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Conteúdo Prefácio | Lia Monica Rossi

Apresentação, 11
Uma jornada tipográfica do litoral ao sertão pernambucano

CAPÍTULO 1 Introdução, 15
A gráfica e o letreiramento popular de Pernambuco

1.1 Uma breve reflexão acerca da produção informal de design e a gráfica popular, 16
1.2 Os letreiramentos populares e sua inserção nas paisagens urbanas, 19
1.3 O ofício do pintor de letras – um pouco de história, 24

CAPÍTULO 2 Abridores de Letras, 29


Mapeando a gráfica popular de Pernambuco

2.1 Recife, 34
2.2 Gravatá, 46
2.3 Caruaru, 54
2.4 Arcoverde, 66
2.5 Salgueiro, 76
2.6 Petrolina, 84

CAPÍTULO 3 Um Olhar Tipográfico, 97


Descobrindo padrões visuais

CAPÍTULO 4 Aspectos Técnicos, 105


Materiais e modos de fazer

4.1 Conhecendo os materiais de trabalho, 106


4.2 Entendendo o método geral de trabalho, 110
4.3 Exemplificando alguns processos, 112

CAPÍTULO 5 Considerações Finais, 117


O fim da jornada ou apenas o começo

English Version, 121


Referências, 142
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Capítulo 1
INTRODUÇÃO

A contínua presença O rico universo popular brasileiro pas- rantir seu sustento; outros se adapta-
do “útil e necessário” sa por um processo de deslocamento, ram às novas tecnologias; no entanto,
é que constituem o valor adaptação e tradução para os meios muitos ainda resistem e continuam até
digitais. Ofícios antes desenvolvidos por hoje desenvolvendo seus artefatos de
desta produção, sua poética
processos exclusivamente manuais aos forma manual.
das coisas humanas não- poucos necessitaram incorporar técni-
gratuitas, não criadas cas e ferramentas digitais para mante- O trabalho de resgate do ofício dos
para mera fantasia. rem-se vivos e concorrerem com a pro- pintores de letras em Pernambuco —
dução de artefatos em larga escala. Foi que aqui denominamos abridores de
Lina Bo Bardi assim que aconteceu com a indústria letras1 — busca contribuir para o for-
da comunicação visual brasileira. Com a talecimento da Memória Gráfica Per-
introdução das novas tecnologias digi- nambucana, principalmente daquelas
tais, a maioria das antigas "oficinas de manifestações informais de design
pintura" ou casas de "faixas e placas’" passíveis de extinção — como a gráfi-
desapareceram ou cederam espaço ca popular —, com o intuito de tornar-
para empresas de sinalização e birôs -se uma fonte de referência para o de-
de impressão, que incorporaram ao seu senvolvimento de novos projetos que
maquinário routers, plotters de recorte incluam, em sua essência, elementos
de vinil ou de impressão digital. da cultura local.

Nesse processo de transição, alguns Ao mesmo tempo, o projeto também


1 | O termo abridores de letras deriva
artífices e mestres no fazer manual de busca revalorizar um ofício que se en-
da expressão abrir letras, utilizada
pelos pintores para descrever placas e letreiramentos perderam seu contra marginalizado no mercado, para
a ação de desenhar o letreiro sobre lugar no mercado e foram obrigados a quem sabe reintroduzi-lo na cadeia pro-
o suporte escolhido. migrar para outras profissões para ga- dutiva local.
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Letreiramentos de Seu Everaldo · Recife


Lettering by Everaldo · Recife
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Figura 2 Letreiramentos desenvolvidos por pintores letristas não especialistas (acervo pesquisa)
Lettering created by non-specialist sign painters (research collection)
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Capítulo 2
ABRIDORES
DE LETRAS

