DO DIREITO À INTIMIDADE DA
PESSOA JURÍDICA: UMA ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUÇÃO FEDERAL E DO
CÓDIGO CIVIL.
Wesley Tomaszewski*
RESUMO
ABSTRACT
The present article has for mark to debate the applicability of the right to the intimacy and the
private life to the moral beings. Such a problem was generated by teaching of the doctrine that
after a construction juridical-jurisprudencial it assured the legal entities right of order private, as
the honor and the image, as well as the compensation warranty the such title. Like this, sees
himself the possibility of the right to the intimacy to travel the same path, in spite of the
limitation created by the legislator infraconstitucional in face of the Constitutional dispositions.
*
Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Direito Civil e
Processo Civil pelo CESUSC/BB&G. Bolsista CAPES.
2
1. Introdução
Tal norte, não pode ser olvidado pelo legislador infraconstitucional de forma a
atender o ditame constitucional e preparar o ordenamento a luz dos mandamentos do texto maior.
Seguindo esta seara caminhou o codex civil pátrio que trouxe em seu bojo um capítulo
denominado “Dos Direitos da Personalidade”.
1
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, institui o Código Civil.
2
Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: III.A dignidade da pessoa humana.
4
A partir daí, tudo aquilo que diz respeito à natureza do ser humano e inerente a
este passaram a ser denominados de “Direitos da Personalidade”, como a vida, a liberdade ( de
pensamento, filosófica, religiosa, política, de expressão, dentre outras), a proteção a integridade
física e psicológica. Nesse sentido, sintetizando estas idéias, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho4 conceituam os direitos em apreço como aqueles que têm por objetos os
atributos físicos, psíquicos morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.
Sem dúvida, toda essa disposição foi destinada à proteção da pessoa física, já
em relação às pessoas jurídicas, o tema não comporta tanta tranqüilidade. Ao contrário, as
discussões foram bastante controvertidas.
3
AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução, 5ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. pág. 251.
4
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil : parte geral. Vol. 1 / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 144.
5
a) TEORIA DA FICÇÃO (SAVIGNY) parte do pressuposto de que só o homem é sujeito de direito, sendo a
pessoa jurídica uma criação do legislador, contrária à realidade mas imposta pelas circunstâncias. A pessoa jurídica
assim concebida não passa de simples conceito, destinado a justificar a atribuição de certos direitos a um grupo de
pessoas físicas. (ficção jurídica) (questão política e jurídica)
b) TEORIA ORGÂNICA OU DA REALIDADE OBJETIVA (OTTO VON GIERKE) Afirma que a pessoa jurídica é
“uma realidade viva, um organismo social capaz de vida autônoma, e a semelhança da pessoa física, a pessoa
coletiva realiza seus fins por meio de órgãos adequados”.
c) TEORIA DA REALIDADE TÉCNICA (PLANIOL) para tal concepção a pessoa jurídica resulta de um processo
técnico, a personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que a lei reconhece vontade e
objetivos próprios. A essência não consiste no ser em si, mas em uma forma jurídica, pelo que se considera tal
concepção como formalista. A forma jurídica não é, todavia, um processo técnico, mas a “tradução jurídica de um
fenômeno empírico”, sendo a função do direito apenas a de reconhecer algo já existente no meio social.
5
denominado de personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que
a lei reconhece vontade e objetivos próprios.
“Art. 45. começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro de todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.”
Por segundo, os direitos da personalidade foram desde o início associados aos
direitos humanos como liberdades públicas garantidas à pessoa natural para sua proteção frente
ao poder Estatal. Daí também a dificuldade de alguns civilistas aceitarem a possibilidade da
pessoa jurídica ser protegida na sua personalidade.
Evidente, que a pessoa humana e a pessoa jurídica são tuteladas com valores e
princípios distintos, tem-se a primazia da pessoa humana ao revés da instrumentalidade da Pessoa
Jurídica, ou seja, o valor do sujeito pessoa física é, sem dúvida, diverso do ente moral.
6
JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil in Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. coordenação Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, São Paulo: Editora Método,
2003.
7
BITTAR, Carlos Alberto. “Os direitos da Personalidade”, 4ª. Edição, Ed. Forense, pág.1.
