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FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO

ISABEL CRISTINA BRANQUINHA JURNO

CRÍTICA TEATRAL:
UMA REFLEXÃO SOBRE O GÊNERO NA IMPRENSA BRASILEIRA

SÃO PAULO
2018
2

FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO

CRÍTICA TEATRAL:
UMA REFLEXÃO SOBRE O GÊNERO NA IMPRENSA BRASILEIRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Banca Avaliadora da FAPCOM – Faculdade
Paulus de Tecnologia e Comunicação, como
exigência parcial para obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo, sob a orientação da Profº Mestre
Fernanda Iarrosi.

SÃO PAULO
2018
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Jurno, Isabel Cristina Branquinha


Crítica Teatral: Uma reflexão sobre o gênero na Imprensa Brasileira./ Isabel
Cristina Branquinha Jurno – 2018.
75f.:il,;30cm

Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade Paulus de Tecnologia e


Comunicação, São Paulo, 2018.
“Orientação: Profº Ms. Fernanda Iarossi”.

I. Jurno, Isabel Cristina Branquinha II. Título


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ISABEL CRISTINA BRANQUINHA JURNO

CRÍTICA TEATRAL:
UMA REFLEXÃO SOBRE O GÊNERO NA IMPRENSA BRASILEIRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Banca Avaliadora da FAPCOM – Faculdade
Paulus de Tecnologia e Comunicação, como
exigência parcial para obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo, sob a orientação da Profº Mestre
Fernanda Iarrosi.

_____________________________ _____________________________

_____________________________ _______________________________

SÃO PAULO
2018
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a minha família, que me apoiou e apoia todas as


minhas decisões, e que em nenhum momento esteve a parte do meu processo
acadêmico. Unindo forçar para guiar-me pelo melhor caminho, mesmo que tenha
este de ser o mais tortuoso. Em especial a minha mãe, que não deixa de olhar para
o futuro por um só momento, e que me mostra diariamente como ser uma pessoa
melhor.

Á minha orientadora Prof. Ms. Fernanda Iarossi, que se manteve calma e


paciente perante a todas as minhas decisões durante este período, ouvindo-me e
deixando com que, apesar das lições, as iniciativas viessem de mim, ajudando ainda
mais para a minha formação. Também, por além de educadora, ter sido amiga e
confessora em momentos de desespero.

Aos meus colegas de classe, amigos, que, apesar das milhões de diferenças,
estiveram ao meu lado, seja para rir durante o intervalo, ou para lamentar uma nota
baixa e compartilhar inúmeros momentos da vida acadêmica. Essa união me tornou
mais forte e me fez compreender que todos estamos destinados a algo, e podemos
de fato mudar a vida de alguém todos os dias.

À todos os meus professores, desde o primeiro deles, que me tornaram apta


a seguir meus sonhos, seja no meio acadêmico ou não. Que estiveram ao meu lado
durante toda a minha caminha, desde a alfabetização, e que continuam a me guiar
indireta ou diretamente, Agradeço todas as manhas pelas oportunidades que me
foram proporcionadas a partir deste ensino.

E agradeço também a todos que estiveram próximos a mim, torcendo e


rezando pelo meu sucesso, e me ajudando em momentos complicados e sensíveis
da minha caminhada.
6

Dedico esta monografia ao meu Pai –


Rogério Jurno in memorian – que me
proporcionou enxergar o mundo para
além dos meus portões, que me fez
entender que a vida é passageira, ou
vivemos intensamente o agora, ou
deixamos que outros o façam por nós.
Sonhar não custa caro, o absurdo é pagar
para não realizar.
7

“Sem espírito crítico não existe nenhuma


criação artística digna desse nome. É a
faculdade crítica a que inventa formas
novas”
(Oscar Wilde)
8

RESUMO

JURNO, Isabel C. B. A Crítica Teatral: Uma reflexão sobre o gênero na imprensa


Brasileira. São Paulo, 2018. 75f. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, para a obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo).

A presente monografia procura refletir os preceitos, fundamentos e características


da Crítica Teatral como gênero jornalístico. Avaliando qual seria a maneira mais
correta de redigir uma, e quais os pontos essenciais para essa. Para isso, serão
analisadas críticas teatrais vinculadas na mídia brasileira entre 2015 e 2018, a
conduta que seus autores e meios utilizam para produzi-las, além de entrevistas
com profissionais do meio, e pesquisas com bases históricas. O intuito final é
compreender e identificar uma possível forma base de escrita que guie profissionais
e elucide estudantes do meio, gerando maior interesse para o texto opinativo em
questão.

Palavras – Chave: Crítica; Crítica Teatral; Teatro; Jornalismo Cultural.


9

ABSTRACT

JURNO, Isabel C. B. The Theatrical Critique: A reflection on the genre in the Brazilian
press. São Paulo, 2018. 75f. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, para a obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo).

This monograph seeks to reflect the precepts, foundations and characteristics of


Theatrical Criticism as a journalistic genre. Evaluating what would be the most
correct way to write one, and what are the essential points for it. For this, we will
analyze theatrical critics linked in the Brazilian media between 2015 and 2018, the
conduct that their authors and media use to produce them, in addition to interviews
with professionals in the field, and research with historical bases. The final aim is to
understand and identify a possible basic form of writing that guides professionals and
elucidates middle students, generating greater interest for the opinion text in
question.

Key Words: Criticism; Theatrical Criticism; Theater; Cultural Journalism.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11
2. A CRÍTICA 18
3. ESTRUTURA DE UM TEXTO CRÍTICO 27
4. O CRÍTICO 37
5. A CRÍTICA E A ARTE NO MEIO IMPRESSO 43
5.1 A cultura sob um olhar politizado 47
6. A CRÍTICA NA INTERNET 52
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 56
8. REFÊRENCIAS BIBLIOGRAFICAS 59
9. APÊNDICE 62
11

1. INTRODUÇÃO

O tema desta monografia é compreender quais as normas que regem a


produção da Crítica Teatral no âmbito jornalístico brasileiro, como ela é estruturada
e quais as produções básicas que devem conter para ser, de fato, uma crítica,
resultando em um mapeamento que desmistifique tal gênero e que seja capaz de
auxiliar profissionais, ou não, da área a escrever, com propriedade, uma boa
narrativa.

Tal tema encaixa-se na primeira linha de pesquisa da FAPCOM, na qual


prevalecem os tópicos de Sociedade, Educação e Cultura em relação à
comunicação, tendo presente que essas três dimensões da vida humana são
fundamentais para a construção da sociedade e para a formação do homem
contemporâneo.

Já nas linhas de pesquisa voltadas ao jornalismo, a monografia encaixa-se em


“Processos e políticas editoriais”, isso porque prioriza um estudo relacionado a
produtos jornalísticos, tanto no que concerne às políticas editoriais das empresas,
quanto às rotinas e aos processos produtivos da notícia.

O objetivo geral então é mapear, através de pesquisas acadêmicas,


entrevistas com críticos como: Kyra Piscitelli, Luís Francisco Wasilewski, Pamela
Duncan e Paulo Neto, análises de produções e de conteúdos já existentes com a
temática semelhantes, um modelo de crítica teatral na imprensa brasileira. Ou seja,
o ponto é estudar o conceito de crítica no jornalismo brasileiro, através de pesquisas
bibliográficas, e como ele se dá na cobertura teatral, bem como levantar o que já
existe de manual da crítica e, com as entrevistas com críticos, analisar o que
produziram na imprensa entre 2017 e 2018.

Estudar a crítica teatral na mídia brasileira serve como uma ferramenta de


análise sobre o espaço opinativo na imprensa. O recorte desta monografia ao
analisar e mapear a crítica teatral contribui para discussões do papel do crítico –
seja ele jornalista ou não – e servir de inspiração para jovens que buscam em
pesquisas acadêmicas uma luz sobre este gênero específico.
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Além disso, as entrevistas com críticos teatrais em atuação em diferentes


meios como: Incitarte e Aplauso vão ajudar na compreensão do cenário nacional da
produção opinativa e no curso de jornalismo acrescentando conteúdo para ser
destrinchado no meio acadêmico.

Para ajudar na fundamentação teórica desta monografia foram encontrados


conteúdos como “A crítica como ofício” (GUIMARÃES, 2006), “Depois do
espetáculo” (MAGALDI, 2003) e “Reflexões sobre a crítica teatral nos jornais”
(GARCIA, 2004), além de outros em diversos formatos como artigos científicos,
teses e dissertações. Porém, nenhum deles relata com o viés jornalístico proposto
para esta pesquisa, ou seja, estudam com enfoques ligados à escrita da crítica em
geral. Outros até trazem informações sobre a editoria, no parâmetro teatral, mas a
questão é que não se tem a narrativa final aqui destrinchada, como base do assunto.

A escassez de manuais específicos sobre o tema, que auxiliam na produção e


ainda têm o intuito de servir para estudantes que pretendam no futuro dedicar-se a
área, também motiva a pesquisa aqui disposta.

Dentro do cenário teatral, notadamente de 2015 a 2018, alguns espetáculos


têm tomado proporções inimagináveis, não pelo seu conteúdo artístico ou por sua
narrativa desafiadora, mas por questões religiosas e ou de poucas informações.
Nestes o questionado não foi sua relevância como apresentação artística com
analogias a serem estudadas, e sim o quanto incomodavam certos núcleos da
sociedade, a ponto de sofrerem censura.

Deixando claro que não podemos tratar nenhum dos fatos com menor
preocupação, ou que os movimentos que se sentiram atingidos por tais estejam
completamente errados, existe sim uma tangência entre o correto e o pouco
explorado, sendo assim, a visão aqui não é repreensiva em questões de gênero,
racismo e religião. O debate fica envolto no campo da censura e da crítica, ou seja,
como o tema foi abordado e qual a sua conclusão.
13

O primeiro caso aconteceu em maio de 2015, quando a Companhia teatral Os


Fofos Encenam1 entrou em cartaz mais uma vez (a primeira foi em 2003) com a
peça “A mulher do trem”. Nesta o grupo usava um recurso circense de máscaras
pintadas em seus personagens. No entanto, a Cia. abordou personagens de classes
sociais desfavorecidas com a máscara de cor negra, que remeteu instantaneamente
a outra prática teatral muito mal vista, o Blackface, que consiste em colorir atores
brancos com carvão de cortiça para representar personagens de origem afro de
forma exagerada.

A peça não chegou a ser encenada com sua montagem original, pois após
grande comoção nas redes sociais o Teatro Itaú Cultural de São Paulo, que sediaria
a mesma, resolveu abrir um espaço para um debate entre o movimento negro que
se sentiu ameaçado, atores e produtores da peça além de outros convidados. Ao
final ficou decidido que a peça sairia de cartaz e sofreria modificações, para que não
voltasse a, de alguma maneira, ser propulsora de racismo.

Vale observar então que na realidade as máscaras circenses historicamente


eram coloridas, e não apenas em alguns personagens, como a releitura da peça “A
mulher do trem” propunha. Então de fato é um caso peculiar onde o diretor não
observou a tangência real do que poderia causar a sua escolha. No entanto, o que
fica pautado aqui é o modo como à censura e os movimentos a favor ou contra a
peça se constroem e se impõem, uma vez que a montagem original nem chegou a
ser exibida, algo que talvez pudesse ter mudado a forma como os ativistas
enxergavam o recurso usado.

Cinco meses depois do acontecido, a peça voltou a entrar em cartaz, agora


com máscaras pintadas em todos os personagens, e aqueles que as possuíam na
cor negra, anteriormente, ganharam, na nova roupagem, as cores azul e verde. A
atriz Kátia Dahen, que faz parte do elenco, afirmou na época em entrevista coletiva
que o grupo não se sentiu censurado com a mudança. Ela disse ainda que todos os
integrantes compreenderam que ativistas tinham motivos para reivindicá-la. Já o
dramaturgo e diretor Aimar Labaki, que havia participado do debate que acabou por

1
Os fofos encenam é uma companhia teatral paulista, que iniciou sua trajetória em 2001 com o
espetáculo “Deus Sabia de Tudo”.
14

censurar a montagem, possui um pensamento completamente diferente: ele acredita


que cancelar a sessão e depois apresentar a peça alterada, sem que os que a
acusavam assistissem à montagem como ela era, significa aceitar a censura prévia.

Podemos dizer com base no pensamento da falecida Crítica teatral Bárbara


Heliodora2 (2014), que o diretor da peça em questão não fez seus estudos críticos
preliminares e confiou única e exclusivamente em “alguma inspiração indefinida a
que ele chame de talento” (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014. p. 11). Outro
porém é a abordagem da mídia sobre o acontecido, que na realidade só abriu um
espaço maior à montagem após o escândalo, mas nada antes disso, como parte por
exemplo de uma agenda cultural.

Heliodora (2014) costumava replicar em todas as suas entrevistas que a


crítica começa de fato antes do espetáculo sair, e neste caso a sua tese se dá como
correta, afinal o ato de criticar chegou a censurar, de alguma maneira, o espetáculo.
.
O segundo caso é referente à peça “O evangelho segundo Jesus, Rainha do
céu” (sediado no Sesc Jundiaí) que trazia à história de Jesus Cristo nos dias atuais,
encarnado na pele de uma mulher trans. A montagem foi suspensa por conta de
uma decisão judicial com caráter de urgência, deferida pelo juiz Luiz Antônio de
Campos Júnior, após um pedido impetrado pela advogada Viginia Bossonaro
Rampin Paiva.

O juiz afirmou que não estava se esquecendo da liberdade de expressão ao


deferir a ordem, que se obstruída por um só dia sofreria a pena de mil reais. No
entanto uma das frases da decisão dizia: “De fato, não se olvide da crença religiosa
em nosso Estado, que tem Jesus Cristo, como o filho de Deus (...)”, como se
estivesse dizendo que o Estado como o conhecemos perante a lei está equivocado
e não se trata mais de um ambiente laico.

2
Heliodora Carneiro de Mendonça (Rio de janeiro, 1923 – 2015) era crítica, ensaísta, professora e
tradutora. Acompanhava a atividade teatral desde os anos 60, e era especializada na obra de Willian
Shakespeare. (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014).
15

Na página da peça no facebook3, a diretora Natália Mallo discutiu e condenou


a decisão. Ela trouxe a tona que negligenciar a montagem sem ter assistido, apenas
pelo fato de conter uma atriz transexual, é exatamente como negar a diversidade da
experiência humana. “O espetáculo, escrito por Jo Clifford, busca resgatar a
essência do que seria a mensagem de Jesus: afirmação da vida, tolerância, perdão,
amor ao próximo”, explicou ainda a diretora na rede social.

Neste caso, a censura se dá não por um equívoco e uma despreocupação


com objetos e roupagens cênicas, que de fato fazem diferença, mas por uma ação
religiosa, que nem ao menos partiu de líderes consagrados da mesma. Ela surge de
bancadas que procuram determinar uma visão mundana única e não mais
complacente.

A peça também só ganhou amplitude por estar relacionada, então, com um


caso politizado. Antes desse, não se tinham muitas informações disponíveis sobre o
espetáculo em grandes meios de comunicação.

Será que se o espaço opinativo dos meios de comunicação tivesse maior


tradição na crítica cultural dessas iniciativas artísticas toda essa reação apaixonada
e muitas vezes questionável seria igual? Ou seja, se tradicionalmente a população
lesse crítica teatral, frequentasse mais e melhor os espaços artísticos teríamos esta
discussão ligando o conceito de arte com aspectos sociais questionáveis?

Isso vem à tona justamente para avaliarmos a importância deste gênero no


jornalismo – o mapeamento do espaço crítico teatral (ou de qualquer arte) na
imprensa brasileira se faz necessário para tentar minimizar leituras errôneas de
expressões culturais ou, quem sabe, deixá-las mais dentro do âmbito artístico e não
como jurídico que representam apenas uma parcela da população.

Então a ideia deste projeto justifica-se como mais um canal para refletir sobre
o papel deste gênero jornalístico no espaço cultural e, de que forma, a crítica pode
ajudar na função social do jornalismo.

3
https://www.facebook.com/jesusrainhadoceu/posts/1523817404330896
16

Sendo assim, pode-se dizer que o problema que ronda, e desencadeia toda
esta pesquisa, está envolto na forma da seguinte pergunta: Quais os padrões a
serem seguidos para a escrita (produção) de uma crítica teatral na imprensa
brasileira? De fato uma questão peculiar e que desfere diversas hipóteses que
podem ou não fazer sentido dentro deste paralelo.

Sábato Magaldi4, nome importante no cenário crítico brasileiro, questionava e


apontava historicamente os motivos pelos quais o Teatro e sua crítica deixaram de
ocupar espaços valiosos nas páginas dos jornais, ação que, segundo ele,
corroborou para um afastamento da população para com a expressão artística em
questão:

Com o correr dos anos a imprensa precisou ajustar-se à realidade


econômica, não ampliando o número de páginas. E o espaço que era
monopolizado pelo teatro (...) acabou sendo dividido por numerosas outras
manifestações, de popularidade indiscutível (...) ficando os ensaios por
conta de outras publicações, que por sinal não existem ou são insuficientes.
(DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2003 p. 24).