ENXERGAR O VERNACULAR Para realizar o mapeamento e a análise nambuco por meio de entrevistas se-
É ENXERGAR O INVISÍVEL. da produção de letreiramentos popula- miestruturadas. Para analisar as ima-
É OLHAR PARA ALGO COMUM res e da profissão do pintor letrista em gens dos letreiramentos sob o ponto de
Pernambuco, foi desenvolvido um es- vista dos seus aspectos tipográficos, foi
E SE APAIXONAR.
tudo comparativo entre as paisagens utilizado como base o sistema de clas-
Tibor Kalman urbanas das cidades do Recife, de Gra- sificação dos letreiramentos populares
vatá, Caruaru, Arcoverde, Salgueiro e Pe- desenvolvido por Finizola5 (2010a) .
trolina, com a finalidade de investigar as
similaridades e diferenças da linguagem As cidades escolhidas para esse levan-
visual dos letreiramentos populares da tamento pontuam toda a extensão do
região metropolitana, ao agreste e ser- Estado de Pernambuco, do litoral ao
tão pernambucano. sertão, por meio da BR–232 — uma das
rodovias mais importantes da região,
Os métodos utilizados para desenvolver complementada pelo trecho que inter-
esse levantamento envolveram pes- liga as cidades de Salgueiro e Petrolina.
quisas de campo para a realização de Ao mesmo tempo, também represen-
registros fotográficos dos letreiramen- tam centros urbanos e comerciais de
tos populares, bem como entrevistas e destaque que estão em pleno desenvol-
visitas ao local de trabalho dos artífices vimento econômico em cada uma das
que desenvolvem esses artefatos. Essa suas respectivas regiões.
extensa coleta de dados proporcionou
a formação de um acervo de mais de Nas últimas décadas, a cana-de-açúcar
5 | Veja o sistema de classificação 1.000 fotos e o registro do trabalho de deixou de ser o principal produto primá-
completo nas páginas 100 e 101. 12 pintores letristas do Estado de Per- rio de Pernambuco. O Estado, recente-
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mente, observa uma relevante mudança cidade de Petrolina, localizada no Vale comerciais, placas e murais, vitrines,
na sua economia, com grandes inves- do Rio São Francisco (Figura 9). carrocinhas de ambulantes, cartazes,
timentos nos setores secundários, em entre outros gêneros.
especial o petroquímico, biotecnológi- É interessante observar as transições e
co, farmacêutico e automotivo, aliada à contrastes entre a paisagem, o bioma e De forma geral, todas as paisagens
crescente importância do setor terciário, topografia do Estado de Pernambuco e, urbanas visitadas apresentaram cla-
do turismo e de empreendimentos dos ao mesmo tempo, tentar compreender ramente o contraste entre fachadas e
setores: alimentício, químico, têxtil, de como as particularidades de cada local placas confeccionadas por processos
materiais elétricos, comunicação e me- — os hábitos, costumes, tradições, etc. manuais e aquelas desenvolvidas por
talurgia, dentre outros. Destaca-se tam- — podem deixar marcas na paisagem meio de plotters de impressão digital
bém a produção e exportação de frutas tipográfica de cada cidade. ou recorte. As placas impressas por
ao longo do São Francisco, além de ou- processos digitais geralmente tomam
tros polos dinâmicos de desenvolvimen- espaço predominantemente nas vias
