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DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ORALa
Jean-Adolphe Rondal, Eric Esperet, Jean Emile
Gombert, Jean-Pierre Thibaut e Annick Comblain

DEFINIÇÕES, MODALIDADES, ficante (p. ex., o invólucro acústico e articulató-


COMPONENTES E FUNÇÕES rio da palavra pommeb [composta da seqüência
LINGÜÍSTICAS dos fonemas /p/o/m]), à qual correspon-
de(m) um (ou vários, no caso de polissemia1)
significado particular. Ao significado pode cor-
Definições
responder um referente, isto é, uma classe de
O termo língua se refere a todo sistema de objetos concretos ou de acontecimentos que fa-
sinais que pode ser utilizado como meio de co- zem parte do universo tal como o compreen-
municação. O conceito de comunicação, cuja demos (com exceção dos nomes que denomi-
raiz se encontra no termo “comum”, implica namos próprios, os quais se referem não a uma
uma convenção interpessoal. Os protagonistas classe de entidades, mas a entidades particula-
dos atos de comunicação devem aceitar, ao me- res e, em princípio, únicas: nomes de pessoa,
nos implicitamente, um acordo do grupo cultu- de lugar ou de um acontecimento particular).
ral (que lhes é proposto e, inclusive, imposto) Algumas palavras abstratas não possuem refe-
naquilo que diz respeito ao significado dos sig- rente no sentido estrito do termo − por exem-
nos que constituem o vocabulário da língua, plo, os termos liberdade, igualdade, fraternidade.
por um lado, e às regras de suas combinações e Fala-se de sistema de signos (lingüísticos),
dos usos destas, por outro. Deve ser considera- e não de signos isolados, uma vez que os sig-
do, além disso, que cada pessoa pode comuni- nos que constituem o vocabulário das línguas
car-se consigo mesma por meio da fala interior, se limitam uns aos outros, tanto no nível de
a qual pode ser reduzida em amplitude (espe-
cialmente cinética) e se transformar em uma 1
N. de R. T.: Polissemia – fenômeno linguístico pelo qual
forma de pensamento composto de representa- vários significados inter-relacionados, surgidos a partir
ções mentais de natureza lingüística. de um primitivo, associam-se ao mesmo significante.
Assim, a palavra “manga”, é composta pela seqüência
Um signo lingüístico é uma entidade de de sons [m a n g a], porém dependendo do contexto lin-
“duas faces” composta de uma forma ou signi- güístico pode significar uma fruta ou parte da roupa.
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forma como no de significado. Quanto ao ní- me parece que tenha muito sentido uma tal
2
vel formal, os fonemas (sons característicos de distinção. Nenhuma disciplina, se quiser ser
uma língua) existem em número limitado. Os eficaz, pode se limitar à aquisição ou à utiliza-
signos dividem, pois, o espaço fonêmico da ção de uma forma de conhecimento sem con-
língua. Do mesmo modo, no nível de significa- siderar igualmente a natureza deste sistema.
ção, os significados se limitam uns aos outros, (Os destaques são de Chomsky.)
uma vez que compartilham necessariamente o
espaço semântico da língua. A classe sóis, por
Modalidades lingüísticas
exemplo, limita com a de outros astros não bri-
lhantes, dos planetas cativos do sistema solar, Existem diversas modalidades de lingua-
das galáxias, asteróides, cometas, pulsares, gens humanas. As principais são a modalida-
quasares e outros corpos celestes. de auditiva e da palavra, a modalidade visual
A linguagem é a função de expressão e de e gráfica e a modalidade visual e gestual. Em
recepção-compreensão que coloca em ação vá- princípio, toda modalidade sensorial e moto-
rias línguas. É inútil se perguntar, como alguns ra pode servir de base para uma forma de lin-
fazem, se a língua existe antes da linguagem guagem.
ou se é o contrário; ou, então, como variante As modalidades de linguagem põem em jo-
da primeira possibilidade, se a função lingua- go o mesmo dispositivo central, que é denomi-
gem predomina sobre o sistema da língua ou nado, conforme a ocasião, a “faculdade” da lin-
se a preeminência diz respeito, ao contrário, ao guagem. Essa faculdade se organiza em torno
sistema lingüístico. Na prática, função e códi- de uma dupla capacidade fundamental: uma
go são inseparáveis. A língua não pode existir capacidade léxica (estabelecer, reter na memória e
mais do que a medida que existe um funciona- utilizar receptiva e produtivamente uma quan-
mento psicológico capaz de instaurá-la e, ao tidade importante de associações significado-
contrário, não pode haver nenhuma lingua- significante-referente) e uma capacidade gramati-
gem, no sentido preciso do termo, sem um có- cal, correspondente à organização da língua no
digo lingüístico. Por extensão metafórica, fala- nível de seqüências e dependências estruturais
mos também de linguagem das flores, da mú- entre palavras (enunciados-frases) e de seqüên-
sica ou, até, da linguagem matemática. Nesses cias de seqüências (parágrafos e discurso). A es-
casos, existe uma série de correspondências ta dupla capacidade se deve acrescentar uma
biunívocas entre alguns significados e signifi- dimensão instrumental e social que é conhecida
cantes e, nas linguagens musical e matemática, como “pragmática da linguagem”.
até alguns esboços de gramática; nada disso Os centros cerebrais que regem os aspec-
comparável, no entanto, ao grau de complexi- tos gramaticais da linguagem são essencial-
dade das linguagens “lingüísticas”. Chomsky, mente os mesmos, independentemente da
(1975, p. 43) em seus estudos sobre as relações modalidade que se analisa. Vale a pena desta-
entre psicologia cognitiva e lingüística, entre car este fato, acontecido recentemente. O he-
linguagem e língua, escrevia: misfério cerebral esquerdo é um analisador
No meu modo de entender, não se deveria principalmente seqüencial e, por isso, atua,
falar de uma “relação” entre lingüística e psi- na grande maioria das pessoas, como subs-
cologia pela simples razão de que a lingüística trato anatômico e fisiológico da função lin-
faz parte da psicologia. Simplesmente, não güística. O hemisfério direito é, principal-
posso concebê-la de outro modo. Freqüente- mente, um analisador espacial. Acreditou-se
mente se faz a seguinte distinção: a lingüística durante muito tempo que a gramática das
estuda a língua, enquanto a psicologia estuda linguagens gestuais (linguagens do espaço,
a aquisição e a utilização da linguagem. Não por definição) devia estar localizada neste úl-
timo hemisfério. Apesar disso, diversos estu-
2 dos demonstraram que isto não estava certo e
N. de R. T.: Unidade fonológica abstrata, contrastiva em
uma dada língua. Ex. na língua portuguesa, o contraste que essa gramática, como as outras, é contro-
/p/ e /b/ distingue o significado de “pato” e “bato”. lada pelo hemisfério esquerdo.
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Componentes lingüísticos 3. Nível morfossintático: diz respeito à rea-


lização das estruturas de significado com-
A linguagem é o produto da integração plexo, mediante a formação de seqüên-
de vários componentes ou subsistemas (Ta- cias organizadas de lexemas.4
bela 1.1):
4. Nível pragmático: reagrupa uma série de
1. Nível fonológico: reagrupa os sons próprios subfunções que têm a intenção de agir so-
de uma língua determinada (fonemas).3 bre o interlocutor ou influenciá-lo.
2. Nível morfolexicológico: inclui os elemen- 5. Nível do discurso: considera o discurso
tos léxicos − ou palavras − da língua que no sentido de um enunciado superior à
constituem o léxico − ou vocabulário − des- frase, em extensão e do ponto de vista de
ta. Trata-se do “dicionário mental”. Uma sua organização informativa.
diferença notável entre os dicionários men-
tais e os impressos é que os primeiros não Cada subsistema possui uma certa autono-
estão “naturalmente” organizados por or- mia em relação a outros subsistemas, tal como
dem alfabética. Um dicionário normal co- o demonstram as considerações atuais sobre a
mo o Pequeno Larousse Ilustrado (2002) com- modularidade neurofuncional da linguagem e
preende, aproximadamente, umas 90 mil as dissociações observadas nas patologias da
palavras. Um dicionário completo da lín- linguagem, particularmente nas disfasias gené-
gua francesa conteria várias centenas de ticas (Rondal, 1995). O calendário de desenvol-
milhares de palavras. A amplitude dos di- vimento varia, mesmo assim, de maneira subs-
cionários mentais varia segundo as pessoas tancial segundo o subsistema lingüístico anali-
(segundo sua idade, nível cultural, profis- sado, embora se possa traçar uma espécie de li-
são, etc.), mas costumam ter, em geral, al- nha de demarcação entre certos subsistemas
gumas dezenas de milhares de palavras. lingüísticos e outros. Os aspectos semânticos

4
N. de R. T.: Lexema – termo usado por alguns lingüís-
tas como referência à unidade distintiva mínima no
3
N. de R. T.: A forma sistemática como cada língua or- sistema semântico de uma língua. Os lexemas são as
ganiza os sons é objeto de estudo da fonologia. Os fo- unidades convencionalmente listadas em dicionários
nemas são os sons capazes de distinguir significados. com entradas separadas. (Crystal, D. Dicionário de Lin-
Ver Bisol, L. (org). 2001. güística e Fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.)

Tabela 1.1 Componentes estruturais da linguagem e aspectos metalingüísticos


Fonologia Morfolexicologia Morfossintaxe Pragmática Discurso

1. Fonemas 1. Lexemas e organi- 1. Organização 1. Prática da 1. Macroestruturas


zação semântica semântica conversação discursivas
léxica estrutural
2. Estruturas 2. Estruturação 2. Adequação 2. Coesão
hierárquicas e sintagmática interpessoal discursiva
sêmicas e situacional
3. Morfologia das 3. Estruturação 3. Dêixis
inflexões de frases
4. Morfologia 4. Estruturação 4. Tipos de frases
referencial e de parágrafos não-locutivas
derivacional
5. Categorias 5. Ênfase
lexicogramaticais 6. Elipse
Metafonologia Metalexicologia Metamorfossintaxe Metapragmática Metadiscurso

Fonte: Rondal, 1977.


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(léxicos e estruturais) da linguagem dependem modificações importantes cuja discussão aqui


mais dos sistemas conceituais da mente do que se faz desnecessária.
dos aspectos fonológicos e morfossintáticos. O ponto de partida de uma mensagem
Por essa razão, e para marcar uma diferença lingüística reside em uma intenção de comu-
quanto à natureza de ambas as séries de com- nicação, na seleção de uma ou várias informa-
ponentes, Chomsky (1981) sugeriu denominar ções que queremos comunicar, em ordenar
como conceituais os primeiros aspectos e como essas informações a fim de expressá-las e em
computacionais os segundos. Seria ainda mais relacioná-las com o que se disse anteriormen-
apropriado, sem dúvida, fazer uma divisão em te e, eventualmente, com a situação de troca,
três categorias: aspectos computacionais, aspec- com os interlocutores presentes e com algu-
tos conceituais (semânticos) e aspectos socioin- mas de suas características. Este primeiro ní-
formativos da linguagem. Estes últimos englo- vel pode ser chamado conceitual-semântico.
bariam os controles pragmáticos e a organiza- As informações que serão comunicadas são
ção informativa da linguagem no nível de ma- também objeto de uma elaboração semântica,
croestruturas discursivas. nível no qual se situa a passagem do conceitual
para o lingüístico. Realmente, as estruturas se-
mânticas codificam um certo número de rela-
Funções da linguagem
ções, de dimensões e de propriedades da reali-
Entendemos por funções lingüísticas não os dade que são retidas por uma língua determina-
usos gerais da linguagem denominados, às ve- da. Por exemplo, em francês, como em outras
zes, funções (p. ex., a função representativa, a línguas, se reconhece a existência de agentes
função comunicativa, a função descritiva, a (entidades responsáveis por ações), de pacientes
função instrumental [que consiste em utilizar a (entidades receptoras ou “vítimas” de ações), de
linguagem como um instrumento para agir so- ações, de estados, de processos, de instrumentos
bre outras pessoas], a função auto-reguladora e de outras categorias semânticas como as indi-
[que consiste em empregar a linguagem, espe- cações de tempo e de localização no espaço. O
cialmente em sua modalidade de fala em voz produto do funcionamento conceitual-semânti-
baixa ou interior, para organizar os próprios co é uma mensagem pré-verbal constituída por es-
pensamentos ou atividades], etc.), mas as duas truturas semânticas relacionadas entre si (mas
grandes partes da atividade lingüística, que não seqüenciada linearmente).
são a produção e a compreensão dos enunciados. Um segundo nível de elaboração produtiva
é o léxico-gramatical: elementos léxicos não arti-
culados5 são selecionados do próprio léxico
Produção e compreensão lingüísticas
mental de maneira que componham uma men-
Em sentido geral, a produção de uma men- sagem verbal. Em seguida, os elementos léxicos
sagem lingüística consiste em ir da idéia à rea- não-articulados são dispostos e marcados se-
lização vocal de uma seqüência canônica de gundo as regras morfossintáticas da linguagem,
lexemas. A compreensão é a série de operações antes de serem executados em forma de movi-
que, a partir de um enunciado, permite reen- mentos articulatórios no nível fonológico6 (men-
contrar a idéia de partida. Ao contrário do que sagem articulada); transformam-se, então, em le-
poderia parecer inicialmente, a compreensão xemas. Outras reorganizações dos elementos lé-
da linguagem não é simplesmente a operação xicos não-articulados ou, mais adiante, dos le-
inversa à sua produção. As duas funções são xemas, podem intervir segundo as característi-
assimétricas, mesmo quando compartilham
muitos elementos de uma mesma trama. 5
N. de R. T.: No original os elementos léxicos não arti-
Para explicar esses conceitos, faremos re- culados são chamados de ”lemas“ e correspondem a
ferência a um esquema simplificado das ope- cada uma das palavras que se definem em um dicio-
rações implicadas na produção da linguagem nário ou enciclopédia. Não há palavra similar na lín-
gua portuguesa.
oral (Figura 1.1); esquema baseado no apre- 6
N. de R. T.: A mensagem articulada faz parte do nível
sentado por Levelt (1989), mas com várias fonético, e não do nível fonológico.
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cas pragmáticas e discursivas das mensagens. compreensão. A produção de uma mensagem


Mesmo assim, paralelamente à elaboração da requer um monitoramento baseado na capa-
mensagem, do pré-verbal para o verbal articu- cidade de compreender a própria mensagem
lado, acontecem vários controles realizados por à medida que vai tomando forma e compará-
sistemas que incluem analisadores, dispositivos la com o que se havia projetado e o que con-
de verificação da compreensão, métodos de vém segundo a situação.
comparação do produto dessas análises com as No que se refere às etapas de produção da
intenções de comunicação e as informações de mensagem lingüística que são apresentadas na
partida, assim como a integração da mensagem Figura 1.1, podem ser situados e definidos di-
no contexto pragmático e, eventualmente, dis- ferentes “tipos” de compreensão lingüística.
cursivo da comunicação. Esses aspectos não fo- Uma primeira forma de compreensão (não ne-
ram detalhados no esquema da Figura 1.1 a fim cessariamente lingüística) consiste em deduzir
de conservar sua simplicidade. o sentido de uma mensagem a partir do con-
Assim, não é possível separar muito cla- texto da situação, ou, ocasionalmente, a partir
ramente as funções de produção das de auto- da entonação utilizada pela pessoa que falou

Nível conceitual-semântico

Idéia da mensagem

Intenções de
comunicação

Estruturas semânticas

MENSAGEM PRÉ-VERBAL Monitoramento


da compreensão

Nível léxico-gramatical Léxico

Organização Organização
morfossintática Lemas7 pragmática
e discursiva

MENSAGEM VERBAL

Nível articulatório

Organização fonológica
Lexemas
Articulação

MENSAGEM ARTICULADA

Figura 1.1 Modelos de produção da linguagem oral.