De certo a citação em questão coloca em cheque que devido à falta de


influência que a arte tem sob o público, tais padrões expostos normalmente nas
publicações, não são discutidos entre os críticos e os meios, o que pode ser um
desincentivo a novos profissionais que queiram se especializar na área. Afinal, qual
o sentido de se especializar em um conteúdo que mal tem espaço dentro do próprio
jornalismo?

Estes padrões que estão pontuados remetem aos casos que foram relatados
anteriormente, aonde os espetáculos não chegaram a ter uma crítica estampada nos
meios de comunicação, ou se tiveram, não podemos chamar de fato de crítica, mas
talvez de informe, ou em linguagem jornalística, de serviço.

Portanto, outras duas hipóteses podem ser destrinchadas dentro desta


pesquisa:

A crítica apenas descreve o espetáculo, sem aprofundamento técnico e


preocupações com a intensidade da crítica (como leve ou ferrenha) –
4
Sábato Magaldi (Belo Horizonte, 1927 – 2016) era Bacharel em direito com certificado de Estética
da Sorbonne, além de crítico teatral e professor. (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014)
17

superficialidade e objetivismo são elementos que costumam fazer parte, além de


poucas informações necessárias para guiar o leitor.

Outra é exatamente o oposto, não como algo então completo mas, como algo
então exagerado, ou seja, também encontram-se críticas com demasiado
aprofundamento, um olhar mais seco para quem realmente é do meio profissional,
costumam contar o espetáculo todo sem deixar ao menos que o leitor escolha se é
relevante ou não ir ao mesmo.
18

2. A CRÍTICA

Não tem como mensurar o alcance de uma crítica ou ainda qual a sua
relevância se não existe um embasamento histórico prévio, que demonstre como
funciona o mecanismo primário do gênero, de onde ele veio e como adentrou as
páginas dos jornais.

Sendo assim, a priori a crítica, como causa, significa colocar ideias em crise,
ou seja, confrontar os lados para entender melhor o que é apresentado, julgar se
existe ou não validade e por vezes qualificar esta mesma. Segundo Piza 5 (2004), a
importância da crítica está em seu papel de formar o leitor, de fazê-lo pensar em
coisas que ainda não tinha pensado, além de dar as informações em si do centro
criticado.

Em tese, a crítica possui uma função pedagógica, é como dizer que esta
procura esclarecer e pontuar ideais, de maneira a clarear o pensamento daquele
que se baseia por ela para solucionar ou compreender um determinado assunto.
Porém vale lembrar que o texto crítico não é um relato factual, como deixa claro o
6
crítico Jefferson Del Rios (2014), no entanto se apresenta como uma forma de
guardar aquilo que não pode ser compreendido pela tecnologia e a momentaneidade
de hoje.

Assim adentramos o cenário das críticas de artes, essas que nada se diferem
enquanto texto de cunho opinativo, mas que de certa maneira comportam uma parte
de subjetividade maior do que as demais. Segundo a crítica e dramaturga Maria
Cecília Garcia (2004), este gênero é uma representação da realidade com
capacidade de eternizar momentos e obras por olhares diferentes e questões
únicas, que nem mesmo uma fotografia seria capaz. O ato de escrever sobre algo
prevalece enquanto o próprio objeto pode ter fim, como, por exemplo, uma

5
Daniel Piza (1970 – 2011) foi um jornalista, escritor e artista plástico brasileiro. Formado em direito,
não seguiu na área jurídica e começou a carreira no Jornal O Estado de S. Paulo em 1991, cobrindo
especialmente a área de cultura.
6
Jefferson Del Rios Vieira Neves (Ourinhos- SP. 1943) é Crítico de longa atividade na imprensa
paulista, como jornalista é também redator e editor, além de ter sido correspondente no exterior. (DEL
RIOS; HELIODORA; MAGALDI. 2014)
19

exposição, que possui data para deixar de existir, enquanto dentro das linhas do
texto de um crítico continuará em jornada eterna.

“A crítica é um elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e,


apesar de toda sua verdade, ainda é tão verdadeira quanto não verdadeira é a
cultura” (ADORNO, 1998, p. 11). De acordo com o autor, é verdade que a crítica de
cultura (aqui vemos como arte) possui desassossegos que por vezes tumultuam o
meio, estes que cultivam a necessidade de não se chegar a lugar algum, de
reverberar conclusões infundadas e mal acabadas, mas não que isso seja de fato
um problema do gênero escrito, mas sim da realidade na qual é concebido.

Enfim, é certa a importância da crítica em suas mil e uma facetas, isso


porque, dentro de seu papel “catequizador”, ela abre barreiras para um pensamento
mais disposto a mudanças, com mais informações e com mais capacidade de se
tornar algo de fato fora do eixo vigente, isso quando olhamos para um controle
sistemático, que ocorre em qualquer sociedade. Ainda de acordo com Adorno7
(1998) tudo fica ainda mais claro ao expomos o fato ocorrido quando os fascistas
italianos decidiram colocar um fim nas criticas afinal elas proviam conhecimentos
demasiados para a sociedade, o que impedia o seu controle total.

A crítica artística, que ocupa um lugar tão grande na atividade dos


escritores, é sem dúvida para eles a oportunidade de descobrir a verdade
de sua prática e de seu projeto artístico. O que está em jogo, com efeito,
não é apenas uma redefinição das funções da atividade artística; nem
mesmo a revolução mental que é necessária para pensar as experiências
excluídas da ordem acadêmica (...) trata-se de criar as condições de uma
crença nova capaz de dar um sentido a arte de viver nesse mundo às
avessas que é o universo artístico. (BOURDIEU, 1996, p. 157)

É nítido então que o texto crítico visa suportar uma carência de estado, é a
forma mais pura que a arte tem para se reverberar enquanto produto latente. É o
meio e a conclusão de um trabalho que pretende se eternizar, lembrando ainda que
por vezes a própria crítica procura se encaixar no quesito de arte concreta. Além
disso, é o único produto que consegue para mais de suas funções acadêmicas, ele

7
Theodor Adorno (1903 – 1969) foi um filósofo, sociólogo e musicólogo alemão, um destacado
representante da chamada “Teoria crítica da sociedade”, desenvolvida no instituto de pesquisas
sociais (Escola de Frankfurt).
20

desmistifica o mundo artístico à sociedade, seja ela leiga ou não, assim como essas
expressões descritas por Bourdieu8 (1996).

Um das principais razões para a existência da crítica é exatamente a


necessidade que tem o artista de ter sua obra analisada e apreciada por
alguém que, para merecer o título de crítico, deve de estudar e ficar
informado na área de arte em que trabalha (DEL RIOS; HELIODORA;
MAGALDI, 2014, p. 19)

Claro que nem sempre a crítica agrada, nem sempre é vista com bons olhos,
afinal o seu intuito é deixar alguma coisa válida à sociedade, seja por algo de valor
inestimável, ou por um erro fatal. Por isso a crítica deve ser funcional, desprendida
do ego de seu autor para de fato exercer seu papel. É como se fosse necessário se
libertar de amarras mundanas, cheias de equivalência para conseguir criticar algo
eticamente, reverenciando seus pontos positivos e negativos sem influência da
indústria cultural, “A crítica não é injusta quando destrói - está ainda seria sua maior
qualidade, mas quando ao desobedecer, obedece.” (ADORNO, 1998, p.11).

Um fato histórico que comprova tal pensamento, segundo Piza (2004), foi o
festival de Edimburgo que ocorreu na Escócia em 1998. Durante o festival várias
expressões artísticas foram apresentadas e como consequência muitas críticas
também foram veiculadas na mídia, algumas destas que sofreram represália por
parte dos artistas (como acontece ainda hoje). No entanto no ano seguinte, no
mesmo festival, a revista inglesa The Economist foi atrás dos artistas para
perguntar o que melhorariam em suas performances anteriores se tivessem a
oportunidade e para a surpresa desses, 80% das mudanças tinham sido apontadas
como necessárias pelos críticos no ano anterior. (PIZA, 2004, p. 69).

“Assim como o público, o meio artístico também sente carência do olhar


crítico, mesmo que num primeiro momento os ataques magoem, se eles forem
consistentes e não caírem na ofensa pessoal (...) serão certamente ouvidos.” (PIZA,
2004, p. 70). Ou seja, a necessidade da crítica é eminente no meio artístico, é de
fundamental importância que seja um gênero presente e atuante, afinal existe, de
fato, uma ação que procura por tal gênero, e que sente a carência.

8
Pierre Bourdieu (1930 – 2002) foi um importante sociólogo e pensador francês, autor de uma série
de obras que contribuíram para renovar o entendimento da sociologia e da tecnologia no século XX.
21

Agora que já se observou um roteiro histórico leve, com pontuações e


importância inestimável, aprofundemos para um cenário mais reduzido, o da crítica
teatral, tema desta monografia. Esta que faz parte do gênero literário e jornalístico
ha mais tempo que a próprio meio de vinculação, afinal o Teatro possui mais de
2500 anos enquanto a imprensa existe há pouco mais de cinco séculos (BALLERINI,
2015).

De acordo com o jornalista Franthiesco Ballerini 9 (2015) as artes cênicas são


aquelas que mais necessitam de um jornalismo cultural eficiente, plural e constante,
isso porque o Teatro é exibido ao vivo e, assim, mais difícil de ser registrado,
eternizado e divulgado. Precisando de fato de uma crítica aprofundada que atue
como meio de eternização do espetáculo.

Um dos primeiros críticos teatrais do mundo foi Aristóteles, esse que foi
pioneiro em examinar de forma objetiva o conteúdo da barriga do ursinho10, como
dizia a crítica Bárbara Heliodora (2014), isso quer dizer que foi o primeiro a entender
que uma crítica deveria ter contexto, informações e dilacerações de um espetáculo,
e que não culminasse em problemas posteriores de entendimento. Ele inaugurou a
teoria da Catarse, essa que é o meio através do qual o homem purifica sua alma,
contando com apresentações trágicas. Como dizer que toda a peça de Teatro que
prossiga de maneira construtiva ajudará a sociedade a se posicionar em
determinado âmbito, como se purgasse as emoções humanas por escolhas ruins.

É bom lembrar que se pode “(...) definir a crítica teatral como um texto em
estado de latência, aquele que jamais se conclui ou jamais adquire uma forma
acabada e completa.” (GARCIA, 2004, p. 26). Isso porque existe uma constante
mutação dentro da área, essa que faz com que o gênero continue existindo, mesmo
com os mil percalços que veremos mais adiante.

9
Franthiesco Ballerini, jornalista, foi repórter e crítico do Grupo Estado. Mestre em comunicação
social.
10
A comparação vem do livro “O urso com música na barriga” (1938) de Érico Veríssimo, isso porque
neste todos querem saber o que de fato é o conteúdo da barriga do ursinho, que diferente dos outros,
toca música.
22

Então para fazer parte desta editoria é preciso pensar na divisão de poderes
que ela possui na área dos saberes e dos dizeres sobre Teatro “(...) ou seja,
interessa pensar em como se divide e se organiza o que se fala sobre Teatro no
circuito dos discursos visíveis, como se dá essa partilha e como se pode remoldurar
os princípios que dão as regras para essa hierarquia.” (SMALL, 2015, p. 17).

Já no Brasil, alguns autores trazem informações diferenciadas sobre a crítica


teatral na imprensa. O crítico Jefferson Del Rios (2014) aponta um esboço de crítica
por volta de 1893, esta seria uma espécie de crônica com menções de bom gosto,
no entanto traz a consolidação do gênero apenas em 1941 com a criação da revista
Clima, que estabeleceu realmente a crítica moderna para quase todas as artes.

Além destes dois marcos temporais, Ballerini (2015) traz uma lista muito mais
extensa desde o desembarque desse gênero jornalístico no Brasil, ele inicia a
caminhada em 1827 com O Espelho Diamantino, um dos primeiros periódicos da
imprensa, destinado ao teatro, literatura, arte, moda, política e afins. Tudo, é claro,
para senhoras brasileiras. O autor ainda pontua que por volta de 1836 o jornalista
Justiniano José da Rocha já publicava com regularidade suas críticas nos jornais
cariocas O Brasil e O Cronista.

Enfim, existe de fato um embate quando se diz respeito à época em que o


gênero jornalístico em questão apontou na imprensa, esse pode ser porque para os
críticos na verdade o que era deferido até então nos jornais não poderia ser de fato
pertencente a essa editoria, talvez não possuísse as características que a crítica
deve ter aos seus olhares, ou passou a ter desde então.

Já para os jornalistas não atuantes da área, é possível que a visão de um


texto de caráter opinativo que descreve uma manifestação artística teatral baste
para ser interpretado como a definição que se sujeita. A verdade é que a confusão
demonstra por fim a necessidade de se construir um novo olhar sobre a crítica
teatral, um que não se confunda, que tenha aspectos uniformes e que apesar de
opinativo, possua pontuações únicas e definitivas. Lembrando que como disse a
jornalista Daniele Small (2015) não se trata de propor outro método para a crítica,
mas de pensá-la a partir de outro princípio.
23

Após toda a cronologia da crítica, é preciso começar a traçar a sua função


dentro do gênero cultural, afinal é impossível que essa se prolifere não tendo em
vista um objetivo fundado e capacitado como base. É como um processo de
aprendizagem de uma criança que por fim possui o intuito de desenvolver, para que
seja apta a encarar o universo adulto com a bagagem necessária.

Vale a pena começar a analisar pelas bordas e criar um pensamento crítico,


antes de, de fato, pontuar a sua função final. Ou seja, é mais válido que o entorno
que cria a necessidade da crítica seja descrito como forma de entender o porquê de
suas ramificações enquanto texto opinativo.

Segundo Heliodora (2014) a crítica teatral é uma avaliação de espetáculos


artísticos de mesmo gênero, levando em conta que esses são grandes campos de
provas. Neles é possível inventar, improvisar, testar iniciativas nunca dantes vistas, e
isso porque ele possui o artificio de ser ao vivo, de se modificar a cada dia,
dependendo da reação do público, e por outro lado, por incentivo da crítica. A autora
já dizia que o Teatro é uma grande arena de testes, afinal este não se consagra
como tão dispendioso como a tv ou o cinema, então ainda possui a liberdade de
errar e aprender com esse, dentro de uma mesma temporada, de uma mesmo texto
e um mesmo capítulo todos os dias.

Para Heliodora ainda é necessário entender em que área da arte o Teatro se


encontra, ou seja, para ela existem as artes criativas e as interpretativas. “(...)
criativas porque de certo modo não dependem de seu criador (...)” (DEL RIOS;
HELIODORA; MAGALDI, 2014. p. 33). Então um exemplo seria um quadro, onde o
pintor não precisa deixar uma nota de explicação sobre o que ele tinha em mente
quando criou aquela obra, assim como a Mona Lisa11, hoje uma das pinturas mais
enigmáticas da história, que de fato, não possui um post it com a sua idealização,
deixando por conta da criatividade apenas. Já o teatro, assim como a música,
dependem incessantemente de seu criador, pois são artes interpretativas, isso quer
dizer que possuem não só o caráter de ser observada pela público, mas de ser

11
Mona Lisa também conhecida como A Gioconda ou ainda Mona Lisa del Giocondo é a mais notável
e conhecida obra de Leonardo da Vinci, um dos mais eminentes homens do Renascimento italiano
24

debatida por esse, precisando por vezes do olhar do diretor, para direcionar esse
pensamento analítico.

Ballerini (2015) ao citar Décio de Almeida Prado diz que o texto crítico teatral,
de certo modo, se torna a única forma de compreender o desempenho de atores, de
uma montagem e de todo o restante que faz parte de um espetáculo para endereçá-
lo as então interpretações do público. Funciona, de alguma maneira, como um guia,
no qual os olhares devem ser captados e transcritos de uma maneira mais clara
para o público.

Sendo assim, o texto se intensifica como um processo “(...) de constante


diálogo entre o sujeito e o objeto, em que ambos se constroem mutualmente (...)”
(SILIUNAS, s.d. apud BALLERINI 2015). Isso significa que em tese a crítica constrói
o espetáculo, não de maneira concreta, de maneira lúdica para a prosperidade,
deixando o legado daquela montagem prevalecendo mesmo depois de seu fim. É
um contrato de criação, onde as visões devem ser unificadas para a criação de uma
memória duradoura.

Ballerini (2015) então diz que uma função definida e concreta de um texto crítico
teatral é de interpretar, interrogar, desconfiar e provocar crenças e concepções, para
com o espetáculo apresentado, homologando a sua existente enquanto obra de arte.