to, como o gesseiro no Araripe, a pecu- PARA REALIZAR O principais de cada centro urbano. En-
ária leiteira e o polo têxtil do Agreste, a quanto que aquelas produzidas por pro-
cana-de-açúcar e a biomassa na Zona MAPEAMENTO E A ANÁLISE cessos manuais são encontradas com
da Mata e o polo de informática, indus- DA PROFISSÃO DO PINTOR mais facilidade em vias secundárias ou
trial e de serviços na Região Metropoli- áreas mais populares.
tana do Recife.
LETRISTA EM PERNAMBUCO,
FOI DESENVOLVIDO UM A presença de elementos de comuni-
As cidades mapeadas em nosso es- ESTUDO COMPARATIVO ENTRE cação visual em cada cidade, indepen-
tudo, além de pertencerem à rota da dentemente da técnica utilizada para
BR–232, encontram-se entre as 30 (de AS PAISAGENS URBANAS sua confecção, está intrinsecamente
um total de 185) cidades mais populo- DAS CIDADES DO RECIFE, DE ligada aos serviços e atividades comer-
sas do Estado e representam quatro das ciais prestados nas áreas visitadas, haja
cinco Mesorregiões de Pernambuco: a
GRAVATÁ, CARUARU, ARCOVERDE, vista que a grande maioria dos letrei-
Região Metropolitana do Recife; o Agres- SALGUEIRO E PETROLINA. ramentos é porta-voz de mensagens
te Pernambucano; o Sertão Pernambu- de cunho comercial ou publicitário, em
cano; o São Francisco Pernambucano; e detrimento daquelas com conteúdo po-
a Zona da Mata, a única não contempla- lítico ou religioso. Entre as atividades
da, por estar muito próxima à região me- Cada centro visitado carrega consigo que mais empregam letreiramentos
tropolitana e por ter apenas um pequeno idiossincrasias que refletem os aspec- populares como elemento de publici-
trecho margeando à BR–232. tos históricos, geográficos e culturais dade em sua fachada, destacam-se pe-
que permearam o processo de formação quenos estabelecimentos ou negócios
Iniciamos pela região metropolitana, de cada cidade, de seu tecido urbano e informais, como borracharias, oficinas
onde visitamos a cidade do Recife. De- de suas paisagens arquitetônicas. Nes- mecânicas, eletricistas, cabeleireiros,
pois seguimos para o Agreste, onde per- se contexto, elementos de comunicação manicures, bares e restaurantes, entre
corremos as cidades de Gravatá e Carua- também se caracterizam como parte outros. Por outro lado, um amplo espec-
ru. Continuamos a adentrar o interior do dessas paisagens urbanas por estarem tro de atividades se utiliza dos murais
Estado e visitamos as cidades de Arco- integrados às edificações ou se encon- publicitários desenvolvidos por pintores
verde e Salgueiro, em pleno Sertão per- trarem em locais públicos. Entre eles, letristas, entre elas estabelecimentos
nambucano, para finalmente alcançar a figuram fachadas de estabelecimentos comerciais de médio porte, cursos e
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Figura 9 Cidades onde foi realizado o levantamento dos abridores de letras de Pernambuco
Cities visited during the research project for sign painters in Pernambuco
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Letreiramentos | Recife
Lettering | Recife
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40
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Capítulo 3
UM OLHAR
TIPOGRÁFICO