7
N. de R. T.: Ver nota 5 do R. T.
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ou por suposições sobre o que esta pessoa pô- comunicar. Ele é capaz de perceber os estímu-
de querer dizer dentro deste contexto concre- los auditivos, pode chorar, gemer e, finalmente,
to. A segunda forma de compreensão é lin- produzir sons que têm valor de comunicação e
güística, mas limitada ao vocabulário (com- que equivalem a manifestações de seus dese-
preensão léxica ou, mais exatamente, não neces- jos, expectativas e sensações. Vários comporta-
sariamente morfossintática). Esta segunda forma mentos insignificantes e os jogos com a mãe
de compreensão se esforça para captar o senti- permitem que as bases da comunicação inter-
do da mensagem a partir do significado das pessoal se instalem progressivamente. Passa-
palavras individuais ou de algumas delas. se, então, de uma forma global de expressão e
Uma terceira forma de compreensão procede de comunicação (na qual participa todo o cor-
da análise morfossintática e léxica. Os lexemas po) para uma forma diferenciada que recorre
são analisados tendo em conta suas relações preferentemente à atividade vocal, sobre um
gramaticais (compreensão lingüística completa). fundo de expressão e comunicação gestuais
que implicam o início da compreensão verbal.
Ao longo dos 15 primeiros meses acontece
ONTOGÊNESE LINGÜÍSTICA uma considerável evolução da atividade vo-
cal e perceptiva. Durante o primeiro ano de
Sons, fonemas e prosódia vida, a criança passa por uma fase denomina-
da de “não especialização monolíngüe”, na
A idade do aparecimento da fala, a veloci- qual é capaz de discriminar e de produzir
dade de desenvolvimento, assim como os di- uma série quase ilimitada de sons, uma parte
ferentes tipos de erros de articulação cometi- importante dos quais não pertence à sua futu-
dos durante o desenvolvimento, variam con- ra língua materna. No nível receptivo, a criança
sideravelmente de uma criança para outra. pode, antes dos 6 meses, discriminar os con-
São diversos os fatores que influem no desen- trastes fonêmicos que pertencem ou não à sua
volvimento fonológico da criança: o sexo, a (futura) língua materna. Entre os 8 e os 10 me-
posição em relação ao conjunto de irmãos, as ses, a influência do ambiente lingüístico ao
experiências lingüísticas às quais a criança se qual está exposta faz decrescer rapidamente
vê submetida, as expectativas dos pais e o es- essa capacidade discriminadora que, quando
tado de saúde (Dodd, 1995). a criança tem 1 ano, não atinge mais do que
O primeiro ano de vida é crucial na 10% de seu potencial inicial (salvo no que diz
aprendizagem da linguagem. Ao longo des- respeito aos sons da língua materna).
te período, o bebê aprimora, graças à sua ex- No nível produtivo, o fenômeno é compa-
periência recente, toda uma série de capaci- rável ao que acontece no nível receptivo. A
dades básicas que lhe permitem interagir in- criança passa do estado de balbucio indife-
tencionalmente em um nível pré-verbal com renciado para a emissão exclusiva de fone-
o adulto. Deste modo, o bebê é capaz de dis- mas pertencentes à língua materna. Até os 6
tinguir sua língua materna de outra língua ou 8 meses, a criança começa a ter um certo
(Melher et al., 1988), de distinguir a voz can- controle da fonação e, de maneira bastante
tada de uma música instrumental (Cairns e clara, também no nível da prosódia.
Butterfield, 1975) e, inclusive, de combinar in- Considera-se que a criança balbucia quan-
formações visuais e auditivas, dando-se con- do produz sons cujas margens acústicas tem-
ta, assim, de que os movimentos dos lábios e porais estão próximas aos das sílabas produzi-
os sons da fala estão unidos (Dodd, 1979). das na “língua adulta” (de Boysson-Bardies e
Geralmente, consideramos que a criança Halle, 1994). Segundo Oller (1980), esses sons
começa a falar em torno dos 12 meses, quando têm uma significação de desenvolvimento par-
produz suas primeiras palavras. No entanto, a ticular. Neste momento, a criança se encontra
comunicação no sentido mais amplo da pala- em uma fase de balbucio reduplicado, estado
vra começa muito antes. Desde o momento do que é definido como o da produção de séries
seu nascimento, o bebê tem a capacidade de se de sílabas “consoante-vogal” (CV), nas quais a
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consoante é a mesma em cada sílaba. Freqüen- dos fonemas da língua à qual se encontra ex-
temente, uma vogal breve inicia a série. As sé- posto e, alguns anos mais, antes que repre-
ries de sílabas são frequentemente de conteúdo sentem o estado adulto da língua em questão.
estereotipado. O grau de precisão da produção No decorrer do segundo ano de vida, a ar-
consonântica varia nas diferentes séries de bal- ticulação é ainda imperfeita; a fala da criança
bucio: assim, uma oclusiva linguodental [d] continuará contendo omissões, substituições e
pode predominar nas sílabas de uma série, distorções dos sons. Em seu terceiro ano, a
mas os sons guturais ou fricções do mesmo criança é, geralmente, compreendida inclusi-
ponto articulatório podem também estar pre- ve por pessoas não-pertencentes à família.
sentes, começando uma ou várias sílabas de Quando tem 4 anos, sua articulação está mais
outra série. As consoantes bilabiais, oclusivas precisa, embora possam persistir algumas
alveolares, nasais e semivogais ([w] ou [j], em omissões e distorções de sons. Considera-se
francês) são os fonemas não vocálicos mais fre- que aos 5 anos a criança já é capaz de produzir
qüentes no balbucio. O balbucio reduplicado corretamente a maioria dos sons, se não todos,
não é usado pela criança na comunicação com de sua língua materna. Além dos sons pró-
os adultos, mas lhe serve para (auto)controlar a prios da língua materna, a criança deve tam-
produção. Até o final deste estágio, o balbucio bém aprender a conhecer os contornos da en-
pode ser utilizado como um jogo de imitação tonação e da sua organização prosódica. Du-
ritual com o adulto. Até os 10 meses, a criança rante a segunda metade do primeiro ano de
possui um espaço vocálico que prefigura o do vida, se inicia o controle da produção dos pa-
adulto. Também até os 9 ou 10 meses, a criança drões articulatórios da língua materna (de
passa, progressivamente, da fase do balbucio Boysson-Bardies e Halle, 1994).
reduplicado para a do balbucio não-reduplica- Atualmente, a continuidade entre o bal-
do, isto é, para um balbucio no qual as séries bucio e a produção das primeiras palavras es-
incluirão sílabas vogal-consoante-vogal (VCV) tá bem-estabelecida. De fato, pôde-se eviden-
e consoante-vogal-consoante (CVC). Nessas ciar um certo número de semelhanças estru-
séries, tanto as consoantes como as vogais po- turais entre as seqüências de balbucio e as
dem variar de uma sílaba para a seguinte; as primeiras palavras reconhecíveis na fala da
consoantes já presentes no estágio de balbucio criança. Já em meados da década de 1970, Ol-
reduplicado estão ainda presentes no balbucio ler e colaboradores (1976) observaram substi-
variado, embora sejam acrescentados novos tuições e supressões de sons idênticas no bal-
elementos e, especialmente, as consoantes fri- bucio e nas primeiras palavras. Outros pon-
cativas /s/, //8, /z/, as vogais médias, as an- tos em comum entre os dois tipos de produ-
teriores altas e as posteriores altas arredonda- ções foram acrescentados aos anteriores (Bla-
das ou não-arredondadas. ke e de Boysson-Bardies, 1992), dos quais os
Entre os 10 e os 18 meses a criança produz mais importantes são o lugar e o modo de ar-
palavras. A produção dos diferentes sons da ticulação das consoantes, o número de sílabas
fala é, neste momento, uma imitação aproxi- e as preferências sonoras nas produções.
mada da forma adulta destes sons. Deve-se
ter presente que podem subsistir ainda al-
Como a criança adquire o repertório de sons
guns episódios de balbucio bastante tempo
de sua língua?
depois do aparecimento das primeiras pala-
vras. Deve-se esperar de 11 a 13 meses antes Esta não é uma pergunta que pode ser
que a totalidade dos sons produzidos pela considerada simples, uma vez que todas as
criança não reflitam mais do que o conjunto respostas são incompletas. As propriedades
do sistema de sons que a criança deve adqui-
rir constituem um aspecto importante do de-
8
senvolvimento fonológico. Com efeito, os
N. de R. T.: No original foi utilizado o símbolo /j/
que, de acordo com o Alfabeto Fonético Internacional, sons característicos de uma língua mantêm
corresponde à semivogal “y”, e não a uma fricativa. um certo número de relações que podem ser
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descritas em forma de regras e constituem a tes na língua adulta. Assim, as crianças fran-
base de seu sistema fonológico. cófonas e anglófonas de 10 meses ou maiores
apresentam uma preferência marcante pelas
9
Exemplo. Em francês, [p], [t] e [k] têm um vogais acusticamente compactas (cujos dois
determinado número de características arti- primeiros componentes estão próximos, co-
culatórias em comum (são consoantes oclusi- mo acontece no /a/; desvio de 575Hz); en-
vas surdas: sua articulação comporta um fe- quanto as crianças cantonesas preferem as
chamento seguido de uma abertura da cavi- vogais difusas (cujos dois primeiros compo-
dade oral, enquanto seu caráter surdo impli- nentes se encontram afastados, como é o caso
ca a ausência de vibração das pregas vocais), do /i/; desvio de 2.260Hz).
mas diferem no lugar onde ocorre a obstru- Os sons da língua podem ser ordenados se-
ção do ar (os lábios, no caso do [p]; a ponta da gundo o número e o tipo de contrastes articula-
língua e os dentes, no do [t], e o dorso da lín- tórios que os separam (pares de fonemas entre
gua e o palato duro, no do [k]). os quais existe contraste maior ou menor). Se-
gundo Jakobson (1968), a criança adquire os fo-
Os contrastes fonológicos marcam a ex- nemas mais contrastados em primeiro lugar.
pressão de significados diferentes10 (p. ex., Estes são os fonemas que são encontrados em
paon, temps, quand), o que constitui a mesma todas as línguas, enquanto os menos contrasta-
definição do sistema fonológico. Note-se, ape- dos tendem a ser característicos de cada língua
sar disso, que somente alguns contrastes dos em particular. Jakobson propõe a seguinte se-
existentes entre dois ou vários sons marcam, qüência de desenvolvimento. O [a] emerge co-
em uma língua determinada, diferenças de mo a primeira vogal, e uma oclusiva labial, ge-
significado e permitem identificar fonemas. ralmente o [p] (ou, às vezes, a nasal [m]), inau-
gura a lista das consoantes. As primeiras com-
Exemplo. Embora sejam articulatória e binações consoante-vogal podem ser obtidas,
acusticamente distintos, o [k] de qui e o de então, por duplicação. O contraste articulatório
11
coup são, em francês, o mesmo fonema, en- e acústico é ótimo entre /a/ e /p/. O som [a]
quanto em árabe são dois fonemas diferentes. implica uma abertura ampla da boca e uma vi-
bração das pregas vocais; não exige nenhuma
As primeiras consoantes aparecem primei- limitação de duração, e uma forte energia acús-
ro no balbucio, antes de serem integradas nas tica se concentra em uma banda relativamente
palavras (Vihman et al., 1986). Em um estudo estreita de freqüências (caráter compacto), en-
interlingüístico dos padrões de balbucio nas quanto os caracteres acústico-articulatórios do
crianças pequenas, Blake e De Boysson-Bar- [p] são exatamente inversos.
dies (1992) chegaram à conclusão de que as
A criança adquire logo o [i] e, mais adiante
crianças de 9 a 14 meses têm preferência mar-
o [u], no que se refere às vogais; e a consoante
cante pela produção de consoantes oclusivas
[t], seguida do [k] (segundo uma alternância
[b], [p]; [d], [t]; [g], [k]. Estes autores vêem nes-
contínua agudo-grave, compacto-difuso). In-
sas observações uma confirmação da hipótese
corporam-se, em seguida, as restantes vogais
de Vihman e colaboradores (1986), segundo a
orais e as vogais nasais, assim como as con-
qual as consoantes oclusivas têm uma base fi-
soantes oclusivas sonoras, as nasais, as fricati-
siológica mais sólida e são mais freqüentes do
vas surdas e sonoras e as laterais. Esta seqüên-
que os outros tipos de consoantes.
cia de aquisição de fonemas corresponde, em
No tocante às vogais, De Boysson-Bardies
linhas gerais, à ordem de dificuldade relativa
e colaboradores (l989) demonstraram a prefe-
dos fonemas do ponto de vista articulatório e,
rência dos bebês para as vogais mais freqüen-
em grande parte, se aceita como correta.
9
Stampe (1969) e Ingram (1976) apresenta-
N. de R. T.: Também na língua portuguesa.
10
N. de R. T.: Ex.: pato, tato, cato.
ram uma abordagem do desenvolvimento fono-
11
N. de R. T.: Também o são na língua portuguesa – [k] lógico que completa a teoria de Jakobson e se
em aqui e café – devido à co-articulação. centra na identificação de estratégias de simpli-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 25

ficação da fala adulta utilizadas pela criança pe- cular de fonemas. No exemplo anterior, consta-
quena. Os processos de simplificação mais co- ta-se uma supressão do [s] inicial quando é se-
mumente observados são as substituições, as as- guido de uma consoante oclusiva. Ao contrário,
similações, as supressões de sons ou de grupos se a segunda consoante é fricativa, é esta última
de sons e as reduplicações de sílabas. Pode-se que é suprimida. Pode-se então estabelecer a
aplicar mais de um processo de simplificação seguinte regra: “Em um encontro consonantal
para uma mesma palavra. Segundo este estudo, [s] + consoante, o [s] é suprimido se a consoan-
o desenvolvimento fonológico consiste na elimi- te seguinte é oclusiva; se é fricativa, é esta últi-
nação progressiva das tendências simplificado- ma que é suprimida”.
ras. Stampe (1969) definia esses processos de Observe-se que os termos regras e processos
simplificação ou, segundo seus próprios ter- fonológicos são utilizados de diferentes formas
mos, “processos fonológicos”, como operações na bibliografia. De acordo com Fey (1992), os
mentais aplicadas à linguagem. Essas leis per- termos são sinônimos. Edwards (1992) consi-
mitiriam substituir uma classe ou seqüência de dera que os processos fonológicos são mudan-
sons (que contêm uma dificuldade comum para ças sistemáticas que afetam uma classe de
todas as crianças ou específica de um indivíduo) sons, enquanto as regras representam o estado
por uma classe ou seqüência de sons alternativa formal de um processo. Finalmente, Dodd
– o mais idêntica possível –, a fim de evitar a di- (1995) afirma que o processo fonológico é uma
ficuldade. Esses processos constituem uma série tendência geral, enquanto a regra é a concreti-
universal de procedimentos ordenados de for- zação do processo fonológico em um contexto
ma hierárquica e utilizados pela criança para particular (p. ex., o [s] é suprimido em posição
simplificar seu discurso. São “universais” no pré-consonântica; /l/, /m/, /f/ são suprimi-
sentido de que cada criança nasce com a dificul- dos em posição pós-consonântica).13 A análise
dade de simplificar o discurso de uma maneira da linguagem, em termos de regras fonológi-
coerente. São “hierárquicos” porque alguns de- cas, é utilizada principalmente para descrever
les são processos de base, e outros não. os erros de desenvolvimento das crianças pe-
Não é fácil de se fazer a análise lingüística quenas, assim como os de crianças que apre-
da produção de sons da criança pequena, uma sentam problemas funcionais da fala, perda
vez que determinar se um fonema particular é auditiva ou retardo mental.
produzido de forma errônea depende, freqüen-
temente, do contexto fonêmico no qual se en- 14
contra. Mais concretamente, voltemos ao exem- Processos fonológicos
plo de Dodd (1995), no qual uma criança pro- Substituições. A substituição de um fo-
duz respectivamente [tɔp], [ki] e [pɔr], em lugar nema por outro de uma mesma palavra é
de [stɔp] (stop), [ski] (esqui) e [spɔr] (sport) e uma característica corrente da linguagem da
[sov], [sε̃ks] e [sεr], em lugar de [slov] (slow),
[sfε̃ks] (sphinx) e [sfεr] (sphère).12 Uma análise
13
taxonômica aplicada a este exemplo indica que, N. de R. T.: No português, [r] e [l], em onset complexo
em 50% dos casos, existe um erro no [s], mas es- (encontro consonantal), são suprimidos em posição
pós-consonântica, como em: “prato” → [patu]; “blusa”
te erro não autoriza nenhuma previsão sobre as → [buza].
circunstâncias de omissão do [s]. Pelo contrário, 14
N. de R. T.: Na língua portuguesa, os processos fono-
uma análise dos processos fonológicos permite lógicos comumente encontrados no desenvolvimento
normal envolvem o nível do segmento e o nível da sí-
especificar, no contexto fonêmico, o que está al- laba.
terado em um fonema ou em um grupo parti- No nível do segmento, as substituições (quando, no lu-
gar de um segmento não-disponível no sistema da
12
criança, outro segmento é realizado) podem ser:
N. de R. T.: Em português, a estrutura silábica CCV • Dessonorização – quando um segmento sonoro é reali-
(i. é, grupos de onset complexo) são constituídos por zado como surdo (ex.: “vaca” → [faka]).
uma obstruinte e uma líquida. As obstruintes que po- • Anteriorização – quando um segmento palatal ou ve-
dem ocupar a primeira posição são: /p, b, t, d, k, g, f, lar é realizado como alveolar ou labial (ex.: “fogo” →
v/ e as líquidas que podem ocupar a segunda posição [fodu]; “chave” → [savi]).
são /l, ɾ/ (Ribas, L. 2004). Desta forma, não há exem- • Palatalização – quando um segmento alveolar é reali-
plos equivalentes na língua portuguesa. zado como palatal (ex.: “sapato” → [apatu]).
26 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

criança pequena. Podem ser distinguidos vá- 4. Posteriorização. As consoantes alveolares


rios tipos de substituições. tendem a ser substituídas por consoantes
velares ou palatais. Trata-se do mecanis-
1. Plosivização. As consoantes fricativas são mo inverso ao anterior.
substituídas por consoantes oclusivas. Es-
5. Deslizamento.15 Uma semivogal é substi-
te processo é um dos mais comuns e mais
tuída por uma consoante líquida. Este pro-
bem estabelecidos na linguagem da crian-
cesso é pouco conhecido em francês, mas
ça, sendo, em geral, as consoantes fricati-
está documentado especialmente em in-
vas surdas as mais afetadas. Se a oclusão
glês. Com efeito, em francês não se utiliza
é freqüente, os padrões individuais de
o [j] como fonema inicial e somente em ra-
sua aplicação são múltiplos; as crianças
ras ocasiões se utiliza o [w] nesta posição,
não mudam necessariamente todas as
enquanto, em inglês, ambos os sons são
consoantes fricativas em oclusivas e é
freqüentes no começo da palavra. Por esta
possível prever as que serão escolhidas.
razão, pode ser formulada a hipótese de
2. Fricatização. Trata-se do mecanismo in- que as crianças anglófonas substituem
verso ao anterior: as consoantes oclusivas mais as semivogais porque estas são mais
são transformadas em fricativas. Este tipo freqüentes em seu idioma. Assim, pois, é
de substituição é menos freqüente do que possível que as substituições utilizadas
a plosivização. nos processos fonológicos possam estar
notavelmente influenciadas pelo sistema
3. Anteriorização. As consoantes velares e
fonológico ao qual a criança se encontra
palatais (p. ex., [k] como dorso-pós-pala-
comparada, e não unicamente por uma
tal e [g] como dorsovelar) tendem a ser
tendência geral para a simplificação.
substituídas por consoantes alveolares (p.
ex., [t] e [d]). Nesse processo, bastante co- 6. Vocalização.16 Uma sílaba consonântica17
mum na criança pequena, estão implica- é substituída por uma vogal. Trata-se de
das duas operações: a anteriorização das um processo particularmente destacável
palatais e a das velares. As crianças po- em inglês, idioma no qual as sílabas con-
dem apresentar um só destes dois tipos sonânticas são freqüentes. No caso das
de anteriorização. Este processo interage, consoantes velares, a substituição mais
às vezes, com a plosivização, e não é de se freqüente é por uma vogal posterior arre-
estranhar que uma criança substitua um dondada /o/ (au, em francês) ou /u/ (ou,
// por um /t/. em francês). Em outros casos, se trata de
• Apagamento de líquida intervocálica (não-realização
• Substituição de líquidas – quando uma líquida – late- de onset medial). Ex.: “bala” → [baə].
ral ou vibrante – é substituída por outra (ex.: “rua” → • Apagamento de sílaba átona (não-realização de uma ou
[lua]; “bola” → [bɔrə]). mais sílabas). Ex.: “banana” → [nãna]; “cabelo” → [belu].
• Semivocalização de líquida – quando uma líquida é • Metátese (troca de posição do segmento na sílaba ou na
substituída por uma semivogal (ex.: “bola” → [bɔr?]; palavra). Ex.: “escada” → [sikada]; “braço” → [barsu].
“barro” → [bawo]). • Epêntese (inserção de uma vogal, transformando a es-
• Plosivização – quando um segmento fricativo ou afri- trutura complexa (C) VC em duas simples (C) V. CV).
cado é realizado como plosivo (ex.: “sala” → [tala]). Ex.: “tambor” → [tambori]; “braço” → [barasu]. (Ya-
• Posteriorização – quando um segmento alveolar ou la- vas, Hernandorena e Lamprecht, 1991) e Lamprecht
bial é realizado como palatal ou velar (ex.: “vaca” → (org.), 2004.
[zaka]; “dois” → [goys]. 15
N. de R. T.: Na língua portuguesa é comum a substi-
No nível da sílaba, podem ser: tuição de uma líquida lateral ou não-lateral – por uma
• Redução de encontro consonantal (não realização do semivogal. Por ex.: barata [bayata]; bola [boya]; carro
segundo membro do onset complexo) ex.: “prato” → [kawo]. Tal processo é denominado de semivocaliza-
[patu]. ção de líquida. O processo de “deslizamento” como
• Apagamento de fricativa ou líquida final (não-realiza- descrito acima não ocorre no português.
ção da coda). Ex.: “casca” → [kaka]; “porta’ → [pota]; 16
N. de R. T.: O termo “vocalização” é mais comumen-
“tambor” → [tãmbo]. te usado na referência a um processo de substituição
• Apagamento de líquida inicial (não-realização de on- de uma líquida por uma vogal.
set inicial). Ex.: “rua” → [wa]; “lata” → [ata]. 17
N. de R. T.: No português, não há sílabas formadas
somente por consoantes.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 27

