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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4

1 JUVENTUDE E CRIMINALIDADE ................................................................... 5

2 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE JUVENIL NO BRASIL .................................. 8

3 VIOLAÇÕES DE DIREITOS E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS NA


JUVENTUDE .................................................................................................................. 11

4 TEORIAS SOCIOLÓGICAS DA CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA ................ 16

4.1 A Teoria do Controle Social ..................................................................... 17

4.2 A Teoria do Controle Social e a Criminalidade Juvenil ............................ 20

5 A "DELINQUÊNCIA JUVENIL" ...................................................................... 22

5.1 A problemática da inimputabilidade penal em face da idade ................... 22

5.2 Conceito de responsabilidade ou imputabilidade penal .......................... 23

5.3 Capacidade de entendimento ético-jurídico do agente do delito ............. 24

5.4 Reflexos da problemática capitalista sobre o comportamento da criança e


do adolescente ........................................................................................................... 25

5.5 Terminologia adequada acerca dos desvios de comportamento da criança


e do adolescente ........................................................................................................ 26

5.6 Casas dos desvios de comportamento da criança e do adolescente. As


associações em bandos para fins criminosos............................................................. 28

5.7 Fatores criminógenos que atuam sobre a criança e o adolescente ........ 29

6 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E AS CONCEPÇÕES


IDEOLÓGICAS............................................................................................................... 30

6.1 Determinantes da criminalidade infantojuvenil e a ideologia da violência ...


30

6.2 De vítimas a vitimizadores: a invisibilidade da escassa cidadania e a


visibilidade da violência .............................................................................................. 34

2
6.3 A ideologia da segurança e as medidas repressivas de contraponto ao
ECA 35

7 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: VIOLÊNCIA E ESTADO ..... 38

7.1 A cultura do controle de Garland e a questão criminal dos adolescentes em


conflito 40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 44

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao


da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno
se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para
que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça
a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual,
é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe
convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida
e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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1 JUVENTUDE E CRIMINALIDADE

A criminalidade é um dos problemas sociais mais graves que a população


brasileira enfrenta atualmente. A mídia diariamente relata fatos ocorridos com cidadãos
que foram vítimas de roubos, furtos, violência física. Diante desta realidade, é notário o
aumento da participação de adolescentes, e até mesmo de crianças, como protagonistas
nesse cenário cada vez mais emergente do crime.
Assim, a problemática envolvendo a criminalidade e a juventude tem atingido e
preocupado autoridades, bem como toda a sociedade brasileira. De fato, um rápido
exame indica que o crime constitui, na atualidade, uma das principais preocupações na
agenda dos mais urgentes problemas sociais com que se defronta o cidadão brasileiro.
As taxas de mortalidade juvenil, e especificamente as atribuíveis a causas
violentas, indicam os diversos modos de sociabilidade e as circunstâncias políticas e
econômicas que exprimem mecanismos específicos de negação da cidadania.
A Teoria do Controle Social define que a gênese da delinquência juvenil está
relacionada a problemas na vinculação social do jovem às instituições sociais como
família, escola, igrejas. Estas teriam função fundamental na formação ou adaptação do
indivíduo às normas sociais, mas não é só isto.
Nesta esteira, um dos vieses de vários estudos sobre a participação juvenil na
criminalidade busca exatamente entender a origem desse problema, sinalizando para o
desajustamento familiar como um principal motivo para a geração de jovens
delinquentes. Nesse sentido, Oliveira comenta que esses jovens recebem

ensinamentos distorcidos e todos os tipos de orientações danosas à sua


formação social, com exemplos mostrados por indivíduos desajustados, amorais,
delinquentes e de maus costumes, gerando o desajuste psicológico do menor, e
levando-o, na maioria das vezes, ao caminho da delinquência (Oliveira, 2002
apud Lima, 2018, p. 1).

Deste modo, pode-se afirmar que a gênese desse problema social pode estar na
família, pois crianças têm em casa um mau exemplo de pais, parentes que terminam por
influenciar diretamente a formação do caráter desses indivíduos em pleno
desenvolvimento. Esse acontecimento reforça a ideia de que as distorções psicológicas
da família surgem como mola propulsora para o surgimento de jovens criminosos.

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Acresce-se a isso, outro fator que parece ser determinante para sedimentar essa
situação, a miséria social, a precária condição econômica das famílias brasileiras,
realidade esta que pode facilitar a entrada de crianças e adolescentes no mundo do
crime, iniciando, muitas vezes, pelas drogas e chegando também ao crime violento.
Oliveira chama atenção para o abandono social e moral das crianças como sendo dois
fatores geradores de jovens delinquentes porque

o menor abandonado (social ou moralmente) em todas as condições, será no


futuro, um indivíduo psicologicamente desajustado, forçado para o caminho da
delinquência, ainda na sua imaturidade pessoal, não havendo um freio nas suas
atitudes, ou um melhor disciplinamento no seu modo de viver, tornando-se, um
delinquente em potencial... (Oliveira, 2002 apud Lima, 2018, p. 1).

Fonte: www.diariodocentrodomundo.com.br

Percorrendo o caminho dos dispositivos legais, o Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA) prevê em seu artigo 4º, Das Disposições Preliminares, que: É dever
da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Estabelecendo um paralelo entre as pequenas reflexões assinaladas acima e este
ditame legal, pode-se verificar que, na prática, há um distanciamento entre o dever dos

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agentes sociais (pais, responsáveis, sociedade, Estado) e o direito de proteção integral,
resguardado às crianças e adolescentes pelo Estatuto.
Por esse motivo, Adorno, Bodini e Lima (Adorno et al,1998, apud Lima, 2018, p. 1)
salientam que o ECA, por vezes, é alvo de muitas críticas por ser visto, primordialmente
como uma cartilha que reúne em seu bojo várias medidas de proteção e controle social,
mas, ao mesmo tempo, se mostra tão ineficaz para solucionar muitos dos problemas que
envolvem os tutelados por este estatuto, as crianças e os adolescentes. Esses autores
são da opinião de que o ECA não pune seriamente os jovens infratores, já que as medidas
socioeducativas são brandas ao extremo, permitindo que menores criminosos estejam à
solta por sua condição de menoridade.
Por outro olhar, Melo Barros, ao explicar a letra da lei, quanto à medida
socioeducativa de internação, esclarece que as medidas privativas de liberdade guardam
uma relação com o princípio basilar do ECA, o da proteção integral da pessoa em
desenvolvimento, e que “mesmo sendo privativa de liberdade [a internação] tem como
objetivo ressocializar o adolescente” (Barros, 2008, apud Lima, 2018, p. 2). Talvez por
isso, se explique a superficialidade com que são tratados os adolescentes que cometem
algum ato tipificado na lei como crime ou contravenção e o que dirá das crianças nas
mesmas condições de infratoras, a quem apenas é atribuído medidas de proteção.
Em uma ou outra posição com relação ao ECA, o fato é que a inserção de crianças
e adolescentes no mundo do crime está cada vez mais aumentando. Pesquisas mostram
que o aumento da taxa de assassinatos desde os anos 80 é explicada, quase em sua
totalidade, pela entrada dos adolescentes no crime.
Nesse diapasão, surpreende reconhecer quão diversas são causas que levam os
jovens ao crime logo cedo, dentre elas citamos:
 Influências psicológicas e sociais;
 Influências da família, econômicas e da educação doméstica;
 Influências dos grupos constituídos nas escolas ou nas comunidades com o
mesmo escopo: formação de gangues e quadrilhas, etc.
Em meio a essas constatações, faz-se mister estabelecer parâmetros de
organização para combater essa emergente realidade que assombra todos os brasileiros.
O ECA tem, em sua essência, o princípio de proteção das crianças e dos adolescentes.
Pela letra legal já está tudo organizado. Resta então, a atitude conjunta dos agentes já

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mencionados, isto é, os pais, os responsáveis, a sociedade e o Estado. É obrigação de
todos esses sujeitos protegerem os jovens dos males do mundo.
Como forma de apresentar alguns caminhos possíveis para minimizar essa
situação, os autores Adorni, Bodini e Lima (Adorno et al,1998, apud Lima, 2018, p. 2)
assinalam pontos que devem ser considerados para solucionar o caso, como a
implementação de planos de ação governamentais que insiram jovens em programas
sociais de voluntariados; possibilitar acessos de crianças e jovens à uma educação de
boa qualidade, com profissionais preparados e qualificados para receber esses sujeitos
já marcados pela vida criminosa; apresentação à sociedade de políticas públicas que
envolvam não apenas os próprios jovens, mas suas famílias, organizando uma
conjuntura social ampla, alcançando todos os enlaces pessoais dos jovens, dentre
outros.
Em todas essas possibilidades de atuação contra a criminalidade dos jovens, uma
ação merece destaque e que foi bem relatada por Melo Barros (2002:114), quando diz
que verificamos que na sociedade atual, as pessoas, em sua maioria, mesmo cientes do
dever de se empenharem para combater a delinquência e outros crimes, se escusam em
prestar a sua parcela de colaboração com os órgãos de repressão ao crime. Omissão
decorrente do medo, da indiferença ou do comodismo das pessoas. Assim, para se
conseguir algo de positivo no combate à criminalidade, é necessário que todas as
pessoas trabalhem nesse sentido, com perseverança e coragem, para poderem eliminar
o medo, a indiferença e o comodismo, no combate ao problema de prevenção à
delinquência, em especial a juvenil, que se constitui na mais prejudicial.