É necessário recortar que aqui o viés no qual as pontuações são feitas que é
o jornalístico, para com a crítica enquanto pertencedora da editoria de cultura, seja
no meio online, ou no impresso, mas como, portanto, gênero da escrita opinativa
jornalística, tendo como primeira obrigação (visando as funções dos encargos
jornalísticos) de informar e formar um público apto a compreender e consumir o seu
produto final.

Nesse ambiente então, dá-se como obrigação dos fundamentos, diferenciar e


reformular a linguagem,

(...) abandonar um intelectualismo e adotar a sabedoria, A simplicidade na


maneira de escrever é fundamental num país em que grande massa da
25

população é totalmente desinformada. Simplicidade não é sinônimo de


pobreza de ideias, de pensamentos. (GARCIA, 2004 p. 14)

Vale ressaltar que esse ponto se constrói como uma das opções viáveis de
endereçamento da crítica, mas que destrincharemos melhor mais a diante.

Magaldi (2014), por sua vez diz que “A primeira função da crítica é detectar a
proposta do espetáculo, esclarecendo-a, se preciso, pelo veículo de comunicação –
jornal, revista, rádio e tevê. Em seguida cabe-lhe ajuizar o equilíbrio do conjunto.”
(DEL RIOS; HALIODORA; MAGALDI, 2014, p.45).

Relembrando um dos mais conhecidos críticos da história, Machado de Assis


(apud DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014), entende-se que a crítica é
portanto uma análise, que não se pauta apenas sob a opinião, é como um estudo
científico que depende de ser arrazoado pela consciência do crítico, para então ter
valor legal como objeto de estudo e de reflexão, seja por parte dos atores, dos
leitores ou até de outros críticos.

Portanto, o texto crítico pode ser personificado como aquele funcionário que é
impossível de se demitir, afinal ele possui todas as características que uma empresa
necessita e ainda compadece de todos os momentos éticos possíveis, ele sabe que
seu dever é entre o palco e o público, não antes, nem depois mas entre e que de
fato pode influenciar, ou seja, deve ter muito conhecimento prévio antes de apontar
ou não algo que vê.

“Se uma crítica é justa, afirmativa e basicamente leal, mesmo quando


perturba o artista, mesmo que ele não aceite publicamente, ele reconhece
finalmente sua pertinência” (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014 p.50): é por
esse papel que se deve sempre lembrar que a função de um texto crítico não é
derrubar ninguém, nem exaltar-se para com algo inovador, mas analisar a fundo o
que de fato é legado histórico, o que é apenas imitação e assim não procurar
satisfazer nenhum ego. Ou ainda contribuir para a pauta de programas femininos da
semana, mas de ser realmente um motivador de trabalhos cada vez mais
embasados e pertinentes à sociedade atual.
26

Diz-se isso porque muito se confunde no campo opinativo, por exemplo,


existem aqueles que entendem que o que um programa de “fofocas” matinal da tv
aberta faz é um olhar crítico para com várias produções, em especial novelas, mas
na verdade, inúmeras vezes, a mídia em questão apenas está ressaltando e
informando, sem embasamento ou propriedade aquilo que foi visto, não há de fato
uma explicação ou uma intenção de guiar análises mais concretas. É somente um
resumo do que foi visto no capítulo anterior e algumas teorias do que está por vir,
assim como questionava a crítica Bárbara Heliodora (2014).

“De que serve a crítica? Entre outras coisas, serve também de ponte entre o
público e o novo. A crítica serve também para explicar, para colaborar com a
identificação de qualidades.” (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014 p. 29).
Portanto, a crítica é como uma via de mão dupla, hora serve como base educativa,
pedagógica, outra com medidor de qualidade, de propriedade informativa. Em
ambos os casos ela serve, mas nunca se apropria do estado de obra superior, é um
texto de apoio que em tese não tem capacidade de modificar momentaneamente,
servindo como consulta e quem sabe moeda de troca.

Por isso, é engano julgar que o público de fato escolha ver algo ou não
apenas pela crítica, apesar de que nos Estado Unidos como diz Magaldi (2003), o
texto é sim parâmetro para investidores tirarem uma produção de cartaz ou não, isso
logo após a estreia. No entanto no Brasil a cadeia monetária não funciona dessa
maneira, até pela pouca cultura de leitura de críticas, mas o ponto é que não deve-
se subjugar o público apenas para com a crítica, ele sempre terá sua opção de
escolha e será apenas direcionado por tal gênero.

Por fim, é necessário lembrar que a crítica, apesar de ter suas funções iniciais
pré-estabelecidas, é um texto em constante mutação, ela deve se adequar por vezes
ao que está em alta no ramo teatral do momento, como os musicais hoje em dia, e
por isso atrela a “necessidade de averiguar com maior pautério o que se destaca em
determinado instante” (MAGALDI, 2003, p. 22) levando sempre em consideração,
que, por ser um texto de cunho opinativo, depende sempre dos traços de seu
escritor, que devem permanecer como um diferencial, em meio a todas as
informações necessárias para ser uma narrativa qualitativa.
27

3. ESTRUTURA DE UM TEXTO CRÍTICO

Não se tem ao certo um modelo padrão a ser seguido para a construção literária de
uma crítica, seja ela da área que for, no entanto, alguns autores trazem suas
divisões para, de certo modo, guiar o escritor (identificação dos pontos conceituais)
e o leitor.

Piza (2004) acredita que para se ter um bom texto crítico no universo cultural
é necessário que contenha os seguintes pontos:

Primeiro, todas as características de um bom texto jornalístico: Clareza,


coerência e agilidade. Segundo, deve informar ao leitor o que é a obra ou o
tema em debate, resumindo sua história, suas linhas gerais, quem é o autor,
etc.
Terceiro, deve analisar a obra de modo sintético mas sutil, esclarecendo o
peso, relativo de qualidade e defeitos, evitando o tom de “balanço contábil”
ou a mera atribuição de adjetivos [...] há um quarto requisito [...] a
capacidade de ir além do objeto analisado, de usa-lo para uma leitura de
algum aspecto da realidade, de ser, ele mesmo, o crítico, um autor, um
intérprete do mundo (PIZA, 2004, p. 70).

Portanto, é nítido que apesar de todas as diferenças de conteúdos, é


necessário se orientar pela base de textos jornalísticos padrões, não na questão de
lead12, pirâmide invertida13 e afins, apesar de se notar certa ascendência dessa
técnica, mas de clareza e objeção, sem se envolver com o pessoal.

Agora, aprofundando no universo da crítica teatral é possível ver uma


vertente apresentada por Clóvis Garcia14 (GUIMARÃES, 2006), ou seja, um
esquema montado pelo mesmo, que auxilia na criação de uma crítica teatral. Ela se
divide da seguinte maneira:

1 – Introdução
2 - Texto (escola teatral)

12
LEAD é a estrutura do texto que inicia uma notícia. “O lead clássico é formado por seis perguntas básicas, que
teoricamente, irão fortalecer as informações mais importantes do fato ocorrido. São elas: O que, quem,
quando, onde, como e por que.” (BARREIRA, 2013)
13
“Pirâmide invertida – estrutura que ordena as ideias de acordo com o sentido decrescente, isto é, dos fatos
mais importantes, que encabeçam a matéria, no lead, para os fatos menos importantes, que estão no final”
(REGO, 1984)
14
Clóvis Garcia (1921 – 2012) foi crítico, cenógrafo, figurinista, ator e professor. Personalidade Teatral
envolvida em diversas áreas do teatro, tanto teórica, quanto práticas desde 1950. (GUIMARÃES, 2009)
28

2.1 – Autor
2.2 - A peça
3 – Direção
4 – Concepção do espetáculo
5 – Interpretação
6 – Cenografia/ Figurino
7 – Música/ Coreografia
8 – Espetáculo

De fato, é uma boa projeção de texto, contém informações suficientes para o


bom entendimento, e ainda é objetivo em relação aos tópicos que devem ser
abordados tendo como base um produto teatral. No entanto, é apenas um dos
modelos que habitam as páginas dos jornais, afinal como dito anteriormente, e
conforme análise, ainda é uma área conturbada e sem muita ordenação, varia muito
de veículo para veículo e ainda para a internet.

Entretanto, ainda com a linha de pensamento de Garcia (2006 apud


GUIMARÃES, 2006), é possível destacar algumas outras características para com o
tom da escrita e não sua estruturação. “Na sala de aula da EAD, Clóvis Garcia
concluiu que a crítica teatral pode ser classificada em quatro gêneros: Filosófica,
Literária, Jornalística e Didática (...)” (GUIMARÃES, 2006).

Ou seja, é possível que a categoria Crítica teatral ainda seja subdividida em


outras quatro afeições, de acordo com o estilo textual do autor e da plataforma que
esta sendo usada para vincular esse conteúdo.

Aqui estão dois textos críticos sobre o musical “A Pequena Sereia”, uma
produção brasileira que segue os moldes do espetáculo de mesmo nome
apresentado na Broadway (EUA) e na Holanda. Um deles é fonte do blog de
entretenimento Queer as Geek15, este foi escolhido como objeto de análise porque
não aborda apenas críticas do meio teatral, mas também do cinema, além de outros
conteúdos relacionados, ou seja, atrai uma gama de audiência muito maior do que

15
https://queerasgeek.com.br/
29

apenas leitores engajados em um assunto em especial, também, por não ser uma
plataforma especializada neste tipo de texto opinativo, sendo produzido para o meio
online. O outro é um texto que apareceu nas páginas da Folha de São Paulo, mais
precisamente no Guia Folha. Este produto do meio impresso foi escolhido para
análise, porque, além de ser parte integrante de um jornal convencional, ainda
apresenta a necessidade de seguir, de certa maneira, os manuais da casa e do
jornalismo, atuando em um público que se difere do atingindo apenas no meio
online.

A primeira crítica analisada (Queer as geek) foi publicada na plataforma no


dia 06 de abril de 2018, enquanto o texto da Folha de S. Paulo saiu nas páginas dias
antes, em 30 de março de 2018.

A necessidade aqui não é analisar como cada um se apresenta de acordo


com sua plataforma de veiculação, ou ainda pontuar erros ou acertos para com seu
conteúdo em si, a intenção é descobrir se ambos, apenas um ou nenhum, se
enquadram dentro da divisão feita por Garcia (GUIMARÃES, 2006) para com a
estrutura que deveria ser empregue em um texto crítico.

A primeira crítica a ser analisada é a do Blog Queer as Geek, que foi escrita
por Lucas Werner16, esta virá em itálico, tamanho 11 e com o título sublinhado, de
maneira que seja possível identificar o que é texto opinativo e o que é análise (que
estará em padrões convencionais):

CRÍTICA: A PEQUENA SEREIA – O MUSICAL

Não é novidade para ninguém que quando alguma superprodução da Disney


pousa em terras brasileiras o sucesso é garantido. E não foi diferente com ‘A
Pequena Sereia – O Musical‘ espetáculo que estreou dia 30 de março no Teatro
Santander, sendo um dos grandes destaques dessa primeira leva de musicais do
primeiro semestre desse ano. Além da redação ter tido o privilégio de comparecer na

16
Lucas Werner é redator do Blog Queer as Geek e estudante de Publicidade e Propaganda.
30

coletiva de imprensa, onde você pode conferir o que rolou aqui, vi neste último
domingo(1) o musical completo, fazendo me encantar mais ainda por essa história.

Neste primeiro parágrafo é onde se pode encontrar a Introdução, esta que


nada mais é do que um esboço sobre o que texto vai trazer. Ou seja, deve conter
informações básicas sobre a peça que estará destrinchada no decorrer da
publicação. No caso a cima, a primeira regra da estrutura de Garcia (2006) de fato
foi atendida, trazendo um pouco de serviço (quando o espetáculo estreou) e pontos
necessários para o leitor, como o fato de ser um musical por exemplo.

Porém é possível notar, mesmo que de maneira bem superficial, e fora da


estrutura analisada, um tom de conversa, que deixa clara a não adequação as
normas jornalísticas.

Ariel sempre foi minha princesa favorita da Disney, e há exatos 9 anos atrás
quando o musical nascia nos palcos da Broadway eu já estava esperançoso por
alguma montagem brasileira desta história que marcou minha infância. Quem nunca
quis ser uma sereia quando era pequeno não é mesmo? Após longos anos de
espera, finalmente temos uma montagem para chamar de nossa literalmente! Afinal
foi a primeira vez que a Disney liberou que fosse feita uma montagem do musical
que não precisasse seguir a risca a versão americana, e nós só temos a agradecer
por isso!

É neste momento, de acordo com a estrutura do texto apresentada pelo autor,


que deveria estar à segunda regra de Garcia (2006), a Escola Teatral, ou seja, a que
parcela de texto ela faz parte, como por exemplo, a Comédia del Arte, categoria que
iniciou-se na Itália e possui personagem muito conhecido como o Arlequim ou a
Colombina. Aqui seria também o ponto onde o leitor encontraria o ano em que a
história foi concebida, ou ainda a sua primeira encenação. Outros pontos que não
são possíveis de encontrar neste parágrafo são informações sobre o autor da peça
em questão, e a narrativa em si, afinal não se deve compreender que todos os
leitores saibam do que se trata, ou tenham conhecimento prévio daquilo que é
apresentado.
31

Assim que entrei ao teatro, o barulho da água e das aves invadem todo o
ambiente fazendo você se sentir prestes a mergulhar no fundo mar. E quando tudo
começa é inevitável você não ser puxado, pelas luzes e pelos cenários magníficos.
Bom a história já sabemos de cor, o que surpreende no primeiro ato do espetáculo
realmente é a forma como eles representaram o nado dos personagens. Algo que
realmente eu paguei com a língua ao ver alguns vídeos e ler comentários de muitas
pessoas que não gostaram do fato da Ariel ser carregada por alguns ensemble, que
estavam ‘vestidos’ de água… Sim, você pode até estranhar como eu estranhei no
começo, mas ao vivo tudo flui, tudo funciona perfeitamente bem, e fica lindo de se
ver como eles trabalharam tão bem essa parte e, principalmente, o movimento
corporal de cada um que tinha seu jeito de nadar diferente.

É possível, ou não, seguir a ordem da estrutura apresentada por Garcia


(2006) afinal o necessário é que dentro de todo o texto os pontos apareçam, mas
não sua ordem fiel, pois o gênero abre espaço para uma montagem mais despojada
quanto a seus parâmetros ordenados. Dentro desse entendimento, seria de bom tom
encontrar por este parágrafo as informações sobre a direção do espetáculo (3-
Direção), no entanto esse ponto não é visto nem aqui, nem no restante da
publicação. É algo que passa desapercebido, além disso também não consta dentro
do texto alguma passagem que comente a concepção do espetáculo (item 4 da
estrutura), assim a crítica não se atem em momento algum no que a peça pretende
para com o público, o que ele propõe a ele enquanto montagem. Isso pode gerar um
desconforto ao leitor que vai prestigiar e não consegue compreender o que está ali
exposto, ou entende de maneira errônea.

Fabi Bang que interpreta Ariel da um show a parte, mostrando toda a


inocência de uma menina apaixonada que quer ser humana. No domingo Tiago
Abravanel estava sendo substituído pelo brilhante Willian Sancar, que se de destaca
em vários momentos da peça com o jeito nordestino arrancando risadas do público.
Andrezza Massei da vida a temida Úrsula de forma espetacular. Rodrigo Negrini que
interpreta o Príncipe Eric te encanta com seu charme e sua química com a Fabi, que
juntos fazem de longe a cena mais linda e impressionante do musical inteiro, quando
erguidos por cabos Ariel surge das alturas para resgatar Eric do fundo do mar. Lucas
Candido que faz o Linguado na peça, se destaca em poucos momentos, queria
32

mais, porém uma das melhores músicas do espetáculo é cantada por ele e pelas
irmãs de Ariel, que aliás estão engraçadíssimas sentindo ciúmes da irmã, cutucando
a mesma com vários trocadilhos referente ao mar. Cada personagem em cena foi
muito bem trabalhado e se destaca na sua hora, como as enguias fiéis de Úrsula
que roubam a cena quando estão cima do palco.

Já neste parágrafo, é nítida a presença do tópico 5, que diz respeito a


interpretação, ou seja, é aqui que o público encontra alguns dos nomes que fazem
parte do elenco, quais os personagens que estão representando e suas funções
17
para com o espetáculo. Claro que, com veremos mais adiante , só são citados os
nomes principais que possuem mais visibilidade, não que sejam os únicos a integrar
o show.