6
entende sendo apenas a pessoa física detentora de direitos da personalidade. Quanto a esta
distinção e acobertando de tutela as ficções jurídicas, pondera Gustavo Tepedino: é certo que a
pessoa jurídica, criada pelo homem e dotada de uma personalidade jurídica que com a dele
possui semelhança, é merecedora de tutela do ordenamento, assumindo, em alguns casos, uma
falsa semelhança com a tutela da personalidade humana.8
Não obstante a teoria dos direitos da personalidade ter-se construído a partir de uma
concepção antropocêntrica do direito, isto é, a pessoa natural como referência,
também se admite serem as pessoas jurídicas titulares desses mesmos direitos,
particularmente, no caso de direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra, ao
crédito, ao sigilo de correspondência e à particularidade de organização, de
funcionamento e de know how.11
Essa é a posição defendida por Carlos Alberto Bittar:
“Por fim, são eles (direitos da personalidade) plenamente compatíveis com pessoas
jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo
(Código Civil de 16. arts. 13, 18 e 20) fazem jus ao reconhecimento de atributos
intrínsecos à sua esencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca a
8
Tepedino, Gustavo. Jornada de Direito Civil (Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior – organizador) Brasília: CJF,
2003. p.116.
9
Pietro Perlingieri, “Perfis do Direito Civil, Introdução ao Direito Civil Constitucional”, 2ª. Edição, Editora
Renovar, pág. 157.
10
SZANIAWSKI, Elimar. Considerações sobre o Direito à intimidade das pessoas jurídicas. Revista dos Tribunais.
São Paulo: RT, v. 657, jul/1990, p.27.
11
Amaral, Francisco. Direito Civil – Introdução, 5ª edição, Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar.
7
Tal foco é devido pois no dia 20/10/1999 foi publicada a súmula 227 do STJ,
com a seguinte redação A pessoa Jurídica pode sofrer dano moral. E posteriormente, aos
10/01/2003 entrou em vigência o artigo 52 do Código Civil Aplica-se às pessoas jurídicas, no
que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
12
Bittar, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade, 2º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995.
13
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da Personalidade, pág.125.
8
14
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria do Direito Civil. 3 ed. São Paulo: RT, 2003, pág. 251.
15
DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil comentado, coordenação Ricardo Fiúza, São Paulo: Saraiva, 2002, p.
67.
9
Não obstante, tal disposição legal, ainda existem outras reflexões que se fazem
necessárias para uma melhor compreensão da incidência do direito à intimidade a pessoa jurídica
como a própria conceituação de intimidade e privacidade.
16
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 39.
10
Ainda nesta ordem de idéias, René Ariel Dotti18 aduz que a intimidade é a
esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais. E o
aludido autor noticia que em maio de 1967, em Estocolmo, foi realizada a Conferência Nórdica
sobre Direito à Intimidade19 e desta é possível perceber que o direito à intimidade é o direito do
homem de viver em forma independente a sua vida, com um mínimo de ingerência alheia.
17
DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade, trad. Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa:
Livraria Morais Editora, 1961, p. 129.
18
DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, p. 69.
19
Op. cit. p.73.
20
Op. cit. pág. 110/111.
21
Nesse sentido, Victor Drummond “não há entre os termos privacidade e privacy a similitude que a linguística
talvez pudesse indicar. Ademais, é dizer que o termo privacidade já figura em nosso vocabulário corrente como
sinônimo de intimidade e de intimidade da vida privada.” In DRUMMOND, Victor. Internet Privacidade e Dados
Pessoais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 11.
22
Nos contornos do presente artigo entenda-se intimidade e privacidade como expressões sinônimas.
11
23
Nesse sentido, encontra-se o disposto no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal “a casa é asilo inviolável
do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
24
TEPEDINO, Gustavo. Jornada de Direito Civil (Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior – organizador).
Brasília:CJF, 2003, p.116.
12
Por outro revés, tem-se as idéias de César Fiúza que entende como possível a
preservação da personalidade da Pessoa Jurídica, entretanto tal tutela é decorrente da preservação
das pessoas físicas que se encontram acobertadas pelo seu manto,
a pessoa jurídica recebe proteção na medida em que é meio para atingir fins almejados
pelas pessoas naturais. Por detrás delas estarão sempre pessoas humanas, estas sim
objeto da cláusula geral de tutela da personalidade. Quando se ofende a honra da
pessoa jurídica, está se prejudicando as pessoas naturais que dela dependem ou dela se
utilizam para a sua realização. Daí a proteção dispensada pela Lei, por exemplo, à
honra e ao nome da pessoa jurídica.25
Seguindo este entendimento, tem-se a posição de José Paulo da Costa Junior
que sinaliza quanto a possibilidade do ente moral ser preservado em sua intimidade, no entanto,
uma tutela decorrente da necessidade de se preservar as vidas privadas dos indivíduos que
integram a pessoa jurídica.