um /a/ aproximante, embora a substitui- surdas quando se encontram no final da


ção possa estar muito afetada pela ten- sílaba.
dência a assimilar uma vogal acentuada a
2. Harmonia consonantal. Em um contexto
uma vogal não-acentuada.
C1VC2, observa-se uma tendência a assi-
7. Neutralização vocálica.18 As vogais nasais milar as consoantes entre si de maneira
tendem a ser transformadas em vogais previsível. São encontrados três padrões
orais centralizadas. Observe-se que, dado freqüentes de harmonia consonantal: a)
o desenvolvimento rápido das vogais, os assimilação velar (uma consoante linguo-
processos que as afetam parecem desapa- dental tende a ser assimilada a uma con-
recer mais depressa do que aqueles que soante velar próxima); b) assimilação bi-
afetam as consoantes. labial (uma consoante linguodental tende
8. Nasalização. Fonemas orais (consoantes, a ser assimilada a uma consoante bilabial
vogais ou ambos) são substituídos por fo- próxima) e c) desnasalização (uma con-
nemas nasais. soante nasal é desnasalizada, passando
para uma consoante oral próxima).
Entre esses processos de substituição, a Menn (1975) postula uma forte hierar-
plosivização, a fricatização, o deslizamento e quia que é a que determina a direção das
a nasalização representam quatro modos de assimilações, de tal maneira que as con-
articulação que são substituídos por outros. soantes mais “fracas” passariam a se tornar
semelhantes às mais “fortes”. A hierarquia
Assimilações.19 Este grupo de processos das posições das consoantes, das mais for-
de simplificação representa uma má correspon- tes para as mais fracas, foi descrita como se-
dência entre a forma infantil e o modelo adulto. gue: “velares → bilabiais → dentais”. Isto
Observa-se uma tendência a assimilar um seg- significa que as consoantes dentais serão
mento de uma palavra em outro; inclusive se a assimiladas às velares, ou então às bilabiais,
criança adquiriu um fonema adulto particular
com preferência, entretanto, por estas últi-
em determinadas palavras, em alguns contex-
mas. A regra de simplificação da lingua-
tos, a produção pode estar alterada. Mesmo
gem aplicada pela criança seria, portanto:
quando necessita ainda de algumas precisões
“C1 é assimilada em C2 se C1 for mais fraca
teóricas, este processo é muito freqüente.
do que C2 na hierarquia de forças”. Final-
mente, note-se que a assimilação pode ser
1. Sonorização.20 Este processo se refere a
progressiva (assimilação das consoantes de
duas operações de simplificação separa-
das, mas relacionadas entre si: a tendên- uma palavra às consoantes que seguem) ou
cia a sonorizar as consoantes quando regressiva (assimilação das consoantes de
precedem uma vogal e a torná-las mais uma palavra às que as precedem).
3. Assimilação vocálica. Uma vogal não-acen-
18
N. de R. T.: A neutralização vocálica ocorre, no portu-
tuada é assimilada a uma vogal acentuada
guês, em posições átonas nas quais desaparece a oposi- que a precede ou que a segue. Dado o de-
ção entre certos fonemas. Por ex.: a oposição entre [e] e senvolvimento rápido das vogais, a assimi-
[i] é neutralizada em final de palavra, como em “pen-
te” → [pẽn + i] ou [pẽnte].
lação é um processo de simplificação que a
19
N. de R. T.: A assimilação, no português, é um proces- criança abandona rapidamente neste nível,
so de substituição em que um som pode ser substituí- uma vez que começa muito cedo a ser ca-
do por influência de outro que se encontra na mesma
palavra, como em: “casa” → [kaka] – a consoante frica-
paz de diferenciar as vogais, em uma pala-
tiva assume as características articulatórias da plosiva vra. No entanto, podem aparecer alguns ca-
20
velar. sos isolados de assimilação vocálica.
N. de R. T.: Além de ocorrer como substituição, no
português, o processo de sonorização por assimilação
ocorre quando a fricativa alveolar encontra-se em final Estruturação silábica. A noção de sílaba é
de sílaba e assume a sonoridade da consoante seguin- importante para a compreensão de todos os
te. Por ex.: não ocorre em “pasta” → [pasta] mas em processos descritos, uma vez que as substitui-
“mesmo” → [mezmu].
28 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

ções e as assimilações aparecem de forma variá- /ta/ para formar a sílaba /pa/). Este fenô-
vel conforme o lugar que o som ocupa dentro meno pode ser produzido também no nível
da sílaba. No caso da substituição, a plosiviza- de fonemas. A criança utiliza um traço de
ção das consoantes fricativas, por exemplo, é um primeiro fonema e um traço de um se-
abandonada, geralmente, mais quando são fri- gundo fonema para construir um terceiro.
cativas finais do que quando se encontram no f) Reduplicação. A criança repete várias ve-
começo da sílaba. Dizendo de outra forma, as zes a mesma sílaba. Trata-se de um proces-
consoantes fricativas pós-vocálicas são mais fá- so comum na formação das primeiras pa-
ceis de serem produzidas do que as pré-vocáli- lavras.
cas. No que diz respeito à assimilação, a sonori-
zação das consoantes varia segundo a localiza- Metátese. A metátese é um processo de
ção na sílaba. No nível de harmonia consonan- simplificação da linguagem falada adulta pela
tal, as crianças apresentam algumas limitações qual a criança reordena os sons que formam
precoces em suas produções (as consoantes na uma palavra. Todos os sons são produzidos
estrutura CVC devem ser de igual natureza). corretamente e se encontram presentes na pa-
Finalmente, a assimilação vocálica e a desnasa- lavra, mas a ordem está modificada (p. ex., dis-
lização implicam um fator importante: um seg- que se transforma em [diks]).23
mento dentro de uma sílaba não-acentuada é
mais fraco ou mais assimilável do que um seg- Preferências fonológicas
mento em uma sílaba acentuada. Junto com as
influências silábicas existentes sobre esses pro- A maneira como uma criança constrói
cessos, são observados outros processos fonoló- seu sistema fonológico é identificada pelas
gicos causados pela tendência da criança para preferências fonológicas, que diferem entre
simplificar a estrutura silábica. A maioria das uma criança e outra. A preferência fonológi-
crianças se orienta para uma sílaba de base CV. ca consiste em uma escolha da criança por
Podem ser distinguidos vários tipos de proces- um padrão articulatório determinado, isto
sos de estruturação silábica de base: é, por uma classe particular de fonemas ou
por uma estrutura silábica concreta. O fato
a) Redução de encontros consonantais.21 Um de que as preferências podem conduzir a
encontro consonantal é reduzido a uma só numerosas variações entre as diferentes
consoante. É um dos processos mais co- crianças fica ilustrado, em francês, pela pro-
muns. dução das consoantes fricativas iniciais /f/,
b) Apagamento das consoantes finais. Uma /v/, /s/, /z/, //, //. As consoantes po-
sílaba CVC é reduzida a uma sílaba CV. dem ser classificadas em três24 grupos se-
c) Apagamento das consoantes iniciais. Uma
N. de R. T.: Ex.: “pedra” → [prεda]; “bruxa” → [bura].
23
sílaba CVC é reduzida a uma sílaba VC. 24
N. de R. T.: O ponto ou lugar de articulação é o local
d) Supressão de sílabas não-acentuadas. Uma onde dois articuladores entram em contato (Callou e
sílaba não-acentuada é suprimida, especial- Leite, 1991). No português, Silva (1999) descreve os oi-
mente se precede uma sílaba acentuada. to lugares de articulação, a saber: bilabial, labiodental,
dental, alveolar, alveopalatal, palatal velar e glotal.
22
e) Coalescência. A criança utiliza parte de A partir dos estudos da fonologia autossegmental (es-
uma sílaba e parte de outra para formar pecificamente o trabalho de Clements e Hume, 1995)
os nós PONTO DE C (ponto de consoante) e PONTO
uma nova sílaba (p. ex., a palavra pantalón DE V (ponto de vogal) dominam os traços que repre-
se transforma em /palo/ → a criança utili- sentam os pontos de articulação, ou seja, traço [labial]
za o /p/ da sílaba /pa/ e o /a/ da sílaba – som articulado com os lábios – ex.: p, b, m, f, v; [coro-
nal] – som produzido com a frente da língua elevada,
podem ser [+ anteriores], quando a obstrução do som
21
N. de R. T.: Para explicação sobre “redução” e “não- ocorre na frente da região alveopalatal, ex.: s, z, n, l, r
realização” ler Lamprecht (org) 1999. ou [– anteriores], quando a obstrução do som ocorre na
22
N. de R. T.: Mecanismo através do qual dois segmen- ou atrás da região alveopalatal, ex.: , , η, λ e [dorsal]
tos são fundidos em um que tem características de – som produzido pelo retraimento do corpo da língua
ambos. Pode ocorrer entre vogais, consoantes ou en- em relação a sua posição neutra, ex.: k, g, R. Dessa for-
tre vogal e consoante. Ex.: “falta” /falta/ → [fawta] → ma, fala-se em 3 pontos de consoante: labial, coronal e
[fɔta]. (Mezzomo, C. 2004). dorsal. Bisol, L. (org), 2001.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 29

gundo o ponto de articulação: labiais,25 al- Desenvolvimento lexical


veolares26 e palato-alveolar.27
Bases da aquisição do vocabulário
Nos exemplos da Tabela 1.2, a diferença
mais marcante entre as três crianças é a prefe- A criança deve aprender a relacionar cor-
rência por pontos de articulação diferentes retamente seqüências de sons (significantes) a
(alveopalatal, para a primeira criança; dental, um conjunto de situações (referentes), utilizan-
para a segunda, e labial, para a terceira). Dei- do as representações mentais (significados)
xando de lado o ponto de articulação, as correspondentes como intermediárias. A cons-
crianças podem ter também preferência por trução dessas representações mentais é um tra-
uma posição do som na palavra. Nas con- balho que a criança deve realizar para desco-
soantes, podem ser distinguidas três posi- brir as regularidades que governam a utiliza-
ções: inicial, medial e final.28 As crianças po- ção dos lexemas por parte do adulto. A apren-
dem variar sua preferência por algum destes dizagem lexical vai além, no entanto, desta
três pontos, e todas têm as mesmas possibili- função de rotulação. A criança deve dominar
dades de escolha, mesmo quando esta difere também outras dimensões do vocabulário, tais
de uma para outra. como as relações de inclusão (cachorro-animal),
As crianças nem sempre utilizam de ma- as relações parte/todo (dedo-mão-braço), as in-
neira abusiva os sons da língua, mas podem compatibilidades lexicais (um “cachorro” não
ser observados casos nos quais evitam as pa- pode ser ao mesmo tempo um “gato”), os dife-
lavras que contêm fonemas que não podem rentes significados de uma palavra e as rela-
pronunciar facilmente. Falamos, então, de ções que eles mantêm entre si. Mesmo assim,
comportamento lingüístico de evitação. As deve incluir, também, os conhecimentos sobre
crianças podem, assim, apresentar preferên- a morfologia e a categoria gramatical (nome,
cias por alguns sons e evitar outros. verbo, etc.) de cada termo. Esta lista não-
Antes de concluir esta seção, convém sa- exaustiva destaca a multidimensionalidade do
lientar que nem todas as crianças utilizam, conhecimento lexical e das dificuldades conse-
necessariamente, estas modificações particu- cutivas que seu domínio supõe.
lares dos modelos adultos, mas algumas se
ajustam fielmente a eles e não utilizam, senão
raramente, os processos fonológicos que são Aquisição do vocabulário: primeiras palavras
habituais em outras crianças. do léxico adulto
A criança produz suas primeiras palavras
entre 10 e 13 meses. A expansão do vocabulário
Tabela 1.2 Preferências fonológicas
Sons adultos Criança A: 1,11 ano Criança B: 2,4 anos Criança C: 1,11 ano

f - s f
v - s v
s  s s (t)
z  - z
  s s
  s 
28
25 N. de R. T.: Por ex.: o fonema /s/, na língua portu-
N. de R. T.: Som que tem como articulador-ativo um ou
guesa, pode aparecer na posição inicial (onset absolu-
ambos os lábios. No português [p, b, m, f, v] são labiais.
26 to ou início de sílaba início de palavra (ISIP) ex.: “sa-
N. de R. T.: Som que tem como articulador ativo ou o
po” → [sapu]; na posição medial (onset medial ou iní-
ápice ou a lâmina da língua e como articulador passivo
cio de sílaba dentro de palavra (ISDP) ex.: “pássaro”
os alvéolos. No português [t, d, s, z, n] são alveolares.
27 → [pasaru]) ou na posição final (coda medial ou final
N. de R. T.: O articulador ativo é a parte anterior da
de sílaba dentro da palavra (FSDP) ex.: “casca” →
língua e o passivo é a parte medial do palato-duro. [t,
[kaska] e coda final ou final de sílaba final de palavra
d, , ] são palato-alveolares.
(FSFP) ex.: “dois” → [doys]).
30 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

é, primeiro, bastante lenta (de 50 a 100 palavras lização no espaço (acima, abaixo) e de algumas
até os 18 meses) e, mais adiante, acelera-se pro- rotinas (tchau).
gressivamente: 200 palavras até os 20 meses; de Estas observações parecem ser válidas
400 a 600, até os 2 anos; 1.500, até os 3 anos. Se- nas diferentes culturas. Os termos que desig-
gundo Carey (1982), entre os 2 e os 5 anos, a nam os objetos são mais numerosos do que os
criança aprende uma nova palavra a cada hora que se referem a ações e estados. As primeiras
de vigília, o que significa que incorpora cerca ações às quais se referem costumam ser ações
de 3.500 palavras novas a cada ano (2 mil se gerais (tais como fazer, ir ou ter) que as crian-
contarmos somente as de raiz diferente). A par- ças utilizam em um princípio, em contextos
tir dos 10 anos, calcula-se que adquire umas 10 muito variados, mas que se vão restringindo
mil palavras novas por ano. Foi estimado que, à medida que aprendem termos mais preci-
somente através dos livros -texto, as crianças de sos. Os verbos de movimento são mais preco-
9 a 15 anos têm contato com umas 85 mil raízes ces do que os verbos de causa ou finalidade,
distintas e com, pelo menos, 100 mil palavras cuja referência é mais difícil de captar.
diferentes. Para explicar a aceleração do ritmo A referência dos lexemas utilizados pela
de aquisição, existe a hipótese de que a criança criança pode ser diferente da dos adultos. Es-
deve compreender o papel funcional das pro- sas diferenças foram descritas porque fre-
duções verbais do adulto, isto é, que os objetos, qüentemente permitem seguir a evolução dos
as qualidades e os eventos são denomináveis e significados que as crianças dão aos lexemas.
que as palavras têm um valor estável na comu- Classicamente são descritos cinco tipos de re-
nicação. Deve compreender também as dimen- lações possíveis entre a extensão de um lexe-
sões da realidade à qual a linguagem geralmen- ma no adulto e a deste mesmo lexema na
te se refere. Também foi proposta outra explica- criança (Reich, 1976). Essas possíveis relações
ção deste processo baseada no desenvolvimen- são: a superextensão, a subextensão, a sobre-
to motor da criança: as crianças que adquirem posição, a identidade e a discordância.
mais tarde seu domínio articulatório, isto é, As discordâncias entre o adulto e a crian-
aquelas cujos programas articulatórios corres- ça são descritas em termos de traços que com-
pondentes às palavras são construídos mais tar- põem as representações e foram longamente
de, têm um desenvolvimento lexical mais lento estudadas, uma vez que supõem uma via de
(Clark, 1993). Essas crianças dedicariam mais acesso que mostra a evolução das estruturas
tempo para estabilizar a articulação das pala- conceituais da criança e as relações entre estas
vras que já conhecem, e o aumento de seu voca- e o vocabulário (Barret, 1986; Clark, 1993;
bulário resultaria da progressão de seu domí- Nelson, 1973; Rescorla, 1980).
nio articulatório. Nos casos de superextensão, a criança apli-
De acordo com as análises, o ritmo de ca um lexema aos membros de uma categoria
aquisição das primeiras palavras pode variar que o adulto designa com essa palavra, mas o
de uma criança para outra. Algumas crianças usa igualmente para os membros de outras ca-
apreendem palavras novas seguindo um rit- tegorias. Por exemplo, a palavra cachorro seria
mo regular, enquanto o ritmo de aquisição de aplicada a todos os mamíferos de quadro patas.
outras crianças é marcado pela presença de A criança retém em seu conceito de cachorro so-
picos de aquisição (Clark, 1993; Dromi, 1987). mente uma parte dos traços ligados a este ter-
mo pelo adulto. Retém, por exemplo, o traço
“tem quatro patas” e passa por cima de outros
A que se referem as primeiras palavras da
traços que especificam a categoria de cachorro.
criança?
Dentro das superextensões, podemos dis-
A criança fala de pessoas (papai, mamãe, tinguir:
bebê), animais (cachorro, gato), alimentos (leite,
sopa, suco), partes do corpo (olhos, nariz), pe- – Superinclusões. Nelas, a criança estende
ças de vestir (sapato), veículos (carro), jogos um termo a outras categorias que perten-
(bola) ou objetos que são encontrados em casa cem ao mesmo superordenante, geral-
(mamadeira, garrafa, colher), e também da loca- mente, baseando-se em propriedades per-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 31

ceptivas, como seria o caso do exemplo que as crianças não utilizarão corretamente
dado anteriormente, no qual cachorro seria uma palavra mais do que para os exemplares
utilizado para designar outros mamíferos. mais típicos de uma categoria.
A identidade designa o uso de um termo
– Superextensões analógicas. Nelas, a criança conforme o uso que o adulto faz dele, en-
generaliza um termo, fazendo-o extensivo quanto a discordância, pelo contrário, se refe-
a entidades que pertencem a outras cate- re a uma utilização de um termo sem nenhu-
gorias superordenadas, mas que possuem ma relação com a do adulto.
características comuns às da categoria à
Por sobreposição se entende a utilização
qual o adulto se refere com este termo (p.
de uma palavra somente para uma parte das
ex., bola se estende a todos os objetos re-
entidades que designa em seu uso adulto e,
dondos tais como maçã, lua, etc.). além disso, para outras entidades e outras ca-
tegorias (p. ex., a palavra cachorro utilizada
No entanto, nem sempre é simples distin- para se referir unicamente aos cachorros
guir as superextensões das recategorizações nas grandes e, além deles, aos lobos).
quais a criança utiliza um termo por outro, quer
como um jogo, quer para indicar uma analogia.
Por exemplo, se a criança põe um objeto sobre a Dificuldades para a aquisição do léxico
cabeça dizendo que se trata de um chapéu, po- Um dos problemas fundamentais com os
de querer dizer que este objeto é como um cha- quais a criança se defronta quando está apren-
péu. Mesmo assim, é preciso distinguir as su- dendo o vocabulário é o da ambigüidade refe-
perextensões dos comentários da criança: se rencial dos lexemas. Imaginamos que um adul-
este mostra os sapatos dizendo mamãe, isto to pronuncie a palavra gato mostrando para a
não significa que sua mãe se transformou em criança um referente do qual não saiba o nome.
um par de sapatos, mas que os sapatos, em A criança deverá decidir se a palavra se refere
questão, são os de sua mãe. Como as crianças ao animal em sua totalidade, a uma parte do
não conhecem mais do que algumas palavras, é animal, a uma ação do gato ou a outras caracte-
normal que o resto se subentenda. Isto fica con- rísticas da cena. Tal como observa Markman
firmado pelas diferenças entre superextensão (1989, 1994), quando a criança ouve uma pala-
na produção e na compreensão. Vimos que al- vra pronunciada em um determinado contexto
guns termos subentendidos na produção são deve deduzir, a partir da análise do contexto,
compreendidos corretamente. Este resultado quais são as características do ambiente às
parece indicar que a superextensão constitui, quais o termo se aplica. As pesquisas atuais su-
em muitos casos, a aplicação de uma estratégia gerem que a criança elabora hipóteses sobre a
pragmática, pela qual a criança utiliza o termo estrutura do léxico, que reduzem o número de
mais próximo que lhe parece apropriado para referentes possíveis de cada termo e que guiam
aquela entidade que quer denominar. a aprendizagem e a generalização de novas pa-
Falamos de subextensão quando a crian- lavras. A seguir, consideraremos sucessivamen-
ça utiliza um lexema em um subconjunto das te o que os autores denominaram como a difi-
situações para as quais o adulto utiliza a mes- culdade taxonômica, o princípio de exclusão
ma palavra. Assim, por exemplo, somente os mútua e a dificuldade do objeto total.
sapatos da mãe que estão guardados em um
armário concreto serão denominados sapatos;
Dificuldades taxonômicas
ou, então, a criança somente dirá bom dia
quando o pai está perto da porta. Nesses usos Toda nova palavra, uma vez aprendida,
lexicais, que são encontrados no início da deve ser generalizada para outras entidades
aquisição, a criança não analisa a situação de novas. A priori, a generalização pode ser feita
seus componentes, mas a designa como um sobre uma base temática ou sobre uma base
todo. Em geral, as subextensões são mais co- taxonômica. Por relação temática, entende-se a
muns no que diz respeito aos itens menos re- relação espaço-temporal contextual que une
presentativos de uma categoria, de maneira objetos ou eventos (p. ex., o cachorro e sua ca-
32 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