2 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE JUVENIL NO BRASIL

“A delinquência pode ser a resultante de uma construção social cuja raiz está na
própria violência familiar e social” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 15). Neste
sentido, o que pode explicar a concentração de tão altos índices de violência entre os
jovens? Quais seriam as razões e características que os predispõem, nesta fase da vida,
à violência? É o que se discorrerá a seguir.
A adolescência representa uma etapa do desenvolvimento humano marcada por
transformações biológicas, psicológicas e sociais, localizada entre a infância e a fase

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adulta. Pode ser definida a partir de diversas perspectivas ou correntes teóricas, variando
nas diferentes culturas e organizações sociais.
O termo adolescente, etimologicamente, vem do latim adolescere que significa
crescer, brotar, fazer-se grande, admitindo diferenças no momento de “despertar” para
esta fase da vida entre pessoas de diferentes raças, culturas e gerações. Para o
ordenamento jurídico brasileiro, este período é delimitando temporalmente,
considerando-se adolescente a pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade,
conforme estabelecido no art. 2º do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Muitas vezes os termos “adolescência” e “juventude” são tidos como sinônimos ou
entendidos como fases que se sobrepõem. No Minidicionário da Língua Portuguesa,
Bueno define o adolescente como “aquele que está na adolescência, jovem” (Bueno,
2010, apud Miranda, 2010, p. 15). A OMS – Organização Mundial da Saúde – define
adolescente como o indivíduo que se encontra entre os 10 (dez) e 20 (vinte) anos de
idade. Já a ONU – Organização da Nações Unidas – define juventude como a fase entre
15 (quinze) e 24 (vinte e quatro) anos de idade – sendo que deixa em aberto a
possibilidade de diferentes nações definirem o termo de outra maneira.
Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, o começo da adolescência é
claramente marcado pelo início de transformações físicas e biológicas no corpo, que
caracterizam a puberdade e geram o amadurecimento sexual. Por outro lado, o fim da
adolescência se define sobretudo pela maturidade social, que abrange, entre outras
coisas, a entrada no mercado de trabalho e a adoção do papel social de adulto (Silva et
al., 2009, apud Miranda, 2010, p. 16).
A adolescência não é uma fase homogênea, pelo contrário, é uma fase dinâmica.
“Diferentes adolescências se configuram a partir de diferentes relações que os sujeitos
desse ciclo de vida estabelecem com a família, a escola, o trabalho, a cultura, o esporte
e o lazer, com o próprio corpo, entre tantas outras esferas da vida” (Rocha, 2003, apud
Miranda, 2010, p. 16).
Enquanto tenta se acostumar com as mudanças corporais, o adolescente corta os
laços com a infância. Essa ruptura é fundamental para que se torne um ser único, em
busca de sua autonomia. Assim, busca estabelecer uma nova identidade (adulta).
Apoiado nas suas relações com a família e o meio social, reformula os conceitos que

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possui a respeito de si mesmo, abandonando a autoimagem infantil para projetar-se no
futuro de sua vida adulta. (Aberastury & Knobel, 1992, apud Miranda, 2010, p. 16).
Assim sendo, é nesta fase, que além das intensas transformações físicas e
psicológicas, existe uma maior permeabilidade às influências do meio quando o indivíduo
começa a tornar-se independente dos pais e a explorar situações variadas com as quais
pode ainda não saber lidar muito bem.

Fonte: i45.servimg.com

É durante a adolescência que se tem uma segunda, e grande oportunidade, para


se oferecer condições construtivas ou destrutivas ao desenvolvimento da
estrutura da personalidade dos jovens, a partir da interação com a sociedade da
qual fazem parte, e na qual vão buscar seus novos modelos identificatórios. Os
jovens são vulneráveis e susceptíveis às influências oriundas do meio social.
Buscam fora do núcleo familiar aspectos que desejam incorporar à sua realidade
pessoal, ou outros, com os quais necessitam aprender a lidar e que constituem
uma parte do seu eu, nem sempre bem integrada à personalidade (LEVISKY,
2000, apud Miranda, 2010, p. 16).

A partir desta perspectiva é possível deduzir que a frágil e insuficiente vinculação


social de crianças e adolescentes a projetos e/ou instituições (como a família, escola e
igreja, por exemplo) que têm por função a adaptação e a formação destes indivíduos às
normas sociais, propicia-os a praticarem comportamentos desviantes.

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3 VIOLAÇÕES DE DIREITOS E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS NA JUVENTUDE

A realidade atual, cada vez mais global e sem limites, reflete uma sociedade que
se encontra em constante transformação dos parâmetros que regem hábitos, normas e
valores repletos de contradições, mostrando-se por vezes cruel, injusta e desigual em
oportunidades.
Expostos a esta sociedade marcada por diversos tipos de violência em que os
direitos são violados – precariedade do sistema de saúde e educacional, falhas na
segurança pública, relações perversas entre cidadãos e as instituições públicas,
atrocidades cometidas por órgãos governamentais e seus representantes tendo como
pano de fundo os interesses próprios ou de minorias – os jovens incorporaram este
elemento como modelo identificatório, como padrão de conduta, e forma de
autoafirmação dentro da sociedade.
A literatura sobre violência estabelece uma forte ligação entre a violência sofrida e
praticada por jovens e a condição de vulnerabilidade social em que se encontram. Para
Abramovay et al., a vulnerabilidade pode ser entendida como o resultado negativo da
relação entre a disponibilidade de recursos materiais ou simbólicos dos indivíduos ou
grupos e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades
ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social desses indivíduos (Abramovay
et al., 2002 apud Miranda, 2010, p. 17).
Vale ressaltar que a vulnerabilidade assim compreendida traduz a situação em que
o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social
se revela insuficiente, inadequado ou difícil para lidar com o sistema de oportunidades
oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir
probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados sujeitos
(Abramovay et al., 2002 apud Miranda, 2010, p. 17).
A partir de dados estatísticos coletados por organismos internacionais na América
Latina e analisados pela UNESCO, pode-se concluir que o acesso negado aos jovens a
bens e direitos básicos como saúde, educação, trabalho, cultura e lazer restringe a
capacidade de formação, uso e reprodução dos recursos materiais e simbólicos; torna-
se fonte de vulnerabilidade, contribuindo para a precária integração dos jovens às

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estruturas de oportunidades. Nesse sentido, a abordagem da vulnerabilidade social se
presta à compreensão da situação de jovens, especialmente os de baixa renda, e de sua
relação com a violência.
De acordo com Levisky “o problema da classe social, das desigualdades
econômicas e da total ausência de cidadania para os pobres responde pela forma como
estes são violentados na sociedade e, dentre eles, muitos reagem com respostas
violentas” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 18). Os jovens, por sua vez, são frutos
de dinâmicas sociais pautadas por desigualdades de oportunidades, segregações,
ausência de formação ética e cultural em valores de solidariedade e de cultura de paz e
do distanciamento dos modelos que vinculam esforços a êxitos.

Fonte: acritica.uol.com.br

Entretanto, não se pode atribuir a violência à pobreza, estabelecendo aí uma


consequência direta. Ressalta-se aqui, porém, o fato das desigualdades sociais e
negação de direitos fundamentais (moradia, transporte, saúde, educação, esporte, lazer)
desencadearem comportamentos violentos. Segundo Abramovay,

haveria uma violência de caráter endêmico relacionada a assimetrias sociais que


se traduzem em autoritarismos de várias ordens como: (...) impunidade,
corrupção; abusos de forças policiais, principalmente contra os pobres e os não
brancos; as violações dos direitos das pessoas presas-pobres; discriminação
racial (Abramovay et al., 2002 apud Miranda, 2010, p. 18).

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Apesar da violência não estar limitada a estratos sociais, econômicos, raciais ou
geográficos, levantamentos estatísticos demonstram que ela atinge com maior
intensidade a grupos específicos, como por exemplo, jovens do sexo masculino. Uma
das explicações desta incidência estaria associada à questão da vulnerabilidade social.
Retomando as palavras sobre violência e crime proferidas pelo Prof. Evaristo de Morais
durante o Fórum Nacional de Violência promovido pela Academia Nacional de Medicina
em 1986 nos leva a refletir: “Toda estrutura social se coloca por meio de dois pilares: as
metas a serem alcançadas e os instrumentos legítimos para alcançá-las.” Este
instrumento legítimo é o trabalho.

