous aimeriez presenter: ça peut être une
recette typique brésilienne, une recette de famille, une recette que vous avez créée, etc.
Choisissez celui qui fera le rôle du présentateur et préparez la présentation ensemble.
4. Considerações finais
5
Consideramos, ao fazer tal afirmação, que há vários livros teóricos e didáticos publicados em
português como língua materna, alguns livros teóricos e algumas sequências didáticas publicadas em
inglês como língua estrangeira, e poucos livros teóricos e didáticos sobre o ensino do francês língua
estrangeira por meio de gêneros textuais, no Brasil. Isso pode ser constatado a partir das referências
bibliográficas citadas.
à produção de qualquer gênero, o que pode contribuir para
desenvolver sua capacidade de sozinho, apreender as dimensões
constitutivas de um texto que devem ser observadas e analisadas
quando se defrontar diante do desafio de produzir um texto
pertencente a um gênero que não lhe foi formalmente ensinado”
(MACHADO, 2009, p.120).
5. Referências Bibliográficas
• http://www.francechef.tv/recette-
homard_breton_baby,_tomate,_gingembre_et_junsai.html
• http://www.francechef.tv/recette-
cannelloni_chocolat,_croustillant_de_figues_a_la_vanille.html
• http://www.cookshow.com/recette-video/poulet-a-la-citronnelle-1375
• http://www.cookshow.com/recette-video/lapin-au-miel-1387
• http://cuisine.journaldesfemmes.com/dessert/fontainebleau-aux-fruits-rouges/
• http://cuisine.journaldesfemmes.com/gratin-legume/tutoriel-pratique/les-rouleaux-
croutillants-de-legumes/couverture.shtml