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fenômenos de
transporte — aula 2
estudo de caso de uso de
um modelo matemático

Vai-se considerar um exemplo de aplicação de modelos


na resolução de um problema bem simples: o dimen-
sionamento (determinação da altura e diâmetro) de um
tanque para armazenar uma fração de petróleo. Um pos-
sível enunciado para tal problema é:

Deseja-se armazenar 1.000 kg de uma fração de petróleo constituí-


da quase que totalmente por n-butano. O fluido é resultante de um
processo onde sua temperatura é a de 67°C e pressão é ambiente
(que na localidade do processo é de 1 atm). Pretende-se selecionar
uma opção de dimensionamento de tanque de armazenamento do
fluido que seja satisfatória em termos técnicos e práticos.

Primeiramente são estabelecidos dois critérios iniciais:

1. O fluido é constituído somente por n-butano;


2. O tanque deverá ter a forma cilíndrica.

Uma das possíveis soluções desse problema parte do


conhecimento do volume do fluido a ser armazenado
a uma determinada pressão e temperatura. Como se
considera que o tanque será cilíndrico, o volume desse
cilindro (que será também o do fluido) é representado por um modelo,
nesse caso o volume de um cilindro, dado pela equação:

ΠD2
EC 2.1 V  =  ×H
4

Onde:
V = volume do cilindro
D = diâmetro do cilindro
H = altura do cilindro

~
Conhecendo-se o volume molar — v = V/n — ou a densidade molar —
~
p = n/V — do fluido numa certa condição de pressão e temperatura e
selecionando-se um valor para o diâmetro (ou para a altura) do vaso ci-
líndrico, será possível o cálculo da altura (ou do diâmetro). Com D e H, o
tanque estará dimensionado e o problema resolvido. Ou seja, sabendo-
~ e escolhendo-se um valor para o diâmetro (D = A),
-se o volume molar ( v )
calcula-se a altura:

4 ( v~ × n)
EC 2.2 H  = 
Π A2

Onde:
A = valor numérico do diâmetro
~ = volume molar do fluido em certa temperatura e pressão estabelecidas
v
n = número de moles

Pode-se, também, escolher um tanque cujo diâmetro seja igual à altura


(D = H). Nesse caso, tem-se que:

ΠD2 ΠH2 ΠH3


EC 2.3 V  =  × H  =  × H  = 
4 4 4

E então:

3 4V
EC 2.4 H  = 
Π

O cálculo do volume molar pode ser feito usando-se de outro modelo: uma
equação de estado, que relaciona o volume com pressão e temperatura.

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Como a pressão do fluido é 1 atm, pode-se considerar no cálculo de v~ a
mais simples das equações de estado, a equação do gás ideal:

EC 2.5 ~ =  RT
P v 

Onde:
R = Constante Universal dos Gases

~
Considerando-se que v esteja em cm3/gmol, P em atm e T em K, o valor
de R será 82,05 atm.cm3/gmol.K (outras unidades podem ser usadas e
devem ser considerados os valores correspondentes para R). Usando-se
P = 1 atm e a temperatura seja a do fluido na saída do processo que o
forma (67°C = 340,15 K), pode-se calcular o volume molar:

~ RT 82,05 × 340,15
EC 2.6 v =   =   =  27.909,3075 cm3/gmol
P 1

Como se tem 1.000 kg (1.000 × 103 g) de fluido e a massa molecular do


n-butano é 58,124 g/gmol, o número de moles é calculado pela equação:

m 1.000 × 103
EC 2.7 n =   =   =  17.204 gmoles
M 58,124

Como V = v~ × n , calcula-se o volume do tanque em cm3:

EC 2.8 V  =  v~ × n  =  27.909,3075 × 17.204  =  480.151.726,23 cm3

Como 1 m3 = 106 cm3, o volume do cilindro, em m3 é:

V  ≈  480,15 m3

Da equação EC 2.1, considerando-se que o diâmetro do cilindro é 3 m,


tem-se que:

4V 4 × 480,15
EC 2.9 H  =   =    ≈  68 m
ΠD 2
3,1416 × (3)2

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Não é necessário ser-se um expert na construção de tanques de armazena-
mento para constatar-se que esse resultado é totalmente inadequado. Para
tanto, considere-se o seguinte: um prédio residencial tem, aproximadamen-
te, como pé direito mínimo, 2,80 m, a altura da laje normalmente mede 12
cm, assim, cada andar totaliza 2,92 m. Considerando, então, que a altura
aproximada de um andar de prédio residencial é 3 m, esse reservatório
teria a altura equivalente de um prédio residencial de quase 23 andares.
Como o diâmetro é de 3 m, essa geometria do tanque seria impraticável.
Busquemos, então, uma segunda opção. Considerando-se, ainda, as mes-
mas condições de pressão e temperatura (P = 1 atm e T = 67°C = 340,15 K),
façamos a altura igual ao diâmetro; assim, pode-se usar a equação EC2.4:

3 4V 3 4 × 480,15 3
EC 2.10 H  =    =    ≈  611,3   ≈  8,5 m =  D
Π 3,1416

A adoção desta opção resulta num tanque cuja altura teria, aproximada-
mente, a de um prédio de três andares, o que não é tão absurdo assim,
pois gasômetros (reservatórios de gás a ser distribuído, sob pressão cons-
tante, para iluminação ou combustão) têm quase estas dimensões (veja
um esquema de gasômetro na Figura EC2-1).

Figura EC2-1. 
Esquema de
gasômetro.
Fonte: Adaptado
de <http:// RESERVATÓRIO DE GÁS
housesofmaputo. MÓVEL
blogspot.com.
saída entrada
br/2015/06/ de gás de gás
gasometro-na-praca-
7-de-marco-lourenco.
html> (Acesso em
11/02/2016)
TANQUE DE ÁGUA
FIXO

Mas procure-se a existência de possíveis alternativas mais adequadas


para a solução do problema.
Uma das escolhas é a alteração das condições de armazenagem es-
colhidas aleatoriamente (P = 45,4 atm e T = 194,57°C), mantendo-se o

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diâmetro do reservatório igual a sua altura. Pode ser que nas condições
especificadas nesta opção, o n-butano não se comporte idealmente. Para
essa verificação deve-se obter o fator de compressibilidade, Z, usando-se
o gráfico generalizado do fator de compressibilidade em função da pres-
são reduzida e da temperatura reduzida (veja a Figura EC2-3). As proprie-
dades reduzidas são assim calculadas:

T
EC 2.11 Tr = 
Tc

P
EC 2.12 Pr = 
Pc

Onde Tc e Pc são, respectivamente, a temperatura crítica e a pressão crí-


tica do n-butano.
Esse gráfico origina-se de uma equação de estado que corrige a equa-
ção do gás ideal, a qual tem a seguinte forma:

EC 2.13 ~ =  ZRT
P v 

Na qual Z é o fator de compressibilidade. Note que, se Z = 1, recai-se na


equação do gás ideal (equação EC2-5).
Sabendo-se os valores das propriedades críticas do n-butano (Tc = 425,2 K
e Pc = 37,5 atm) obtidas da literatura (por exemplo Terron, 2009, mas que
podem ser coletadas em outros livros texto de Termodinâmica) são calcu-
ladas, então, as propriedades reduzidas:

194,57 + 273,15 467,72


EC 2.14 Tr =   =    ≈  1,10
425,2 425,2

45,4
EC 2.15 Pr =    ≈  1,21
37,5

Com esses valores de Tr e Pr , lê-se o fator de compressibilidade no gráfico


da Figura EC2-3: Z = 0,5462. Como o fator de compressibilidade, Z, é muito
diferente do valor unitário (Z ≠ 1), o n-butano nas condições de pressão
e temperatura considerados não pode ser considerado como gás ideal e,
assim, o volume molar será calculado pela equação EC2-13:

~ ZRT 0,5462 × 82,05 × 467,72


EC 2.16 v =   =    ≈  462 cm3/gmol
P 45,375

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Com o valor do número de moles, anteriormente calculado, o volume do
novo cilindro é:

EC 2.17 V  =v~ × n  =  462 × 17.204  ≈  7.947.472,2109568 cm3  ≈ 8 m3

Com tal valor de volume calcula-se a altura do reservatório (considerado


igual ao seu diâmetro):

3 4V 3
EC 2.18 H  =    ≈  10,2   ≈  2,17 m  =  D
Π

Adotando-se a pressão e temperatura citadas (P = 45,4 atm e T =


194,57°C) chegou-se a uma dimensão razoável: o tanque teria altura (e
diâmetro) um pouco maior do que a de um ser humano. Mas, nessa
solução residem inconvenientes: a alta pressão e alta temperatura re-
querem materiais especiais para a construção do tanque, isolamento
térmico adequado e excelentes condições de segurança. Esses fatores
elevariam consideravelmente os custos de construção. Continue-se,
pois, a busca de outra opção.
Estude-se a armazenagem do fluido a pressão de 19 atm, temperatura
de 33°C, condições nas quais o n-butano está no estado líquido e conside-
re-se que o diâmetro do reservatório será igual a sua altura. Para a reso-
lução desse caso calculam-se, primeiramente, as propriedades reduzidas
como anteriormente:

33 + 273,15 306,15
EC 2.19 Tr =   =    ≈  0,72
425,2 425,2

19
EC 2.20 Pr =    ≈  0,51
37,5

A seguir lê-se, com os valores de Tr e Pr , a densidade reduzida, ρr , no grá-


fico da Figura EC2-4, cujo valor é, aproximadamente, 2,5. Para o cálculo
do volume ocupado pelo n-butano líquido, parte-se da definição da den-
sidade reduzida:

~
ρ
EC 2.21 ρr =  ~
ρc

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Como a densidade molar é o inverso do volume molar, tem-se que:

~
ρ
EC 2.22 ρr = 
1
~
vc

O que origina:

EC 2.23 ~ v~
ρr  =  ρ c

Como o valor do volume molar crítico do n-butano (lido em Terron, 2009)


é 255 cm3/gmol, tem-se que:

~ ρr 2,5
EC 2.24 ρ =  ~  =    ≈  0,0098 gmol/cm3
vc 255

ou

EC 2.25 ~ × M  ≈  0,0098 × 58,124  ≈  0,57 g/cm3


ρ  =  ρ

De acordo com a definição de densidade:

m
EC 2.26 ρ = 
V

O volume do cilindro é:

m 1.000 × 103
EC 2.27 V =   =    ≈  1.755.571,13 cm3
ρ 0,57

Como 1 m3 = 106 cm3, o volume do cilindro, que corresponde ao volume


de líquido é:

EC 2.28 V  ≈  1,75 m3  =  Vlíq

Então a altura do cilindro líquido é:

3 4V 3 4 × 1,75 3
EC 2.29 Hlíq  =    =    ≈  2,228  ≈  1,306 m  =  D
Π Π

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Considere-se, ainda, uma informação prática: reservatórios, tanques, etc.,
que contenham líquidos devem ser construídos com um espaço vazio ou
câmara de expansão que é a zona entre o nível de produto armazenado e
o teto do tanque. Para tanques com capacidade até 2.000 litros o espaço
vazio deve ser 5% do volume total, para tanques com capacidade superior
a 2.000 litros o espaço de ser 3% do volume total. É essencial a existência
de uma câmara de expansão, pois esta previne qualquer derrame através
do "respiro" por expansão térmica, ou pela formação de espuma e ondas
durante o processo de enchimento do tanque (Pereira, 2012).
Na opção em estudo, vai-se estabelecer que o espaço vazio deva ocupar
20% do volume de líquido (uma consideração bem conservadora). Assim,
o esquema de resolução está na Figura EC2-2.