A GRÁFICA POPULAR POSSUI É possível sistematizar um conjunto de pelos pintores, entre eles: (1) o processo
UMA ASSOMBROSA COERÊNCIA, produtos originados por meio de técni- de formação e aprendizado deste ofício
MESMO QUE SUAS MANIFESTAÇÕES cas artesanais? É possível encontrar si- por cada pintor; (2) as fontes de referên-
milaridades entre a produção dos abri- cia utilizadas para o desenho dos estilos
CONCRETAS TENHAM SIDO FEITAS
dores de letras de Pernambuco mesmo tipográficos; (3) os seus métodos; e (4)
POR PESSOAS DISTANTES TANTO com todas as idiossincrasias do traba- as suas ferramentas de trabalho.
NO TEMPO COMO NO ESPAÇO. lho de cada artífice?
Em contraponto com a cultura dos sign
Rojas & Soto
Após muitos anos observando os letrei- painters norte-americanos — na qual
ramentos populares, percebemos que muitos pintores de letras têm oportu-
existem algumas similaridades entre os nidade de vivenciar alguma formação
estilos tipográficos utilizados mesmo técnica na área para exercer a profis-
por aqueles abridores de letras distan- são — na pesquisa desenvolvida no
tes pelo tempo ou espaço, seja em di- Estado de Pernambuco nota-se que a
ferentes épocas, diferentes países ou maioria dos abridores de letras entre-
regiões. Uma questão intrigante fica: o vistados possuem um processo de for-
que determinaria então a semelhança mação autodidata ou no formato mes-
entre esses artefatos? Qual seria a re- tre-aprendiz. O "dom artístico", ou a
ferência ou ponto de partida comum a habilidade e a facilidade para desenhar
todos esses artífices? ou manejar pincéis em muitos casos é
percebida logo cedo nesses indivíduos.
Podemos investigar alguns fatores pas- Como aqui no Brasil atualmente não há
síveis de influenciar a definição do for- cursos especializados, tampouco pro-
mato e o estilo das letras elaboradas fissionalizantes na área, o aprendizado
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do ofício se dá por meio da observação Ao conhecer de perto o trabalho dos le- são apreendidas na memória por meio
do trabalho de outros profissionais e tristas de Pernambuco, descobrimos al- da repetição prática. Novamente não há
da iniciação à prática profissional como gumas das referências visuais utilizadas uma padronização entre as referências
assistentes de pintores mais experien- na sua prática profissional. Entre as re- visuais utilizadas por todos os pintores
tes. Assim sendo, esse processo de ferências remotas — aquelas que fize- entrevistados, o que também não jus-
educação extremamente pragmático ram parte da vivência ou background par- tifica a semelhança tipográfica entre os
não justificaria a semelhança visual ticular de cada pintor — está o trabalho letreiramentos populares.
entre alguns estilos de letreiramentos, de outros pintores letristas, entre eles
já que os pintores não apreenderam seus mestres ou mesmo concorrentes. O processo criativo, como vimos ante-
as técnicas de pintura sob o "guarda- riormente, é diferenciado caso a peça
-chuva" de uma mesma escola ou linha seja uma cópia ou um artefato de livre
de ensino comum. criação: na cópia não há processo cria-
OS ABRIDORES DE LETRAS tivo, no segundo caso o processo criati-
Durante esta investigação, observamos POSSUEM UM PROCESSO DE vo ocorre de forma bastante intuitiva e
também que as referências visuais uti- FORMAÇÃO AUTODIDATA OU NO mental no momento da pintura. Geral-
lizadas pelos abridores de letras são mente esboços prévios não são utiliza-
bastante diversas. Antes de tudo, é FORMATO MESTRE-APRENDIZ, dos e, quando existem, são bastante es-
importante distinguir dois parâmetros ONDE O APRENDIZADO SE DÁ quemáticos. A visualização do resultado
maiores que definem o processo cria- final do produto se dá na imaginação
tivo dos pintores de letras: a cópia e a POR MEIO DA OBSERVAÇÃO do artífice e vai tomando forma ou se
criação livre. No primeiro caso, o traba- DO TRABALHO DE OUTROS adaptando no momento da elaboração
lho do pintor se resume a reproduzir da do próprio artefato.
PROFISSIONAIS.
forma mais fidedigna um layout impres-
so apresentado pelo cliente no momen- Quanto aos métodos de trabalho, estes
to da solicitação do serviço, geralmente basicamente variam de acordo com o
elaborado previamente no computador. Já entre as referências mais imediatas, tipo de superfície ou gênero do artefa-
A cópia pode ser total ou parcial, como que podem ser usadas como guia no mo- to a ser pintado: madeira, superfícies
no caso apenas da reprodução de um mento da pintura de uma peça, encon- em metal, tecido, alvenaria, vidro, papel,
logotipo da empresa e o restante do la- tram-se recortes de revistas e catálogos borracha; placas, faixas, murais e facha-
yout ficar a critério do pintor. de estilos de letras. O pintor Sebastião, das, cartazes, etc. De forma geral, é pos-
da cidade de Arcoverde, por exemplo, tem sível observar pontos em comum nos
Nos casos de cópia, os estilos tipográ- em sua oficina uma estante onde cole- métodos utilizados, alguns inerentes à
ficos já são predefinidos por outro pro- ciona inúmeras pastas com recortes de própria técnica de pintura: preparação
fissional que montou o layout, não ha- letras de revistas. Já o pintor Carlinhos, da base, pintura da camada de fundo,
vendo liberdade de escolha de novos da cidade de Gravatá, possui na sua bi- marcação de linhas guias, pintura do
estilos pelo pintor. Por outro lado, nos blioteca alguns catálogos de letras pu- letreiramento, pintura do acabamento
casos em que os pintores recebem en- blicados pela editora Ediouro (Figura 10). final das letras, pintura de elementos
comendas de peças em que há espaço decorativos — como sombras, fios, 3D,
para a livre criação e em que o briefing é Muitas dessas referências visuais que entre outros — e a secagem.
realizado ali na hora em conjunto com o fazem parte do acervo dos pintores, no
cliente, o artífice pode explorar seu esti- entanto, não são utilizadas no momen- O uso das ferramentas também pode
lo próprio de trabalho. to em que estão "abrindo letreiros", mas variar de acordo com a superfície a ser
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Processo | REFERÊNCIAS VISUAIS