sinha, o jogador de tênis e sua raquete. As re- desconhecida (p.ex., foi dito para a criança que
lações taxonômicas, pelo contrário, unem enti- aquilo se chamava sul); depois, pediu-se que
dades que pertencem à mesma categoria (p. encontrasse outro sul que fosse a mesma coisa
ex., um pequinês e um poodle pertencem à que havia sido ensinado. Na prova sem deno-
categoria dos cachorros; os cachorros e os ga- minação, as crianças escolheram o objeto liga-
tos, à categoria dos mamíferos). do taxonomicamente (o pastor alemão) em
Para estudar o tipo de classificação que as 59% dos casos, resultado que não difere signifi-
crianças dão preferência, é apresentado um cativamente do que se obteria ao acaso. Na
conjunto de objetos e é pedido que “classifi- prova com denominação, a criança generalizou
quem os que consideram que devem estar jun- a nova palavra para o objeto relacionado taxo-
tos”, ou, então, é pedido que designem o obje- nomicamente em 83% dos casos. Esses resulta-
to que, entre vários, corresponde melhor a um dos foram produzidos em vários estudos (p.
item de referência. Classicamente, se verificou ex., Baldwin, 1992. Golinkoff et al., 1995) e es-
que, a partir dos 6 ou 7 anos, a criança dá pre- tendidos, inclusive, para crianças menores de 2
ferência às classificações taxonômicas, en- anos (Markman, 1994; Waxman e Markow,
quanto as crianças menores escolhem as classi- 1995). Foram necessários esses resultados para
ficações temáticas (p. ex., incluem em um mes- demonstrar que as crianças interpretam (e ge-
mo grupo uma criança, um abrigo e um ca- neralizam) as novas palavras como termos que
chorro, porque “a criança veste o abrigo para ir se referem mais a entidades de nível de base do
passear com o cachorro”). Apesar disso, con- que a dos níveis subordinado ou superordena-
trariamente às interpretações de Piaget e do (Hall, 1993; Waxman e Senghas, 1992).
Inhelder, Bruner, Olver e Greenfield (1966), es-
ses resultados não significam que as crianças Princípio da exclusão mútua
pequenas não compreendam as relações taxo-
Segundo o princípio da exclusão mútua de
nômicas. Entretanto, as crianças de 5 anos res-
Markman (1989), a criança parte da hipótese
pondem positivamente às questões taxonômi-
de que é mais provável que uma palavra nova
cas do tipo “As vacas comem?” e negativa-
se refira a um objeto do qual ignora o nome do
mente a perguntas como “Comem grama?”.
que a um objeto cujo nome já conhece (Mark-
Elas sabem, portanto, que se uma vaca come
man e Wachtel, 1988). Viu-se que, de fato, as
grama (relação temática), a vaca e a grama não
crianças já seguiam este princípio na idade de
pertencem à mesma categoria e não comparti-
18 meses (Liittschwager e Markman, 1994). Es-
lham, portanto, as mesmas propriedades. tes autores tentaram ensinar às crianças de 16
Naquilo que concerne à generalização dos meses um nome para designar os objetos dos
novos termos aprendidos, pôde-se observar quais já conheciam o nome do primeiro e igno-
que a criança dá prioridade às generalizações ravam do segundo. Como era de se prever, a
taxonômicas diante das generalizações temáti- aprendizagem não foi conseguida para o pri-
cas. Markman e Hutchinson (1984) estudaram meiro objeto, mas foi para o segundo.
como as crianças organizam um conjunto de De forma mais geral, várias observações
objetos quando estes são designados mediante demonstram que a criança tenta evitar, muitas
palavras novas. Em um primeiro estudo, mos- vezes erroneamente, violar este princípio da
trou-se para crianças de 2 a 3 anos um objeto exclusão mútua. Por exemplo, quando aplica
de referência (p.ex., um poodle) seguido de um termo a uma entidade (como menina ou
mais dois estímulos: um pastor alemão (rela- menino, aplicado a alguém), a criança nega que
ção taxonômica) e comida para cachorros (rela- o menino ou a menina possam ser também so-
ção temática). Na primeira prova foi mostrado brinho ou sobrinha. Acontece a mesma coisa
um poodle (sem nomeá-lo) e foi solicitado à com os termos gerais que se aplicam a várias
criança que “encontrasse outro objeto que fos- subcategorias. Quando uma subcategoria já
se a mesma coisa”. Em seguida, a prova foi no- tem um nome mais específico (p. ex., cachorro),
vamente repetida, mas mostrando o poodle à as crianças negam que o nome geral (animal)
criança, nomeando-o com qualquer palavra possa ser aplicado ao mesmo objeto.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 33

No entanto, o princípio da exclusão mútua tos) aplicarem um novo termo ao objeto com-
parece contraditório com certas observações. pleto do que a uma de suas propriedades (par-
Por exemplo, os dados obtidos na compreen- te, cor ou substância) (Landau et al., 1988;
são nem sempre concordam com os obtidos na Markman, 1989; Soja et al., 1991). Landau e co-
produção. Na produção, a criança utiliza um laboradores (1988) apresentaram a um grupo
termo para uma entidade determinada que de crianças pequenas uma série de objetos no-
pertence à sua linguagem infantil (p. ex., bruu- vos que tinham a mesma forma, a mesma tex-
um-bruuum para seu caminhão), mas, ao mes- tura e a mesma cor, pedindo-lhes que aprendes-
mo tempo, responde sem ambigüidade ao ter- sem o nome que lhes era dado: isto é um “dax”.
mo da língua adulta (caminhão). Inclusive se a Em uma fase de generalização, as crianças de-
criança, em sua produção, parece utilizar so- viam escolher outro “dax” em um conjunto de
mente um termo para uma entidade determi- novos objetos que tinham tanto a mesma forma
nada, sabe e admite perfeitamente que o obje- que os mostrados na fase de aprendizagem,
to possui vários rótulos (bruuum-bruuum e ca- mas com textura e cor diferentes, como mesma
minhão). textura, mas com forma e cor diferentes; ou en-
Clark (1988, 1993) propôs um princípio se- tão, a mesma cor, mas com forma e textura dife-
melhante, segundo o qual a criança partiria da rentes. Em sua grande maioria, as crianças es-
hipótese de que todo lexema novo tem um sig- colheram um objeto da mesma forma, o que era
nificado diferente de todos os que já conhece. especialmente freqüente em crianças em torno
Assim, animal e cachorro se aplicam em parte a dos 2 anos (Landau, 1994). Outros estudos de-
referentes idênticos, mas diferem pelo fato de monstraram que os resultados obtidos pelas
que animal se refere a certas entidades às quais crianças, em um teste de compreensão de no-
não é possível aplicar a palavra cachorro. Se- mes que tinham acabado de aprender são supe-
riores aos obtidos com os verbos (Tomasello e
gundo Clark, quando as crianças ouvem pala-
Farrar, 1986), o que pareceria indicar que existe
vras novas pensam que designam outras cate-
uma tendência a interpretar espontaneamente
gorias diferentes das já denominadas e bus-
as novas palavras como nomes de objetos.
cam novos contrastes conceituais suscetíveis
de justificar a utilização do novo termo. O A existência desta tendência foi, no entanto,
princípio do contraste desempenha o papel de objeto de contestação. De acordo com seus críti-
uma dificuldade pragmática que leva a crian- cos, se as crianças pequenas a seguiram, deve-
ça a construir novas significações. Por exem- riam ser incapazes de aprender palavras que
plo, se uma criança já conhece uma palavra não fossem as que designam objetos. Além dis-
so, desde os primeiros momentos da aquisição
que designa um conjunto de referentes (cachor-
do vocabulário, as outras categorias lexicais es-
ro, utilizada para os cachorros e também para os
tão presentes, mesmo quando os nomes de ob-
gatos), quando se lhes propõe uma palavra no-
jetos são os mais freqüentes (aproximadamente
va para denominar alguns deles (gato), esta vai
40%, segundo Bloom et al., 1993).
levá-la a criar novos contrastes que lhe permi-
tirão distinguir subcategorias naquilo que, em Concluindo, parece que as dificuldades lé-
princípio, não havia sido mais do que somente xicas que foram expostas contribuem para
uma categoria (lhe permitirá diferenciar os ca- guiar o desenvolvimento do léxico. Contudo,
chorros dos gatos). O princípio da exclusão mú- como sugerem várias críticas a respeito, essas
tua, trata-se de uma dificuldade lexical. dificuldades tomadas de maneira isolada não
explicam absolutamente a totalidade desse de-
senvolvimento. Particularmente, falta estudar
Dificuldade do objeto total
o modo em que interagem entre elas e seria ne-
Quando um objeto é nomeado com uma cessário, mesmo assim, relacioná-las direta-
palavra nova, esta se refere ao objeto tomado mente com as propriedades do funcionamento
em sua totalidade ou a uma de suas proprieda- cognitivo (velocidade de tratamento, capaci-
des? Pesquisas recentes demonstram que é dade mnésica, etc.) em cada momento do de-
mais freqüente as crianças (assim como os adul- senvolvimento.
34 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

Finalmente, a expressão dessas dificulda- com a mesma entonação, isto é, baixando a


des interage, provavelmente, com os contex- voz somente sobre a segunda palavra, garante
tos nos quais surgem as novas palavras. Al- a passagem para o estágio dos enunciados de
guns autores, mais radicais, consideram inútil duas palavras.
recorrer à noção de dificuldade (Bloom, 1993; Tão logo aparece a expressão combinatória,
Nelson, 1988). Para Bloom (1993), as intenções existe a possibilidade de expressar mais clara-
da criança e do adulto contribuem para fixar mente uma série de relações semânticas. Essas
um contexto suficientemente restrito para que relações e sua expressão foram estudadas no
a criança possa compreender a que aspectos adulto por vários lingüistas, dos quais os mais
da realidade se referem os novos termos. Mes- famosos são, sem dúvida, Fillmore (1968) e
mo quando não se contempla esta conclusão, Chafe (1970). Esses autores defendem que a ba-
parece importante compreender como as per- se da linguagem é de natureza semântica e que
guntas e as hipóteses que a criança formula a essência da construção lingüística aponta pa-
sobre seu ambiente interagem com as infor- ra materializar esta base semântica em enuncia-
mações presentes no contexto. dos através do vocabulário e de um conjunto
particular de regras morfossintáticas. A utiliza-
Relações semânticas e desenvolvimento ção dos enunciados assim formados, em um
morfossintático contexto funcional e social determinado, é do
domínio da pragmática. Segundo Fillmore
A capacidade de combinar várias pala- (1968), a trama que prefigura os enunciados
vras no mesmo enunciado aumenta conside- que incorporam várias relações semânticas não
ravelmente o poder expressivo do sistema é ordenada de maneira seqüencial. As diversas
lingüístico. A realização de mensagens ver- relações ou casos, defende Fillmore (1968), são
bais formadas por várias palavras reforça o colocadas sem nenhuma ordem particular em
valor informativo dos enunciados. Por outro um quadro geral que prefigura o futuro enun-
lado, um enunciado de várias palavras per- ciado, sendo colocadas em relação ao elemento
mite expressar as relações semânticas muito estrutural central, isto é, o verbo (predicado
mais facilmente do que um de uma só pala- verbal, mais exatamente). Por exemplo, e fazen-
vra; por exemplo, a expressão de uma rela- do uma simplificação, um enunciado do tipo: o
ção de posse ou de localização (meu carro, es- carteiro entrega uma carta à senhora corresponde a
tacionamento à direita, etc.). O acesso da crian- uma estrutura semântica que pode ser repre-
ça de 20 a 24 meses à linguagem combinató- sentada segundo o diagrama da Figura 1.2 (su-
ria representa, pois, uma fase de máxima im- pondo que já se tenha produzido a operação de
portância no desenvolvimento lingüístico. lexicalização do material semântico).
Este período frequentemente é precedido A materialização na “superfície” de uma
por uma fase intermediária entre os enuncia- estrutura deste tipo corresponde à aplicação de
dos de uma só palavra e a expressão combina- certo número de regras de realização (subjetiva-
tória, durante a qual a criança produz palavras ção, objetivação, marcador de tempos, concor-
isoladas sucessivas, cuja relação semântica é, dâncias, etc.), cujos detalhes não interessam
na falta de uma expressão formal, fácil de de- aqui, mas que levam a posicionar corretamente
duzir por parte do observador. Esses enuncia- e a marcar as inflexões (segundo as línguas) dos
dos são caracterizados por uma sucessão de elementos que constituem o enunciado. Em
duas ou três palavras, cada uma com seu con- francês, tratar-se-á, principalmente, de posicio-
torno de entonação próprio, separadas por nar os elementos de superfície segundo regras
uma pausa de duração variável; por exemplo, seqüenciais relativamente estritas.
em francês, Papa... pati (parti).29 A supressão da Chafe (1970) levou mais longe a análise
pausa e a produção das duas palavras unidas das relações semânticas centradas ao redor
do predicado verbal. Na Tabela 1.3 aparecem
29 os principais tipos de verbos, segundo Chafe,
N. de R. T.: Um exemplo equivalente no português se-
ria, Nenê... dumi (para “Nenê quer dormir). e as relações semânticas entre eles.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 35

o carteiro +
ação tempo,
etc.
agente entrega

beneficiário objeto

a senhora uma carta

Figura 1.2 Estrutura semântica correspondente ao enunciado “O carteiro entrega uma carta à senhora”
Fonte: Fillmore, 1968.

Tabela 1.3 Principais tipos semânticos do verbo e relações semânticas de base


Tipos Exemplos

1. Estado O bosque está seco.


2. Ação Roberta canta.
3. Processo O bosque secou.
4. Processo-ação Roberto fez o bosque secar.
5. Ambiente Faz calor.
6. Ação-ambiente Chove.
7. Estado-experiência Miguel queria um copo de água.
8. Estado-beneficente Miguel tem os ingressos.
9. Estado-locativo A faca está na caixa.
10. Estado-completivo A bala custa 10 centavos.
11. Ação-experiência Roberto mostrou o animal para Miguel.
12. Ação-beneficente Maria cantou para nós.
13. Ação-instrumental Cortou o ramo com um golpe de machado.
14. Ação-completivo Maria canta uma canção.
15. Ação-locativo Tomás sentou na poltrona.
16. Processo-experiência Miguel viu uma serpente.
17. Processo-beneficente Roberto encontrou os ingressos.
18. Processo-instrumental A porta é aberta com uma chave.
19. Processo-locativo Miguel escorregou da poltrona.
20. Processo-ação-beneficente Maria enviou as entradas para Tomás.
21. Processo-ação-instrumental Tomás abriu a porta com uma chave.
22. Processo-ação-locativo Tomás jogou a chave na caixa.
Fonte: Chafe, 1970.

No plano do desenvolvimento, os pes- cas mais freqüentemente incorporadas nos


quisadores utilizaram freqüentemente uma enunciados de duas e três palavras, na
classificação semântica estrutural mais sim- criança pequena.
ples elaborada por Brown (1973). Esta clas- A ordem das palavras e os indicadores
sificação está ilustrada na Tabela 1.4. Pode- morfológicos de flexão são essenciais, em fran-
se considerar que esta classificação retoma cês, para traduzir superficialmente as relações
os aspectos essenciais das relações semânti- de significado que se deseja expressar. O senti-
36 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

Tabela 1.4 Algumas relações semânticas mais comumente observadas nas produções
infantis de duas ou três palavras
Relação Definição

1. Existência Manifesta a existência de um referente


2. Desaparecimento Marca o desaparecimento ou a não-existência momentânea de um
referente
3. Recorrência Demanda ou notificação de reaparecimento de um referente
4. Atribuição Especifica um atributo de um referente
5. Localização Indica uma relação de localização
6. Posse Indica uma relação de posse
7. Benefício Estipula o beneficiário de um estado ou de uma ação
8. Instrumentação Expressa a função de instrumento de um referente
9. Agente-ação Estipula a relação entre uma ação e seu agente
10. Ação-paciente Estipula a relação ente uma ação e seu paciente
11. Agente-ação-localização Expressa uma relação agente-ficção que atua como uma indicação de
localização
12. Agente-ação-paciente Combina uma relação agente-ação e uma relação ação-paciente no
mesmo enunciado

do transmitido pelas frases: Pedro ama Maria e adjetivo. Ao contrário, outras indicações são
Maria ama Pedro varia, mesmo quando os ele- únicas na frase em questão (indicações tempo-
mentos léxicos utilizados são os mesmos. A or- rais e de aspecto). A utilização combinada nos
dem canônica em francês é sujeito-verbo-objeto enunciados da ordem das palavras e dos indi-
(SVO). Os indicadores de flexão (gênero e nú- cadores de flexão permite a expressão explícita
mero, concordância em número sujeito-verbo, de uma série de informações semânticas.
conjugação verbal para marcar o tempo e o as- A partir dos 30 meses, aproximadamente,
pecto, etc.) permitem codificar relações de sen- a maioria dos enunciados da criança aparece
tidos adicionais ou insistir de forma repetitiva ordenada corretamente. Apesar disso, a ma-
em certas indicações semânticas já facilitadas neira exata como a criança aprende a com-
em outra parte da frase ou do parágrafo (con- preender os enunciados com base na ordem
junto de algumas frases seguidas que tratam do das palavras bem como, a ordenar corretamen-
mesmo tema). Consideremos, por exemplo, a te seus próprios enunciados de acordo com as
frase: os cavalos recusaram atravessar o rio profun- regras da língua é algo que se desconhece.
do. Nela aparecem vários indicadores morfoló- Quanto à forma, as principais diferenças en-
gicos de flexão: concordância entre gênero e nú- tre os enunciados de duas e três palavras da
mero do artigo e do substantivo em os cavalos; criança pequena e os enunciados do adulto são
entre artigo, substantivo e adjetivo em o rio pro- de dois tipos. Diferem, por um lado, no que po-
fundo; concordância de número entre sujeito ca- deríamos denominar, de palavras gramaticais (is-
valos e verbo recusaram; indicação do tempo to é, artigos, pronomes, preposições, adjetivos,
verbal (a ação do verbo se desenvolveu no pas- conjunções e advérbios) e na marcação morfológi-
sado); indicação de aspecto verbal (a ação se de- ca de flexão. Esses elementos estão, geralmente,
senvolveu em um momento do passado sem ausentes na linguagem da criança, sendo deno-
“dimensão de duração” particular). Algumas minada de “linguagem telegráfica”. A segunda
dessas indicações se sobrepõem (redundância); grande diferença reside, por outro lado, na mar-
por exemplo, as informações sobre a natureza cação sintática das modalidades do discurso (di-
plural do sujeito gramatical (é repetida no arti- ferentes tipos pragmáticos ou não-locutórios de
go, no substantivo e no verbo); do gênero e do frases), muito reduzido ou inexistente nos
número (masculino singular) do complemento enunciados da criança (o que não implica, de
verbal, que se repete no artigo, no nome e no maneira alguma, que ela seja incapaz de prati-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 37