Fonte: falandoserio.info

Num país onde as condições de acesso a tal bem são tão desiguais, ou até mesmo
subtraídas de determinada parcela da população, assistimos a busca de soluções através
da violência e do crime. Os jovens sofrem os efeitos do déficit entre o sistema educacional
e as novas imposições do mercado de trabalho. Fato este que promove a baixa
autoestima e ausência de perspectivas de futuro os compelindo a lidar com as
consequências de uma inserção precária neste mercado ou a se deparar com o
desemprego. As dificuldades econômicas advindas como resultados deste processo
geram um clima de instabilidade que pressiona jovens e, algumas vezes, crianças a
buscarem formas de contribuir na subsistência da família, acarretando uma inserção

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prematura no mercado de trabalho (informal, na maioria das vezes) ou busca de outras
formas de ganho financeiro.
Abramovay (2000, apud Miranda, 2010, p. 19) considera novas configurações que
singularizam um cenário que potencializaria violências nos centros urbanos como:
1) aumento do acesso às armas;
2) a juvenilização da criminalidade;
3) a maior visibilidade e também a reação da violência policial, em especial contra
jovens em bairros periféricos;
4) a ampliação do mercado das drogas e o poder de fogo do crime organizado,
principalmente do narcotráfico, em diversos centros urbanos;
5) a cultura individualista e por consumo – individualismo de massa – que derivaria
em expectativas não satisfeitas potencializando violências.
A combinação destes fatores tem colocado os jovens à margem da participação
democrática. Em decorrência disso, muitos ficam relegados às influências advindas da
convivência nas ruas com outros que sofrem das mesmas carências quando não são
atraídos pelo mundo do crime e das drogas, inclusive por símbolos e práticas autoritárias
de imposição de poder. De acordo com Levisky “o adolescente, cujo destino é a busca
de ideais e de figuras ideais para identificar-se, se depara com a violência e o poder e
também os usa” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 20).
A violência juvenil, nesse contexto, tem emergido sob diversas lógicas. Se por um
lado, tem representado uma forma de os jovens romperem com a invisibilidade e
mostrarem-se capazes de influir nos processos sociais, por outro a ausência de um
Estado atuante e preocupado com o bem-estar e qualidade de vida da população é
substituído por formas de governabilidade negativa, como o tráfico de drogas. Segundo
Levisky, os adolescentes por suas características biopsicossociais, tendem,
naturalmente, a partir para a ação, com maior tendência a descarregar seus impulsos
agressivos e sexuais diretamente. Através de vias de expressão rápidas buscam a
satisfação imediata de seus desejos, sem passar pelos critérios de avaliação,
simbolização e linguagem, frequentemente pensando depois da ação ter sido realizada
(Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 20).
Zaluar destaca que apesar da enorme desigualdade existente no país, são poucos
os jovens que se enveredam pela carreira criminosa. Isso exige que tenham um

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atendimento especial que considere o contexto social mais próximo de suas ações, tendo
eles maior ou menor controle sobre estas. Deste modo, torna-se complexa a análise dos
contextos sociais mais amplos e mais locais para entendermos os motivos pelos quais,
cada vez um número maior de jovens (de todos os estratos sociais) comete crimes, o que
nem sempre significa a adoção de uma carreira criminosa, e por que alguns deles passam
a exercer um poder paramilitar nas comunidades onde as instituições responsáveis pela
implementação da lei estão ausentes, ou são ineficientes ou tornaram-se coniventes com
a criminalidade (Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 20).
A vulnerabilidade social a qual estão expostos homens jovens e pobres resulta de
um sistema escolar ineficaz, da ausência de capacitação profissional e da insuficiência
dos postos de trabalho. Tais fatores aproxima-os das “soluções” ofertadas pelo crime-
negócio. Além disso, boa parte das famílias encontram-se despreparadas ou são
“incapazes de lidar com os conflitos surgidos na vida urbana mais multifacetada e
imprevisível” (Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 21).
Ainda segundo a autora, as armas trazem proteção e num país onde o dinheiro é
capaz de garantir a impunidade, jovens imersos nesta estratégia de sobrevivência,
logicamente, são impulsionados a cometerem cada vez mais crimes a fim de obter
dinheiro e armas. Assim, conseguem o respeito da quadrilha e usufruem da sua proteção,
já que estas fornecem segurança suplementar a seus integrantes. O sentimento de
masculinidade é concebido nas relações de exibição de força, poder, dinheiro e armas
de fogo, expressos especialmente na capacidade e disposição em destruir o adversário
(Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 21).
Deste modo, adolescentes e jovens encontram nas turmas, gangues ou
organizações criminosas uma forma de amenizar os efeitos da exclusão social, muitas
vezes, pondo fim à invisibilidade social a qual são submetidos. Além de desenvolverem
uma identidade individual e grupal são beneficiados pela proteção, reconhecimento,
dinheiro e prestígio oferecidos por tais organizações.

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4 TEORIAS SOCIOLÓGICAS DA CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA

Fonte: ci.i.uol.com.br

Diferentes teorias sociológicas buscam esclarecer as razões que levam indivíduos


a transgredir leis, cometendo crimes. Por meio da abordagem sociológica do crime e da
violência são propostas explicações para o comportamento desviante, baseadas nas
relações estabelecidas em sociedade e tendo como referência, em sua maioria, a
chamada delinquência juvenil.
Destas, algumas postulam interpretações macroestruturais para o crime, ou seja,
suas explicações para a origem do crime se fundamentam no contexto social,
relacionando a concentração de eventos criminosos a características de determinadas
regiões, localidades ou grupos - exemplificadas através das teorias da Anomia Social e
a Normalidade do Crime (Durkeim, 1995); Desorganização Social (Shaw e McKay, 1942;
Sampson e Groves, 1989); Anomia (Merton, 1968); Subcultura (Wolfgang e Ferracuti,
1970) e a Criminologia Crítica (Young, 1980).
Em contraposição, se apresentam as abordagens microestruturais que propõem
interpretações individuais ou segundo Molina (2007) psicossociológicas, para as quais o
crime é uma função das interações psicossociais do indivíduo e dos diversos processos
da sociedade. Tendo como principais representantes: a teoria da Aprendizagem Social -
Social Learning - (Sutherland, 1939; Cloward e Ohlin, 1970), a Teoria das Oportunidades

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(Wilson, J. Q. 1985); Escolha Racional (Wilson, 1985); Controle Social (Hirschi, 1969) e
o Labelling Approach ou Rotulagem - Interacionismo Simbólico e Construtivismo Social.
Desta forma, podemos agrupar as diferentes abordagens sociológicas sobre o
crime em dois grandes programas de pesquisa: teorias macroestruturais ou
estruturalistas e teorias microestruturais ou individualistas. As teorias que se agrupam no
programa de pesquisa macroestrutural buscam analisar fatores que explicam a diferença
entre taxas de criminalidade de diferentes localidades, populações ou grupos. Por outro
lado, teorias que se enquadram dentro da linha adotada pelo segundo programa de
pesquisa (teorias individuais), procuram responder à questão de por que, ainda que
inseridos no mesmo contexto sócio-econômico-ambiental, alguns indivíduos cometem
crimes e outros não.
As teorias individualistas (teoria da “Associação Diferencial - Aprendizado Social”,
teoria do “Controle Social” e a teoria do “Autocontrole”) partem do pressuposto
fundamental de que a explicação para a prática de crimes deve ser conduzida pela
análise de fatores cognitivos, psicossociais, motivacionais e interpessoais que interferem
na conformação do comportamento individual. Ainda que haja variações entre as teorias
individualistas quanto ao poder explicativo (alcance e limites) entre fatores psicossociais,
interpessoais e relacionais para explicar a manifestação de comportamento desviante, há
uma perspectiva que perpassa as diversas abordagens: a crença fundamental de que as
causas do crime devem ser investigadas nas estruturas simbólicas que permeiam as
relações dos indivíduos entre si e com a estrutura social. Dentro desse programa de
pesquisa das teorias individualistas, vamos analisar a seguir a teoria do “Controle Social”.

4.1 A Teoria do Controle Social

A Teoria do Controle Social tenta identificar a influência que fatores sociais,


psicossociais, interpessoais e relacionais exercem na conformação do comportamento
delinquente individual (forma de trabalho que a insere dentro do programa de pesquisa
das teorias individualistas). No entanto, cabe observar que a Teoria do Controle Social
trabalha de maneira inversa à maioria das teorias sociológicas do crime: ao invés de se
perguntar por que as pessoas cometem crimes, a Teoria do Controle Social questiona
por que as pessoas não cometem crimes. Nesse sentido, a explicação que a teoria do

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controle oferece a essa pergunta é a de que o crime ocorre quando os indivíduos não se
encontram devidamente controlados, seja por instâncias estruturais ou psicossociais,
externas ou internas, sociais ou individuais (Akers, 2000 apud Miranda, 2010, p. 25).
Assim, a Teoria do Controle Social foi formulada pelo sociólogo americano Travis
Hirschi em 1969. Na proposição teórica mais específica da Teoria do Controle Social o
argumento central é que o crime ocorre quando os laços sociais que os indivíduos
mantêm com a sociedade se encontram enfraquecidos ou mesmo rompidos.
Consequentemente, o que explicaria a maior ou menor manifestação de comportamentos
delinquentes seriam as variações apresentadas pela condição desses tipos de controle
e não as variações motivacionais (Akers, 2000 apud Miranda, 2010, p. 25). O foco de
análise da Teoria dos Laços Sociais, portanto, é direcionado para os mecanismos de
controle social que atuam sobre o comportamento dos indivíduos.
Para entender a criminalidade, o autor enfocou no papel dos laços sociais para
fins da determinação do comportamento desviante. A proposição geral desta teoria é de
que quanto mais fortes forem os laços entre um indivíduo e seus familiares, escola, igreja,
clube, colegas de profissão, etc., maior a probabilidade de seu comportamento ser
controlado ou direcionado a um comportamento conformista, convencional. Dentro dessa
perspectiva, o comportamento delinquente seria resultante da quebra ou
enfraquecimento dos laços sociais do indivíduo.
Assim, são quatro os elementos principais que constituem os laços sociais:
1. Afeição (attachment to others);
2. Compromisso (commitment);
3. Envolvimento (involvement);
4. Crença (belief).
A afeição representa a ligação e a consideração em relação a outras pessoas. Na
medida em que há uma identificação e admiração com pessoas importantes para o
convívio, sejam eles pais, irmãos, tios, avós, professores ou líderes religiosos, existe uma
preocupação com a opinião e expectativas destes. Desta forma, qualquer atitude que
possa abalar ou desapontar esta (s) pessoa (s) gera desconforto ou constrangimento
para o indivíduo. Ao contrário, quando esta ligação ou afeição está enfraquecida ou até
mesmo não existe, o sentimento de constrangimento diante da violação das normas é