Como já dizia o ditado ”O peixe morre pela boca”, foi isso que pensei logo que
o musical acabou. Após entrar com um pé atrás, eu sai com o coração
transbordando mais amor por tudo que vi. A delicadeza e a forma como a direção
criativa e coreógrafa teve de pensar o nado para que isso funcionasse ao vivo, e unir
o movimento corporal e o cabos como referência da montagem australiana e
japonesa da peça foi brilhante. Com um elenco dedicado, A Pequena Sereia – O
Musical consegue entregar o que deseja e encanta o público que tem o privilégio de
ver essa peça completa.

Os tópicos 6 (cenografia e figurino), 7 (música e coreografia) e 8 (espetáculo)


estão aqui e no paragrafo onde o autor comenta sobre os ensemble (pessoas que
cantam em coro) vestidos de mar, porém com pouco apelo, sem destrinchar de fato
cada uma das categorias e sem ajudar o público a compreender o porque dos
objetos cênicos escolhidos para fazer parte da montagem. Isso pode levar ou não o
espetáculo a outros patamares de compreensão dentro das ideias propostas. A
música, por exemplo, é parte fundamental do show, ela pode ser ao vivo, ou
dublada, pode ser guiada por instrumentos ou completamente a Capela18, mas isso
não é algo que a crítica em questão pontue, ou ao mesmo mencione.

17
Explicação é destrinchada no capítulo 5.
18
Canção interpretada sem o acompanhamento de qualquer instrumento musical.
33

O musical já está em cartaz no Teatro Santander e é melhor você comprar


seu ingresso logo no Ingresso Rápido. Porque restam poucos lugares! O preço varia
de R$ 75 – 280 reais.

Toda a produção não importa a plataforma ou o veículo, traz o que no


jornalismo é chamado de serviço. Nada mais é do que as informações que guiarão o
público para de fato assistir a montagem. Nela estão presentes fatores como o preço
dos ingressos, o local onde a peça esta em cartaz e alguns outros pontos de
relevância.

A segunda crítica a ser analisada é a da Folha de S. Paulo, que foi escrita por
Leonardo Sanchez19, esta também estará em itálico e com o título sublinhado, para
ajudar a identificar a análise e o texto da mesma maneira:

ADAPTAÇÃO MUSICAL DO FILME “A PEQUENA SEREIA” ESTREIA COM


TOQUE BRASILEIRO

Peça tem Fabi Bang, Tiago Abravanel e Andrezza Massei no elenco

Peixes, caranguejos e polvos vão levar o Teatro Santander para debaixo


d’água a partir desta sexta (30), quando o musical “A Pequena Sereia” chega pela
primeira vez à América Latina.

Inspirada na animação da Disney de 1989, a peça estreou na Broadway em


2008, mas, com críticas negativas, não trilhou a carreira de sucesso de “A Bela e a
Fera” e “O Rei Leão”, outros filmes do estúdio que embarcaram na onda do Teatro
musical e ficaram (ou ainda estão) anos em cartaz.

Por isso, em 2012, o espetáculo ganhou nova montagem, na Holanda, com


trilha sonora, cenário e figurino repaginados. É essa versão que agora aporta em
São Paulo, dirigida pela americana Lynne Kurdziel- Formato, que comandou
produções regionais de “Grease” e “Hair” nos Estados Unidos.

Aglutinando os três primeiros parágrafos é possível, identificar a presença do


tópico de número 1 (introdução) sugerido por Garcia (2006), isso porque o texto

19
Leonardo Sanchez é jornalista formado pela PUC –SP e trabalho como crítico no Guia Folha
34

prepara o leitor para aquilo que ele deve encontrar nas linhas seguintes, deixando-o
ciente do conteúdo do texto, além disso, é neste compilado que também estão
destrincados os tópicos 2 (Escola teatral) e 3 (Direção), isso quando o autor fala das
montagem anteriores que seguem o mesmo caminho dentro do Teatro infanto-
juvenil como o citado “Rei Leão”, e ainda no momento que o nome da Diretora é
exposto, pontuando os outros espetáculos que também liderou dentro do mesmo
âmbito artístico.

São águas passadas os patins usados na Broadway para dar a sensação de


que os personagens estavam nadando. Agora, números de voo, tecidos que
simulam ondas e bailarinos vestidos de azul ajudam a criar a ilusão.

Inspirada no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, a trama


acompanha Ariel — vivida por Fabi Bang, de “Wicked”—, uma sereia que se
apaixona por um príncipe humano e decide abrir mão da vida submarina para
ganhar pernas e viver em terra firme.

Garcia (2006) apontava que o texto deveria provir ao leitor a compreensão


daquilo que estava prestes a assistir, assim os tópicos estruturais 2.2 (a peça) e 4
(concepção do espetáculo) começam a ser moldados, trazendo informações
pontuais sobre o que o show propõe de fato aquele que irá prestigiar, além de
destacar o autor (tópico 2.1) que ainda era desconhecido. Também há um esboço
sobre o elenco, mas isso é material pouco explorado, mesmo que o espetáculo
possua outros nomes tão ou mais relevantes do que o da atriz principal.

Por aqui, a história ganhou traços brasileiros: o caranguejo Sebastião, que no


filme é caribenho, virou nordestino. Além do sotaque, o personagem de Tiago
Abravanel incorporou à canção vencedora do Oscar “Aqui no Mar” palavras como
dendê e berimbau.

“A gente continua contando a mesma história, mas com uma visão, com uma
linguagem teatral diferente. A ligação com o desenho fica na memória afetiva”, diz o
ator.
35

Em outra cena, é a região amazônica que se faz presente: atores vestidos de


vitórias-régias dão clima de romance à canção “Um Beijo Seu”, em que Ariel e o
príncipe passeiam de barco sobre o palco.

A publicação procura, de maneira rápida, exemplificar partes da Cenografia


(tópico 6) e da Música (tópico 7), mas acaba deixando a desejar, pois não consegue,
de maneira clara, estampar todas as minimalistas expressões da peça. Claro que
isso pode também ser visto como uma forma de não contar por inteiro o que ocorre
em cima do palco, deixando o leitor esperançoso por surpresas. Mas ainda vale
ressaltar que nem todos os tópicos estruturais conseguiram seu espaço dentro da
publicação.

Teatro Santander - Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2.041, Vila Nova


Conceição, região sul, tel. 4003-1212. 959 lugares. Qui. e sex.: 21h. Sáb.: 16h e
20h. Dom.: 15h e 19h. Até 29/7. CC: V, M, AE, Au, E, D, H. Estac. a partir de R$ 17.
Ingresso: R$ 75 a R$ 280. Ingr. p/ 4003-1212 ou ingressorapido.com.br.

Por fim, encontra-se mais uma vez o serviço, esse que pode ter sido enviado
a mídia por meio de release, por isso eventualmente não traz nenhuma informação
nova, ou aparentemente diversificada para com outros meios.

Aparentemente, nenhum dos veículos consegue trazer todos os tópicos


sugeridos por Garcia (2006) para a estruturação do texto crítico, mas é possível
identificar uma maior quantidade deles na mídia impressa, ainda que esta possua
um espaço reduzido para publicações deste cunho. Fica parcialmente nítido um
apelo menor a opinião do autor no texto que integra as páginas do jornal, enquanto
no que está presente no Blog, até os verbos são utilizados para deixar em foco essa
leitura. Isso é algo a ser avaliado com atenção, uma vez que a internet esteja
abrigando mais canais com esse tipo de comunicação. Então mesmo com pouco
espaço e com sazonalidade, a produção jornalística, feita por um profissional e
publicada em plataforma convencional possui mais notoriedade na área, assim como
mais informações com capacidade de guiar o leitor.
36

É possível, num parâmetro nacional, talvez adicionar mais um tópico a


mais a estruturação de Garcia (2006), afinal em ambas as publicações pode-
se ver a presença do serviço como um fecha do texto. Assim, o modelo teria
então 9 pontos a serem destacados dentro de uma publicação Critica voltada
ao teatro. Comtemplando então o público por mais uma vez, ao guia-lo
através desta informação, ao encontro do espetáculo destacado.
37

4. O CRÍTICO

Imagine uma figura obscura, um tanto quanto aterrorizante, pálido, com uma
sombra tão vultuosa que por vezes é confundida com parte de sua vestimenta.
Um homem, magro e alto beirando seus 50 anos, frio, calculista, inescrupuloso e
porque não, autoritário. Uma figura de fato intrigante, no entanto muito temida, essa
é a visão mais próxima do senso comum que se tem de um crítico, assim como o
icônico Anton Ego, personagem de Ratatouille20, filme da Disney.

Perceba que o sobrenome do crítico fictício, além de toda sua aparência,


também remete a uma característica muito deturpada da área, o “ego”: esse que
atende a si e não ao próximo, que procura a sua satisfação e não a do outro, assim
como na animação, onde Ego busca, em sua complexidade, um prato que o agrade
e não que seja relevantemente bom a todo e qualquer paladar.

Um autor que reverberou parte deste pensamento foi Adorno (1998), mas isso
porque ele estudava que a cultura já não era nada de que pudéssemos nos orgulhar,
a indústria já pautava o que era ou não relevante, quando não estava objetificando e
fazendo produção em escala da mesma.

O Crítico da cultura não está satisfeito com a cultura, mas deve unicamente
a ela esse seu mal - estar. Ele fala como se fosse o representante de uma
natureza imaculada ou de um estágio histórico superior, mas é
necessariamente da mesma essência daquilo que pensa ter a seus pés.
(ADORNO, 1998, p. 7).

Sendo assim Adorno não acreditava no trabalho de um crítico, entendia que esse
tenha sido corrompido também pela indústria e que sua produção nada tem a
agregar, é apenas um jogo de egocentrismo e empoderamento, que cai por terra
quando o objeto se adequa às mesmas condições que seu público.

Ainda como forma de elucidar que o crítico é alguém incapaz de atuar, o autor
(1998) diz que O crítico da cultura mal consegue evitar a insinuação de que, possui
a cultura que diz faltar. A declaração é consistente, uma vez que nos deparamos

20
Ratatouille é uma animação da Disney em parceria com a Pixar, lançado em 2007, o longa conta a
história do rato Remy que vive em paris e em o sonho de virar chef de cozinha.
38

com profissionais (ou não) que não possuem de fato artimanhas para regrar sua
narrativa, o conhecimento prévio, adquirido em anos ou ainda que não se
desvencilhou de seus atributos pessoais para guiar a produção.

21
Jacques Copeau (2013) Acreditava que ser crítico de Teatro era um
trabalho duro e ingrato, além de monótono e perigoso. De fato nos deparamos com
uma não proteção ao trabalho de um profissional da área, em primeira instância
porque as páginas de jornal tem diminuído o espaço para tal produção, em segunda
porque não se tem tanto espaço para a arte em si, se essa não possuir grande nome
e elenco (o que veremos adiante).

Sérgio Roveri (2015) é dono de um pensamento que elucida o que falta a um


crítico para sair do campo do achismo, e adentrar o campo da informação concreta,
que é o que está em cheque aqui: “(...) Gostar apenas não credencia ninguém a
escrever com propriedade sobre o Teatro ou qualquer outro assunto,” (2015, apud
BALLERINI, 2015, p. 124).

Piza (2004) possui uma argumentação muito bem estruturada sobre o crítico
de arte, ele expõe tal linha de raciocínio à intenção de desmistificar a atuação do
mesmo, elencando como bom ou mau crítico, e ainda pontuando sua apreciação
segundo a sociedade: “O crítico tem uma imagem ruim, especialmente em países
como o Brasil. Para muitos é um criador frustrado, que aponta erros que ele mesmo
cometeria se estivesse - do outro lado -. É chato e ressentido.” (PIZA, 2004, p. 77).

Essa visão categórica diz respeito exatamente a uma junção dos outros dois
autores apresentados, sendo eles Heliodora (2014) e Small (2015). O estereótipo do
crítico se constrói com base no que ele diz e não agrada, é uma complexidade maior
do que podemos entender, mas é como uma imagem deturpada a partir tanto de um
egocentrismo que alguns esbanjam quanto pela intensidade da crítica atrelada a
gostos pessoais, o que não é uma regra no meio.

Vamos então ao que é o profissional de fato, quais suas características essenciais

21
Jacques Copeau (1879 – 1949) foi um escritor francês e renovador do Teatro comediógrafo. Órfão
de pai decidiu se dedicar à crítica teatral.
39

fora do senso comum, quais os moldes que deve seguir e qual sua função dentro da
editoria de cultura. Lembrando que assim como pontua Small (2015) pretendemos
deixar em um mesmo patamar a inteligência de quem escreve para com aquele que
lê. Isso não significa que uma anula a outro, mas sim que o leitor tem a capacidade
de a partir do que leu, tomar suas próprias decisões para com o conteúdo
apresentado, iniciando reflexões próprias, apenas guiadas pelo crítico. Portanto é
como parte do que Magaldi (2003) apresenta em seu pensamento sobre o
profissional: “O espectador não sabe como orientar-se e delega ao crítico a função
de escolher por ele (...)” (MAGALDI, 2003, p. 26).

Bom, o texto opinativo em questão baseia-se em tese e em primeira ordem na


que pensa seu autor, em qual de suas maletas de memória ele foi buscar as
informações para ter base e conseguir criticar de maneira contundente o que foi
apresentado. Claro que em algum ponto o crítico irá trazer para o primeiro plano
aquilo que mais lhe parece ter expressão, seja isso bom ou ruim. Mas não se trata
22
de uma binariedade, afinal como diz a Crítica Kyra Piscitelli (2018), em entrevista
para essa monografia, essa forma de classificar tipifica demais a obra, é uma
maneira de pontuar burra e pobre, apesar de funcionar em vários veículos, que
desvaloriza a obra como um todo.

O que se deve exigir de um crítico é que ele saiba argumentar em defesa de


suas escolha, não se bastando apenas em adjetivos e colocações do tipo
“gostei” ou “não gostei” (...), mas indo também às características intrínsecas
da obra e situando-a na perspectiva artística e histórica. (PIZA, 2004 p. 77).

Assim como Piza (2004), Heliodora (2014) não aconselha que um crítico se
baseie no bom ou mau para descrever uma obra, nem que este a condene ou eleve
a toa, sem justificativas e compreensão, ela ainda acredita que em muitos dos textos
isso ocorra não como uma forma de guiar o leitor de maneira mais clara, mas por
pena, sim, pena de que por causa de suas palavras um número x de atores perca
seu emprego (o que pouco ocorre no Brasil).

Entramos então de fato no campo do crítico específico de teatro, aquele que


falará apenas das produções que despontam em todos os cantos do país, com os
22
Kyra Piscitelli Jornalista e crítica de Teatro no site especializado Aplauso, sendo também membro da
Associação Paulista de Crítica de arte (APCA).
40

mais diversos temas, sejam estas obras do ramo musical, dramático, comédia e
tantos outros. João Apolinário (DEL RIOS; HELIODORA; MAGALDI, 2014), um dos
mais antigos críticos da área, dizia que o crítico é o guarda costas do teatro, isso
porque esse tem o dever de zelar pela história do mesmo, auxiliando que as obras
estejam sempre dentro dos padrões estabelecidos pela arte e reverberando a
necessidade de acompanhá-la de perto pelo público.

Heliodora (2014) padece da mesma ideia, sendo uma crítica considerada


clássica, pois não estuda a evolução do texto na modernidade como aponta
Wasilewski (2018) e Piscitelli (2018), ela vê o texto narrativo do crítico como uma
forma de explicar a importância da obra teatral no mundo contemporâneo. Para isso
ele precisa ser um pesquisador nato, estar diariamente aprendendo sobre o teatro,
história e afins.

Um crítico precisa, primeiramente, amar muito assistir teatro. Esta é a


primeira vocação de um crítico. Precisa ler muito sobre história e crítica
teatral. Conhecer profundamente dramaturgia. E escrever bem. Ter uma
escrita que não seja hermética, mas que também não seja coloquial demais.
Ele precisa tentar se comunicar com o público (LUÍS FRANSICO
WASILEWSKI, 2018)

23
Wasilewski (2018) é um crítico contemporâneo que abraça as estruturas
clássicas do texto, e assim regenera a ideia de que o maior papel do crítico para
com o público é de situá-lo para com o contexto em que a obra foi escrita, abrindo
de fato um panorama informativo ao mesmo, isso aproximando o do espetáculo.

Sendo assim o crítico, segundo Magaldi (2014) como escritor de um texto


opinativo na categoria do teatro, tem como objeto de análise o conjunto do
espetáculo, não apenas um de seus elementos. Ele precisa avaliar o que foi exposto
como um todo e chegar a conclusão se o que foi proposto ali de fato se concretizou.

Piscitelli (2018) acredita que o crítico tem que trazer para o leitor um
panorama do que ele terá em cena, “(...) a quem serve aquilo no palco. Como aquilo
pode afetar um público e que público é esse (...)”. Ou seja, é um jogo complexo,
onde qualquer ponto faz a diferença e onde a necessidade maior é que produza um
23
Luís Francisco Wasilewski começou a carreira de crítico em 1998 com 19 anos no Jornal Palco e
Plateia, Hoje, Mestre e Doutor em Teatro Brasileiro, atua na área no site Aplauso.
41

texto autoexplicativo, com postura de regência mas, que abra portas para olhares
diferenciados e reflexões posteriores.