car as principais funções da linguagem no nível cativo) que especificam seu gênero. Deste mo-
elementar). O aumento da carga semântica dos do, sempre e quando se está suficientemente
enunciados, a extensão resultante e as maiores exposto, se associa o artigo ou pronome e nome
exigências de precisão na comunicação fazem (p. ex., le cheval [o cavalo], la vache [a vaca], ma
c
os aperfeiçoamentos formais serem necessários. poche [meu bolso], etc.), o que constitui ao mes-
mo tempo um modo prático de conservar na
Ontogênese da frase memória a indicação do gênero do substantivo
em questão. Com o tempo se vai ampliando,
Uma frase é uma unidade gramatical que sem dúvida, toda uma série de “simplificações
contém, no mínimo, um sintagma nominal su- associativas”; por exemplo, vendo a relação en-
jeito e um sintagma verbal (com exceção dos tre a terminação da palavra e seu gênero gra-
imperativos). O sintagma nominal pode ser matical (-ais, –eur, –illon, –ou sufixos que indi-
formado por um ou vários artigos, adjetivos cam masculino; –ssion, –stion, –(a)tion sufixos
(epítetos e outros), preposições e advérbios, além que indicam feminino).32
do (ou dos) nome(s) que constitui seu núcleo. Os artigos são utilizados corretamente
Um pronome pode substituir o nome, o que quanto ao número e, mais tarde, quanto à es-
implica a não-seleção do artigo, do adjetivo, pecificação do caráter definido ou indefinido
do advérbio ou de todos eles. O artigo, em do substantivo utilizado. Esta última indica-
30
francês, serve para marcar o gênero, o número ção é difícil para a criança pequena, o que a le-
e o caráter definido ou indefinido do nome que o va a dominar seu uso bastante tardiamente. O
acompanha. A evolução do uso correto do arti- artigo indefinido é usado se o nome que acom-
go por parte da criança segue a seguinte or- panha designa um representante qualquer de
dem: o gênero gramatical é quase sempre arbi- uma classe determinada de referentes ou a
trário em francês. Não existe mais razão para uma classe de referentes em geral, sem maior
englobar automobile (automóvel) no gênero fe- especificação. O artigo definido, em contrapar-
minino do que para determinar que ouragan tida, é utilizado se o referente é conhecido pe-
(furacão) seja do gênero masculino.31 Algumas lo receptor, ou, então, se foi introduzido ante-
línguas contam com um gênero neutro, no riormente no diálogo, isto é, se a entidade em
qual se agrupa uma série de entidades que não questão foi previamente identificada como
têm nenhuma razão particular para pertencer uma unidade particular de uma classe. Em úl-
a um ou a outro gênero. Esta categoria não tima análise, é o conhecimento atribuído ao in-
existe em francês. terlocutor sobre o caráter definido ou não da
A arbitrariedade da especificação do gêne- entidade à qual se faz referência que o leva a
ro gramatical obriga a memorizar o gênero de utilizar um ou outro artigo. A tendência é que,
um grande número de palavras da língua. Tra- até aproximadamente os 6 anos, o artigo inde-
ta-se de um esforço considerável e, no entanto, finido seja, na maioria das vezes, utilizado on-
a criança raramente se equivoca, enquanto o es- de realmente corresponderia um artigo defini-
trangeiro freqüentemente comete o erro J’ai mis do. Antes desta idade, a criança parece fre-
“le” clef dans “mon” poche (Eu coloquei “o” cha- qüentemente incapaz de julgar o conhecimen-
ve em “minha” bolso), em lugar de, J’ai mis la to que o interlocutor já tem sobre o ponto do
clef dans ma poche (Eu coloquei a chave em meu qual se está falando, assim como de integrar
bolso). Isto é devido, sem dúvida, às milhares em sua memória as especificações que apare-
de vezes que a criança, ao aprender sua língua ceram na ou nas conversações anteriores.
da boca dos “interlocutores mais avançados” Os pronomes pessoais de terceira pessoa (il,
de seu ambiente, ouviu as palavras associadas elle, lui, eux, ele e ela, em função de sujeito, ele e
diretamente a um artigo ou a um pronome (de- eles, em função de objeto, etc.) são incorpora-
monstrativo, possessivo, interrogativo, qualifi- dos à fala da criança mais tarde do que os pro-
nomes pessoais, sujeito e objeto de primeira e
30 segunda pessoas do singular (moi, je [eu, mim,
N de R. T.: O mesmo acontece no português.
31
N. de R. T.: No português, um grande número de pa- me], tu, toi [tu, ti, te]). No plano receptivo, antes
lavras terminadas em –a, –agem –ção são femininos. dos 6 ou 7 anos, a criança não utiliza de forma
38 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

sistemática as marcas de gênero e de número 1. Seleção da pessoa do AP segundo o con-


para identificar o nome ao qual o pronome texto interpessoal da interação lingüísti-
substitui. Uma estratégia comum consiste em ca: a) primeira pessoa: quando o(s) inter-
tomar como referente do pronome o nome que locutor(es) é/são o(s) possuidor(es); b) se-
se encontra mais próximo na cadeia do discur- gunda pessoa: quando o(s) receptor(es)
so. Essa estratégia permite identificar correta- é/são o(s) possuidor(es); c) terceira pes-
mente o referente do pronome em alguns casos soa, quando o(s) possuidor(es) é/são ou-
(p. ex., Pedro veio com Ana; ela está melhor), mas tra(s) pessoa(s) diferente(s) do(s) locu-
não em outros (p. ex., Pedro veio com Antonio; ele tor(es) ou receptor(es).
está melhor). Outra estratégia que pode confir-
2. Seleção da pessoa do AP segundo o núme-
mar a anterior é a denominada “não-troca de
ro e, em francês, o gênero do possuído.
função”. Tende-se a conservar na segunda pro-
Neste idioma, a seleção segundo o gênero
posição (que contém o pronome) as mesmas re-
lações gramaticais que na primeira (p. ex., Ro- está limitada à categoria do número singu-
berto se voltou para Jaime depois que esvaziou seu lar, sendo as formas plurais invariáveis.
copo). De maneira geral, as crianças podem per- Existe, no entanto, uma exceção na seleção
manecer insensíveis à ambigüidade da referên- do AP segundo o gênero. Com efeito, se a
cia pronominal até relativamente tarde em seu palavra que segue ao AP começa por vogal,
desenvolvimento (14 ou 15 anos). selecionar-se-á obrigatoriamente o AP mas-
A aquisição dos pronomes possessivos (PP) culino, por exemplo: ma voiture (meu carro,
se completa de maneira semelhante à dos feminino em francês), mon automobile (meu
pronomes pessoais, mas em uma idade mais automóvel, feminino em francês), ma belle
avançada. Como no caso dos pronomes pes- automobile (meu carro muito bonito), mon
soais, os possessivos das duas primeiras pes- extrêmement spectaculaire automobile (meu
soas, especialmente do singular, são adquiri- carro extremamente espetacular).
dos tanto na compreensão como na produção 3. Seleção do AP segundo o número de pos-
antes que os da terceira pessoa. suidores (singular ou plural), isto é, de
O emprego do adjetivo possessivo (AP) acordo com a possessão simples ou a co-
responde a um princípio de economia, uma possessão, ou, então, segundo o grau de
vez que permite transformar as expressões do deferência manifestado (forma formal) pa-
tipo “X pertence a Y” ou “X faz parte de Y”, ra com o possuidor. Esta última possibili-
nas que X é todo ou parte de um objeto ou de dade de escolha está limitada, em francês,
uma pessoa e Y uma pessoa ou um objeto, em aos AP das duas primeiras pessoas.
expressões do tipo adjetivo possessivo + X. A
seleção do adjetivo possessivo (AP) comporta, Este sistema complexo, que aparece ilustra-
obrigatoriamente, as seguintes operações: do no Tabela 1.5, é adquirido de forma gradual.

Tabela 1.5 Adjetivos possessivos: aspectos destacáveis (em francês)


Nome

Pessoa Singular Possuidor masculino Gênero Objeto possuído feminino Plural

1a pessoa Singular mon ma mes


Plural notre nos
2a pessoa Singular ton ta tes
Plural votre vos
3a pessoa Singular son sa ses
Plural leur leurs
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 39

A criança, em um primeiro momento, não uti- (de), que marca a posse, e pour (para), que indi-
liza os AP, mas, em francês, expressa a posse ca o beneficiário (p. ex., pour moi – para mim).
de três maneiras32 (os parênteses marcam o ca- As preposições de lugar aparecem ao longo do
ráter facultativo de certos componentes): terceiro ano, precedidas freqüentemente de
certos advérbios de lugar como dentro e em ci-
1. (preposição à) + possuidor. Por exemplo, ma. O uso dos advérbios e das preposições de
(à) moi. tempo é raro até perto dos 3 anos. A compreen-
são das preposições e dos advérbios, especial-
2. (artigo) + objeto possuído + (preposição
mente daqueles que expressam relações espa-
à/de) + possuidor. Por exemplo: La balle (à)
ciais e temporais, pode ser, durante muito tem-
/ (de) Dédé (A bala [de] Dedé).
po, aproximada e pode não se estabelecer defi-
3. Possuidor + objeto possuído. Por exem- nitivamente até que se consiga o domínio das
plo, Papa bic (isto é, le bic de papa), isto é: A noções cognitivas que sustentam a referência
caneta (bic) do papai. destes termos.

Ou, ainda as primeiras produções de AP


Aspecto e tempo
que a criança faz referem-se a situações nas
quais o possuidor é uma pessoa e o possuído é Por aspecto se entende o conjunto de certas
uma pessoa ou parte da mesma. Ao contrário, características que dizem respeito à significa-
não costuma produzir formas possessivas que ção expressa pelo verbo, independentemente
respondam aos casos nos quais há co-pos- da cronologia implicada. Entre essas caracte-
sessão (notre, nos, votre, vos, leur, leurs – nos- rísticas do aspecto do verbo se incluem:
so/nossa, nossos/nossas, vosso/vossa/seu/
sua, seu/sua/o deles/a deles, seus/suas /as 1. Distinção entre ação em curso e ação atem-
deles/os deles). Estas formas implicam uma poral (respectivamente: “Ela está estudan-
análise mais complexa do texto interpessoal do Hamlet.”; “Ela estava estudando
da situação de comunicação, uma vez que de- Hamlet”; “Ela estuda Hamlet.”; “Ela es-
vem ser tidas em consideração diversas pes- tudava Hamlet.”).
soas. Assim, pois, a criança não aplica a tercei-
2. Distinção entre focalizar a atenção no re-
ra operação descrita anteriormente, ou, então,
sultado da ação ou em seu desenvolvimento
se o faz, contempla somente a alternativa do
(“Ela tocou flauta no dia 14 de julho”;
número singular. A seleção produtiva do AP e
“Ela tocava flauta doce.”).
a expressão da posse se acham simplificadas e
limitadas. A primeira pessoa é a que aparece 3. Acontecimento repetitivo e acontecimento
em primeiro lugar. A partir deste momento, a isolado (“Ela tocou seu instrumento para
concordância no gênero e no número entre o nós.”; “Ela tocava cada vez que tinha
AP e o objeto possuído é marcada corretamen- oportunidade.”).
te (p. ex., ma main, mes cheveux – minha mão,
meus cabelos). A segunda e terceira pessoas 4. Expressão do desejo (futuro desiderativo)
(“Logo será o Natal.”).
aparecem um pouco mais tarde. A criança é ca-
paz de realizar de forma correta as duas pri- 5. Convenção no imaginário (“Você era o pa-
meiras operações descritas bastante cedo no pai e eu a mamãe.”).
curso de seu desenvolvimento, e estas duas
operações garantem a produção correta do AP Desde os 5 anos, a criança utiliza essencial-
quando o possuidor é singular. mente as mesmas formas verbais que o adulto.
As primeiras preposições que aparecem na Isto não implica, contudo, que se sirva delas
fala da criança são à, que indica o possuído; de unicamente para marcar a relação de tempo
entre o momento do enunciado e o da ação, do
32 estado ou do processo expresso pelo verbo ou
N. de R. T.: Em português, a posse é expressada da
mesma maneira. entre os diferentes acontecimentos menciona-
40 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

dos no enunciado. Até por volta dos 6 anos, a elemento verbal se o verbo for composto
criança parece recorrer mais freqüentemente (Est-il venu?) Ele vem?;
aos advérbios e às conjunções de tempo (de-
pois, logo, antes, enquanto, etc.) para expres- 4. este mesmo último método, mas substi-
sar as relações temporais entre os aconteci- tuindo o sintagma nominal sujeito por um
mentos expressos. Antes desta idade, as fle- pronome, se for um nome, e colocando es-
xões verbais serviriam, principalmente, para te, então, no começo ou no final da pergun-
expressar características do aspecto da ação. ta (Pierre viendra-t-il?, Viendra-t-il, Pierre?
Pierre virá?, Ele virá?);
Tipos de frases não-locutivas 5. um pronome ou um advérbio interrogati-
vo como modo de introdução. Diferente
Entre os 12 e os 18 meses, aproximadamen-
dos tipos de perguntas anteriores, às
te, a criança recorre à entonação para expressar
quais se pode responder simplesmente
a diferença entre o que entende como uma or-
com um sim ou um não, estas perguntas
dem, uma declaração ou uma pergunta. Assim,
exigem uma resposta com uma informação
Papai pode ser, em diversas ocasiões, um enun-
específica (vindo a natureza desta informa-
ciado que quer declarar a presença física ou
ção demandada especificada pelo prono-
simbólica do pai; uma pergunta (entonação as-
me ou pelo advérbio interrogativo). Por
cendente) equivalente a “É papai?”, “É do pa-
exemplo: “Qui est venu?” Quem veio?,
pai?”, uma exclamação que significa alguma
“Quand viendra-t-il?” Quando ele virá?,
coisa como: “É papai!”, ou, também, uma or-
“Où allon nous?” Aonde nós vamos?, “À
dem, obrigando o pai a fazer alguma coisa es-
quel saint faut-il se vouer?” A que santo se
pecífica (na melhor das hipóteses) a partir do
dirigir?, “Combien demande-t-on?” Quanto
contexto extralingüístico.
se pede?, etc.
Uma segunda etapa coincide com o apare-
cimento dos enunciados de duas ou mais pala-
Observa-se que nas formas interrogativas
vras. As frases imperativas podem, então, se
do grupo 5 podem ser empregados os procedi-
diferenciar das afirmativas pela ausência do
mentos 3 e 4 de fazer perguntas, com a inversão
sintagma nominal sujeito. Os enunciados ne-
da ordem habitual do sujeito e do primeiro ele-
gativos se diferenciam dos afirmativos pela
mento verbal, como o demonstram os quatro
aposição, no início ou no final da frase, do ele-
últimos exemplos da categoria 3 e o exemplo
mento negativo não ou da partícula pas, em
seguinte no que diz respeito à categoria 4:
francês (p. ex., pas dodo, Dodo non)d. As pergun-
“Quand Pierre viendra-t-il?” Quando Pierre virá?
tas são feitas, como na fase anterior, por meio
da entonação, ou utilizando uma pronome in-
terrogativo (“Quem?”, “O que?”, “Quem é?”, Coordenação e subordinação
etc.). Em uma terceira fase a partir dos 4 anos,
A parataxe (prevalência da coordenação as-
aproximadamente, as diversas modalidades
sindética no discurso complexo) predomina até,
discursivas recebem um tratamento formal ca-
aproximadamente, os 4 anos , momento a partir
da vez mais em conformidade com os cânones
do qual se desenvolve a hipotaxe (introdução
da língua; uma evolução facilitada pelo apare-
formal da subordinação nos enunciados). As
cimento de estruturas com verbos de ligação e
frases subordinadas vêm às vezes precedidas, a
dos auxiliares na fala da criança. A partir deste
partir do 3 anos, de “falsas frases relativas” (p.
momento, e continuando com o idioma fran-
ex., “Bebê que chora”), nas quais não existe su-
cês, as perguntas são feitas por meio de:
bordinação, mas simplesmente a colocação de
1. entonação (Viens?) Vens?; um pronome (relativo) entre o sujeito e o verbo
da frase. Mais adiante, a criança cria constru-
2. locução Est-ce-que (Est-ce que tu viens?)
ções nas quais, de fato, existe subordinação, se
Você vem?;
assim pode ser chamada, mas que falta o pro-
3. inversão da ordem habitual de sujeito e nome relativo ou a conjunção subordinativa
verbo (Você vem?) ou então do primeiro (“Veja o carro o padrinho trouxe”; “Mamãe dis-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 41

se você vem”). Um pouco mais tarde, aparecem 4. A identidade/não identidade das funções
as orações relativas e completivas construídas gramaticais na oração principal e na ora-
corretamente. Nesta fase, parece que as orações ção relativa (este aspecto está normalmen-
relativas são elaboradas quase de forma exclu- te relacionado com os aspectos anteriores).
siva como constituintes proposicionais do sin- Nas orações relativas com sujeito inserido,
tagma verbal da proposição principal. Substi- o elemento nominal co-referencial e o pro-
tuem, deste modo, as estruturas de justaposição nome relativo têm a mesma função grama-
e as coordenadas sindéticas (p. ex., “Ouço o be- tical (tipo sujeito-sujeito, SS); nas orações
bê. Está em cima”; “Ouço o bebê e está em ci- relativas com objeto derivado, o elemento
ma”; “Ouço o bebê que está em cima”). A crian- nominal co-referencial e o pronome relati-
ça não é capaz, até mais adiante, de produzir vo têm, mesmo assim, a mesma função
frases nas quais a relativa está inserida no cons- gramatical (tipo objeto-objeto, OO); nos
tituinte do sintagma nominal sujeito (p. ex., “O dois casos restantes (relativas objeto inseri-
bebê que está em cima está chorando”). As jun- das e relativas sujeito derivadas) existe um
ções com prolongamento acompanhante do cruzamento de funções gramaticais do ele-
sintagma nominal sujeito e afastamento do ver- mento nominal co-referencial e o pronome
bo principal são mais raros, inclusive na lingua- relativo da oração principal com a oração
gem adulta, devido ao maior esforço que exi- relativa (são os tipos sujeito-objeto, SO, e
gem da memória no curto prazo. objeto-sujeito, OS).
Os problemas sintáticos ligados à com-
preensão e à produção das orações relativas Intervém, além disso, outro fator adicio-
(particularmente as relativas sujeito e objeto, nal (de natureza pragmática e semântico-sin-
incluindo os aspectos de seu desenvolvimen- tática) denominado reversibilidade temática.
to) são bem conhecidos e foram documenta- Observou-se que a reversibilidade temática (de
dos empiricamente e discutidos teoricamente fato, a reversibilidade temática plausível) in-
em várias publicações (p. ex., Ferreiro et al., flui na compreensão das orações relativas na
1976; Amy e Vion, 1976; Amy, 1983a, 1983b). criança (do mesmo modo nos adultos; confor-
No tratamento das orações relativas, de- me, p. ex., Amy, 1983a, 1983b) e torna esta
vem ser levados em conta os quatro aspectos compreensão geralmente mais difícil.
seguintes: No que se refere às orações subordinadas
adverbiais, destacam-se duas categorias nu-
1. As dependências estruturais seqüenciais. mericamente importantes: as orações causais e
A oração relativa pode ser inserida na as temporais.
oração principal ou ser derivada à direita As dimensões de causa e de tempo se con-
desta (justaposição). fundem, freqüentemente, do ponto de vista
conceitual (conforme o axioma latino Post hoc,
2. O tipo léxico do pronome. Vem determina- e
ergo propter hoc) e as estruturas adverbiais de
do pela função gramatical do co-referente
coordenação conjuntiva, assim como as estru-
pronominal na oração principal (quando o
turas temporais da linguagem, podem ser uti-
nome ao qual se refere tem função de su-
lizadas de maneira que expressem relações
jeito gramatical, o pronome relativo que se
temporocausais implícitas entre os aconteci-
utiliza é qui [que], em francês; quando o
mentos (corretamente ou não em função da re-
nome ao qual se refere tem a função de ob- lação causal real que existe entre os aconteci-
jeto gramatical, o pronome relativo é que). mentos aos quais nos referimos ou, ocasional-
3. A ordem canônica dos constituintes da mente, a outros acontecimentos). Sabe-se que
oração relativa. As orações relativas intro- noções cognitivas complexas, tais como as que
duzidas pelo pronome qui (relativas ao su- se referem às relações causa-efeito e às de tem-
jeito) seguem uma ordem sujeito-verbo- po entre diversos acontecimentos, exigem
objeto (SVO), enquanto as relativas intro- muito tempo para evoluir no desenvolvimen-
duzidas por que (relativas ao objeto) se- to (Piaget, 1946, 1955). No entanto, inclusive
guem uma ordem OSV. quando a criança domina ou está a ponto de
42 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