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menor, aumentando assim a probabilidade da adoção ou manutenção do comportamento
desviante.
O compromisso diz respeito ao grau com que os indivíduos se identificam e se
comprometem com valores convencionais. Através da participação em atividades
escolares, trabalho, grupos sociais ou religiosos, o indivíduo mantém um comportamento
convencional, desenvolvendo uma reputação positiva. O envolvimento em atividades
criminosas prejudicaria o seu investimento, colocando em risco benefícios que foram
alcançados durante uma vida (relação custo-benefício). Assim, o custo da perda de um
investimento conformista funcionaria preventivamente para a ocorrência de
comportamentos desviantes.
O envolvimento está relacionado ao grau de participação e envolvimento em
atividades sociais convencionais. O engajamento em atividades convencionais como
escola, trabalho, cursos, esporte, artes, absorve o indivíduo impedindo-lhe ou
contribuindo para que se mantenha afastado das atividades delituosas.
A crença significa a convicção do indivíduo em valores convencionais. Quanto
maior for à crença de uma pessoa nas normas convencionais, maior será o seu
conformismo e obediência, evitando que cometa atos que violem as leis e regras
estabelecidas socialmente.
A teoria propõe que, através da mensuração dessas quatro dimensões, é possível
dimensionar a intensidade dos laços sociais mantidos entre indivíduo e sociedade e,
consequentemente, aferir a propensão que as pessoas têm de se envolver em
comportamento delinquente. Quanto mais intensa for à manifestação dessas quatro
dimensões nas relações que os indivíduos mantêm com as instituições sociais (família,
pais, amigos, escolas, professores, igrejas, etc.), mais intensos serão os laços sociais e
menores serão as chances de manifestação de comportamento delinquente (Akers, 2000
apud Miranda, 2010, p. 26).
As investigações sobre a evidência empírica da Teoria do Controle Social são
conduzidas em três frentes institucionais:
(1) laços dos indivíduos com religião,
(2) laços dos indivíduos com a família e
(3) laços dos indivíduos com a escola.

19
Dentro da análise sobre as relações entre indivíduos e instituições sociais,
pesquisadores se encarregam de mensurar a intensidade dos laços estabelecidos entre
uma instância e outra, através das quatro dimensões observadas anteriormente (Akers,
2000 apud Miranda, 2010, p. 26).

Fonte: media.ceert.org.br

4.2 A Teoria do Controle Social e a Criminalidade Juvenil

Relacionando tais pressupostos teóricos à criminalidade juvenil, pode-se


considerar a importância das instituições sociais na prevenção dos comportamentos
infracionais. Dentre elas, mais do que a escola, ou qualquer outra instituição social, a
família figura como a principal responsável pela transmissão social de valores,
promovendo em crianças e adolescentes o desenvolvimento de capacidades morais e
cognitivas. “A família é a primeira, a menor e a mais importante escola” (Levisky, 2000,
apud Miranda, 2010, p. 26).
O constante processo de transformação social e tecnológica a qual a sociedade
encontra-se submetida traz consequências para as interações sociais dos indivíduos,
especialmente de crianças e adolescentes. Nas últimas décadas, as novas organizações
familiares e suas necessidades suscitam situações propícias para o comportamento
desviante. As exigências do mercado de trabalho, os apelos de uma sociedade de
20
consumo, todos estes fatores podem contribuir para a redução da qualidade e ocorrência
do vínculo estabelecido entre pais e filhos.
Evitando generalizações, já que o comportamento criminoso se trata da exceção
e não da regra, nestas situações onde os pais passam grande parte do tempo longe dos
filhos, pode se manifestar a ocorrência do prejuízo no exercício efetivo do papel de
educador e responsável por acompanhar o desenvolvimento das crianças e
adolescentes, interferindo na capacidade de controle exercido pelos pais.
Segundo Torisu, para a Teoria do Controle Social, o que faz com que alguns
indivíduos cometam ações desviantes é o fato desses não possuírem autocontrole devido
a alguma deficiência em seu processo de socialização durante a infância. A ação
delinquente pode ser considerada uma consequência de uma conduta educacional
ineficaz dos pais, que não foram firmes o suficiente ao impor limites em relação às más
condutas. Consequentemente, o indivíduo passa a agir de acordo com seus próprios
interesses, não levando em conta ou desconsiderando as consequências de seus atos
sobre terceiros ou situações futuras (Torisu, 2008, apud Miranda, 2010, p. 27).
Para crianças e adolescentes a participação em atividades através da inserção em
grupos, programas ou entidades é fundamental para o desenvolvimento adequado e
sadio, tanto físico, mental quanto cognitivo. A vinculação em atividades escolares,
profissionalizantes, religiosas, artísticas, culturais, esportivas ou de lazer, além de
proporcionar o desenvolvimento de habilidades intelectuais e motoras, estimula crianças
e adolescentes a aprimorar sua capacidade de comunicação e socialização. Os
benefícios alcançados não se restringem à saúde e bem-estar. Estes momentos
proporcionam o aprendizado e assimilação de valores e hábitos que podem atuar
preventivamente ao envolvimento com a prática infracional. O tempo dispensado à
realização de tais atividades ou a participação em grupos ou programas pode impedir
que adolescentes e jovens estivessem suscetíveis às atividades ilícitas. Parte-se do
princípio, é claro, de que nestes locais não lhes sejam proporcionadas oportunidades de
contato com tais práticas ou estas ocorram em menor intensidade.
Na medida em que se integram e se envolvem com as atividades ou grupos,
passam a absorver os conhecimentos transmitidos, podendo despertar no adolescente o
sentimento de pertencimento. Esse pertencimento pode ser responsável por

21
desencadear o compromisso do adolescente e a crença nos valores e conhecimentos
praticados por aquele grupo ou pertencente à determinada atividade.
Baseado nos pressupostos propostos por Hirschi através da Teoria do Controle
Social, a vinculação social de crianças e adolescentes pode neutralizar o potencial delitivo
por meio da adoção de condutas conformistas. Ao contrário, quando fracassam tais
mecanismos de controle, há um processo de desenvolvimento de uma identidade não
conformista que se traduz em comportamentos desviantes e no aumento da criminalidade
juvenil (Molina, 2007 apud Miranda, 2010, p. 28).

5 A "DELINQUÊNCIA JUVENIL"

Fonte: www.pucrs.br

5.1 A problemática da inimputabilidade penal em face da idade

O emprego da expressão delinquência juvenil tem suscitado interminável


discussão teórica, quanto à impropriedade técnica dessa terminologia. A discussão está
centrada no conceito analítico do delito, que, como se sabe, consiste na ação ou omissão
típica, antijurídica e culpável. Ora, sustenta-se, desde que inexista um, dentre os três

22
elementos, integrantes do conceito analítico do delito - tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade -, não se configura a hipótese de prática delituosa.
No caso, o cerne da questão gira em torno da culpabilidade, que constitui o
elemento subjetivo do delito, isto é, o nexo moral que liga o agente ao fato criminoso que
lhe é imputado.
Na linha desse raciocínio, a culpabilidade pressupõe a imputabilidade, ou seja, a
capacidade moral atribuída ao homem, pelo fato que lhe é imputado - imputatio facti -,
como sua obra e a forma dessa imputação - dolo ou culpa -, imputatio juris, isto é, a
atribuição de um fato a um indivíduo para fazê-lo sofrer as consequências e torná-lo
responsável por isso. Em outras palavras, o imputável é o penalmente responsável; o
inimputável é o irresponsável.
Em geral, os Códigos Penais não definem a imputabilidade, mas estabelecem as
condições de inimputabilidade, ou seja, as dirimentes, como é o caso de nosso Código
Penal de 1940, em cujos artigos 22 a 24 adotou o chamado critério biopsicológico
normativo, segundo o qual o agente é isento de pena ou esta é reduzida, em
determinadas circunstâncias, que o próprio Código prevê.
Nos casos concretos, isto é, quando houver dúvida sobre a integridade mental do
agente, este será submetido a exame médico-legal, de natureza psiquiátrica, na forma
prevista pelo artigo 149, do Código de Processo Penal de 1941.
Adotou o legislador de nosso Código Penal de 1940 o princípio da chamada
responsabilidade moral, que se baseia na consciência e vontade do agente,
responsabilidade essa sobre a qual a pena deve atuar, para a realização de sua finalidade
inerente à sua natureza aflitiva, expiatória, retributiva e também tendente a plasmar uma
nova consciência no delinquente.