Vale pontuar que então uma crítica negativa não é de todo ruim, é uma
ferramenta útil para a construção de um pensamento mais elaborado, de uma visão
mais firme e porque não uma forma de pontuar debates posteriores, afinal são estes
que vão desencadear a necessidade ou não de assistir a um espetáculo. Heliodora
(2014) já dizia que o crítico tem por obrigação mensurar e exemplificar suas
afirmações, sejam elas negativas ou positivas.

Lembrando que uma crítica negativa não leva alguém a desistir de assistir a
algo, é apenas uma forma de direcionar o público aos detalhes que devem estar em
evidência. Pode-se entender até que um material que pontue algo como não
merecedor de aplauso é um chamariz para o espetáculo, afinal quem não estaria
disposto a provar se aquilo é verdade ou não, ainda mais hoje na sociedade
desafiadora que estamos inseridos, é quase que uma jogada de marketing discreta,
que pode alavancar as bilheterias de uma hora para a outra.

Para Pamela Duncan 24 (2018), outra entrevistada, a função que o crítico deve
exercer é a seguinte: “(...) ver se foi cumprida a proposta que a produção, grupo ou
idealizador se propôs. Por isso a visão pessoal sobre a arte não conta. Mas sim se
está bem conceituada ou não.”. Há quem discorde em tese desse pensamento uma
vez que a narrativa em questão se encontra nos meios dos textos opinativos, mas a
questão básica é, acima de tudo, verificar o que a obra trouxe e se isso foi bem
executado dentro dos parâmetros sugeridos pelos diretores.

Garcia (2006, apud GUIMARÃES, 2006) deixou uma contribuição vultuosa a


esse debate, ele criou tópicos que podem servir como base para o trabalho de um
crítico. Ele elucida nestes a função do profissional e como ele deve atuar no meio:

A primeira função é o papel de situar o público em relação ao espetáculo


desde o tripé: autor, diretor e ator, até a concepção geral da montagem.
Analisando a adequação da cenografia, da sonoplastia, da coreografia, dos

24
Pamela Duncan começou como crítica há cinco anos (2013) em uma coluna sobre Teatro adulto
dos Jornais Associados.
42

figurinos e da maquiagem. A segunda função é histórica. É inegável a sua


contribuição para o registro histórico, já que uma peça teatral, não tem
como ser preservada em sua própria linguagem, como um livro, um filme ou
um quadro. A terceira, seria a possibilidade do autor ou do diretor do
espetáculo saber se realmente sua obra ou sua concepção do espetáculo
conseguiu passar aquilo que se desejava quando de sua criação ou de sua
direção. A quarta função particularmente no Brasil, segundo o crítico,
seriam: a de participar de comissões, governamentais ou não, que
selecionam espetáculos para o recebimento de incentivo cultural e verbas; a
de participar de Comissões julgadoras de festivais. A quinta função é a de
difusão cultural: publicação de livros, artigos e conferências. (GUIMARÃES.
2006 p. 47)

Fica assim, então, organizada de maneira clara as funções que a crítica e o


crítico tem para com a ordenação social, e os motivos pelos quais suas publicações
precisam, de fato, de uma base teórica auxiliar para exercerem papel fundamental
para com o meio.

Pontuando ainda que, talvez, para direcionar melhor o trabalho e o


conhecimento do leitor seria interessante que o crítico escolhesse um projeto de
atuação, assim como pensa Del Rios (2014), não apenas perante as obras
analisadas, mas com seu próprio texto, seguindo uma direção ao escrevê-lo e
deixando, é claro, o seu registro e a sua maneira de informar.

Afinal, o espaço opinativo está em constante mutação, seja no impresso ou


no online, passado por mudanças pertinentes não só a ele, mas como a sociedade
toda, tendo novos patamares de análise, novas sugestões de temas a serem
pautados pela mídia, então, é de fato necessário que para se manter vivo dentro
deste campo exista uma reinvenção diária, uma adequação, sem perder as origens
obviamente, para não se tornar carta fora do baralho, e ainda manter vivo o espírito
da crítica para com o teatro.
43

5. A CRÍTICA E A ARTE NO MEIO IMPRESSO

E lá estava Chaplin, repetindo o mesmo movimento incontáveis vezes,


brincando com a manivela, torcendo o parafuso em Tempos Modernos (1936).
Repetia incansavelmente suas ações, com o intuito de, rapidamente, finalizar um
processo de criação, otimizando o trabalho braçal, exercendo o serviço desgastante
de uma máquina não pensante sob o aviso de que, se não estivesse bom, se não
fosse de seu agrado apertar e soltar até não sentir mais os braços, podia se dirigir
ao olho da rua, afinal o que não faltavam eram operários para cobrir a sua vaga.

Essa é a versão divertida e artística de Charles Chaplin do período conhecido


como revolução industrial, que teve início em território inglês em meados de 1760, e
durou até aproximadamente 1840. A revolução padronizou e massificou a forma de
produção, que até então se dava de maneira artesanal.

De fato esse processo de manufatura serviu para que a reprodução, não só


do movimento físico como de outras bases sociais, fosse aprovada como regente e
indispensável para a sobrevivência na época, algo que talvez não tenha tido um fim,
reverberando por entre as décadas seguintes, até a contemporaneidade.

Foi durante a revolução industrial que a arte começou a ter seu declínio como
forma de reflexão, e adotar outros tantos sentidos para que se mantivesse viva e
não obsoleta. É claro que o poder vigente na época, que continua até hoje, que
comandava as grandes empreitadas era o dinheiro, afinal porque se produzir em
massa se o intuito não é lucrar.

É neste momento então que a arte passa a ser reproduzida com maior
destreza. Não que ela nunca tenha passado pelo processo de reprodução, afinal já
se familiarizou há tempos com a xilogravura25 e afins, porém, como aponta Walter
Benjamin (2015) é neste estalo que a monetização passa a fazer parte do processo,
que o ganho final é visado para além da eternização da obra em si.

25
Xilogravura é a arte e técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira.
44

“A arte foi em princípio sempre reproduzível (...). Em contrapartida, a


reprodução técnica da obra de arte é algo novo, que se realiza na história de modo
intermitente, em impulsos largamente espaçados, mas com intensidade crescente.”
(BENJAMIN, 2015, p. 52). Essa tal reprodução técnica, diz respeito ao modo
massificado de se produzir arte. Não é mais como fotocopiar a imagem de um
quadro de Picasso26 para que alguém que não pode chegar perto entenda do que se
trata, mas como produzir em larga escala diversos materiais com a estampa de
Romero Britto27.

Com esse panorama também começaram a se extinguir páginas e mais


páginas dos jornais que antes eram destinadas a manifestações culturais, para dar
lugar a propagandas e cadernos que mais tinham referências ao movimento vivido
no dado instante. “(...) Com o advento da indústria cultural, a editoria passou por
transformações para se adequar ao mercado, fato que sucumbiu na diminuição do
espaço para as críticas, excluindo assim, o caráter reflexivo.” (SING, 2008 p.1).

E o pouco espaço que sobrou para a arte em geral ainda passou a ser
subdivido em diversas categorias, eliminando aquelas que menos podiam gerar
lucros, como o Teatro, por exemplo, que move muito menos capital do que uma
produção televisiva, ou ainda um filme cinematográfico, assim como conta Magaldi
(2003). Então o espaço antes monopolizado pelas artes cênicas, passou a ser
dividido por numerosas outras manifestações de popularidade indiscutível.

Veja que, uma coisa gera a outra, com a saída do Teatro das grandes
manchetes, e com seu espaço reduzido, este passou a não habitar mais o cotidiano
do leitor, tornando-se por consequência uma arte elitista de certo modo, ainda que
críticos como Heliodora (2015) acreditem que a arte em questão sempre foi
intelectualmente superior e que denota um público mais ramificado. No entanto
artistas e dramaturgos como Roveri (2015, apud, BALLERINI 2015), que vivem do
meio, pontuam fervorosamente que o teatro, desde o seu nascimento, se consagrou
como uma arte popular.

26
Pablo Ruiz Picasso, foi um pintor espanhol, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo.
27
Romero Britto Romero Britto é um pintor, escultor e serígrafo brasileiro radicado nos Estados
Unidos. Considerado um dos artistas mais prestigiados pelas celebridades americanas.
45

O problema passa agora para o panorama brasileiro, onde o teatro,


historicamente, faz parte da cobertura da imprensa há aproximadamente dois
séculos, como conta Ballerini (2015), porém isso não significa que de contrapartida
não tenha sofrido do mesmo mau advento da industrialização. “Cultura transmuta-se
de um conceito impregnado de distinção, hierarquia e elitismo segregacionista para
um outro eixo de significados, em que se abre um amplo leque de sentidos
cambiantes e versáteis.” (COSTA, VIEIRA, SOMMER, 2013), aqui o percalço é ainda
maior, quando se tem dentro do mapa uma sociedade de educação precária.

É uma questão de letramento, isso quer dizer que, a pouca incidência do


público para com a arte aqui destacada, gera ainda mais a debandada do meio
impresso, para com as críticas construtivas e bem detalhadas. Se o nível de
aceitação do Teatro é tão reduzido, porque produzir textos opinativos referentes a
ele, se a massa categórica não estará consumindo de fato?

Os produtores ligados a grandes burocracias culturais (jornais, rádio e


televisão) são cada vez mais formados a aceitar e a adotar normas e
imposições ligadas às exigências do mercado e, especialmente, as
pressões mais ou menos fortes e diretas dos anunciantes; e tendem mais
ou menos inconscientemente a construir em medida universal da realização
intelectual as formas de atividade intelectual as quais suas condições de
trabalho os condenam (penso por exemplo no fast reading, que são muitas
vezes a lei da produção e da crítica jornalística. (BOURDIEU, 1966, p. 375).

Além dos eixos já citados, alguns outros aspectos, tão monetários e


intelectuais quanto, rondam o não prestígio que tanto a arte como a sua crítica
sofrem. A questão a ser destacada agora é a cobertura que o Teatro tem. Na
verdade algo que se enquadra não só a ele se for aberto um leque geral da situação
artística do país.

Pois bem, a circunstancia é que dentro das plataformas que deveriam de


alguma maneira cobrir o evento artístico, como jornais e revistas, o que se consagra
são figuras ilustres, “(...) tv só fala de Teatro quando tem um famoso ou atração
internacional (...)” (BALLERINI, 2015, p. 123). Então é como se o “tapete vermelho”
fosse mais importante do que o conteúdo em si. Um exemplo são as colunas que
trazem os nomes de pessoas que compareceram a dada estreia em um Teatro x,
46

com fotos e menções honrosas, ao invés de se aterem ao conteúdo ali apresentado


e abrir um debate reflexivo com os nomes presentes.

Existe de fato um jogo de poder que ronda a produção da crítica e por


consequência tona a cultura algo carente nesse cenário, afinal, existe a
preocupação com a crítica ferrenha para aqueles que são, de alguma maneira,
conceituados na área. Por exemplo, uma produção com Miguel Falabella como
diretor geral ou, ainda com Claudia Raia no papel principal, dificilmente receberá
uma nota negativa, pois estes nomes são considerados celebridades em nível
superior no teatrão nacional. Então passa a ser uma questão de gosto do público e
aceitação dele, é realmente difícil encontrar meios para criticar estes nomes
consagrados, sem denegrir a imagem do próprio crítico para com o leitor. Então vale
mais a pena cobrir o comparecimento ao Teatro do que o seu produto em si, poupa-
se uma discussão acalorada pelos motivos mais inoportunos.

É deste ponto então que sucumbi em paralelo um novo pormenor: o espaço


reduzido que a mídia dá para aqueles que não possuem nomes enraizados no
ambiente cultural, uma vez que as páginas estão abarrotadas de artigos sobre
celebridades e sub celebridades e as estreias que elas sustentam com suas
imagens. Esse momento dentro da mídia seria de fato a luz para aqueles que
despontam tímidos nos palcos mais importunos do teatro.

28
Existe então, na editoração cultural uma forma de agenda setting ainda
muito bem estruturada. Está se dá inicialmente seguindo a mercantilização das
artes, a necessidade de padronizar o conteúdo para um mercado consumidor ativo,
em seguida e como uma via de mão dupla atua regulando aquilo que deve ser
discutido na esfera pública, com referências já estabelecidas não pelo gosto do
freguês, mas pela roda da fortuna.

É claro que existe também o lado não antagônico dessa moeda, este que
implica em diversas dificuldades para a cobertura. Antigamente, segundo Magaldi
(2003), ocorriam cerca de 30 estreias anuais no cenário das artes cênicas, enquanto

28
“A capacidade de influência dos mass média sobre o conhecimento daquilo que é importante e relevante,
varia segundo os temas tratados” (WOLF, 1995, p. 67).
47

hoje o número passa perto de uma centena por temporada. Como então cobrir esse
conteúdo todo, sem ao menos uma leve defasagem? A margem passa a ser mais
tênue nesse caminho.

A quem diga como Del Rios (2015) que a solução seria mais de um crítico
dentro do jornal, como ocorre na coluna de cinema, assim, existiria uma rotatividade,
e então um panorama maior seria coberto pela mídia. Bom, essa construção não
passa de um ideal, afinal parece que o jornalismo não se abala com essas
modificações de cenário, é leve e contundente a curva que esse faz para se
adequar, mas não de maneira a não perder seu espaço, mas na vontade de não ser
mais reconhecido com o anseio de antigamente. “(...) a mercantilização da cultura, e
tudo que ela implica para o amortecimento do espírito crítico, vem reinando
soberano, sem que o jornalismo mova uma palha para mudar o curso da história.”
(GARCIA, 2004, p. 13).

O resultado, uma pontuação binária a espetáculos em cartaz, carinhas felizes


ou tristes, estrelas coloridas ou totalmente vazias. É assim que se define uma crítica
após tantos percalços históricos que foram capazes de lapidar sua cobertura e
denegrir sua imagem, tornando-a seca e adstringente, direcionada a uma parcela
muito pequena em relação a todo um possível mercado consumidor, já que não se
pode escapar de uma monetização, ainda que a arte não busque esse anseio dentro
de suas formas mais puras. “(...) Aquilo que se atrofia na era da reprodutibilidade
técnica da obra de arte é a sua aura.” (BENJAMIN, 2015, p. 55).

5.1. A Cultura sob um olhar politizado

De 1964 a 1985 no Brasil instaurou-se o chamado Regime Militar, que tinha


como primeiro objetivo retirar do poder e de dentro da política qualquer um que
tivesse ligações com o comunismo. Nesta época a Junta (Comando Supremo da
Revolução que era composto por representantes militares, da marinha e também da
aeronáutica) baixou um ato institucional que deu poderes excepcionais ao militares
para que pudessem perseguir seus inimigos. “(…) Enquanto não se concluir a
erradicação do comunismo, não se poderá dizer que tenhamos voltado à
48

normalidade legal e à tranquilidade e a segurança da vida democrática.” (O Estado


de São Paulo, 4/4/64, p.3 apud PAES, 1995, p. 34)

Logo esse período passou a ser encarado como uma ditadura,


desfavorecendo inúmeras áreas sociais, parte delas sendo as artes e o jornalismo
que sofreram com a censura. Afinal, entendia-se que os meios de comunicação
tinham papel importante para a formação da opinião pública, assim como as artes,
em especial a música e o teatro.

Se os órgãos da imprensa tivessem absorvido totalmente o pensamento


autoritário disseminado pela ditadura, os críticos silenciariam antes as
pressões censórias e ajudariam a sufocar movimentos como Arena e o
Oficina, que receberam respaldo da imprensa honesta. (MAGALDI, 2003, p.
25)

Mesmo com todo o cenário e com a implantação do chamado AI-5 (Ato


Institucional Número 5) em 1968 que permitia, que além de outras tantas regalias, a
tortura fosse implantada pelos militares, a comunicação e a cultura não perderam
sua força e permitiram que a parcela da sociedade contra o regime tivesse um apoio
para lutar.

Atos conservadores como a ditadura, que tentavam emplacar a censura não


aconteceram apenas no Brasil. Adorno (1998) conta que durante o Holocausto29
muitas foram as tentativas de calar as manifestações artísticas: “Quando ouso falar
de cultura, destravo meu revólver. Dizia o porta voz da cultura do Reich de Hitler.”
(Adorno, 1998, p.16).