Outra ótica seria a apresentada por José Antonio B. L. Faria Correa, que
entende como aplicável o direito à intimidade as pessoas jurídicas através da proteção do segredo
de negócio, isto o faz nos seguintes termos:
para a consecução se seus fins -, predicados responsáveis pelo êxito ou insucesso de uma longa
e, dificilmente estimável empreitada. Nesse sentido, merecem todos devida valoração.
Identificam-se, com realce, o bom nome, a honra objetiva, a imagem, e a própria intimidade, dos
quais derivam o prestigio e o crédito, o respeito a consideração.28
Desse direito desfruta também a pessoa jurídica, que, a par do segredo, faz jus à
preservação de sua vida interna, vedando-se, pois, a divulgação de informações de
âmbito restrito. Há, inclusive, normas legais que proíbem a difusão de dados de cunho
confidencial na empresa (assim no âmbito societário, no plano da publicidade; das
comunicações). Mas, de outro lado, por exigências do mercado, ficam certas empresas
obrigadas a divulgar informações (as companhias abertas), integrando-se, aliás, em
mecanismos regulamentares próprios de fluxos de dados, sob controle estatal.29
Comungando deste entendimento as lições de Elimar Szaniawski:
Por fim, cabe anotar a posição de Rui Stocco, que apresenta o seguinte
entendimento:
28
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da
personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.p.279.
29
Op. cit. Pág. 110.
30
Szaniawski, Elimar “Considerações sobre o direito à intimidade das pessoas jurídicas”, em RT 657, julho de 1990.
14
integrantes [...] Por essa razão não há como afirmar que a vida privada da pessoa
jurídica seja a soma das diversas vidas privadas de seus vários componentes. Não se
pode confundir a pessoa jurídica da pessoa física de seu sócio ou sócios. Assume
identidade peculiar e projeta imagem distinta da dos seus componentes. [...] O ingresso
nas questões interna corporis da sociedade constitui agressão à sua intimidade e não
dos sócios.31
Diante desse posicionamento, necessário se faz sinalizar concordância. Uma
vez que, a defesa da intimidade é fundamental para o desenvolvimento das pessoas e encontra
esteio no texto constitucional, não obstante a restrição gerada pelo legislador infraconstitucional,
a melhor doutrina posiciona-se no sentido da incidência do direito em comento aos entes morais.
Destarte, devido o ordenamento jurídico ter conferido personificação as sociedades, associações,
fundações e empresários individuais ao se falar em pessoas deve-se compreender tanto as naturais
como as jurídicas.
31
Stocco, Rui. “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais. 5a Edição, pág. 1351.
15
32
De Cupis, Adriano. O Direito à honra e o direito ao resguardo pessoal RT 110/145 pág. 118.
33
Nesse sentido encontra-se o Código Civil Português em seu artigo 80, “alínea 1) todos devem guardar reserva
quanto à intimidade da vida privada de outrem; alínea 2) a extensão da reserva é definida conforme a natureza do
caso e a condição das pessoas”.
16
4. Considerações Finais
direito à honra e a reparação a título de danos morais aos entes morais, indubitavelmente assim
procederá a observância a intimidade das instituições jurídicas.
5. Referências
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade, Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1961;
DELGADO, Mário Luiz. ALVES, Jones Figueiredo. Novo Código Civil – Questões
Controvertidas, São Paulo: Editora Método, 2003.
DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1980, p. 69.
DRUMMOND, Victor. Internet Privacidade e Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2003, p. 11.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito Civil, 1. vol,
São Paulo:Editora Saraiva, 2002.
FIUZA, César. Direito Civil:curso completo.6ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil : parte geral. Vol. 1 / Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva, 2002.
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de Pensamento e direito à vida privada, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2000;
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
18
LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns Aspectos da sua evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 2001.
PERLINGIERI, Pietro Perfis do Direito Civil, Introdução ao Direito Civil Constitucional, 2ª.
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1999.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2001;
_________________. Direitos de personalidade e sua tutela. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.