5.2 Conceito de responsabilidade ou imputabilidade penal

Segundo Nélson Hungria, o Código Penal de 1940, não dá uma definição positiva
da responsabilidade, sob o ponto de vista jurídico-penal, limitando-se a declarar os casos
em que esta se considera excluída, assim se expressando:

Por dedução a contrário do texto legal, verifica-se que a responsabilidade


pressupõe no agente, contemporaneamente à ação ou omissão, a capacidade
de entender o caráter criminoso do fato e a capacidade de determinar-se de

23
acordo com esse entendimento. Pode, então, definir-se a responsabilidade como
a existência dos pressupostos psíquicos pelos quais alguém é chamado a
responder penalmente pelo crime que praticou. Segundo um critério tradicional,
que o Código rejeitou, haveria que distinguir entre responsabilidade e
imputabilidade, significando esta a capacidade de direito penal ou abstrata
condição psíquica da punibilidade, enquanto aquela designaria a obrigação de
responder penalmente in concreto ou de sofrer a pena por um fato determinado,
pressupostos da imputabilidade. A distinção é bizantina e inútil. Responsabilidade
e imputabilidade representam conceitos que de tal modo se entrosam, que são
equivalentes, podendo, com idêntico sentido, ser consideradas in abstrato ou in
concreto, a priori ou a posteriori. Na terminologia jurídica, ambos os vocábulos
podem ser indiferentemente empregados, para exprimir tanto a capacidade penal
in generis, quanto à obrigação de responder penalmente pelo fato concreto, pois
uma e outra são aspectos da mesma noção (Nélson Hungria, 2016 apud Silva,
2017, p. 34).

Entretanto, esse entendimento não é pacífico, do ponto de vista teórico, dele


discordando, por exemplo, Aníbal Bruno (Direito Penal, I, Tomo U, p. 27), José Frederico
Marques (cf. Euclides Custódio da Silveira, in Notas ao Direito Penal, 10 voI., p. 242),
autores esses que distinguem responsabilidade e imputabilidade.

5.3 Capacidade de entendimento ético-jurídico do agente do delito

Fonte: extra.globo.com

Como se sabe, segundo a sistemática adotada pelo nosso Código Penal de 1940,
a responsabilidade só deixa de existir quando inteiramente suprimida no agente, ao
tempo da ação ou omissão, a capacidade de entendimento ético-jurídico ou a capacidade

24
de adequada determinação da vontade ou de autogoverno. Tal supressão, porém, está
indeclinavelmente condicionada a certas causas biológicas, como "doença mental", e
"desenvolvimento mental incompleto ou retardado".
Foi, assim, adotado o método chamado misto ou biopsicológico, devendo notar-
se, entretanto, que o Código faz uma exceção a essa regra quando trata dos menores de
18 anos, pois, nesta hipótese a causa biológica (imaturidade) basta, por si só,
irrestritamente, sem qualquer indagação psicológica, para excluir a responsabilidade
penal, como sustenta Nélson Hungria (Nélson Hungria, 2016 apud Silva, 2017, p. 35).

5.4 Reflexos da problemática capitalista sobre o comportamento da criança e do


adolescente

Como é notório, o sistema capitalista vive inexoravelmente sujeito a crises cíclicas,


crises essas de natureza complexa, isto é, social, política, econômica, familiar, devido a
diversas causas e múltiplos fatores, inerentes ao próprio capitalismo, e que se
manifestam através do desemprego, recessão, especulação desenfreada, fome, miséria,
impunidade da corrupção administrativa, ambição de lucros, utilização nociva dos meios
de comunicação social (rádio, televisão, filmes, jornais, revistas, escritos e impressos
pornográficos), exploração sexual, erotização, tráfico de drogas e de armas, bem como
numerosos outros aspectos.
Ora, tudo isso se reflete sobre a estrutura familiar, sobre o comportamento
humano, a moralidade pública, os costumes. Hungria sentenciou: "O delinquente juvenil
é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor socialmente abandonado, e a
sociedade, perdendo-o e procurando, no mesmo passo, reabilitá-lo para a vida, resgata
o que é, em elevada proporção, sua própria culpa" (Nélson Hungria, 2016 apud Silva,
2017, p. 35).
Note-se que a Lei n° 8.069/1990, assim considera e distingue a criança do
adolescente, para os efeitos legais.

Art. 2° - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

25
Cabe lembrar que a adolescência é o período de vida caracterizado por amplas e
profundas modificações psicossomáticas, em que se completa o desenvolvimento
morfológico-funcional do ser humano.
Durante essa fase da existência humana, definem-se os caracteres sexuais
secundários, avivam-se os processos intelectuais, a sensibilidade, e toda uma nova
problemática, de ordem biopsicológica, sociocultural e político-econômica, situação essa
que repercute na esfera jurídica, daí por exemplo o fato de que aos dezoito anos
completos o indivíduo está sujeito à convocação para efeito de prestação do serviço
militar, direito de voto e ser votado (arts. 14, § 1°, I, e 143, da Constituição de 1988).

5.5 Terminologia adequada acerca dos desvios de comportamento da criança e


do adolescente

Fonte: publisher-publish.s3.eu-central-1.amazonaws.com

A expressão delinquência juvenil foi usada pela primeira vez na Inglaterra, em


1815, por ocasião do julgamento de cinco meninos de 8 a 12 anos de idade.
Atualmente, essa expressão tem suscitado várias críticas, como assinalamos
acima, sendo empregada com diferentes sentidos, conforme a opinião dos autores, para
exprimir os seguintes conceitos, principalmente:

26
a) a delinquência juvenil compreende os comportamentos antissociais praticados
por menores e que sejam tipificados nas leis penais;
b) a delinquência juvenil não deve ser encarada sob uma perspectiva meramente
jurídica, devendo incluir também os comportamentos anormais, irregulares ou
indesejáveis;
c) a delinquência juvenil abrange, além do que foi assinalado nas teorias
anteriores, aqueles menores que, por força de certas circunstâncias ou condutas,
necessitam de reeducação, cuidado, proteção.
Das três posições acima, a mais aceita é a primeira.
Salienta ainda César Barros Leal que, por ocasião do Segundo Congresso das
Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em
Londres, em 1960, foi aprovada recomendação no sentido de que o significado da
expressão delinquência juvenil deve restringir-se o mais possível às infrações do Direito
Penal (Leal, 1983, apud Silva, 2017, p. 36).
Em muitos países confunde-se delinquência juvenil com inadaptação, cujo
conceito não apenas compreende menores autores de infrações penais, como também
retardados, neuróticos, desequilibrados, abandonados, órfãos, vagabundos etc. (Leal,
1983, apud Silva, 2017, p. 36).
Aliás, o. Segundo Seminário dos Estados Árabes sobre Prevenção e Tratamento
do Delinquente, realizado sob os auspícios das Nações Unidas, em Copenhague, em
1959, já havia concluído que os termos delinquência e inadaptação não são equivalentes,
pois, os dois problemas são diversos, eis que a delinquência de menores abrange
somente os atos que, praticados por adultos, seriam considerados delitos.
Por sua vez, o Seminário Latino-Americano sobre Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente, realizado no Rio de Janeiro, em 1953, embora concluísse
que a expressão delinquência juvenil "era tecnicamente inadequada" ("por não reunir os
elementos essenciais do conceito doutrinário do delito"), reconheceu, contudo, que pela
inexistência de expressões substitutivas apropriadas, poderia continuar a ser utilizada.

27
5.6 Casas dos desvios de comportamento da criança e do adolescente. As
associações em bandos para fins criminosos

Da mesma forma que em relação aos adultos, diversas causas - endógenas e


exógenas - influem sobre a conduta delituosa do menor.
Essas causas podem ser de natureza genética, psicológica, patológica,
econômica, sociológica, familiar.
As condições de vida miseráveis dos pais, fome, subnutrição, alcoolismo, consumo
de drogas, falta de condições mínimas de higiene, ausência de qualquer exame pré-natal
e hábito de fumar da gestante, enfermidades crônicas e outros aspectos, marcam a vida
do novo ser antes do seu nascimento.
No período de zero a sete anos, em que a criança mais necessita de assistência
sanitária e de nutrição, ocorrendo à falta desta, os neurônios (células nervosas com os
seus prolongamentos) do menor serão fatalmente atingidos, e o trabalho de recuperação,
mesmo usando-se os mais sofisticados métodos, não surte efeito, como salientou
Antônio Alfredo Fernandes (Fernandes, 1978 apud Silva, 2017, p. 36).
Segundo o relatório da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura, órgão
da ONU), há uma disparidade consumo médio de calorias nos países ricos em detrimento
dos países subdesenvolvidos. Segundo a FAO, essas disparidades provocam males, sob
um duplo aspecto, isto é, tanto ocasionam doenças por subnutrição como pelo consumo
excessivo de alimentos ou a adoção de dietas inadequadas nos países ricos.
Está fora de dúvida, porém, que os males resultantes da fome são des-
proporcionalmente maiores para os pobres, até porque estas condições lhes são
impostas, como consequência das desigualdades internacionais e da exploração
exercida pelas potências imperialistas, através do controle de preço, açambarcamento e
distribuição de alimentos, nos diversos países capitalistas.
Ora, esse conjunto de causas e fatores enseja inexoravelmente a formação de
crianças deficientes e, por conseguinte, uma porta larga para os desvios de
comportamento, inclusive condutas delituosas no meio social em que vivem.
Paradoxalmente, esse mesmo meio social - através de seus órgãos punitivos - acaba de
liquidá-los, moral e fisicamente, nos seus estabelecimentos prisionais.