A verdade é que a história está repleta de momentos em que se tenta acabar


com as formas mais claras de reflexão dentro de uma sociedade. No entanto, deve-
se notar que a cultura e a arte são diferentes do entretenimento, esse que é utilizado
para alienar, ainda segundo Adorno (1998), e constituir um alicerce de poder para
com seus progenitores. “A cultura tornou-se ideológica não só com a quintessência
das manifestações subjetivamente elaboradas pelo espírito objetivo, mas em maior
medida, também como esfera da vida privada.” (ADORNO, 1998 p.21). Essa

29
Holocausto, também conhecido como Shoá, foi o genocídio ou assassinato em massa de cerca de
seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
49

quintessência significa um ato repulsivo, ou seja, uma manifestação que nem o


nome de cultura deveria levar.

Outra forma bastante vista dentro dessa necessidade de encontrar um meio


de alienar a população estão os boatos, esses que insistem em dizer que o Teatro,
dentre outras tantas manifestações, está em morrendo, No entanto, muitos críticos
vem a publico desmentir essas acusações infundadas, como Heliodora (2015) que
diz não se lembrar de nenhum momento em que não se disse que o Teatro estava
em crise, “(...) nem também de nenhum momento em que, ao mesmo tempo, ele não
tivesse inovado, inventado ou até se reinventado, como grande novidade.”
(HELIODORA, 2015, p 13).

Imagine então que seja um post no facebook que afirma que dia tal do mês tal
o mundo irá acabar. Lógico que algumas dessas postagens são fundadas, e de certo
modo se baseiam sobre algo real, mas ainda assim precisam de mais informações,
mais conhecimento para se tornarem verídicas, assim como acontece com o Teatro
e sua crítica.

O problema então se manifesta pela timidez da cobertura da arte em questão


hoje pela imprensa brasileira, afinal, segundo o senso comum, se não temos nada
nas páginas do jornal é porque a afirmação de crise está correta. Esse movimento
pacato, ainda segundo Heliodora (2015), se dá porque o Teatro movimenta muito
menos recursos financeiros que o cinema e a televisão. Por exemplo, foram
vendidos desde o começo de abril de 2018, aproximadamente 50 mil ingressos para
o musical “A pequena sereia” em cartaz no Teatro Santander em São Paulo,.
Enquanto o filme Vingadores, da Marvel, durante a primeira semana de estreia em
2018, vendeu mais de 12 milhões de ingressos em todo o Brasil. Óbvio que estamos
analisando duas tiragens diferentes em questões de localidade, mas que de certo
modo conseguem representar essa disparidade (G1, cinema, 2018)

Críticos como Dib Carneiro (2015, apud, BALERRINI, 2015) pontuam que,
além dos pormenores já citados, para manter a cultura, o Teatro em especial, vivo
em sua essência mais pura, ainda precisa lidar com assessorias de comunicação e
50

marketing que procuram com seus releases reger e conduzir o tom e a frequência
com que a cobertura teatral aparece na mídia.

Fica claro por fim que ainda hoje vive-se em uma sociedade brasileira com
picos conservadores, que acredita que nem toda forma de cultura é valida para o
desenvolvimento da mesma perante o futuro. Wasilewski (2018) concorda com tal
pensamento e vai mais longe dizendo que acha:

(...) um absurdo o que os movimentos sociais estão fazendo com o teatro.


Proibir uma peça porque os atores se pintaram de negro? Me poupe. Esta
polêmica sore o trans fake que se criou sobre o espetáculo do Luis
Lobianco só mostra o quão ridículos são esses movimentos. O teatro no
Brasil já sore com a falta de público. Além disso, surgem estes ditadores do
politicamente correto querendo definir o que pode ou não pode aparecer em
uma peça. Isto é um absurdo. Eles são iguais aos censores da ditadura
militar brasileira. São réplicas de Solange Hernandes que acham que estão
fazendo justiça com minorias.” (WASILEWSKI, 2018)

No entanto, que fique claro, que o pontuado como negativo aqui é a censura
sofrida pelas artes, seja qual for sua origem, e não os motivos em si, sendo assim,
não visando o julgamento como correto ou não, mas como uma forma de calar uma
manifestação artística.

Bourdieu (1996) há mais de 20 anos também já instituía que se a politica


necessitasse atacaria a cultura antes de mais nada, para encobrir e depositar seus
ideais, de forma a moldá-la para atender aos seus propósitos.

O processo pelo qual as obras são levadas e o produto da luta entre


aqueles que, em razão da oposição dominante (temporariamente) que
ocupam no campo (em virtude de seu capital específico), tendem a
conservação, ou seja, a defesa da rotina e da rotinização, do banal e da
banalização, em uma palavra, da ordem simbólica estabelecida, e aqueles
que estão inclinados a ruptura herética, a crítica das formas estabelecidas,
a subversão dos modelos em vigor, e ao retorno a pureza das origens.
(BOURDIEU, 1996, p 234).

Isso ficou ainda mais aparente no Brasil em 2018, quando duas Arguições de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), as ADPFs 183 e
293, propunham a extinção da necessidade de Registro Profissional (DRT) para que
artistas e técnicos em espetáculos exerçam suas atividades profissionais, este
reconhecimento legal que foi garantido pela classe quase 40 anos atrás. O porquê
de tal ato? Simples, se ser ator não é considerado profissão formal, então as formas
51

de arte que são provenientes destes também não possuem nenhum valor concreto
para com a sociedade contemporânea.

Então a resposta para tal desconexão que vem se alastrando seria o


consumo educado de cultura (não na maneira formal de ser, mas de maneira
pedagógica), um maior advento das artes e uma pulverização de seu alcance. O
resultado dessa investida estaria presente no consumo consciente do produto
artístico e de suas críticas e não apenas uma plataforma extra de mercado,
suscetível a ataques politizados.

A cultura, feita em série, industrialmente, para um grande número, passa a


ser vista não como instrumento de livre expressão, crítica e conhecimento,
mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se
consome qualquer coisa, (COELHO, 1991, p.11)

Não é necessário, então, apresentar apenas uma forma de cultura, ou utilizá-


la, ao ensinar a população a como consumi-la de acordo com suas subdivisões
dentro da editoria, e como responder aos estímulos que essas pretendem
externalizar, gerando sempre reflexões acima de tudo.
52

6. A CRÍTICA NA INTERNET

Com o estreitamento do espaço para as críticas no jornal, outras publicações


e plataformas começaram a abraçar a editoria de Cultura. Não há ainda uma
definição concreta se isso foi/é bom ou ruim para o texto opinativo em questão, no
entanto existem autores como Magaldi (2003), que afirmam que os ensaios que
ficam por conta de outras publicações não existem ou são insuficientes.

Com o advento da internet, passou-se então a ter uma migração de conteúdo.


Uma vez que o ambiente online mostrou-se mais acolhedor e com mais portas para
todo e qualquer gênero dentro da editoria de cultura.

No viés jornalístico, essa subdivisão de estilos teatrais, como comédia, drama


e musical, dentro do meio online não é de fato algo que devemos nos ater. A crítica
Beth Nespoli (2015, apud BALLERINI, 2015) explica que ao mesmo tempo em que,
se ampliou o número de plataformas, como redes sociais, blogs e sites, também
aconteceram estreitamentos de foco de cobertura. É como dizer que no jornal o
crítico era direcionado a todo e qualquer espetáculo, sem considerar o seu gosto
pessoal, o que no meio online se mostra inverso. As plataformas não especializadas
cobrem apenas aquilo que lhes é de gosto.

Apesar de a cobertura teatral na internet ser, segundo Ana Salles (2015, apud
BALLERINI, 2015) a ferramenta para se chegar de forma mais rápida e quase sem
custo a um grande público potencial, ainda não se criou um vinculo de grande
confiança com o leitor, não que não haja conteúdo de qualidade para isso, mas
porque ainda se têm uma desconfiança para com um ambiente onde ilusoriamente
tudo é permitido.

O problema é que a internet, por quanto, parece não ter o mesmo status
dos veículos impressos. Uma crítica em um jornal ainda parece ser mais
relevante do que as críticas ou comentários feitos em blogues e no
facebook, mas isso esta mudando rapidamente. (ROVERI 2015, apud
BALERRINI, 2015, p. 127)

O que acaba por ocorrer é que ambos os canais (impresso e online) passam
a competir pela audiência, mas não de maneira a abrir mais espaço para a
53

divulgação, ou estender a editoria nas paginas dos jornais. “A mídia impressa acha
que, para concorrer com a velocidade da internet (...) precisam trazer textos mais
curtos, mais pragmáticos e menos analíticos.” (DIB, 2015, apud BALERRINI, 2015
p.125)

Esse parecer está relacionado à estrutura de um texto crítico, como já visto


anteriormente. Hora o texto online consegue trazer grande quantidade de
informações, com um dilaceramento do espetáculo maior do que o esperado, hora
ele apresenta apenas o básico, com o serviço e uma visão opinativa muito mais
aflorada e não embasada. Em tese isso não chega a acontecer com tanta frequência
no meio impresso, primeiro porque o texto ainda possui as amarras do jornalismo
convencional, e segundo porque por vezes não possui um publico leitor específico,
mas trabalha com uma grande parcela mista.

Para o Jornalista Paulo Neto30 (2018), a internet exerce papel essencial na


divulgação de espetáculos, mas ainda deixa a desejar como plataforma de
publicação de críticas, obrigando o profissional que trabalha em um veículo
específico a encontrar um meio termo para o seu texto.

Já com relação à produção de textos e artigos que analisem a fundo um


espetáculo, cada vez mais publicam releases e menos críticas de verdade,
que são as que apontam e dissecam de maneira madura, as qualidades, e
as oportunidades de melhorias de uma produção. (NETO, 2018)

A ampla gama da internet possibilita que muitos profissionais, ou não, possam


de fato trabalhar com cultura, a concorrência apesar de grande ainda é suficiente
para todos. Mas é normal que esses mesmos, trabalhem em outras áreas, como, por
exemplo, no impresso com editorias mais duras como economia e política, como é o
caso de Piscitelli (2018) que conta que apesar de amar a função de Crítica teatral,
não se sustenta apenas dela:

(...) Queria conhecer um crítico que vive de crítica até historicamente a


maioria ganhava mesmo a vida como funcionário público: Machado de

30
Paulo Neto, Jornalista, começou a publicar artigos sobre Teatro na revista Drops Mag em 2016, e
agora lidera, como crítico, o braço paulistano do site carioca Incitarte.
54

Assis, Carlos Drummond de Andrade. Eu não sou funcionária pública, mas


vivo de outras tantas coisas. Atualmente, faço frilas e trabalho como
redatora de política numa agência.” (PISCITELLI, 2018)

Em suma, apesar das dificuldades, a crítica só permanecerá viva enquanto for


necessária, e não enquanto matéria. “A obra só sobreviverá se for intensamente
consagrada à sua própria época.” (WARDLE, s.d, apud DEL RIOS; HELIODORA;
MAGALDI 2015, p. 55). Isso quer dizer que não existe então editoria ou texto que
sobreviva se não se adequar a época em questão, isso é o que pensa Magaldi
(2003) quando afirma que a crítica sempre será uma narrativa em estado de
latência.

Com escritores dispostos a dar vida ao Teatro em forma de texto, outras


ideias surgem que fomentam a essência do gênero opinativo na internet, imagine
que por uma maior disponibilidade e maior espaço de publicação, as coberturas
passassem a ser mais convictas e com mais informações sobre um espetáculo. Não
como release, mas como uma avaliação continuada de uma peça.

Isso é o que acredita Ana Salles (2015, apud BALLERINI, 2015) quando diz
que deveriam ser feitas mais de uma crítica de um mesmo espetáculo, por
temporada. Assim seria possível captar com maior intensidade a ideia destaca. Não
que isso já não ocorra de alguma maneira no meio online pela diversidade de
conteúdos publicados em diferentes momentos, mas agora por um mesmo autor, e
por uma mesma plataforma. Seria uma maneira mais eficaz de combater erros que
levam a comentários distorcidos e censuras, ou ainda uma forma de cobrir todo o
evento artístico e não apenas o tempo do espetáculo estipulado à imprensa.

A mídia online, além de plataforma disseminadora de conteúdo em maior


amplitude, também age como forma de eternizar em instancia superior uma obra de
arte. A crítica se torna um meio de conceder vida eterna por meio de palavras,
“Peças regionais e internacionais poderão permanecer online para sempre (...). Na
nuvem o Teatro pode permanecer vivo e continuar vivo.” (BALLERINI, 2015, p. 130).
Isso porque tudo aquilo que é postado e disseminado no mundo conectado pode
permanece lá por tempo indeterminado.
55

Claro que ainda se perde algo dentro deste processo, imagine os musicais,
que saíram da Broadway para tomar o mundo. Eles estão na integra no Youtube em
suas mais diversas versões e línguas, assim como possuem todas as suas canções
disponíveis para download no Spotify, por exemplo. Roveri (2015 apud BALLERINI,
2015) acredita que apesar de tais atos revolucionários, ainda existe uma grande
defasagem para com o ao vivo: “Existe no Teatro um contato visual e emocional que
ainda não encontrou uma tradução à altura nos meios eletrônicos.” (ROVERI, 2015,
apud BALLERINI, 2015, p. 129). Outro autor que traz essa ideia, ainda que em outra
categoria, é Benjamin (2015) quando dizia que por mais perfeita que uma
reprodução possa ser, ela sempre vai perder alguma coisa dentro de sua essência
final.

Categoricamente existem prós e contras que rondam esta migração em ritmo


acelerado para o meio online, no entanto é reconhecível o seu valor para com a obra
de arte, e mais ainda pra com a crítica, atuando para mantê-las de alguma maneira
vivas, seja qual for o apelo para com o público.
56

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revista Veja São Paulo, de 21 de março de 2018 (nº12) trouxe como capa a
seguinte manchete: “As novas estrelas da Broadway Paulistana”, ilustrada com uma
foto feita com atores de diversos musicais e entrariam ou já estava em cartaz na
cidade de São Paulo.

O conteúdo em si, eram perfis de cada um dos atores e sua história desde os
palcos até, por exemplo, o mundo acadêmico ou a televisão, no entanto o que se
deve verificar é a afluência desse estilo teatral que desponta cada vez mais e que
atrai diversos olhares, seja pelo seu elenco, ou pela história que da vida. Isso quer
dizer que, também estão sob a possibilidade de integrar as páginas de publicações
impressas, ou não, pelo seu conteúdo ou por uma visão equivocada de seu assunto
como o caso de “Jesus Cristo, Rainha do céu”.

É necessário que seja destrinchado um paralelo entre o conteúdo teatral de


uma produção e sua objetividade como bem de consumo, entendendo que ambos
os lados possuem suas funções, mas que, em determinado ponto, devem se atrair
para um mesmo eixo. Ou seja, não se deve apoiar sob um “predomínio do caráter
pragmático da cobertura, que encara a peça mais como produto de consumo do que
como concepção artística a ser analisada profundamente” (DIB, 2015 apud
BALLERINI, 2015, p. 127).

Visões errôneas de espetáculos são problemas frequentes dentro do meio, e


isso porque o embasamento teórico que deveria ser destrinchado antes da produção
entrar em cartaz é pequeno e quase que imperceptível. Roveri (2015, apud
BELLERINI, 2015) aponta que a cobertura tímida do Teatro do século 21 é restrita a
estreia de peças, e não fomenta uma discussão sobre cidadania, rumos da arte e
influencia na sociedade contemporânea, ignorando assim as múltiplas
potencialidades de um espetáculo.

Vale lembrar que o objetivo da arte é ser vista e participada pela sociedade
em que se enquadra, e não adormecer como material intocável. Heliodora (2014)
acreditava que o Teatro era como um ato intelectual, que só aqueles que
57

possuíssem diretrizes sólidas seriam capazes de entender, no entanto essa


perspectiva cai por terra quando observa-se a concorrência do meio para com o
publico, e a crescente expectativa para com montagens e estreias no cenário
Brasileiro. É como observa Small (2015) quando pontua a crítica como uma forma
de letrar o leitor dentro do campo e faze-lo parte daquela realidade.

Está ai então, uma forte pontuação que destaca a necessidade de um


entendimento mais profundo do que é a crítica, e como essa deve agir dentro das
mais diversas plataformas midiáticas. “Um leitor deve conhecer as regras da crítica
assim como as do futebol para acompanhar com segurança e entender o que de fato
lê” (BALLERINI, 2015, p. 122).

Tendo esta gama de informações, é possível ainda destacar que a crítica não
se trata então apenas de um texto com afluências dentro do Jornalismo
contemporâneo, mas sim um gênero opinativo de grande amplitude dentro do
cotidiano. É como dizer que o jornalismo cultural possui o papel de disseminar a
área, mas não de molda-la de acordo com seus interesses e requisitos subsidiados.
“O jornalismo cultural, portanto, é uma ferramenta imprescindível para a arte teatral,
não só para fins de registro como para reflexão, crítica e dialogo como o seu tempo,
seu entorno etc.” (BALLERINI, 2015, p.115)

Portanto, pode-se embasar no famoso ditado popular “mais vale um pássaro


na mão do que dois voando” para compreender que dentro de um campo de
pesquisas, por vezes, não se chega à conclusão alguma, mas que isso não
caracteriza uma falha, mas sim uma compreensão ampla e ainda com possibilidades
de tomar rumos mais duros, dentro de sua área. Celso Curi (2015, apud BALLERINI,
2015), disse uma vez que mais valia uma crítica negativa, do que uma ruim ou mal
escrita, pois estas sim tinham o poder de afastar mais o público das artes cênicas do
que qualquer outro ponto.