Figura 10 Algumas referências visuais dos pintores: catálogos de letras, recortes de revistas e esboços manuais (acervo pesquisa)
Visual references used by some of the painters: lettering catalogues, cuttings from magazines and handmade sketches (research collection)
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Figura 11 Esquema de classificação dos letreiramentos de Finizola (2010), categorias quanto aos atributos formais: Amadoras,
Quadradas, Serifadas, Cursivas, Gordas, Grotescas, Caligráficas, Fantasia e Expressivas.
Scheme for Lettering Classification by Finizola (2010), categories of the formal attributes: Amateur, Square, Serif, Cursive, Rounded,
Grotesque, Calligraphic, Fantasy and Expressive
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Tabela 1 Nomenclatura utilizada pelos artífices entrevistados para designar alguns estilos de letras utilizados em seu trabalho.
Nomenclature used by the interviewed craftsmen to designate certain lettering styles used in their work.

LETRA DE FÔRMA QUADRADA LETRA DE FÔRMA BOLEADA MINÚSCULA


Termos similares |Maiúscula, Co- Termos similares | Letra Redonda Termos similares | Letra de
mum, Letra de Caixa Alta Caixa Baixa

MANUSCRITA
Termos similares |Caligrafada, Ma-
CAIXÃO PARTIDA
Termos similares | Quadrada Termos similares | Bicolor
nual, Brush Script, Cursiva, Gótica.

ITÁLICA DECORADA DEGRADÊ


Termos similares |Expressiva (Letra típica das carrocerias e
(Letra serifada)
(Letra empregada em cartazes) lameiras de caminhão)

Nota. A tabela acima representa uma coletânea dos termos registrados durante as entrevistas. O emprego destes termos pode variar de acordo com cada
pintor de letras, e portanto não se caracterizam como uma classificação consolidada no ofício. | Note. The above table represents a collection of the terms registe-
red during the interviews. The use of these terms may vary according to each sign painter, and therefore does not qualify as a consolidated classification within the craft.
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Capítulo 4
ASPECTOS
TÉCNICOS

O GRANDE SEGREDO Embora a maioria dos pintores de letras A partir das entrevistas realizadas com
de Pernambuco apresentem uma incli- diversos pintores de letras — entre eles,
PARA PINTAR LETRAS nação natural para as artes e o desenho, aqueles que apresentamos neste livro
É SABER MANUSEAR observamos que o domínio de técnicas —, bem como da observação do seu
CORRETAMENTE básicas de pintura, bem como o conhe- processo de trabalho, podemos relatar
O PINCEL. cimento dos materiais de trabalho, é quais materiais e processos são empre-
fundamental para diferenciar o trabalho gados mais comumente em Pernambu-
Pintor Carioca de um pintor profissional daquele pintor co para a elaboração dos letreiramentos
ocasional ou amador. manuais.
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Materiais utilizados na pintura de murais