dominar as noções conceituais, resta-lhe ainda porais. Do ponto de vista de sua seqüência ao
o delicado trabalho de relacioná-las correta- longo do desenvolvimento, esses meios pode-
mente com o vocabulário causal e temporal de riam ser classificados da seguinte maneira:
sua linguagem e de compreender e, em seu ca-
so, utilizar a liberdade formal permitida pela 1. A ordem dos enunciados reflete diretamen-
linguagem nesses temas. Por exemplo, em te a ordem seqüencial dos acontecimentos.
francês (assim como em outras línguas, como 2. Utilização incorreta, e depois correta, de
o inglês), se aceita do ponto de vista gramati- conjunções, preposições e advérbios tem-
cal a expressão de enunciados que contenham porais.
relações causais de duas maneiras distintas: a
oração causal pode preceder a oração que con- 3. Utilização incorreta, e depois correta, das
tém o elemento determinado, ou então, pode formas verbais (o aspecto precede o tem-
estar depois dela (p. ex., “L’homme s’est enfui po; Ferreiro, 1971; Ferreiro e Sinclair, 1971;
parce que quelqu’un tirait sur lui”; “C’est parce Trosborg, 1981).
que quelqu’un tirait sur lui que l’homme s’est en- Em geral, é por volta de 9 ou 10 anos que a
fui” [O homem fugiu porque alguém estava criança é capaz de compreender corretamente
atirando nele; Foi porque alguém estava ati- os meios formais disponíveis na linguagem
rando nele que o homem fugiu.]). para expressar as relações temporais, indepen-
Do mesmo modo, podemos nos referir lin- dentemente das características seqüenciais dos
güisticamente a acontecimentos que mantêm acontecimentos físicos, e de integrá-los em um
uma relação temporal entre si, ou correspon- sistema coerente de referência lingüística.
dendo a ordem das orações diretamente com a É evidente que algumas variáveis podem
ordem em que os acontecimentos ocorreram,
influenciar na compreensão das orações cau-
ocorrem ou ocorrerão na realidade; ou, então,
sais, temporais ou ambas. Essas variáveis po-
na ordem inversa. Estabelecer esta correspon-
dem ser:
dência conceitual lingüística não é simples e
precisa de certo tempo para ser realizada corre-
1. reversibilidade temática e plausibilidade
tamente. Por exemplo, Bullock e Gelman (1979)
(Kuhn e Phelps, 1976);
e Emerson (1979) trazem alguns dados experi-
mentais congruentes que demonstram que, até 2. organização causal direcional implícita
aproximadamente os 8 anos, as crianças ten- da estrutura verbo-argumento no caso de
dem a considerar o primeiro elemento apresen- certos verbos (p. ex., matar, felicitar, ven-
tado em uma seqüência verbal como a causa do der ou telefonar; isto pode facilitar a re-
sucesso que segue. Essas crianças parecem fun- presentação mental e a interpretação das
cionar segundo uma hipótese axiomática que frases correspondentes; Chafe, 1970; Gar-
estipula que os enunciados estão sempre orga- vey e Caramazza, 1974);
nizados de maneira causal unidirecional que
3. características de tempo e aspecto dos
corresponderia à interpretação: Post hoc, ergo
verbos, como a simultaneidade, a conti-
propter hoc. Nesta etapa, não está garantida a
nuidade, a resultatividade ou o caráter de
compreensão real da conjunção porque. É de-
pois dos 8 anos (em média) que as crianças co- ação concluída do acontecimento ao qual
meçam a compreender que a ordem das ora- nos referimos em relação a outros aconte-
ções e dos acontecimentos são independentes, e cimentos, e a pontualidade do verbo (a
que as línguas trazem meios formais úteis para representação mental das ações pontuais
eliminar a ambigüidade referencial, dando-nos é mais simples, o que pode facilitar o tra-
liberdade de manobra para a seqüência dos tamento da frase; Rondal e Thibaut, 1992;
constituintes das frases. Rondal et al., 1990).
No que se refere à expressão lingüística das
relações de tempo, muitos estudos demonstram Formação da voz passiva
que a criança utiliza diferentes meios formais e O sujeito “lógico” das frases passivas ou
pragmáticos para expressar as referências tem- sujeito gramatical denominado subjacente
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 43

(Maratsos et al., 1985) é produzido na superfí- miladas, no nível da compreensão, às frases ati-
cie sob a forma de um objeto disfarçado que é vas correspondentes. As passivas não-invertí-
introduzido pela preposição por, que indica o veis são compreendidas e produzidas antes das
agente. O objeto “lógico”, denominado subja- passivas invertíveis porque, simplesmente, pa-
cente gramatical, é produzido na superfície sob a ra compreender um enunciado passivo não-in-
forma do sujeito gramatical ou pode, inclusive, vertível não é absolutamente necessário fazer
permanecer subentendido. Fala-se, então, de sua análise sintática; basta conjugar o conheci-
frase passiva truncada. A formação da voz passiva mento dos elementos léxicos e das realidades
implica, além disso, a intervenção do verbo au- extralingüísticas. Ao contrário, as passivas in-
xiliar ser e do particípio. Por exemplo: “Um me- vertíveis exigem uma análise sintática.
dicamento lhe foi receitado” (subentendido, por Mesmo assim, estabeleceu-se que as crian-
alguém, provavelmente um médico); “Os filhos ças compreendem antes e melhor as frases pas-
são queridos por seus pais; O cavalo foi doma- sivas quando são construídas ao redor de ver-
do por um peão”, etc. No plano cognitivo, a bos de ação (p. ex., empurrar ou levar) e por
coexistência na linguagem de frases ativas e oposição aos verbos chamados mentais (p. ex.,
passivas correspondentes (p. ex., “A menina imaginar, amar, ver; Sudhalter e Braine, 1985;
empurrou o menino”; “O menino foi empurra- Maratsos et al., 1985; Rondal et al., 1990). De
do pela menina”) implica a capacidade de enfo- acordo com os trabalhos de Kosslyn (1980) e de
car um mesmo acontecimento em um duplo Paivio (1971, 1986), Rondal e colaboradores
ponto de vista, respectivamente, o do agente e o (1990) sugeriram que o efeito de acionalidade
do paciente, codificando cada alternativa de observado poderia ser devido ao caráter mais
maneira formalmente distinta. No plano funcio- vivo das representações mentais induzidas pe-
nal, o papel principal das frases passivas é esti- los verbos de ação na maioria das pessoas. Es-
lístico (enfático). Esta formulação permite cha- sas representações, entretanto, podem ter uma
mar a atenção do interlocutor para a nova infor- função de apoio para as operações mentais im-
mação, colocando-a no início da frase (posta em plicadas no tratamento lingüístico das frases.
evidência enfática), enquanto habitualmente, a Esta hipótese teve suporte experimental em
informação nova é predicada e, portanto, colo- uma pesquisa realizada por Thibaut e colabora-
cada na segunda parte da frase. As noções de dores (1995) em crianças com idades entre 5 e 8
informação nova e antiga se referem tanto ao anos, que estudava o papel da formação mental
que os interlocutores puderam aprender duran- de imagens no tratamento das frases das crian-
te a troca discursiva como aos conhecimentos ças. De fato, a acionalidade verbal não é, sem
que possuíam anteriormente ou, então, concor- dúvida, mais que do um elemento de um gru-
rentemente segundo o contexto lingüístico. po mais complexo que autores como Hopper e
Deve-se distinguir entre frases passivas de- Thompson (1980) denominaram transitividade
nominadas invertíveis (p. ex., “A menina é em- semântica. Trata-se da transferência de uma pro-
purrada pelo menino”) e as não-invertíveis (so- priedade semântica de um sujeito gramatical
mente o são de maneira metafórica no universo para um objeto gramatical por meio de uma re-
que conhecemos; p. ex., “Um medicamento é lação fraseológica e, portanto, com a mediação
prescrito pelo médico”). A produção de frases de um verbo. Outros elementos de transitivida-
passivas é estatisticamente baixa, inclusive na de semântica (excluída a acionalidade do ver-
linguagem adulta. Considera-se que, aproxima- bo) incluem a plausibilidade do conteúdo da
damente, 5% das frases produzidas pelos adul- frase (real ou irreal), a pontualidade verbal, a
33
tos são formuladas na voz passiva, enquanto a telicidade e o caráter afirmativo (mais do que
criança não recorre apenas a elas antes dos 7 ou negativo) da frase. Segundo Hopper e Thomp-
8 anos. No entanto, é capaz de compreender as
33
não-invertíveis desde os 3 ou 4 anos, embora N. de R. T.: A telicidade está relacionada ao aspecto ver-
bal e indica um evento cuja atividade tem um ponto ter-
seja necessário esperar até os 9 ou 10 anos para minal claro. Os verbos télicos são, por exemplo, “cair”; e
que se estabilize sua compreensão das frases “chutar”. Já os atélicos não mostram um ponto final na-
passivas invertíveis, as quais tendem a ser assi- tural, como o verbo “brincar” (Crystal, D., 2000).
44 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

son (1980), uma frase “alta” em transitividade 2. a distância no nível da estrutura de super-
semântica implica dois ou mais participantes; fície entre o pronome e/ou o(s) correferen-
um verbo de ação, um princípio e um final pre- te(s) nominal(is) plausível(is) (Kail, 1976);
cisos da ação significada pelo verbo e uma ação
3. a ordem seqüencial dos nomes (Kail, 1976);
pontual, um agente potente e um paciente (que
recebe a ação) bem individualizado e afetado 4. a voz da oração ou da frase (existe uma
pela ação em questão. tendência em favor da atribuição do esta-
De acordo com esta hipótese, uma frase tuto de correferente do pronome ao sujei-
como “João corta a madeira” (“A madeira é to gramatical nominal; Garvey e Cara-
cortada por João”) é relativamente alta em mazza, 1974);
transitividade, enquanto “João vê a menina”
5. a função gramatical e as características se-
(“A menina é vista por João”) é uma frase de
mânticas dos antecedentes nominais (es-
transitividade baixa.
tratégias das funções paralelas; Grober et
Maratsos e colaboradores (1985) observa- al., 1978; Kail, 1983). Esta última estraté-
ram que as frases compreendidas adequada- gia consiste em considerar que a organi-
mente em suas experiências (realizadas com zação temático-gramatical que prevalece
crianças entre 3 e 4 anos) apresentavam todas na primeira frase é automaticamente per-
as características da alta transitividade. Falta tinente para a interpretação da segunda
estudar, mais detalhadamente, o papel das frase. Se o pronome funciona como sujei-
variáveis da transitividade semântica distin- to gramatical na segunda frase, concorda-
tas da acionalidade verbal na compreensão (e rá provavelmente com o substantivo que
na produção) de frases declarativas. Veja-se funciona como sujeito da primeira frase;
Rondal e Thibaut (1992) para uma análise teó- do mesmo modo, mutatis mutandis, para a
rica dos fatores de transitividade identifica- função de objeto;
dos por Hopper e Thompson.
6. a relação sintática que existe entre as ora-
ções e as frases complexas ou entre as fra-
Compreensão da correferência pronominal ses dos diversos parágrafos (p. ex., se
pessoal uma oração ou uma frase é introduzida
Uma regra léxica domina o processo de por uma conjunção adversativa como
identificação no caso dos pronomes anafóri- mas, existe uma forte tendência em atri-
cos pessoais. Trata-se da indicação segundo a buir ao sujeito gramatical da primeira
qual os pronomes devem se corresponder em oração gramatical ou da primeira frase o
gênero e número com seu referente nominal. estatuto de correferente do pronome;
Quando têm aproximadamente 7 anos, as Grober et al., 1978);
crianças com desenvolvimento normal che- 7. as características semânticas dos verbos
gam a dominar esta regra e a aplicam correta- (causalidade implícita direcional na signi-
mente em suas elaborações lingüísticas pro- ficação dos verbos; p. ex., Garvey e Cara-
dutivas e receptivas (Kail, 1976, 1983; Kail e mazza, 1974);
Leveillé, 1977; Chipman e Gérard, 1983).
8. o estatuto social das pessoas menciona-
Diversos fatores podem influir no estabe-
das nos sintagmas nominais que consti-
lecimento da relação anafórica entre o prono-
tuem antecedentes plausíveis do prono-
me e o nome, como demonstram diferentes
me (Garvey e Caramazza, 1974);
trabalhos na literatura especializada. Os mais
importantes são: 9. as inferências e as construções referen-
ciais imaginárias ou baseadas na realida-
1. o acento de intensidade (contrastivo; Ma- de que podem ser feitas pelos sujeitos
ratsos, 1976); (Wykes, 1981).
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 45

Podem ser consultados os dois volumes artigo (Karmiloff-Smith, 1979). A presen-


editados por Lust em 1986 e, especialmente, a ça, no discurso da criança, dessas formas
extensa discussão na seção 1 do volume 1, pa- lingüísticas indica, pois, simplesmente,
ra um estudo sistemático desta bibliografia. que as conhece e que pode executá-las fo-
Além disso, em um estudo em grande es- nologicamente, mas de modo algum sig-
cala realizado com crianças, adolescentes e nifica obrigatoriamente o fim de sua aqui-
adultos francófonos (Rondal et al., 1984) de- sição. No nível da compreensão, a noção
monstrou que a estratégia dominante nos ca- de “estratégia” de tratamento, na década
sos ambíguos (somente foram utilizadas fra- de 1970, pôs em evidência, além disso, a
ses ativas) se baseava em algo semelhante a diferente interpretação do mesmo enun-
“selecionar o tema tópico ou o sujeito grama- ciado e, portanto, das mesmas formas lin-
tical da primeira frase, como correferente pa- güísticas, aos 3, 5 e 8 anos (conforme, p.
ra o pronome pessoal anafórico da segunda ex., os trabalhos reunidos na obra de
frase, este pronome funciona como sujeito ou Bronckart e colaboradores, 1983, sobre o
objeto gramatical”. A tendência a “escolher o tratamento dos pronomes relativos e das
sujeito ou a dominância tópica” (em frases, marcas anafóricas).
por outro lado, não marcadas no que refere à
2. Colocar em prática completamente a lin-
organização temática) aumenta com a idade
guagem vai além do fato de produzir ou
dos indivíduos (de 10 a 14 anos e no início da
de compreender palavras ou enunciados
idade adulta).
isolados, inclusive se são corretos do pon-
to de vista sintático; implica, além disso,
A linguagem além da palavra e do combinar esses enunciados em um discur-
enunciado: compreensão e produção so coerente, utilizar a linguagem com fins
de discursos adaptados sociais expressos direta ou indiretamente
(teoria dos atos da linguagem: ordenar ou
De forma relativamente rápida, a criança prometer), bem como escolher as formas
adquire as estruturas básicas de sua língua lingüísticas apropriadas ao tipo de discur-
materna. Aos 5 anos, seu vocabulário lhe so usado (descrever, narrar, convencer,
permite praticar em situações cotidianas, e etc.). Para atingir o nível adequado em ca-
seus enunciados já apresentam a maioria das da um desses aspectos, são necessários al-
construções sintáticas usuais. A produção guns anos: assim, deve-se esperar até a
confirmada desses elementos tem sido, mui- idade de 11 ou 12 anos, para aquilo que
tas vezes solicitada para afirmar a hipótese diz respeito à linguagem oral e acrescen-
de uma aquisição precoce e rápida da lin- tar 5 a 7 anos para a linguagem escrita.
guagem, explicável, então, somente por pre-
disposições inatas (Pollock, 1997, Cap. 2). Em resumo, após (ou simultaneamente) a
Esta interpretação dos dados, objetiva- aprendizagem do vocabulário, da morfologia
mente comprovados, leva à observação de gramatical e da sintaxe dos enunciados, a
dois fenômenos essenciais: criança − e depois o adolescente − deverá
aprender as dimensões discursivas e aprimo-
1. Embora uma criança seja capaz de produ- rar os aspectos pragmáticos da linguagem.
zir certos elementos de sua língua mater- Em uma ótica de life-span psychology (Baltes et
na, isso não implica que os utilize do mes- al., 1977), pode-se dizer que a aquisição da
mo modo que um interlocutor adulto, linguagem não pára jamais: um indivíduo,
nem, sobretudo, que domine seu funcio- por exemplo, ao mudar de atividade profis-
namento. Assim, um pequeno francófono sional, continua, mesmo na idade adulta, com
demorará cerca de 10 anos para utilizar o processo de aquisição de vocabulário novo
corretamente as diferentes funções ex- e de outras estruturas, registros ou usos da
pressas somente com as seis formas do linguagem.
46 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

Produção de discursos coerentes te, este emprego se integra no conjunto


dos conhecimentos lingüísticos e cogni-
A produção de um discurso se baseia em tivos do falante.
duas capacidades principais (Peterson, 1993):
A produção de um discurso exige que a
1. utilizar a linguagem de maneira descon- criança maneje de maneira permanente duas
textualizada, isto é, falar de personagens dimensões: a coerência e a coesão. A primeira
ou de acontecimentos não presentes no designa a necessidade de que as informa-
tempo ou no espaço atuais, levando em ções permitam que o interlocutor construa
conta os conhecimentos do interlocutor uma representação cognitiva não contraditó-
ao qual estamos referindo-nos. ria do conteúdo expresso. Deste modo, os
2. marcar as relações que existem entre enun- enunciados sucessivos não devem conter in-
ciados sucessivos. Segundo Karmiloff- formações que entrem em conflito entre si,
Smith (1986), a idade de 5 anos é conside- nem que careçam de um vínculo semântico
rada a idade-chave. Antes desta idade, a perceptível. O conhecimento de certas estru-
criança já produz algumas marcas lin- turas de conjunto, como o esquema da nar-
güísticas, mas ainda não adquiriu sua ração, ou então de estruturas causais proto-
funcionalidade discursiva, que não se típicas teria, além disso, um papel importan-
estabelecerá antes dos 11 ou 12 anos. A te na gestão da coerência. A segunda dimen-
aquisição reside, no domínio progressi- são designa o fato de que os enunciados
vo do uso multifuncional das marcas já comportam marcas lingüísticas que codifi-
conhecidas, integradas, em um sistema cam o vínculo que os relaciona: a utilização
mais unificado. Karmiloff-Smith distin- de um pronome pessoal para indicar a refe-
gue três fases de desenvolvimento: entre rência (anafórica) a um nome que serviu pa-
3 e 5 anos, entre 5 e 8 anos e entre 8 e 12 ra introduzir um personagem, por exemplo;
anos. Em uma narração produzida a par- a presença de uma conjunção que expressa
tir de imagens, a criança passa, por uma oposição entre duas idéias, etc. (Halli-
exemplo, de um emprego essencialmen- day e Hasan, 1976). Os vínculos de coerência
te contextual e dêitico dos pronomes podem ser expressos por meio de outras in-
(“ele”, o personagem que se vê nas ima- dicações (p. ex., vocabulário sucessivo per-
gens, tomado de forma isolada) para um tencente a um mesmo campo semântico).
uso repetitivo limitado pela existência Um discurso pode ter pouca coesão mesmo
de um sujeito temático único (A crian- sendo coerente, e vice-versa. A relação entre
ça..., ela..., ela..., ela...); e, depois, para as duas dimensões não é biunívoca, mas
um uso flexível e adaptado, que permite existe. Uma das aquisições da criança con-
codificar outros personagens no papel sistirá em aprender a codificar a informação
de sujeito gramatical. A passagem de de forma coerente (representação cognitiva
uma fase a outra corresponde a uma des- construída) com a ajuda dos diferentes siste-
crição em forma de representação que le- mas de elementos de coesão disponíveis em
va os conhecimentos, agora eficazes e sua língua.
operacionais, em um domínio específico, De maneira geral, pode-se dizer que a
a serem acessíveis a outros domínios da criança passa de um elemento (coesão) local
cognição (Karmiloff-Smith, 1992, 1994). de coerência a um elemento da estrutura de
Assim, o funcionamento local e correto conjunto do discurso. Isso fica claro quando
do pronome, primeiro dirigido pela vi- se analisa a evolução do uso de elementos lé-
são da imagem isolada, integra-se na re- xicos como porque, pois, e, mas, ou nas disputas
presentação da estrutura de conjunto da verbais entre crianças de 2 anos e 6 meses e
narração, mesmo quando permanece de 9 anos e 6 meses (Sprott, 1992). Observa-se
fortemente limitado por esta. Finalmen- que estes vocábulos realizam, primeiro, fun-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 47

ções interativas e, depois, funções ideacio- (Hickmann, 1995; de Weck, 1991). Uma das
nais. Por outro lado, marcam, primeiro, orga- razões desta mudança poderia residir na
nizações locais do discurso, antes de indicar maior capacidade cognitiva das crianças mais
outras mais globais. velhas para manejar simultaneamente os ní-
veis local e global do discurso (Karmiloff-
Introdução e conservação da referência Smith et al., 1993).