Fica dito então que, a necessidade da crítica é eminente, e que por isso deve
ser tratada com destreza e certa habilidade, cooperando para sua ascendência
como gênero textual respeitado, além de valorizas os profissionais que trabalham na
área, empoderando de fato seu produto como bem de vigência perpendicular dentro
58

do cenário atual, ocupando-se de pontos históricos, mas também de diversificações


modernas e atuais. Não adentrando o campo do antiquado, mas permanecendo vivo
enquanto produção intelectual.
59

8. REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Monografias

COSTA; SILVEIRA E SOMMER. Estudos culturais, educação e psicologia. Tese


de Doutorado – 2013

SING, Marcella. Crítica em cultura: uma análise do jornalismo cultura no Jornal


Estado de Minas. 12f. Monografia (Graduação) – Centro Universitário Newton Paiva,
2008.

Online

FRAZÃO, Dilva. Biografia de Pierre Bourdieu. Disponível em


<http://ebiografia.com/pierre_bourdieu> Acesso em 7 nov 2017.

FRAZÃO, Dilva. Biografia de Theodor Adorno. Disponível em


<http://ebiografia.com/theodor_adorno/> Acesso em 6 nov 2017.

INFOBIOGRAFIAS. Biografia de Jaques Copaeu. Disponível em


<http://pt.infobiografias.com/biografia/16268/jaques-copeau.html> Acesso em 7 nov
2017.

SANCHEZ, Leonardo. Adaptação musical do filme “a pequena sereia” estreia


com toque brasileiro. Disponível em
<http://guia.folha.uol.com.br/teatro/2018/03/adaptacao-musical-a-pequena-seria-
estreia-com-toque-brasileiro.shtml> Acesso em 1 jun 2018.

WERNER, Lucas. Crítica: A pequena sereia – o musical. Disponível em


<http://queerasgeek.com.br/critica-a-pequena-sereia-o-musical/> Acesso em 1 jun
2018.

Livros
60

ADORNO, Theodor. Prismas – Crítica cultural e sociedade. São Paulo, Ática. 1998.

BALLERINI, Franthiesco. Jornalismo cultural no século 21. São Paulo, Summus.


2015.

BARREIRA, Bruno Barros. Teorias e Técnicas do jornalismo e da comunicação.


São Paulo, Clube dos autores. 2013.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto


Alegre, Editora L&PM. 2015.

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo, Companhia das Letras. 1996.

COELHO, Teixeira. O que é indústria Cultural. São Paulo, Editora Brasiliense.


1991.

COPEAU, Jacques. Apelos. São Paulo, Perspectiva. 2013.

DEL RIOS, Jefferson; HELIODORA, Bárbara; MAGALDI, Sábato. A função da


crítica. São Paulo, Giostri. 2014.

FRANÇA, Vera Veiga; HOHLFELD, Antônio; MARTINO, Luiz. Teorias da


comunicação. Rio de Janeiro, Editora Vozes. 2001.

GARCIA, Maria Cecília. Reflexões sobre a Crítica Teatral nos jornais: Décio de
Almeida Prado e o problema da apreciação da obra artística no jornalismo cultural.
São Paulo, Editora Mackenzie. 2004.

GUIMARÃES, Carmelinda. A crítica como Ofício. São Paulo, Imprensa Oficial.


2006.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos da


Metodologia Científica. São Paulo, Atlas. 2003.
61

MAGALDI, Sábato. Depois do Espetáculo. São Paulo, Perspectiva. 2003.

PAES, Maria Helena Simões. Em nome da segurança nacional: O golpe de 64 ao


início da abertura. São Paulo, ATUAL. 1995.

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo, Editora Contexto. 2004.

REGO, Francisco Gaudêncio Torquato. Jornalismo Empresarial: Teoria e prática.


São Paulo, Summus, 1984.

SMALL, Daniele Avila. O crítico Ignorante: Uma negociação não teórica meio
complicada. Rio de Janeiro, 7 letras. 2015.

WOLF, Mario. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editora Presença. 1995.

Entrevistas

DUNCAN, Pamela. Entrevista concedida a Isabel Cristina Branquinha Jurno. São


Paulo, 7 maio 2018. [A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice “B” desta
monografia].

NETO, Paulo. Entrevista concedida a Isabel Cristina Branquinha Jurno. São Paulo,
18 maio 2018. [A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice “C” desta
monografia].

PISCITELLI, Kyra. Entrevista concedida a Isabel Cristina Branquinha Jurno. São


Paulo, 7 maio 2018. [A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice “D” desta
monografia].

WASILEWSKI, Luís Francisco. Entrevista concedida a Isabel Cristina Branquinha


Jurno. São Paulo, 13 maio 2018. [A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice
“A” desta monografia].
62

9. APÊNDICE

Apêndice “A” – Entrevista com Luís Fernando Wasilewski

Nome: Luís Fernando Wasilewski. Crítico do veículo Aplauso.

P. Poderia me contar como ingressou na área da Crítica Teatral?


R. Começo a trabalhar como crítico teatral, em 1998, no jornal Palco &
Plateia, que era editado pela Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre.
Tinha 19 anos quando comecei nesta atividade. Escrevi críticas e matérias
para o Palco & Plateia em 1998, 1999 e 2000. A partir de 2001 o jornal deixa de ser
feito e em 2004 há um retorno dele e me chamam para assumir a editoria do jornal,
função que exerço por 3 edições até que, em um jogo de disputa de poder dos meus
contratantes, decidem me rebaixar e criam um conselho editorial do qual eu fazia
parte. Em 2005, ingresso no mestrado em Literatura Brasileira na USP. Passo a me
dedicar ao estudo acadêmico.
Retomo o trabalho como crítico quando, em 2007, o Michel Fernandes me
convidou para fazer parte do Aplauso Brasil. Defendo meu mestrado em 2009 na
USP e o doutorado em 2015, também na USP. Em ambos fiz estudos sobre Teatro
brasileiro.
P. Como funciona sua rotina de produção?
R. Sou um crítico sazonal. Este ano, por exemplo, não escrevi nenhuma.
Tenho acompanhado pouco a cena teatral contemporânea. O mundo acadêmico é
muito exigente e fica difícil fazer a conciliação com a crítica teatral. Estou,
atualmente, fazendo o meu pós-doutorado na UFRJ, sob supervisão da Heloisa
Buarque de Hollanda.
P. Dentro de seus parâmetros, qual é, ou quais são as funções de um crítico
teatral?
R. Um crítico precisa, primeiramente, amar muito assistir teatro. Esta é a
primeira vocação de um crítico. Precisa ler muito sobre história e crítica teatral.
Conhecer profundamente dramaturgia. E escrever bem. Ter uma escrita que não
seja hermética, mas que também não seja coloquial demais. Ele precisa tentar se
comunicar com o público.
63

P. Agora visando a sociedade moderna, os conflitos dentro da área das artes,


com peças canceladas por motivos ideológicos, produções que acabam por serem
alvos de preconceito, ou que disseminam o preconceito, mesmo que
involuntariamente, qual seria então a função da crítica?
R. Esta resposta explica o porquê do meu desgosto com o Teatro atual. Acho
um absurdo o que os movimentos sociais estão fazendo com o teatro. Proibir uma
peça pq os atores se pintam de negro? Me poupe. Esta polêmica sobre o trans fake
que se criou sobre o espetáculo do Luis Lobianco só mostra o quão ridículos são
estes movimentos. O Teatro no Brasil já sofre com a falta de público. Além disso,
surgem estes ditadores do politicamente correto querendo definir o que pode e o que
não pode aparecer em uma peça .Isto é um absurdo. Eles são iguais aos censores
da ditadura militar brasileira. São réplicas de Solange Hernandes que acham que
estão fazendo justiça com minorias.
P. Uma vez, Sábato Magaldi disse que a crítica tinha o poder de influir na
afirmação de determinado gênero teatral, em prejuízo de outro, você concorda?
R. Sim. Tem. Bárbara Heliodora tinha este poder. Aliás, foi nossa única crítica
teatral brasileira que conseguia isto. Nomes como Claudio Botelho, Charles Moeller,
Paulo Gustavo e Mônica Martelli são alguns que tiveram a carreira de seus
espetáculos como "Minha Mãe é uma Peça" e "Os Homens são de Marte. e é pra lá
que eu vou" em parte alavancadas por causa da opinião de Bárbara.
P. O crítico deveria ter como objeto de estudo o conjunto do espetáculo, não
apenas um de seus elementos, você, como profissional da área acredita que isso de
fato aconteça ou que ainda temos defasagem quanto ao objeto? Quais os pontos
que não podem faltar em uma crítica?
R. Meu sonho foi sempre conseguir analisar todos os elementos presentes
em uma encenação. Acho que algumas vezes consegui. Não gosto de ler críticas
teatrais longas. Gostava do estilo sintético de Barbara Heliodora, apesar de
discordar de suas opiniões algumas vezes.
P. Bárbara Heliodora acreditava que a crítica começava antes do espetáculo
em si, desde a escolha dos atores, até a montagem, você concorda com esse
pensamento?
R. Sim. Leio o material de divulgação de certos espetáculos e perco de
imediato a vontade de ver. Aprendi também com minha amiga Ilana Kaplan a prestar
atenção nas fotos do espetáculo. Eu fui assistir a um musical e comentei com Ilana
64

que iria vê-lo. Ela me disse: "Fran, você viu as fotos dele? Eu fiquei com medo". E
realmente, Ilana tinha razão, o musical era um horror. Passei a prestar muita
atenção nas fotos das encenações antes de assisti-las.
65

Apêndice “B” – Entrevista com Pamela Duncan

Nome: Pamela Duncan. Crítica do veículo Aplauso.

P. Poderia me contar como ingressou na área da Crítica Teatral?


R. Eu comecei a fazer criticas faz 5 anos numa coluna dos Jornais
Associados. Fazia sobre Teatro adulto.
P. Como funciona sua rotina de produção?
R. Como estou na ativa nunca quis aprofundar muito no tema de críticas,
porque os artistas têm muito ego e não quis, sendo colegas, ferir ninguém. Quando
parar de produzir teatro, já me convidaram, vou entrar na Associação de críticos
teatrais aí vou ter mais liberdade.
P. Dentro de seus parâmetros, qual é, ou quais são as funções de um crítico
teatral?
R. A função e ver se foi cumprida a proposta que a produção, grupo ou
idealizador se propôs. Por isto a visão pessoal sobre arte não conta. Mas sim conta
se esta bem-conceituado ou não.
P. Agora visando a sociedade moderna, os conflitos dentro da área das artes,
com peças canceladas por motivos ideológicos, produções que acabam por serem
alvos de preconceito, ou que disseminam o preconceito, mesmo que
involuntariamente, qual seria então a função da crítica?
R. Sou contra a censura – Não tem função-
P. Uma vez, Sábato Magaldi disse que a crítica tinha o poder de influir na
afirmação de determinado gênero teatral, em prejuízo de outro, você concorda?
R. Atualmente não. Acho que o boca a boca e infalível. Atualmente muito
forte. Porque as pessoas não leem jornal e revista. A Veja tal vez tem alguma
influência. Mas a internet e forte também a opinião das pessoas na internet. Os
blogs para os interessados.
P. O crítico deveria ter como objeto de estudo o conjunto do espetáculo, não
apenas um de seus elementos, você, como profissional da área acredita que isso de
fato aconteça ou que ainda temos defasagem quanto ao objeto? Quais os pontos
que não podem faltar em uma crítica?
R. Sim temos defasagem, tem revistas que tem estagiários para escrever
sobre teatro.
66

O critico atualmente, tirando algumas exceções, são jornalistas não muito


aprofundados na área.
P. Bárbara Heliodora acreditava que a crítica começava antes do espetáculo
em si, desde a escolha dos atores, até a montagem, você concorda com esse
pensamento?
R. Não, os artistas têm que ter liberdade de ação. Quando mostra o produto
concluído, a gente lê o relesse de imprensa sobre proposta, profissionais envolvidos
a analisa se o que os artistas propunham chegou ao palco.
P. Você acredita que o espectador, hoje, concorda com o crítico apenas
quando o crítico concorda com ele? Se sim, então acha que existe alguma
adequação de alguns meios para corresponder com o gosto do leitor?
R. A crítica e o público sempre das diferenças. Mas para quem gosta de ler e
bom ler uma boa critica. Eu sinto que existem interesses paralelos que as vezes um
espetáculo que não está legal, os críticos não se atrevem a falar nada. Ou
instituições. Mas ter público e outra coisa, A peça pode ter ótimas críticas prêmios e
ninguém ir.
Porque o público não gostou. E nos artistas queremos público também. A
crítica não marca o publico em nosso país.
P. O que a crítica teatral pode trazer de diferencial, quando bem feita, não
apenas ao seu leitor?
R. Sim, o importante é ser honesto com o que se vê, com o pensamento
sobre arte. A crítica não pode ser subjetiva.
67

Apêndice “C” – Entrevista com Paulo Neto

Nome: Paulo Neto. Crítico do veículo Incitarte.

P. Poderia me contar como ingressou na área da Crítica Teatral?


R. Minha vida toda escrevi sobre cinema em diversos veículos, desde
adolescente. Há 3 anos, comecei a publicar artigos sobre Teatro na Drops Mag e
posteriormente, fui convidado p assumir como crítico no site carioca Incitarte.
Portanto, hoje eu sou o braço paulistano deste veículo completamente dedicado ao
teatro.
P. Como funciona sua rotina de produção?
R. Além de jornalista, sou comissário de bordo. Faço voos internacionais.
Minha produção está diretamente relacionada à quantidade de produções que
consigo ver, tanto no Brasil, como em Londres ou Nova York. Não há um
compromisso que defina uma quantidade de textos semanais ou mensais mas eu
alimento o site com a minha disponibilidade ou relativo a quantas peças eu consegui
conferir naquele período. Em geral, público uma crítica por semana.
P. Uma vez, Sábato Magaldi disse que a crítica tinha o poder de influir na
afirmação de determinado gênero teatral, em prejuízo de outro, você concorda?
R. Fora do Brasil a crítica teatral tem um poder realmente grande. Um crítico
pode realmente influenciar no sucesso ou fracasso de uma produção. Aqui no Brasil
os críticos exercem influência considerável, mas não ao ponto de abater uma peça.
As comédias são sempre mais bem quistas pelo público e menos valorizadas pelos
críticos. Os dramas são mais catapultados ao estrelato pelos críticos. As premiações
teatrais privilegiam os dramas. Mas há que se dizer que outros gêneros tem obtido
mais espaço. Além das comédias, os docudramas, que são o híbrido de
documentário com drama, têm vindo à tona de forma efetiva na produção teatral,
principalmente em São Paulo.
P. Para você, qual o papel da internet para a crítica hoje, com as páginas
impressas trazendo cada vez menos conteúdo do tipo?
R. A internet exerce um papel essencial, especialmente na divulgação dos
espetáculos. Divulgar uma produção custa muito caro, portanto, para os envolvidos,
quanto mais comentarem e difundirem uma peça, melhor. Já com relação à
produção de textos e artigos que analisem a fundo um espetáculo, cada vez mais
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publicam releases e menos críticas de verdade, que são as que apontam e


dissecam, de maneira madura, as qualidades e as oportunidades de melhorias de
uma produção. Num mundo cada vez mais vertiginoso e avesso a leituras longas,
tento achar um meio termo entre a crítica profunda e a análise moderna e leve de
um espetáculo.
P. Você acredita que exista a necessidade de incorporar mais regras a escrita
da crítica na internet, pelo fato de ser algo que pode, uma hora, ser vinculado a uma
rede social, outra estar relacionado a um blog especializado?
R. Deveriam existir mais regras sim. Mas são impossíveis de ser
estabelecidas, pelo menos, no momento. Qualquer um pode publicar o que quiser.
Mas, de acordo com a qualidade do que se publica o autor vai criando sua
credibilidade dentro do métier, adquirindo respeito dos pares e estabelecendo um
padrão próprio de qualidade de seus próprios artigos. Quem acompanha críticas
acaba sabendo quais autores publicam textos com mais qualidade e credibilidade.
69

Apêndice “D” – Entrevista com Kyra Piscitelli.

Nome: Kyra Piscitelli. Crítica do veículo Aplauso.