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Características | GÊNEROS E SUPORTES

Figura 12 Diferentes gêneros de letreiramentos: placa, fachada, mural, cavalete, cartaz e carrocinha (acervo pesquisa).
Different genres of lettering: signs, shop fronts, murals, a-frames, paper signs and carts (research collection).
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Pintura de Mural | Carioca


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Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS

A PROFISSÃO DO PINTOR A jornada tipográfica em busca dos do e reconhecido perante a sociedade.


abridores de letras do Estado de Per- Sorrisos, homenagens e agrados vindos
LETRISTA NUNCA VAI nambuco nos permitiu conhecer e en- de pessoas simples e muito talentosas,
ACABAR. tender um pouco mais a profissão do estas foram a nossa recompensa e a
Pintor Carlinhos pintor letrista, seu processo de apren- certeza de estarmos trilhando o cami-
dizado, suas técnicas e materiais de nho correto.
trabalho, bem como suas preocupações
com o mercado. Remontando ao início do projeto, per-
cebemos o quanto aprofundamos a
No entanto, mais do que isso, este pro- pesquisa desde o momento em que
jeto nos proporcionou um mergulho deixamos apenas de documentar, por
nas diferentes paisagens e cidades que meio de registros fotográficos, os le-
compõem o Estado, alargando a nossa treiramentos manuais para nos apro-
percepção para as diversas formas de ximarmos e conhecermos, de fato, os
inserção do design formal e informal seus autores e suas preciosas histórias
nessas localidades. de vida.

Nesta caminhada, nos deparamos com Diante da ameaça das novas tecnolo-
muitos artífices dedicados e verdadei- gias digitais, entre outros fatores, par-
ramente presenteados com o "dom" ar- timos do pressuposto inicial da provável
tístico. A surpresa e alegria de cada um extinção da profissão do pintor letrista
deles em receber a equipe do projeto especialista, nos levando a crer que pro-
transparece a esperança de, enfim, ver vavelmente apenas aqueles artefatos
o seu ofício devidamente documenta- produzidos por letristas ocasionais não
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especialistas teriam mais chances de O pintor Genivaldo, de Petrolina, tam- Por outro lado, Marcos, de Caruaru,
sobreviver devido à necessidade contí- bém aponta uma série de vantagens da que vive exclusivamente do ofício de
nua da comunicação informal e urgente pintura manual em relação às peças im- pintar lameiras, conta que as vendas
entre os indivíduos de uma sociedade. pressas, entre elas o domínio técnico e a têm caído bastante, pois crê que de-
percepção visual inerente aos pintores vido à modernização dos carros, os
Contudo, mesmo com crescimento de letristas. Ele observa que a maioria dos motoristas estão usando menos as
gráficas rápidas que produzem ban- birôs de impressão são instituídos por lameiras, e ele pode ter razão. Aos
ners, cartazes, entre outros artefatos empresários que não necessariamente poucos, “as lameiras vão se tornando
em menor espaço de tempo e com têm a sensibilidade estética ou não são peças do passado”, afirma o artífice.
custo reduzido, que representam hoje habilitados para tal função. Além disso, Carioca também não observa um fu-
uma concorrência desleal ao tradicional Genivaldo alega que o seu público é di- turo muito promissor para a carreira
ofício, notamos que a discussão acerca ferente daquele das grandes gráficas, de desenhista letrista no Recife, haja
da extinção da profissão ainda divide a pois em sua maioria é formado por mo- vista que hoje em dia já não sobrevive
opinião dos pintores letristas. radores ou pequenos e médios comer- apenas deste ofício e complementa a
ciantes das redondezas que gostam de sua renda com a pintura de quadros
Após conversarmos com esses artífices, um atendimento personalizado. artísticos.
percebemos que muitos ainda possuem
uma visão positiva e esperançosa do fu- O debate é extenso e de certa forma
turo de sua profissão. A DISCUSSÃO ACERCA inconclusivo, no entanto os relatos dos
DA EXTINÇÃO DA PROFISSÃO pintores sugerem que, nas grandes
Carlos, de Caruaru, acredita que a pro- cidades, o ofício tende a perder espa-
AINDA DIVIDE A OPINIÃO
fissão não deve acabar, por se tratar de ço no mercado de forma mais rápida
uma "cultura antiga" e afirma que hoje DOS PINTORES LETRISTAS. do que nas cidades menos populosas,
as pessoas continuam contratando le- MUITOS AINDA POSSUEM com exceção para aqueles letristas
tristas, pois confeccionar uma “placa "superespecialistas" como os cartazis-
definitiva” sai bem mais caro. Da mes- UMA VISÃO POSITIVA E tas e pintores de vitrines e para-brisas.
ma forma, Moisés, de Salgueiro, justifica ESPERANÇOSA DO FUTURO
não haver concorrência do seu trabalho Afora o debate acerca do futuro da
DE SUA PROFISSÃO.
com a impressão digital, pois já é bas- profissão, ao final desta jornada tam-
tante especializado e reconhecido em bém reconhecemos a importância
sua cidade. Ely do Recife, especialista O pintor também destaca a durabilida- deste trabalho no intuito de preservar
na pintura de vitrines, também confia de dos letreiros pintados a mão, que, a memória gráfica desses artefatos.
que seus serviços continuarão sendo quando bem executados, podem durar
solicitados, visto que alguns clientes bem mais tempo que o recorte em vinil Como portadores de significado, para
já tentaram utilizar os adesivos em ou impressões digitais. Por fim, ele ob- quem produz ou para quem absorve
recorte vinílico como alternativa para serva a importância dos pintores insti- a informação, os letreiramentos se
a pintura de para-brisas de carros, por tuírem uma oficina de trabalho própria, configuram como manifestações grá-
exemplo, mas voltaram atrás por fato- pois tendem a ser mais valorizados do ficas que, de alguma, forma marcam
res de custo e de facilidade de remoção que aqueles pintores que atendem di- a memória, pois retratam aspectos e
da pintura versus adesivo. retamente na rua. relações entre as pessoas e o meio,
119