Narrar uma história (uma das primeiras Aprendizagem de diferentes tipos de discurso
formas de discurso das crianças) exige a in-
trodução clara dos personagens e das circuns- O uso da coerência do discurso implica
tâncias para que, depois, suas menções poste- planejar corretamente o que se deseja ex-
riores sejam expressas sem ambigüidade. pressar, para trabalhar o campo de conheci-
Uma manifestação clássica é, por exemplo, a mentos que este conceito abrange. Essa
oposição entre indefinido e definido: “É uma questão põe também em jogo outro tipo de
criança pequena que brinca. A criança agarra capacidade: conhecer e pôr em prática o ti-
uma bola”. Trata-se, de fato, de usar a clássica po de discurso apropriado para o objetivo
oposição entre informação nova e informação comunicativo escolhido. A criança aprende
já conhecida. Numerosas pesquisas estuda- de forma progressiva que a estrutura orga-
ram o modo como a criança aprende a traba- nizada de uma narração, de uma descrição
lhar com a introdução e a conservação da re- ou de uma argumentação exige esquemas
ferência ao longo do discurso. Os resultados diferentes, esquemas cognitivos deduzidos
podem parecer bastante contraditórios das atividades lingüísticas vividas. Vai usar
(Hickmann, Kail e Roland, 1995a, 1995b). Al- deste conhecimento para construir seu dis-
guns autores concluem que existe uma aqui- curso no nível de conteúdo e das formas
sição relativamente precoce do sistema refe- lingüísticas, que lhe permitirão codificar es-
rencial. Outros descrevem uma progressão ta estrutura.
mais lenta dessa habilidade. As divergências Se outros tipos de discursos começam a
entre os resultados procedem, provavelmen- ser objeto de análises detalhadas (ver, p. ex.,
te, das diferentes provas utilizadas (narração Golder, 1996, para o discurso argumentati-
a partir de imagens, narrações de histórias vo), é, sem dúvida alguma, a narração a
vividas, imagens mostradas ou não ao inter- mais estudada nas pesquisas sobre o desen-
locutor, etc.). No entanto, as produções das volvimento da linguagem. As crianças
crianças variam segundo o nível de desen- constroem progressivamente (entre 4 e 12
volvimento, e as limitações de tratamento anos) um esquema narrativo, composto de
que desencadeiam diferentes fatores pró- categorias relativamente estáveis (marco,
prios do trabalho que lhes foi recomendado: acontecimento desencadeante, tentativa, re-
o grau em que o interlocutor compartilha a solução, conclusão), que lhes serve de guia
informação, a existência ou não de vários na organização dos elementos narrados
personagens centrais em uma história e a te- (Fayol, 1985; Espéret, 1991). A existência
matização marcada ou o momento da intro- deste esquema, implícito a princípio, evolui
dução de algum dentre eles (Vion e Colas, progressivamente para uma tomada de
1998). consciência de sua constituição e de seu pa-
No entanto, globalmente, parece que se pel na produção.
passa de um uso mais dêitico (ou inclusive Ao mesmo tempo em que constrói narra-
exofórico, isto é, que reincide no contexto) das tivas cada vez mais estruturadas, a criança
marcas lingüísticas para um uso endofórico, aprende a marcar lingüisticamente este tipo
no qual as marcas utilizadas remetem a men- de estrutura discursiva. Especialmente, colo-
ções referenciais já feitas (anáforas) ou que ca-se em prática uma oposição das flexões
seriam feitas (catáforas) no mesmo discurso verbais (pretéritos imperfeito e mais-que-
48 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

perfeito frente ao presente e ao pretérito per- familiar repetitiva e o enunciado é domi-


feito) ligada à oposição entre o segundo e o nado por ser parte constituinte do for-
primeiro plano ou entre o marco e o aconte- mato.
cimento narrativo. Como indicamos ante-
riormente, o tempo dos verbos expressa, em 2. A criança adquire a capacidade de anali-
primeiro lugar, uma função de aspecto além sar certas características dos enunciados e
do estritamente temporal. Isso está, apesar da situação, assim como de relacionar es-
disso, matizado pela semântica do aspecto ses dois conjuntos (a partir dos 4 ou 5
dos próprios verbos (oposição entre verbos anos). Pode aplicar, de maneira muito
de atividade e verbos de realização; Fayol e mais flexível, algumas correspondências
colaboradores, 1993) que favorece ou, ao a situações novas.
contrário, inibe a marcação temporal. 3. Finalmente, utiliza as formas lingüísticas
Deve-se observar que Bronckart propôs, canônicas tanto para modificar as carac-
em 1998, uma concepção radicalmente dife- terísticas da situação como para criar
rente dos tipos de discurso e de sua aquisi- uma nova (a partir dos 4 ou 5 anos).
ção, inscrita no marco teórico do interacionis- Mesmo assim, a criança é capaz de per-
mo sociodiscursivo. ceber que o enunciado de um adulto mo-
dificou, por exemplo, as relações sociais
preexistentes.
Utilização da linguagem em situações de
comunicação: aspectos pragmáticos
As duas primeiras etapas podem coexis-
A criança adquire simultaneamente os tir e, neste caso, a escolha de uma ou outra se-
usos gerais de comunicação e os de repre- rá determinada por alguns aspectos da comu-
sentação da linguagem. À medida que au- nicação.
menta sua competência lingüística (sua ca- A partir dos trabalhos de Ervin-Tripp e
pacidade para produzir enunciados corretos Mitchell-Kernan (1977), ampliados com os
do ponto de vista formal), aprende a mane- de Cook Gumperz e seus colaboradores
jar os turnos de palavra, a manter uma con- (1986), uma série de pesquisas tentou desco-
versação, a atrair a atenção, a fazer um pedi- brir as etapas por meio das quais a criança
do, a prometer, etc. Desenvolve, assim, uma adquire a capacidade de relacionar as diver-
competência pragmática que se apóia tam- sas opções que constituem o enunciado (es-
bém em capacidades cognitivas gerais: ado- colha das palavras, entonação, forma sintáti-
tar o ponto de vista do interlocutor, fazer hi- ca) e as características da situação de comu-
póteses sobre as intenções deste último, por nicação na qual deve fazer sua produção pa-
exemplo. Produzir um enunciado já não se ra alcançar um objetivo social predefinido.
limita a fazer uma observação sobre o mun- Do ponto de vista de sua função social, o
do, mas constitui, ao mesmo tempo, um ato enunciado estudado geralmente é categori-
social que trata de atuar sobre o ambiente zado segundo a teoria dos atos da lingua-
social. Esta concepção da linguagem, de ma- gem, proposta por Austin (1962) e aprimora-
neira completa, foi designada por Bernicot da por Searle (1979). Assim, foram estuda-
(1992) como psicolingüística da adaptação. Sob das, por exemplo, as elaborações das crian-
esse ponto de vista, Bernicot propõe três ças, tanto na compreensão como na produ-
grandes etapas na aquisição da linguagem: ção, e manejo de pedidos, promessas e afir-
mações. Dada a impossibilidade de apresen-
1. Adaptação realizada mediante a inser- tar um panorama completo desses resulta-
ção de um enunciado em um formato, dos, às vezes contraditórios, ilustraremos as
no sentido de Bruner (2, 3 ou 4 anos). A considerações baseando-nos no trabalho de
primeira forma é eficaz enquanto a Bernicot (1992) sobre compreensão e produ-
criança é confrontada com uma situação ção de perguntas. Baseado em uma série de
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 49

pesquisas, Bernicot reconhece, para a com- Aquisição dos comportamentos


preensão, uma adaptação de tipo 1 (entre 1 lingüísticos: um conjunto integrado
ano e 6 meses e 4 anos) e outra de tipo 2 (a
partir de 4 anos). Para a produção, as idades Como vimos, a aquisição de uma lingua-
nas quais aparecem os “tipos de adaptação” gem consiste em aprender a colocar em práti-
ca os elementos constitutivos da língua (o lé-
são, respectivamente, 2, 4 e de 4 a 6 anos. O
xico), assim como suas regras de combinação
conhecimento metapragmático das crianças
(a morfossintaxe), e, ao mesmo tempo, apren-
em relação às regras para ligar os enuncia-
der quais formas lingüísticas devem ser utili-
dos às situações é mais tardio, até os 10 anos.
zadas para construir uma mensagem adapta-
A existência de uma competência específi- da a um interlocutor, às regras sociais e a um
ca, e inclusive autônoma referente aos aspec- objetivo comunicativo. Esta adequação das
tos pragmáticos da linguagem é sustentada formas aos objetivos do ato comunicativo se
por dados relativos a certas formas de proble- refere, particularmente, aos aspectos pragmá-
mas de desenvolvimento da linguagem (De ticos da linguagem.
Weck, 1996). No nível discursivo e pragmático, Assim, a criança deve adquirir os conhe-
essa competência existiria nas disfasias, nos cimentos lingüísticos e, ao mesmo tempo, as
problemas específicos que afetam a adequação regras complexas de seu uso social. Esta evo-
da linguagem a cada situação de comunica- lução pode ser expressa em termos da aquisi-
ção, como, por exemplo, a capacidade de pro- ção progressiva de um conjunto de comporta-
duzir perguntas. O problema das relações en- mentos lingüísticos (narrar, argumentar, des-
tre competência pragmática e competência es- crever, explicar, etc.; Espéret, 1990, 1992), que
tritamente lingüística, permanece ainda sem se diversificam a partir do protótipo que
solução. Existe uma primazia de uma sobre a constitui o comportamento de diálogo adqui-
outra ou, então, uma independência clara en- rido desde o segundo ano entre a criança e
tre elas? Hupet (1996) analisou as duas teses e seu ambiente, e já prefigurado nas pré-con-
concluiu que, realmente, são necessárias mais versações do primeiro ano no nível do balbu-
pesquisas para se chegar a uma resolução do cio. Isto supõe, portanto, uma passagem, fre-
problema. Alguns dados, relacionados aos qüentemente mencionada, da linguagem dia-
problemas lingüísticos ou mentais de origem lógica − que supõe o primeiro enraizamento
genética, levam também a buscar dissociações da linguagem − para a linguagem em forma
entre os aspectos “computacionais” da lingua- de monólogo − que é adquirida mais adiante
(Clark e Schaeffer, 1989; McTear, 1985). Esta
gem (fonologia, sintaxe) e seus aspectos se-
transição se faz pouco a pouco sob a influên-
mânticos e pragmáticos (léxico, comporta-
cia de fatores exógenos (interações com o am-
mentos lingüísticos). Rondal (1995) também
biente) e endógenos (tratamento das informa-
propôs a necessidade dessa mesma análise pa-
ções recebidas pela criança, que provocam
ra o estudo detalhado das capacidades lin- reorganizações de suas representações).
güísticas de Françoise, uma pessoa com sín- Um ponto importante que deve ser lem-
drome de Down. Neste estudo observou que, brado é que, por razões de facilidade de ex-
enquanto Françoise apresentava elaborações posição, a descrição da aquisição da lingua-
médias ou fracas, próximas das que caracteri- gem parece apresentar etapas sucessivas que
zam habitualmente os sujeitos afetados por es- seguiriam os diferentes níveis de análise lin-
sa síndrome, nos aspectos semânticos e prag- güística (fonologia, vocabulário, sintaxe da
máticos da linguagem, alcançava, ao contrá- frase, discurso). No entanto, já desde um pri-
rio, praticamente o mesmo nível que os indiví- meiro momento pode-se constatar um enco-
duos sem a síndrome, no tocante aos aspectos brimento e um desenvolvimento paralelo. A
computacionais (ver mais adiante neste capí- criança começa a narrar e a argumentar quan-
tulo mais informações sobre este caso e as dis- do ainda não domina todas as estruturas sin-
sociações lingüísticas implicadas). táticas, quando não possui um vocabulário
50 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

amplo e também quando não é capaz de usar Karmiloff-Smith, e sempre guiadas por obje-
todas as realizações fonológicas de sua lín- tivos funcionais.
gua. Não se trata, portanto, de uma constru-
ção “mecânica” na qual todas as peças fono-
Aspectos diferenciais da aquisição da
lógicas tiveram de ser adquiridas para poder
construir primeiro palavras, e, depois, frases,
linguagem
etc. Embora seja certo que existe um princí- É comum observar que as crianças, in-
pio, os diferentes níveis são adquiridos para- clusive as que crescem na mesma família,
lelamente, mesmo quando seguem ritmos di- nunca adquirem a linguagem no mesmo rit-
ferentes, estabelecendo, em seguida, intera- mo. As diferenças podem atingir inclusive
ções entre eles. Uma distinção léxica determi- alguns valores importantes, sem que isso
nada ajudará, por exemplo, a uma realização signifique a existência de alguma patologia.
fonológica, enquanto um comportamento lin- Consideradas durante muito tempo como
güístico pode ajudar no uso de uma forma fenômenos episódicos, essas variações fo-
sintática particular. ram estudadas por si mesmas há uns 20
A idéia central é que a unidade de base anos. As teorias gerais do desenvolvimento
da linguagem é o discurso, e não a palavra integram esses dados. “A criança média é
ou a frase, seja qual for a extensão do discur- uma ficção... As teorias do desenvolvimento
so. É em seu interior e em função das limita- da linguagem não podem repousar por
ções comunicativas o discurso que a criança mais tempo neste ser mítico.” (Bates et al.,
adquire as unidades lingüísticas necessárias. 1988, p.151). A análise desses fenômenos le-
Não aprende, pois, ferramentas lingüísticas vou a uma conceituação em termos de esti-
isoladas e imediatamente generalizáveis, los de linguagem e de estratégias de aquisi-
mas constrói conhecimentos lingüísticos co- ção (Espéret, 1991).
mo elementos de uma atividade lingüística As variações na velocidade de aquisição
particular. Mais tarde, esses conhecimentos da linguagem já haviam sido observadas em
sofrem um processo de descontextualização trabalhos clássicos, como o de Brown (1973),
que permite estarem disponíveis para outras no qual as três crianças estudadas, Eve,
atividades lingüísticas (Espéret, 1991). Adam e Sarah (chamados os “Harvard chil-
Nesse marco, é essencial a aquisição de dren”), não atingiram na mesma idade os di-
conhecimentos sobre os múltiplos subsiste- ferentes estágios de aquisição da linguagem,
mas lingüísticos. Isso corresponderia à cons- sendo estes identificados segundo valores es-
trução dos múltiplos grupos de regras que tabelecidos do desenvolvimento da lingua-
regem as combinações formas-funções, no gem denominada MLU (mean length of utte-
sentido em que é descrito no modelo de com- rance, em inglês; LME, longueur moyenne
petição de Bates e McWhinney (1989). Assim, d’énoncé ou LMPV, longueur moyenne de pro-
tomando de novo o exemplo da aquisição do duction verbale, em francês; [em espanhol: lon-
artigo em francês referido anteriormente, a gitud media del enunciado e longitud media de la
criança aprenderá progressivamente a unir a producción verbal, respectivamente],34 Rondal,
forma le às funções semânticas masculino, sin- 1983, 1985b). Foram, sobretudo as pesquisas
gular dentro do discurso. Aprenderá essas re- de Bloom e colaboradores (1975) e, especial-
gras, primeiro, no meio de alguns comporta- mente, as de Nelson (1973, 1981) que impul-
mentos lingüísticos particulares, para gene- sionaram o desenvolvimento atual neste
ralizá-las, depois, no conjunto de comporta- campo. Esses trabalhos, referidos essencial-
mentos que já conhece. mente às primeiras aquisições léxicas e à
Assim, a aquisição da linguagem é uma transição para a gramática (enunciados de
fórmula cômoda que resume todo um proces-
so de desenvolvimento e inclui, de fato, aqui-
sições específicas, unificadas progressiva- 34
N. de R. T.: No português, MLU – comprimento
mente através de descrições, no sentido de médio do enunciado.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 51