Figura EC2-2.  D
Esquema do tanque
Vtot = Vlíq + Vseg

de armazenamento Vseg = 0,20 × Vlíq Hseg


de n-butano no
estado de líquido

H = Hlíq + Hseg
comprimido. Vlíq
Fonte: Adaptado
de Terron, 2009. N-Butano Hlíq

M = 1.000 kg
T = 33°C
P = 19 atm

Então:

EC 2.30 Vespaço vazio  =  Vseg  =  0,20 × Vlíq  =  0,20 × 1,75  ≈  0,35 m3

3 4V 3 4 × 0,35 3
EC 2.31 Hespaço vazio  =  Hseg  =    =    ≈  0,446   ≈  0,764 m
Π Π

EC 2.32 Htotal  =  Hlíq  +  Hseg  =  1,306 + 0,764  =  2,07 m

Note que a altura variou, porém o diâmetro deve permanecer o mesmo


anteriormente calculado (D = 1.306 m).
Em termos de dimensões, armazenar o n-butano líquido seria a melhor
opção. Deve-se, entretanto, pesar os custos de material (que suporte a
pressão de 19 atm) e as condições de armazenamento. O fato de existir

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um volume excedente nessa opção (a parte da segurança) faz com que
as condições reinantes dentro do reservatório não sejam exatamente as
especificadas no enunciado (P = 19 atm, T = 33°C), por conseguinte, devem
ser efetuados cálculos, baseados no equilíbrio-vapor, para a determina-
ção das condições reais de armazenamento.

Considerações e conclusões finais


Neste estudo de caso foram considerados dois tipos de modelos mate-
máticos, um deles proveniente da geometria (volume de um cilindro) e
o outro vindo da Termodinâmica (equações de estado para gases e líqui-
dos). O modelo matemático não permite maiores discussões: calculam-se
volumes de cilindros com a equação apropriada (equação EC2.1) sem pos-
sibilidades de nenhuma discussão. Já os cálculos efetuados com o modelo
termodinâmico podem ser discutidos e comentados, procurando-se uma
solução mais adequada para um determinado caso. Um aspecto muito
importante a ser observado é que resultados obtidos por modelos (prin-
cipalmente aqueles vindos da Física, Termodinâmica, etc.) devem ser ana-
lisados sob a luz de considerações práticas, ou seja, deve-se sempre ob-
servar se resultados obtidos por cálculos, oriundos de tais modelos, não
ferem realidades físicas, ou se são condizentes com aspectos práticos.

1,5
Figura EC2-3.  Tr = 0,5 1 2 3 5
Gráfico generalizado 1,4
de Z = f (Tr , Pr ) 10
1,3
para Zc = 0,27.
fator de compressibilidade generalizada 15
Fonte: Adaptado de 1,2
(Zc = 0,27)
Hougen et al., 1959
1,1
fator de compressibilidade  Z

1,0

0,9
1,5
0,8
1,4
0,7
1,3
0,6
Tr = 0,8 1,2
0,5
0,9
1,1
0,4

0,3
1
0,2

0,1

0
0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 10 20 30

pressão reduzida  Pr

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Figura EC2-4. 
Gráfico generalizado
3,4
da densidade líquido comprimido
Tr = 0,30
reduzida em função
0,34
3,2
da temperatura e da 0,38

pressão para Zc ≠ 0,27. 0,42

Fonte: Adaptado de 3,0 0,45


0,50
Hougen et al., 1959. 0,54
2,8 0,59
0,62
0,65
2,6 0,70

0,74

2,4 0,79

0,80
ρr

0,82
2,2 0,84
0,86
0,88
0,90
2,0
líq

0,92
ui
do

0,94
sa

1,8 0,96
tu
ra
d

0,99
o

1,00
1,6

1,4

1,2

1,0
0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 10 20 30

pressão reduzida

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bibliografia
Hougen, O. A.; Watson, K.M.; Ragatz, R.A. Che- um UAV/UAS. Dissertação para obtenção
mical process principles. Part II: Thermo- do Grau de Mestre em Engenharia Aeronáu-
dynamics. 2nd edition., NewYork, John Wi- tica, Universidade da Beira Interior, Covilhã,
ley & Sons, 1959. Distrito de Castelo Branco, Portugal, 2012.
Pereira, D. F. B. Estudo geral de viabilidade Terron, L. R. Termodinâmica química aplica-
sobre sistemas de reabastecimento de da. São Paulo, SP, Brasil, Manole, 2009.

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