possuindo a capacidade de promover


experiências cognitivas. Os estudos
na área de memória gráfica permitem
investigar tais manifestações, os seus
autores, o público a quem se desti-
nam, bem como refletem o entendi-
mento, a concepção e o imaginário
da comunidade de uma determinada
época, ou seja, a cultura intrínseca a
este ou àquele grupo social.

Como designers, tivemos a oportuni-


dade de observar o valor implícito na
"feitura" desses objetos — na ma-
neira e nas técnicas utilizadas pelos
autores —, de forma não só a apren-
der com eles, mas também com a in-
tenção de promovê-los e requalificar
o trabalho desses mestres para um
patamar central e menos periférico.
Se o objetivo primordial da pesquisa
aqui relatada foi o de mapear a pro-
dução desses especialistas no Estado
de Pernambuco, do ponto de vista da
visualidade tipográfica, a jornada nos
mostrou outros aprendizados, como o
apreço, o orgulho e o prazer que cada
um dos letristas impõem ao seu tra-
balho, à sua profissão e a crença de
sua estabilidade no mercado.

Assim, se tínhamos como pressuposto


a extinção dessa profissão, hoje temos
a quase certeza de sua permanência,
fato este que nos alegra os olhos e a
alma. Da mesma forma, compreende-
mos que ao final de uma jornada, outra
se inicia. Aqui esperamos começar um
percurso novo, de pinceis atados àque-
les dos "abridores de letras".
120
Abridores de Letras de Pernambuco
Um mapeamento da gráfica popular
Fátima Finizola
Solange Coutinho
Damião Santana
Lançamento 2014
ISBN: 9788521207986 Formato: 22,5 x 23 cm
Páginas: 140

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