28
5.7 Fatores criminógenos que atuam sobre a criança e o adolescente

Quanto aos fatores criminógenos, de natureza exógena, relacionados ao meio


social, aos aspectos psicológicos e psiquiátricos, que atuam negativamente sobre a
criança e o adolescente, pode-se destacar os seguintes:
a) disciplina mais rígida ou descontínua da parte do pai;
b) supervisão não adequada da parte da mãe;
c) pai delinquente e hostil;
d) mãe indiferente e hostil;
e) família sem coesão;
f) desejo marcante de afirmação pessoal na sociedade;
g) atitude marcante de desprezo e desafio;
h) marcante destrutividade;
i) aventureirismo;
j) instabilidade emotiva;
k) precedentes familiares de vício ou delinquência;
m) falta de ocupação;
l) influências extrafamiliares, más companhias;
m) famílias numerosas com problemas econômicos, etc.
No que tange às associações em bandos juvenis, elas existem de forma mais
estruturada e em maior número nos EUA, onde, por coincidência, é também maior o
índice de crime organizado, embora ditas associações sejam universalmente conhecidas.
No Brasil, inexistem estudos específicos, a respeito das associações em bandos
juvenis, com o objetivo de práticas delituosas; contudo, são flagrantes e exuberantes os
indícios e provas, quanto à existência desses bandos, sendo os menores denominados,
individualmente, de "trombadinhas" (São Paulo) e "pivetes" (Rio de Janeiro).
Mutatis mutandis, da mesma forma que em relação aos adultos, existem cifras
douradas (em relação aos menores pertencentes às classes sociais privilegiadas), cifras
negras (práticas delituosas não detectadas, ou que escapam ao controle oficial) e as
práticas delituosas reprimidas, em conformidade com a legislação aplicável em cada
país.

29
6 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E AS CONCEPÇÕES
IDEOLÓGICAS

Fonte: s2.glbimg.com

6.1 Determinantes da criminalidade infantojuvenil e a ideologia da violência

A questão da inserção precoce da infância e juventude brasileiras na


“criminalidade” tem suscitado uma agitação social da população em busca de soluções,
por parte do Poder Público, que coíbam essa prática e restabeleça a segurança pública,
preferencialmente, com a intensificação de medidas repressivas a estes sujeitos.
O modelo de sociedade capitalista, consubstanciado na contradição de interesses
entre as classes e, portanto, engendrador das desigualdades sociais, acarretando, ainda,
no descalabro da desigual distribuição de renda, favorece uma minoria e desfavorece a
maior parte da população – trabalhadora – que vivencia, nocivamente, diversas
expressões da questão social, dentre estas, cabe ressaltar a situação de crianças e
adolescentes inseridos no “mundo do crime”.
Com o fito de contribuir com a discussão, é relevante expor a concepção sobre a
relação entre consumismo e criminalidade descrita por Costa que afirma pertencermos a
uma sociedade consumista e, portanto, tudo que é realizado tem como objetivo último o
consumo, não importando, para algumas pessoas, os meios para atingi-lo (Costa, 2005,
apud Lucena, 2016, p. 4). E, no ordenamento vigente, para concretizar o desejo de

30
consumir, é preciso que se obtenha um determinado poder aquisitivo para se inserir como
um cidadão consumidor. Porém, o ínfimo – ou até inexistente – salário da população
subalterna restringe seu poder de compra, excluindo-a do seleto grupo de cidadãos
consumidores.
O consumismo constitui-se como um dos motores de reprodução do capitalismo,
visto que as mercadorias produzidas precisam ser vendidas para a manutenção do ciclo
reprodutivo do capital e expansão de seus superlucros. Para isso, há exorbitantes
campanhas de mídia com o intuito de persuadir a população ao consumismo. Nesse
contexto, a sociedade consumista, cindida entre os que podem consumir e os destituídos
de poder aquisitivo para o consumo devido às condições de vulnerabilidade social,
aumenta e expõe o hiato existente na estrutura social pelos cidadãos consumidores e os
indivíduos sem cidadania.
Esses fatores, somados às deficiências dos serviços públicos e ao retrocesso de
direitos, põem em evidência os privilégios da classe dominante, detentora de poder
aquisitivo tanto para o consumo das mercadorias do mercado convencional, como para
consumir os serviços que não são ofertados de forma eficiente pelas instituições públicas.
Aos sujeitos da classe dominada restam-lhes o infortúnio e a conformação das suas
condições de vida degradantes, pois os que possuem algum rendimento, mal conseguem
ultrapassar os limites da subsistência, quiçá satisfazer seus desejos e renderem-se à
sedução dos mercados.
Nessa perspectiva, a criminalidade não deve ser concebida como produto do mau
funcionamento da sociedade ou de fatores externos a mesma. Nas palavras de Costa, a
criminalidade “é o próprio produto inevitável da sociedade de consumidores”. Afirma
ainda que: “O padrão estabelecido de consumo é o fim a ser alcançado, como uma tarefa
individual, para a qual não existem regras específicas regulamentadas. Assim, os fins
justificam os meios e ampliam-se o espaço para a criminalidade crescente” (Costa, 2005,
apud Lucena, 2016, p. 4). A tendência é o crescimento da criminalidade, uma vez que
esta é produzida e reproduzida pela dinâmica do sistema capitalista que gera a
necessidade do consumo sem proporcionar as condições de sua efetivação para a
maioria da população expropriada de poder aquisitivo.
Portanto, essa propensão referida, também recai sobre as crianças e adolescentes
que se aventuram nas ilusórias facilidades no mundo de crime, em busca de satisfazer

31
suas necessidades e inserirem-se como cidadãos consumidores. Este fator é concebido
como um dos determinantes da inserção desses sujeitos na “criminalidade”. Nessa linha
de raciocínio, a ordem do capital engendra as desigualdades entre as classes excluindo
dos benefícios socioeconômicos a população subalterna que terá que “se virar” para se
tornar um cidadão-consumidor. Trata-se de um sistema que gera suas próprias crises e,
consequentemente, suscita as revoltas num “salve-se quem puder”, sob pena de
sucumbir, mais precisamente, um modelo de ordenamento social que gera a desordem
expressa nas inúmeras refrações da questão social, dentre estas, a violência e a
criminalidade.
Nesse sentido, é válido expor também como um dos determinantes da inserção
de adolescentes na “criminalidade” – intrinsecamente ligado a apologia do consumo – as
condições subumanas de existência da infância e juventude que impactam, de forma
nefasta, o desenvolvimento pleno desses sujeitos. As situações de violência e violações
de direitos expropriam tanto a sua cidadania e dignidade, como também qualquer
expectativa de melhoria de vida. Destituídos de projeto de futuro, restam-lhes a
reprodução imediata da vida cotidiana que os impelem a buscar, por seus próprios meios,
alternativas de sobrevivência não encontradas nas instituições adjacentes, como a
família, a comunidade, e o Estado, porém, disponibilizadas nas ilusórias facilidades do
“mundo do crime”. Segundo Rosa, “para estes, o projeto de vida parte da necessidade,
ou da carência de oportunidades, restando-lhes a inserção social no imediato, ou seja,
trabalhando, roubando, pedindo, brincando” (Rosa, 2001, apud Lucena, 2016, p. 4).
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, esses sujeitos se inserem na
“criminalidade” com o intuito de obter tanto os produtos para a mera sobrevivência, como
também os atrativos objetos de consumo do mercado. Com isso, logo são associados à
violência como os principais responsáveis por sua produção e reprodução. Dessa forma,
são tidos como o mal da sociedade, como protagonistas da intensificação da violência.
Todavia, a associação desses sujeitos à violência não encontra respaldo na
realidade, pois sua produção/ reprodução é engendrada pela dinâmica do sistema
capitalista. Soma-se a isso, a violência advinda de outras esferas da sociedade como a
família, as instituições e o Estado, que, de forma recorrente, recai sobre as crianças e
adolescentes:

32
O crime é a face mais descarada da violência. Acaba se constituindo numa
cortina de fumaças, desviando a atenção da opinião pública de suas
determinações. Por exemplo, uma criança ou adolescente trabalhando como
cortador de cana na zona rural não é visto como objeto de violência, afinal, é
melhor trabalhar do que assaltar! O trabalho precoce das crianças é apenas uma
face da “naturalização da violência” neste complexo tecido social (Rosa, 2001,
apud Lucena, 2016, p. 4).

Nesses termos, de acordo com Chauí, estamos, pois, diante de representações


ideológicas sobre a violência, uma vez que esta não nos é apresentada em suas diversas
facetas, ocultando o sistema responsável por sua reprodução e, consequentemente,
culpabilizando os adolescentes em conflito com a lei como seus principais reprodutores.
Há, portanto, de acordo com o referido autor, uma inversão da realidade para que
os determinantes da violência sejam desfocados de seu real produtor e reprodutor – o
sistema capitalista –, recaindo a culpa sobre os adolescentes em conflito com a lei, que,
apesar de estarem inseridos em situações de violência, estas são naturalizadas e ou
invisibilizadas. Em contraponto, uma parte da sociedade superdimensionam as violências
praticadas por estes e propõe, como solução mágica para o problema da insegurança
social, a intensificação da repressão (Chauí, 2008 apud Lucena, 2016, p. 5).