P. Poderia me contar como ingressou na área da Crítica Teatral?


R. Claro. A história é meio doida e mostra como na vida não adianta a gente
programar muito as coisas, ou que às vezes, aquilo está preparado e de alguma
forma, temos que entender a oportunidade. Eu sempre fui ao teatro. Meu pai era
músico quando eu era pequena. Digo era porque ele é muitas coisas – como bom
artista. Sempre foi duro e os nossos passeios se pautavam a ir aos teatros e eventos
culturais grátis. Quantas vezes morri na praia da fila das peças do Sesi? E
voltávamos sempre. E isso criou uma formiguinha em mim. A minha mãe, analista de
sistema e mulher de sucesso, sempre fez minhas vontades culturais. Ela dizia que
dava gosto de ver a minha carinha e minha voracidade. Assim, cresci antes de tudo
espectadora. Aos 11 anos entrei para o Teatro da escola e tenho contato com meu
professor Enrique até hoje, via redes sociais. Ele me descreve com o mesmo tal
brilho da minha mãe, a quem eu devo muito do que sou. Adolescente eu pegava a
Veja e via as bem mais avaliadas e ia ver tudo. Mas, para mim sempre foi o lugar do
lazer, do respiro, dos sentimentos e não do trabalho.
Mas, um dia o meu chefe na Revista Caros Amigos, onde estagiei e trabalhei,
me chamou para escrever para um site dele que era sobre teatro. De repente, eu
estava fazendo resenhas. E nesse caminho do Teatro foi que conheci o crítico
Michel Fernandes. Por coincidência, ele era meu vizinho e nos dávamos carona. Eu
tinha carro e ele tinha taxo pelo IG, na época. Ele me ensinou a me profissionalizar.
Passou referências, livros e boas conversas. Logo, me chamou para escrever para o
Aplauso e depois foi ele quem me indicou para ser Júri do APCA (Associação
Paulista de Crítica de Arte) e depois eu o ajudei a criar o Prêmio Aplauso Brasil. O
Michel tem uma doença degenerativa e me ensinou entre muitas coisas que a arte
salva as pessoas de muitas maneiras.
Sou o membro mais jovem da APCA hoje. Tenho colegas que viram O Rei da
Vela (do Oficina) original. Sei que a idade é um limitador nesse ponto, pois o que
vejo pelos livros eles vivenciaram, então respeito meu lugar e sei que conquistei
meu espaço e respeito porque entendo isso, busco sempre aprender com os
veteranos e modernizar ao mesmo tepo. Sou feminista assumida e briguei
70

pessoalmente para a Bia Lessa (Diretora de O Grande Sertão: Veredas, sucesso de


2017) ganhar o APCA. Ela foi a primeira mulher em mais de 60 anos da entidade a
levar esse prêmio. Os homens ainda são maioria absoluta ali e em todas as partes.
P. Como funciona sua rotina de produção?
R. Queria conhecer um crítico que vive de crítica... rsrs... até historicamente a
maioria ganhava mesmo a vida como funcionário público: Machado de Assis, Carlos
Drummond de Andrade....Eu não sou funcionária pública, mas vivo de outras tantas
coisas. Atualmente, faço frilas e trabalho como redatora de política numa agência
(política... rsrs... ). Bem, ajudo o Michel com o site, então tento escrever uma crítica
a cada 15 dias – o ideal é uma vez por semana. Mas, o meu trabalho como jurada
de prêmio é que é intensa. Eu vou ao Teatro 4 vezes por semana, em média. A
minha função é ver, mais do que avaliar. Se eu não vi quase tudo, eu não posso
julgar, certo?
Eu odeio essa coisa binária de estrelas ou bom e ruim. Isso não existe. É
prático, mas é burro e antiquado. Hoje, mal se pode definir protagonista e
coadjuvante. Os paradigmas vêm mudando e teremos que mudar junto para
sobreviver. Então, eu olho o público e o que a peça vende. É isso que eu olho. Isso
traz alguma coisa para algum lugar? Pra quem é isso? Funciona ou não? Eu
acredito no crítico que dialoga e não no que deixa o ego dominar. Conhecimento nós
temos, óbvio! Vemos o mesmo texto várias vezes, de mil formas.
P. Dentro de seus parâmetros, qual é, ou quais são, as funções de um crítico
teatral?
R. Com o pouco espaço que temos é raro eu fazer crítica negativa e isso é
geral. Se você quase não tem espaço vai dar para o que vale ou para o que não
vale? Pontuo sim pontos, sempre! Quem não goste que mande a mãe fazer crítica,
mas tem obra que nem sendo mãe...rsrs..Mas, às vezes a crítica negativa tem
função de melhorar ou mostrar que tal fato deve estar no debate. Em 2017, o
Alexandre Del Farra ganhou um edital da Mostra internacional de Teatro (MITSP)
para falar de negro. Branco: o cheiro do lírio e do Formol, era o nome dessa
atrocidade. Eu assisti e achei preconceituosa e desnecessária que não dei ibope.
Hoje, em dia falar mal não dá ibope. Falar da Claudia Raia é que dá. Mas, o Miguel
Arcanjo Prado, crítico e negro, sentiu-se ofendido e escreveu tudo o que pensava
sobre um branco usar o palco do CCSP para falar do próprio racismo ou de seu
ponto de vista. Ele foi atacado por todos os lados, eu revi a peça e eles tinham
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mudado a peça com uma desculpa de ser um processo em eterna criação. Mudaram
por causa do Miguel, eu sei. Eu escrevi o que pensava e o debate ganhou uma
força.
A gente ajuda a projetar a mudar. Acrescentamos um olhar, que não é o da
verdade, mas faz sentido, sempre que análise é cuidadosa. Teve um caso maluco
recente que uma dramaturga levou a mal o Jose Cetra, meu colega da APCA,
porque ele disse que o texto é prolixo. Ela foi violenta e no final, não houve quem
não concordasse com ele. A crítica media e nunca pode ser histérica. Esse é ponto
de equilíbrio. Por isso, o bom e ruim não funciona. Só no guia mesmo e para
adolescentes como um dia eu fui... rsrs...
P. Agora visando a sociedade moderna, os conflitos dentro da área das artes,
com peças canceladas por motivos ideológicos, produções que acabam por serem
alvos de preconceito, ou que disseminam o preconceito, mesmo que
involuntariamente, qual seria então a função da crítica?
R. Acho que respondi já, né? Essa peça Branco, do Alexandre Del Farra é um
caso contundente. Agora arte censurada? Não pode, né? A arte é o espaço da
reflexão, do que pode se fazer tudo e acessar aquele espaço em que não temos
coragem na vida real, sabe? Por isso, eu reafirmo que o crítico tem que mediar
esses conflitos sem ir para o Fla X Flu. Em tempos extremistas, que vão e voltam na
história, isso é mais difícil. Foi duro ver o Wagner Schwartz ser condenado pela peça
La Bête dois anos depois que eu assisti a performance, na Bienal SESC de Dança.
Dois anos depois. É importante se posicionar, mas tentar o equilíbrio.
P. Uma vez, Sábato Magaldi disse que a crítica tinha o poder de influir na
afirmação de determinado gênero teatral, em prejuízo de outro, você concorda?
R. Sim. Classificação é coisa de crítico e não de público. Classificações em
geral. O público quer entender a função daquilo para ele, divertir, chorar, aprender,
se ver. O Teatro é lugar que você se encontra com os seus fantasmas, com você
mesmo, com o outro e tem contato com mundos e sensações. E essas
classificações tem mudado muito e precisamos rever isso, de alguma forma, as
peças não seguem mais o épico ou clássico com a figura de um protagonista ou
mesmo de um gênero. Peguem, por exemplo, O Nós, do Grupo Galpão, que
arrebatou a crítica. O Grupo Galpão é um exemplo desse Teatro que não se encaixa
em gêneros, não tem protagonista claro e nem, por exemplo, uma luz que possa
desassociada do cenário. O híbrido tomou conta desse Teatro contemporâneo e os
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prêmios estão ali no mesmo lugar e tratando dos meus termos. Esse é um dos
desafios da crítica atual.
P. O crítico deveria ter como objeto de estudo o conjunto do espetáculo, não
apenas um de seus elementos, você, como profissional da área acredita que isso de
fato aconteça ou que ainda temos defasagem quanto ao objeto? Quais os pontos
que não podem faltar em uma crítica?
R. Deveríamos analisar o todo sim. Isso é óbvio. Como diria Sábato o crítico
não pode ter preconceitos. E olha a gente tem que estar no teatro. Ser um
espectador assíduo, como diz a crítica Mariangela Alves de Lima. E tem que gostar
e muito, porque a gente vê muita coisa ruim. É frustrante também e exige dedicação
– é estar 4 vezes por semana no teatro.
Agora, a crítica passa por um momento que você talvez possa trabalhar são
dois pontos: como a força das leis de incentivo mudou essa crítica e até que ponto a
crítica hoje, que cooptada pelo mercado é isenta e verdadeira.
As leis de incentivo mudaram a configuração dos teatros. É mais desafiador
entrar num Teatro para ter só bilheteria do que antes, porque não se trabalha mais
isso hoje. Para ensaiar você tem que pagar e quem decide, com as leis, quem
merece o palco é a iniciativa privada. Já ouvi produtores que foram captar para a
Bibi Ferreira que em encontros comerciais a pessoa diz que só faria uma temporada
curta porque a Bibi poderia morrer no meio e como fica? Mas, ele tecnicamente
ganhou isenção de imposto para estar ali. Pergunta se o Prêmio de Incentivo Infantil
e Jovem, anos feito em parceria da Coca teve incentivo dentro da empresa como
contrapartida? Não, só a isenção importa e não arte. E ainda não querem arriscar
prejuízos. Mas e a plateia e o interesse público. No Canadá uma produção que
ganha muito dinheiro de lei deve ajudar uma pequena a se projetar. Aqui não temos
contrapartida e não pensamos na arte. A crítica sofre com isso e reflete isso
também.
Por outro lado, os grandes festivais têm contratado críticos para escrever e
como fazemos com o nosso direito. Imagina se não é constrangedor que um crítico
fale mal de uma peça e no dia seguinte essa crítica esteja sendo distribuída para os
espectadores antes do espetáculo? No Festival de Curitiba deste ano diante do
espetáculo Domínio Público, que juntou os artistas que sofreram censura em 2017,
uma professora na plateia disse que o espetáculo a fez se sentir vazia e que aquilo
não era teatro. De forma elegante, ela perguntou se era essa a intenção? O curador
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Guilherme Weber, então, pediu a palavra e disse que se sentia preenchido e não
vazio e defendeu a peça e o convite que tinha feito para eles estarem no palco. A
intenção dele não foi inibir nada, tenho certeza, mas o fez, porque o diálogo acabou
ali. Como curador ele exerceu um poder e o debate possível morreu. O que se viu foi
um monte de gente falando da onde vinha e como isso e a arte importavam para si.
Masturbação de palavras, sabe? Desculpa usar essa palavra.. rsrs. Mas ela define.
Até que a Renata (a atriz que trans que fez Jesus) fez uma fala linda sobre o para
quem se quer falar. Que a gente na vida só quer falar para quem é igual a gente,
exatamente igual e atingir esses semelhantes. E onde fica a crítica aí? A crítica é um
ponto de vista, uma maneira de olhar, mas se olhamos sempre para os mesmos
pontos e pessoas onde está o debate?
P. Bárbara Heliodora acreditava que a crítica começava antes do espetáculo
em si, desde a escolha dos atores, até a montagem, você concorda com esse
pensamento?
R. A Bárbara era uma mulher clássica em todos os sentidos. Eu não sou essa
mulher clássica, eu sou revolucionária... rsrs... Quando Sábato começou a escrever
ele olhou para aquilo que a crítica antiga odiava, como Nelson Rodrigues e fez um
trabalho muito importante nessa renovação. Então, como espírito jovem, eu evoco e
carrego essa responsabilidade de tentar ver o que não serve mais. A gente pega
vícios e moldes com a idade. Então, eu aprendo com as pessoas clássicas, mas
tento dar minha contribuição. E oxalá, um dia eu esteja nessa calçada como olhar de
um período, entende? A crítica ela não é dona da verdade é um ponto de vista que
tem lugar e conjuntura histórica. O Brasil tem essa mania de não guardar a história,
dizer que o Teatro foi refundado a cada movimento como se nada antes valesse.
Não dá para analisar nada sem olhar tempo e espaço. Acho que isso mudará com a
tecnologia, mas ainda não mudou... rsrs...
Por que dizer isso? Para tentar, elegantemente, discordar dessa musa e
mulher que impôs respeito na crítica brasileira. Processo não é Teatro e Teatro é no
palco. Você não pode ter preconceitos e olhar o ator sem a construção do
personagem. Senão é preconceito? Você vai julgar se fulano ou ciclano é bom para
isso ou aquilo sem ver? Teatro é conjunto e o conjunto a gente vê no palco. E o
crítico por mais que ele tenha seus vícios e um bom conhecimento – e a gente prevê
muita coisa que acerta – tem que estar aberto. Esse é nosso trabalho. O dia que eu
não sentir mais a emoção de me surpreender, de ficar puta com uma peça que não
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funcionou ou algo assim, eu não serei mais crítica, porque não me fará sentido
sentar no Teatro quatro vezes por semana. E temos que ver tudo e sem
preconceitos. A comédia mesmo ainda sofre muito com isso. O público ama e a
crítica odeia. Nós, críticos é que temos que nos perguntar com quem temos falado e
não julgar o público jamais.
P. Você acredita que o espectador, hoje, concorda com o crítico apenas
quando o crítico concorda com ele? Se sim, então acha que existe alguma
adequação de alguns meios para corresponder com o gosto do leitor?
Acho que o panorama dessa questão vem de uma outra pergunta. A crítica
tem espaço? O interesse do público pela crítica ainda existe? Acredito que esse é o
limbo em que estamos. Helena Katz, crítica de dança, disse uma vez num debate da
Bienal SESC de Dança que o público ali lamentava o pouco espaço nos jornais para
a arte, mas que todas as vezes que o jornal corta o espaço não há efeitos drásticos
só quem se dói é a classe e não o público.
Até que ponto, então, a crítica importa. Cada vez menos as pessoas leem.
Certa vez vi uma matéria assim: “5 razões para ver a peça tal”. A matéria tinha um
abre e cinco questões e eu pensei: “será essa a crítica no futuro”? O mundo do CEO
em que títulos diretos vendem mais do que os de efeitos e tudo mais tem mudado a
crítica. Como fazer uma análise de algo em quatro parágrafos? Mais do que isso a
internet transformou todo mundo em crítico, então por que ler ainda uma crítica
especializada ainda?
Essa é a pergunta. O que te legitima a ocupar esse lugar e para quem você
ocupa. Por isso, o crítico de hoje deve se preocupar em trazer para o leitor, para os
vídeos... rs (esses estão mais em alta ainda) um panorama do que ele terá em cena
e a quem serve aquilo no palco. Como aquilo pode afetar um público e que público é
esse. Essa é a análise que faz sucesso hoje em dia. Análise de estéticas e etc
interessam à academia e não ao leitor.
P. O que a crítica teatral pode trazer de diferencial, quando bem feita, não
apenas ao seu leitor?
R. A crítica ela tem uma função hoje em dia que é a da divulgação, que é um
lugar diferente do de antes – quando analisava aquilo. O Daniel Piza, que escrevia
para o Estadão e morreu tão precocemente, teve um embate seríssimo com o
Wagner Moura e uma montagem de Hamlet que ele atuou e disse que o próprio ator
brincou não se importar porque o Teatro estava lotado e a crítica serviu também de
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divulgação. É isso. A reflexão atualmente está em segundo plano hoje. Não sei se
isso é ruim ou é uma transformação – ou parte – da transformação que vemos hoje
na comunicação. Eu com o pouco espaço que tenho prefiro falar bem do que falar
mal. Ou sendo menos maniqueísta, falar do que preenche algo do que de algo
desnecessário ou terrível em vários aspectos. Mas, a crítica tem esse fundamento
atual, que ajuda ao teatro. Ninguém vai deixar de ir ao Teatro porque saiu algo com
uma estrela e metendo o pau. A polêmica vende também. Mas, quando se fala algo
bom e que direciona um público e mostra uma função, os grupos e peças têm usado
o escrito como propaganda para promover a peça e há casos de sucesso com isso.
Uma peça chamada Milhares de Cães Vindos do Mar, encenado no pequeno Teatro
da Cia Elevador, ganhou o APCA e chegou ao Centro Cultural porque a crítica
impulsionou o espetáculo e eles souberam cooptar isso em marketing. Os pequenos
espetáculos são sim os mais beneficiados, porque são os que carecem de espaço e
os grandes muitas vezes têm trabalhado mais na compra de mídia online, por
exemplo, do que preocupados com indicações.

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