Fonte: jornalf8.net

33
6.2 De vítimas a vitimizadores: a invisibilidade da escassa cidadania e a
visibilidade da violência

A sociedade brasileira, apesar de atingir, a nível econômico, o patamar de sétima


economia mais rica do mundo ocidental, não foi capaz de produzir os mesmos avanços
na esfera social. Essa realidade é refletida nas condições materiais de existência da
população, resultantes do processo de acumulação capitalista e da concentração dos
produtos auferidos, acarretando no aguçamento das desigualdades sociais. Esta
situação é vivenciada pelas crianças e adolescentes que, além de sofrerem com as
condições de miséria e espoliação de direitos, ainda são vítimas de violências praticadas
pela família, Estado e sociedade, por exemplo, maus-tratos, abandono, abuso sexual,
prostituição, trabalho infantil, extermínio, desnutrição, dentre outras. No entanto, essas e
outras violências não são visibilizadas, ao menos, da forma que deveriam, pois, não há,
diante dessas situações, a mesma ou parecida repercussão social que existe sobre a
prática de ato infracional, como também esses sujeitos não recebem o devido tratamento
e proteção garantidos.
Não obstante os avanços na legislação infantojuvenil, com a introdução de uma
ampla gama de direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a infância e a
juventude brasileiras ainda são, majoritariamente, submetidos às situações de violências
acima referidas, retratada na escassez de cidadania. Ao tentarem se incluir no mercado
como cidadãos consumidores, mediante a prática de atos infracionais, logo ganham
visibilidade. Contudo, enquanto permanecem como vítimas que sofrem violências, obtêm
ínfima relevância para a sociedade, mas quando passam a praticá-las tornam-se o centro
das atenções e das preocupações no meio social, geralmente de forma pejorativa, visto
que a preocupação está voltada primordialmente para a segurança pública.
Segundo Silva, “apesar de viverem uma história em que são violentados, são as
violências produzidas por eles que ganham visibilidade na sociedade, na medida em que
a mídia mostra com prioridade situações de violência e de insubordinação” (Silva, 2005
apud Lucena, 2016, p. 5). Ao se aventurarem no “mundo do crime” passam da condição
de vítimas – até então invisíveis para a sociedade –, a vitimizadores, ganhando, portanto,
visibilidade social.
Essa situação é retratada por Sales como crianças e adolescentes em situação de
“invisibilidade perversa” por não possuírem um lugar digno nesta sociedade, uma vez que

34
sobrevivem da desordem, das escórias do sistema, e, quando tentam romper com essas
condições de violências, transgredindo as normas, passam do estado de “invisibilidade
perversa” para o de “visibilidade perversa” como metáforas da violência. Esse quadro
corrobora para a ampliação das medidas repressoras do Estado à infância e juventude
e, consequentemente, para a intensificação da violação de direitos deste segmento, visto
que as situações de violências de que são vítimas, são banalizadas, naturalizadas pelo
Estado e pela sociedade (Sales, 2007 apud Lucena, 2016, p. 5).
Há, portanto, uma nítida tendência de superdimensionamento dos crimes
praticados pela juventude numa clara inversão de prioridades, tornando irrelevante o
problema da escassez de cidadania destes sujeitos, como também a proteção e garantia
de seus direitos.

6.3 A ideologia da segurança e as medidas repressivas de contraponto ao ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente introduz um novo paradigma de


tratamento a esses sujeitos que, balizado na Doutrina da Proteção Integral, tem como
objetivo a proteção especial para este segmento. Para o ECA, crianças e a adolescentes
devem ser prioridades absoluta, e, concebidos como sujeitos de direitos, devem receber
uma política especial de atendimento condizente com sua concepção de “pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento”. Soma-se a isso, o disposto no ECA de que é
dever da família, do Estado e da sociedade em geral, colocá-los a salvo de qualquer
forma de violência, crueldade, negligência e de opressão.
Cabe enfatizar que os direitos devem ser implementados pelo Estado mediante
políticas públicas com a colaboração da família e da sociedade. Especificamente, com
relação às crianças e adolescentes em conflito com a lei, serão destinadas medidas
protetivas àquelas, e, a estas, as medidas de proteção e as socioeducativas. Para tanto,
deve contar com uma rede de apoio articulada entre as esferas da assistência, justiça,
saúde, educação, dentre outras, objetivando tanto a proteção de seus diretos como
também a ressocialização. A esse respeito, embora o ECA tenha inovado com as
medidas socioeducativas visando à reeducação, à garantia e proteção dos direitos deste
segmento, ainda há, demasiadamente forte, um clamor social por medidas mais severas
a estes sujeitos, inclusive, com a proposta do rebaixamento da idade de inimputabilidade.

35
É pertinente expor que há majoritariamente a implementação de medidas
repressivas por parte do Estado embasadas pela ideologia da segurança e paz social.
Conforme expresso por Costa, “ganha espaço o discurso justificador do uso da violência
por parte do Estado, como forma de garantir a segurança da população” (Costa, 2005,
apud Lucena, 2016, p. 5). Apesar de a violência ser engendrada pela dinâmica do sistema
capitalista, a responsabilização recai sobre a população oprimida, alvo das penalizações
do Estado que culpabiliza o indivíduo taxando-o de anormal por não conseguir viver
harmoniosamente na sociedade, ameaçando, constantemente, à ordem social
estabelecida.

Fonte: s3.amazonaws.com/lucasdorioverde.portaldacidade.com

Diante do exposto, dissemina-se a ideia de que os adolescentes em conflito com


a lei são os principais engendradores da violência e, portanto, da insegurança social.
Assim, deve ser dispensado, a estes, medidas repressivas/coercitivas em benefício da
ordem social. Todavia, trata-se, na verdade, de práticas de controle e limpeza social,
mistificada pela ideologia da segurança pública. Vale ressaltar, que estamos diante do
mito de que o problema da segurança pública seria resolvido através da solução mágica
do combate ao crime infantojuvenil, de forma repressiva, a despeito das medidas
socioeducativas e demais políticas. Segundo Costa, “trata-se da ilusão ou crença na

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sociedade isenta de conflitos, na qual os criminosos são identificados como o mal que
precisa ser combatido, intimidado por meio de uma política criminal ostensiva e
intolerante” (Costa, 2005, apud Lucena, 2016, p. 6).
Cabe explicitar, ainda, a propagação da ideia de que, ao culpabilizar esses sujeitos
pelo aumento da violência e criminalidade, a redução da idade penal constituiria como
solução eficaz ao problema da segurança pública. Nas palavras de Saraiva, “alguns
setores dão tanta ênfase a esta proposta que induzem a opinião pública a crer que seria
a solução mágica na problemática da segurança pública, capaz de devolver a paz tão
almejada por todos” (Saraiva, 2008 apud Lucena, 2016, p. 6).
Desse modo, estamos diante de representações ideológicas sobre a segurança
pública segundo a qual esta não propiciaria aos sujeitos da classe subalterna seu pleno
usufruto. Isso porque as ideias propagadas resultariam em mais repressão e isolamento
deste segmento da sociedade. Ou seja, acarretariam uma limpeza social para reprimir e
controlar/dominar a população desordenada que, além de não solucionar o referido
problema, oculta a realidade, deixando intactas as raízes da violência, numa clara
consonância com os interesses dos dominantes para manter o poder e a dominação
sobre os oprimidos. De acordo com a afirmação de Chauí, “a ideologia ao representar as
ideias da classe dominante como universais, cumpre sua tarefa de ocultar a exploração
dos dominantes sobre os dominados” (Chauí, 2008 apud Lucena, 2016, p. 6).
Nessa perspectiva, há uma inversão da realidade que, através das concepções
ideológicas, oculta os determinantes da violência e naturaliza as desigualdades como,
por exemplo, a associação dos adolescentes às violências. Parafraseando Sales,
“adolescentes infratores são como metáforas da violência” numa falsa relação entre
população pauperizada e “classe perigosa” de onde provêm os maus elementos
constituindo-se, assim, na criminalização da pobreza como uma cortina de fumaças,
desviando a atenção da opinião pública das inúmeras facetas da violência e suas
determinações (Sales, 2007 apud Lucena, 2016, p. 6).
O quadro de soluções apresentado para o combate à “criminalidade” juvenil
consubstancia-se, sobretudo, com práticas repressivas a despeito do caráter
socioeducativo da legislação infantojuvenil. Com isso, torna-se clara a pretensão do
Estado de controle social e manutenção da ordem em detrimento da implementação de

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políticas públicas universais de acesso aos bens de consumo para a coletividade
deixando, assim, sob controle a população desordenada. Segundo Costa,

Antes de oferecer políticas sociais, se gastam com a aparatos repressivos, não


porque sejam mais caros ou mais baratos, mas porque são mais eficazes do
ponto de vista higienista. A culpabilização individual faz com que não reste
alternativa senão a de terminar com aqueles que provam ser incapazes de
pertencer à sociedade de consumo” (Costa, 2005, apud Lucena, 2016, p. 6)

Esse contexto mostra a difícil coexistência entre os direitos positivados no ECA e


sua materialização na realidade. Para Chauí, as leis têm como objetivo ocultar ou
amenizar os aspectos da desigualdade e dominação (Chauí, 2008 apud Lucena, 2016,
p. 6). Há uma incongruência entre as ideias de prioridade absoluta, proteção integral e
sujeitos de direitos do ECA e a realidade das condições de existência deste segmento.
Trata-se, pois, de representações de ideias da infância e juventude e não da realidade
histórico-social destes sujeitos, visto que são destituídos de direitos e alvos de repressão
e violências.

7 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: VIOLÊNCIA E ESTADO

A adolescência é uma etapa importante para se avançar a vida adulta. Neste


período acontece o desenvolvimento da própria personalidade, porém, no Brasil é nesta
fase que altos índices de atos infracionais são cometidos.
Esta triste realidade chama atenção da sociedade, que além de julgar friamente,
não faz uma análise psíquico estrutural desses “menores” em conflito, uma importante
ferramenta para se chegar ao locus do problema, já que a maioria desses adolescentes
são totalmente desamparados, tanto pelo Estado e por muitas vezes pela família.
A falta de amparo e a quebra de laços com a família gera a necessidade desses
jovens de procurar em outros grupos sociais o que não tiveram dentro de seus lares,
vítimas da indefesa violência simbólica e da carência de assistência em todos os setores.
A maioria destes é acolhida por grupos gerenciados pelo mundo do crime, que lhes
oferece o resguardo que o Estado e as famílias não puderam proporcionar ou não
quiseram fazê-lo.

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Desta forma, os grupos que acolheram esses adolescentes vão impondo suas
próprias “regras”: leis da rua, estas que devem ser seguidas pelos novos integrantes, e
que por muitas vezes extrapolam o limite aceito pela sociedade e suas normas jurídicas.
Assim, o confronto de “normas”, sejam elas postas pelo Estado ou pela “rua”, faz
com que esses adolescentes fiquem como “marionetes” nas mãos do poder estatal, que
não zelou por sua proteção, porém, se julga competente para criar/aplicar medidas de
ressocialização.
O que pode-se perceber é que a mesma instituição que prende, através do poder
simbólico é aquela que tenta ressocializar através de medidas socioeducativas, na
tentativa frustrada de “proteger” o que se tenta esconder, fazendo assim a manutenção
da violência silenciosa. Segundo Josiane Veronese, o Estado se omite frente aos direitos
desses adolescentes:

Ora, se todas as garantias fossem efetivamente metas governamentais, não se


teria esse contingente de crianças e adolescentes nas ruas, seja pedindo
esmolas, sobrevivendo com o “resto” dos outros, sem escolas, hospitais dignos,
etc., enquanto esperam uma ação política e social eficaz por parte de seus
governantes. (Veronese, 2001, apud Souza, 2017, p. 6)

O Estado por meio de seu poder simbólico faz a construção social de uma cultua
que precisa de manutenção para que todos sejam captados (cultura do controle de
Garland). É desta maneira que a violência começa a ter forma, impondo legitimamente e
de maneira agressiva a cultura dominante.
A interiorização desta cultura faz da violência, aparentemente não visível aos
olhos, uma violência que aliena, já que o próprio oprimido não se sente na posição de
estar sendo violentado, como acontece com os adolescentes em conflito com a lei, já que
a situação que se perpetua ao lindo da história se torna algo inevitável no futuro.
O poder do Estado age silenciosamente, porém, atinge muitos “menores”, uma vez
que cria leis ou projetos de lei que promovem “inconscientemente” disparidades. Um
exemplo disso é quando se cria medidas socioeducativas, como a de internação em
unidades que não possuem infraestrutura adequada para receber esses jovens.
Além disso, essas unidades são marcadas pela violência, principalmente por parte
de agentes que atuam de maneira diversa a de (re)educar, mas sim de estabelecer o
medo dentro dos centros de cumprimento de medidas. Não existe ressocialização, mas

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sim uma maquiagem de problemas sociais graves, que derivam de outros mais basilares,
como a falta de educação pública de qualidade desde a alfabetização.
A violência junto com o poder estatal faz com que esses jovens saiam da atual e
precária realidade em que vivem, para ingressar nos sistemas socioeducativos que
aprisionam e fazem a manutenção das desigualdades, perpetuando a violação de direitos
e garantias dispostas no ECA. Desta maneira, o Estado mantem o discurso da cultura
dominante, naturalizando desigualdade que justificariam o abandono estatal desses
“menores”.

Fonte: campoformosonews.com.br

7.1 A cultura do controle de Garland e a questão criminal dos adolescentes em


conflito

Dentro de um atual contexto político, no que tange aos “menores”, existe uma
preocupação com a questão da segurança pública, onde o controle penal se destaca a
cada dia no exercício do poder do Estado. Essa nova gestão marcada pela redução de
políticas públicas de inclusão e de ressocialização são tendências dessa nova fase
moderna.
De tal modo, o que se percebe é uma atividade estatal penal que a cada dia se
torna mais autoritária, reforçando características de um Estado capitalista, onde: “O

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remédio penal é utilizado pelas instâncias de poder político como resposta para quase
todos os tipos de conflitos e problemas sociais” (Azevedo, 2005, apud Souza, 2017, p.
9).
Desta maneira, a ressocialização de adolescentes não se sustenta em função do
ambiente em que estão inseridos, ou seja, não existe reeducação, mas sim punição
legitimadas pela violência, esta exercida por agentes instituídos de poderes do estado
(polícia, juízes, Ministério Público), ou até mesmo pela sociedade, que prefere condenar
esses “menores” e de maneira individualista descartá-lo da sociedade. Segundo Garland,

A percepção de um público amedrontado e revoltado teve grande impacto no tipo


e no conteúdo das políticas, nos anos recentes. O crime foi redramatizado. A
imagem aceita, própria da época do bem-estar, do delinquente como um sujeito
necessitado, desfavorecido, agora desapareceu. Em vez disto, as imagens
modificadas para acompanhar a nova legislação tendem a ser esboços
estereotipados de jovens rebeldes, de predadores perigosos e de criminosos
incuravelmente reincidentes. Acompanhando estas imagens projetadas, e em
reação retórica a elas, o novo discurso da polícia criminal insistentemente invoca
a revolta do público, cansado de viver com medo, que exige medidas fortes de
punição e de proteção. O monte aparente da política é agora mais a revolta
coletiva e o justo reclamo por retribuição do que um compromisso com a
construção de soluções sociais justas. (Garland, 2008 apud Souza, 2017, p. 9)

Desta maneira, o estado brasileiro revela seu caráter unicamente punitivo sem
reeducar, porém. Isto advém de uma importante característica de nosso país: a falta de
tradição democrática, que tem como consequência uma obsessão securitária pautada na
dilatação do sistema de socioeducação.
Esses sistemas por muitas vezes selecionam o perfil de quem vai ingressar, e no
sistema socioeducativo acontece um reflexo do perfil achado no sistema penitenciário,
geralmente composto por integrantes do sexo masculino, de classes mais pobres da
população, sem o ensino fundamental completo e na faixa etária entre 12 e 17 anos de
idade.
O sistema socioeducativo brasileiro estigmatizava esses “menores”, o que faz
desses centros um local de difusão da criminalidade, e não de revitalização dos valores
perdidos. Desta maneira analisou Garland:

A punição pós-moderna segregou ainda mais os setores marginais da população


intensificando uma retórica política de “tolerância zero”, podemos associar essa
postura reacionária ao desengajamento cada vez mais evidente no processo de
individualização radicalizado na pós-modernidade. (Garland, 2008 apud Souza,
2017, p. 10)

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Para Garland, o crime é um fenômeno essencial para se entender os processos
de formação da sociedade moderna, e que também chama a atenção por ser um evento
peculiar, que coloca em teste todas as normas implementadas pelo sistema, bem como
todas as mudanças sociais que permitiram uma aceitação da nova cultura do controle,
principalmente em países com altas taxas de criminalidade como o Brasil.

Fonte: s2.glbimg.com

Assim, se lança um novo paradigma do fenômeno da violência, tal como sobre a


sociologia da punição, onde Garland se refere a uma transformação do pensamento
sobre a punição no mundo moderno para que quebre barreiras sobre questões da
criminalidade, já que suas representações estariam se modificando e ampliando ao longo
do tempo:

Uma sociologia da punição, por sua vez, baseada numa perspectiva mais
complexa, que enfatiza sobretudo a dimensão cultural das instituições penais,
poderia assim contribuir para uma crítica teórica e prática da racionalidade penal
do mundo contemporâneo.

Desta maneira, é possível fazer uma ponte sobre as tendências de Garland e atual
situação dos jovens em conflito com a lei no Brasil, já que o cenário atual demonstra
diversas características apontadas pelo autor, desde questões sobre o aumento do
ingresso no sistema socioeducativo, até a alta incidência de aplicação de medidas mais

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graves como as de internação, isso sem contar com toda dificuldade do sistema judiciário
de lidar com o processo democrático em que o país passou nas últimas décadas.
Portanto, a negação da violência inerentes as práticas de um poder simbólico, bem
como uma sociedade permissiva às práticas que agem em revelia a lei, apontam
importante contribuição deste sociólogo em estudo, onde podemos questionar a
legitimação a impunidade das intenções de poder para com a situação dos adolescentes
em conflito com a lei.
Conclui-se que para combater esse tipo de violência, é possível traçar alguns
pontos essenciais para mudar essa realidade, como:
 Trabalho contínuo de políticas públicas atuantes na área de educação dentro e
fora dos sistemas socioeducativos;
 Estudo prévio das medidas socioeducativas a serem aplicadas pelo Estado/juiz;
 Cursos de capacitação para agentes do estado atuantes nos sistemas de
ressocialização.
 Criação de leis efetivas que atendam a real necessidade desses adolescentes;
 Reintrodução de direitos através de investimento para uma reformulação do
sistema socioeducativo.

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