duas ou mais palavras), evidenciaram a exis- aquelas que são mais prescritivas com seus fi-
tência de diversos estilos de utilização da lin- lhos às que são mais descritivas (Furrow e
guagem. Esses estilos seriam, de acordo com Nelson, 1984); e a seus estilos interativos, es-
Nelson, expressivo e referencial,35 segundo o pecialmente quanto ao papel da atenção con-
predomínio do uso de expressões pessoais junta no estilo das aquisições léxicas (Tourret-
ou sociais (sobretudo com adjetivos, verbos te e Rousseau, 1995).
ou palavras-função)36 ou dos nomes gerais
dos objetos; enquanto Bloom, seria preciso
diferenciar entre os estilos pronominal e nomi- METALINGÜÍSTICA DO
nal, segundo a proporção dominante de cada DESENVOLVIMENTO
uma dessas categorias gramaticais. Essas di-
mensões dicotômicas compartilham, no en- Relativamente pronta, a criança já é ca-
tanto, alguns pontos em comum (Bretherton paz de manipular apropriadamente a lin-
et al., 1983; Bates et al., 1988; para uma sínte- guagem tanto na compreensão quanto na
se) e correspondem de uma maneira mais produção. Isto acontece de maneira automá-
global, a duas estratégias de aquisição quali- tica; no entanto, ela não poderá levar cons-
ficadas como analítica e holística. De acordo cientemente seus usos lingüísticos mais
com a primeira, a criança constrói seus enun- adiante. O aparecimento desta última capa-
ciados por combinação progressiva de pala- cidade, a capacidade metalingüística, deve
vras que já domina perfeitamente; enquanto, ser diferenciada do “simples” fato de usar a
na segunda, a criança utiliza mais precoce- linguagem.
mente expressões aprendidas globalmente, A expressão “metalingüística” é recente.
que deve depois desmontar para reutilizar Entre 1950 e 1960, os lingüistas criaram o ter-
seus elementos de maneira autônoma em no- mo para qualificar tudo o que se referia à me-
vas combinações. talinguagem, isto é, o vocabulário da termi-
Ficam para serem analisadas, mais adian- nologia lingüística (p. ex., sintaxe, semântica,
te, essas posições (sem dúvida, muito mar- fonema, etc.; mas também termos mais co-
cantes) segundo dois pontos de vista: o dos muns como substantivos, frase, letra, etc.).
mecanismos psicolingüísticos precisos que Assim, em seu sentido lingüístico inicial, o
cada estilo ou estratégia esconde e o dos fato- termo “metalingüística” se refere à atividade
res que determinam o estilo adotado por cada lingüística que trata da mesma linguagem. A
criança. Sobre o primeiro ponto, ainda são partir desse ponto de vista estrito, as capaci-
poucos os estudos que foram realizados e que dades metalingüísticas dependem da capaci-
vão mais além da dicotomia entre “aprendi- dade de auto-referência da linguagem. No
zagem de memória” e “análise”. Alguns tra- entanto, a lingüística que contempla o funcio-
balhos tendem, por outro lado, a destacar três namento da linguagem do ponto de vista do
estilos em vez de dois: aprendizagem por locutor, proporcionará a este nível metalin-
compreensão, por análise da produção e por güístico, no qual o significante se converte em
produção “de memória” (Bates, Bretherton e significado, um novo estatuto na mesma ati-
Snyder, 1988). Quanto ao segundo ponto, as vidade do locutor (Benveniste, 1974).
pesquisas levam essencialmente ao estilo lin- Essa perspectiva conduziu progressiva-
güístico das mães, opondo, por exemplo, mente à significação da noção como é utiliza-
da atualmente em psicolingüística, isto é, à ca-
35
pacidade de se distanciar do uso normal da
N. de R. T.: Para maior aprofundamento no assunto
consultar Chevrie-Muller e Narbona, A linguagem da linguagem e desviar a atenção dos objetivos
criança. Porto Alegre: Artmed, 2005. de comunicação para conduzi-la às proprie-
36
N. de R. T.: Palavras sociopragmáticas – usadas pa- dades da linguagem utilizadas como meio de
ra cumprir funções específicas dentro do contexto de
determinadas atividades interacionais com outras comunicação. Esta capacidade é descrita por
pessoas. P. ex.: não, por favor, com licença. Cazden (1976) como a “capacidade de trans-
52 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

formar, em opacas, as formas da linguagem e rios autores defenderam a existência de uma


de se ocupar delas, e por elas mesmas”. Ba- atividade metalingüística desde os 2 anos
seando-se em Favell (1976), os psicólogos con- (para um exame detalhado desta questão,
sideram que as capacidades metalingüísticas ver Brédart e Rondal, 1984; Gombert, 1990).
competem à “metacognição”, a qual “se refere Certamente, poderia parecer que o termo
ao conhecimento que o sujeito tem de seus “metalingüística” é empregado para se referir
próprios processos cognitivos”. Assim, os psi- a diferentes fenômenos cuja semelhança apa-
cólogos analisam o comportamento (verbal rente seria devido a uma observação inade-
ou outro) do sujeito para encontrar os elemen- quada. Para evitar as assimilações distorci-
tos que lhes permitam identificar os processos das, deve-se fazer uma distinção entre as ca-
cognitivos de análise dos objetos lingüísticos pacidades manifestadas nos comportamentos
de controle, de sua utilização ou ambos. espontâneos (p. ex., a capacidade da criança
Como qualquer outra atividade metacog- de adaptar automaticamente seu discurso ao
nitiva, as atividades metalingüísticas não po- destinatário) e as capacidades que se baseiam
dem possuir o estatuto de “meta-atividade” em conhecimentos mentais aplicados de ma-
se não forem executadas pelo próprio sujeito. neira intencional (p. ex., adaptar voluntaria-
Conseqüentemente, o principal problema do mente uma narração para públicos diferen-
psicolingüista, interessado nos comporta- tes). O que separa estes dois conjuntos de
mentos metalingüísticos, é a demonstração comportamentos é, mais que uma diferença
do caráter consciente de uma atividade men- de grau, uma diferença qualitativa nas pró-
tal. Tradicionalmente, este caráter consciente prias atividades cognitivas. Por razões de cla-
é inferido da capacidade que o sujeito possui reza terminológica, é conveniente evitar o uso
para proporcionar um relatório verbal explí- do mesmo termo para qualificar estes dois ti-
cito dos determinantes de seu próprio com- pos de comportamentos.
portamento. Mesmo quando podemos quali- A noção “epilingüística”, criada pelo lin-
ficar, na maioria das vezes em uma primeira güista Culioli (1968), parece estar perfeita-
análise, de “conscientes” os processos cogni- mente adaptada à designação dessas ativida-
tivos que o sujeito pode tornar explícitos, fica des que se assemelham ao comportamento
claro que a ausência de verbalização não im- metalingüístico, mas que se efetua sem um
plica, de modo algum, a falta de consciência. controle consciente. Partindo do princípio de
É difícil estabelecer, uma ausência de que um caráter reflexivo e intencional é ine-
consciência nos comportamentos espontâ- rente a toda atividade estritamente metalin-
neos. Por isso, o fato de que, geralmente, as güística, utilizamos o termo “epilingüística”
capacidades de reflexão e de autocontrole in- para designar os comportamentos que, mes-
tencional não estejam muito desenvolvidas mo quando são isomorfos em relação aos
nas crianças, não implica que suas ativida- comportamentos metalingüísticos, não são o
des cognitivas não sejam controladas. Este resultado de um controle consciente por par-
tema foi tratado, em 1983, por Karmiloff- te do sujeito de seus próprios tratamentos lin-
Smith, que elaborou “um modelo que situa güísticos.
os metaprocessos como componentes essen- Esses epiprocessos (i. e., a intervenção
ciais das aquisições (...) em todos os níveis dos conhecimentos lingüísticos do sujeito
do desenvolvimento, e não simplesmente nas relações produzidas, são operativos em
como epifenômenos tardios”. De fato, Kar- todo comportamento lingüístico cujo nível
miloff-Smith (1986) utiliza a noção de “meta- de controle supera a resposta puramente
processo” em um sentido amplo, que leva a associativa que, freqüentemente, determina
distinguir “os metaprocessos precoces” por as primeiras expressões dêiticas da criança,
um lado e, por outro, “os metaprocessos tar- as saudações ou os jogos vocais. No entan-
dios” disponíveis para a consciência e verba- to, os comportamentos epilingüísticos se
lizáveis. De acordo com essa definição, vá- distinguem dos outros comportamentos
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 53

lingüísticos na medida em que a interven- A maioria dos pesquisadores destacou,


ção dos epiprocessos se manifesta na super- especialmente, o papel central da consciência
fície. Por esta razão, o comportamento epi- fonológica na aprendizagem da leitura. De fa-
lingüístico pode ser confundido com um to, os modelos de aprendizagem da leitura
comportamento metalingüístico. postulam que, pouco depois de seu início, so-
Existem três pontos de vista opostos no brevém uma etapa de leitura alfabética domi-
que se refere à relação que as aquisições me- nada pela correspondência dos componentes
grafêmicos com os componentes fonêmicos
talingüísticas mantêm com o desenvolvimen-
(Frith, 1985). A fim de dominar um sistema de
to e com a aprendizagem da linguagem:
escrita no qual os fonemas são representados
mediante grafemas, as crianças devem poder
1. Segundo Clark (1978), o desenvolvimento
segmentar as palavras orais em segmentos fo-
lingüístico exigiria que as crianças fossem nológicos apropriados. Assim, o leitor apren-
conscientes desde o princípio de seus pró- diz deve ter consciência da estrutura fonêmi-
prios erros de linguagem (do mesmo mo- ca da linguagem. O papel central da cons-
do que de seus acertos). Os primeiros com- ciência fonêmica na aprendizagem da leitura
portamentos metalingüísticos seriam, por- é confirmado pelos resultados de numerosos
tanto, contemporâneos do aparecimento estudos realizados com sujeitos de diferentes
da linguagem e constituiriam seu compo- idades e níveis de leitura, que são submetidos
nente de gestão intencional. Esta concep- a exercícios de manipulação de fonemas (su-
ção, contrariamente às dos seguintes, não pressão, inversão, contagem). De fato, a cons-
daria nenhum sentido à distinção epilin- ciência fonêmica e a leitura interagem ao lon-
güística/metalingüística. go de toda a aprendizagem (para uma con-
sulta da literatura especializada, ver Goswa-
2. Segundo Van Kleeck (1982), são as capaci- mi e Bryant, 1990).
dades de descentralização e o domínio da
Vários dados sugerem que a consciência
reversibilidade (características do funcio- sintática contribui igualmente para a aprendi-
namento operatório em uma perspectiva zagem da leitura (Demont e Gombert, 1996;
piagetiana) que permitem às crianças con- Gaux e Gombert, no prelo; Tunmer, 1990). A
siderar a linguagem em suas dimensões consciência sintática poderia, de fato, contri-
de significação e de sistema estruturado buir duplamente para a leitura. Em primeiro
que podem ser aprendidos formalmente. lugar, completaria a capacidade de decodifi-
Segundo essa perspectiva, o aparecimento cação das crianças, que poderiam utilizar sua
de capacidades metalingüísticas é a mani- capacidade de análise sintática para aumen-
festação do desenvolvimento cognitivo tar seus conhecimentos léxicos, principal-
nos comportamentos lingüísticos. mente na leitura das palavras irregulares, que
pela simples decodificação seria uma leitura
3. Segundo Gombert (1990), as capacidades ineficaz. Em segundo lugar, a consciência sin-
metalingüísticas se depreendem de apren- tática teria um papel central no processo de
dizagens explícitas, na maioria das vezes, “monitoring” (monitoração) da compreensão
de natureza escolar. Vários estudos de- das frases lidas.
monstraram que as capacidades metalin- No seu conjunto, é provável que os co-
güísticas parecem ser essenciais na apren- nhecimentos fonológicos e sintáticos contri-
dizagem da leitura. De fato, sendo a leitu- buam de maneira complementar para a
ra um trabalho lingüístico formal, sua aprendizagem da leitura. Além da impor-
aprendizagem necessita que a criança de- tância da metafonologia e da metassintaxe
senvolva uma consciência explícita das para os leitores iniciantes, parece que as ca-
estruturas lingüísticas que deverão ser in- pacidades metapragmáticas e metatextuais,
tencionalmente manipuladas. mediante as quais os sujeitos poderiam re-
54 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

fletir as relações dos sinais lingüísticos com ção do domínio epilingüístico se traduz em
seu contexto e dos sinais lingüísticos entre uma reorganização da memória de longo
si, seriam essenciais para a obtenção do do- prazo dos conhecimentos implícitos acumu-
mínio da leitura e para o desenvolvimento lados durante a primeira fase, o que implica
das capacidades de redação. na substituição de formas multifuncionais
No marco da concepção que acabamos nos pares forma-função. No entanto, a des-
de expor, Gombert (1990) propõe uma des- crição desta fase proposta por Gombert dife-
crição, por um lado, do aparecimento dos re em vários pontos da elaborada por Kar-
epiprocessos e, por outro, da maneira como miloff-Smith.
são adquiridas as capacidades metalingüísti- Em primeiro lugar, para Gombert, o mo-
cas. Apoiando-se no modelo de Karmiloff- tor do desenvolvimento não é uma simples
Smith (1986), Gombert sugere que o desen- propensão do sistema de tratamento da in-
volvimento metalingüístico é feito em três fa- formação para a reorganização interna dos
ses. Cada um dos aspectos da linguagem é in- conhecimentos acumulados durante a pri-
fluenciado por este desenvolvimento, inde- meira fase, mas a necessidade de inter-rela-
pendentemente (e não necessariamente de cionar esses conhecimentos com outros, re-
forma simultânea) de outras circunstâncias, centemente descobertos, sobre as mesmas
embora as duas primeiras tivessem lugar de formas lingüísticas ou sobre outras formas
forma sistemática para os conhecimentos lin- associadas freqüentemente a elas e que estão
güísticos da língua oral materna, dependen- em fase de apropriação.
do da apresentação da terceira fase, que não é Em segundo lugar, contrariamente ao que
sistemática a fatores do contexto. A primeira opina Karmiloff-Smith, para quem as reorga-
fase corresponde à aquisição das primeiras nizações da segunda fase são impermeáveis
habilidades lingüísticas; a segunda, à aquisi- às influências externas, Gombert acredita que
ção do domínio epilingüístico e, a terceira, à o contexto extralingüístico das realizações
aquisição da consciência metalingüística. lingüísticas feitas pelas crianças desempenha
A fase das primeiras habilidades lin- um papel importante durante essa fase. A
güísticas é idêntica à descrita no modelo de função principal dessa fase é uma articulação
Karmiloff-Smith (1986). Baseando-se em interna dos conhecimentos implícitos que
pré-progamações inatas, as habilidades lin- permitirá ao sujeito o domínio funcional
güísticas de base são adquiridas por media- (não-consciente) de um sistema. No entanto,
ção do modelo lingüístico presente no am- a elaboração das regras de utilização da for-
biente. Deste modo, a criança armazena em ma lingüística é determinada pela descoberta
sua memória uma multiplicidade de pares dessas regras no funcionamento lingüístico
unifuncionais nos quais se estabelece uma em uma situação determinada.
correspondência entre cada forma lingüísti- Por exemplo, a detecção epilingüística
ca e cada um dos contextos pragmáticos em precoce dos enunciados agramaticais pode ser
que foi utilizada de maneira eficaz. No final influenciada por dois fatores. Primeiro, a
desta fase, a utilização que a criança faz da criança pode ser alertada pela dissonância dos
forma lingüística se assemelha particular- enunciados. Essa dissonância não será absolu-
mente à dos adultos. ta, e sua detecção dependerá dos contextos
A estabilidade comportamental obtida nos quais as formas lingüísticas implicadas fo-
no final dessa fase é questionada, posterior- ram encontradas anteriormente e com os
mente, pelo aumento da extensão e da com- quais a situação atual se compare na perspec-
plexidade dos modelos apresentados pelos tiva funcional. O segundo fator é a eventual
adultos, levados em conta pela criança, ou incapacidade da criança para compreender os
por ambos. Esta é, portanto, a origem do enunciados malformados, isto é, a incapacida-
processo de reorganização característica da de de encontrar em sua memória uma estru-
segunda fase. Como acontece no modelo de tura lingüística que, em um contexto compa-
Karmiloff-Smith, a segunda fase de aquisi- rável ao atual, ative uma representação.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 55

Desse modo, durante a fase epilingüísti- das capacidades metalingüísticas correspon-


ca, graças à apropriação de um sistema de re- dentes, que não são simultâneas.
gras de utilização para uma forma lingüística Existem duas explicações possíveis para
concreta, a criança adquire progressivamente essas defasagens. De acordo com Karmiloff-
a possibilidade de se referir implicitamente a Smith (Karmiloff-Smith et al., 1993), a cons-
um contexto prototípico quando deve utilizar ciência metalingüística se desenvolve de for-
essa forma. Esse contexto, que corresponde ma progressiva durante os primeiros anos de
ao denominador comum dos contextos mais vida. No entanto, como as diferentes formas
freqüentes e destacáveis nos quais essa forma lingüísticas podem ser adquiridas seguindo
foi realmente encontrada, pode servir de refe- diferentes cadências, a atenção consciente di-
rência quando o contexto atual for pouco fa- rigida para essas formas apresentará a mes-
miliar. A elaboração de uma norma pragmáti- ma falta de simultaneidade. Outra explica-
ca estável para cada forma lingüística é a ca- ção, proposta por Bialystok (1991), distingue
racterística principal da segunda fase do de- dois componentes das capacidades metalin-
senvolvimento e marca, de fato, o seu final, güísticas: a) o controle dos tratamentos lingüísti-
provendo o sujeito de uma possibilidade de cos, que é o componente executivo responsá-
controle top-down de seus próprios tratamen- vel pela direção da atenção durante os trata-
tos lingüísticos. mentos lingüísticos e b) a análise dos conheci-
A tomada de consciência explícita do sis- mentos lingüísticos, que é o componente que
tema de regras assim estabelecido, isto é, o permite a estruturação e a verbalização dos
aparecimento das capacidades metalingüísti- conhecimentos lingüísticos. Os diferentes tra-
cas, não é automática; precisa de um esforço balhos metalingüísticos repousam mais ou
metacognitivo que o sujeito não realiza es- menos sobre um ou outro componente, o
pontaneamente. Dado que o controle epilin- qual determina diversos níveis de complexi-
güístico já é estável e eficaz nas trocas verbais dade. São ainda necessárias mais pesquisas
cotidianas, são necessários incentivos exter- para aprofundar essas duas direções, que não
nos para que se realize essa tomada de cons- são, por outro lado, incompatíveis.
ciência. Isso explica por que o acesso à fase de
domínio metalingüístico não é obrigatória,
nem sistemática. Como sugerem vários estu- EXPLICAÇÃO DA ONTOGÊNESE
dos, somente os aspectos da linguagem que LINGÜÍSTICA
devem ser objeto de um tratamento especial-
mente atento para o cumprimento de obriga- Apesar das milhares de páginas publica-
ções lingüísticas formais culturalmente im- das, atualmente não existe uma teoria comu-
postas serão usadas de maneira “meta” (isto mente aceita que explique a aquisição da lin-
é, conscientemente). O domínio da leitura e guagem por parte da criança. No entanto, de-
da escrita exige o conhecimento consciente e vem ser discutidas três dimensões segundo
o controle intencional de muitos aspectos da uma abordagem teórica: a base orgânica, o es-
linguagem. Em nossa sociedade, sua aprendi- tabelecimento e os mecanismos cognitivos e o
zagem desempenha freqüentemente o papel papel do ambiente humano.
de desencadeante da aquisição das compe-
tências metalingüísticas.
Genes, cérebro e linguagem
Já que o controle consciente é cognitiva-
mente demorado, não pode ser todo manipu- Às vezes surge a questão sobre a lingua-
lado de forma consciente ao mesmo tempo. A gem ser inata ou adquirida. Formulada desse
complexidade dos sistemas que devem ser modo, a pergunta parece trivial, uma vez que
adquiridos, sua freqüência na linguagem e um mínimo de reflexão permite convencer-
sua utilidade para as novas abordagens que nos, facilmente, de que a linguagem não pode
devem ser realizadas são a causa de defasa- ser herdada como tal. Uma criança filha de
gens quanto ao momento de aparecimento pais russos, por exemplo, mas criada em um
56 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

meio exclusivamente francófono, adquirirá apresenta capacidades deste tipo (ver, no en-
como língua o francês, e não o russo. Fica cla- tanto, Rondal, 1999, para uma consulta mais
ro, por outro lado, que nenhuma língua po- detalhada baseada nos dados empíricos
deria ser compreendida, produzida, nem ad- mais recentes). Não se deduz, no entanto,
quirida de maneira geral, inclusive nas condi- que as características estruturais mais gerais
ções ambientais mais favoráveis, sem a exis- das línguas sejam puros produtos genéticos.
tência de um aparato neurofisiológico espe- Nenhum desenvolvimento − nem funciona-
cial; este sim é herdado, inclusive quando o mento lingüístico digno deste nome − seria
mesmo órgão não pode desenvolver-se sem a possível (assim o demonstram as indicações
intervenção do funcionamento, como de- patológicas) na ausência de um sistema ner-
monstra o caso das crianças “selvagens”. voso intacto, especialmente no que diz res-
É mais pertinente se perguntar o que é peito às áreas cerebrais que se ocupam das
que, no desenvolvimento lingüístico, repre- funções da linguagem (territórios perisilvia-
senta a atualização de predisposições e de nos do hemisfério esquerdo, principal e tipi-
programações inatas características da espé- camente; Damasio e Damasio, 1989). Toma-
cie e o que deve ser adquirido pela criança a sello (1995) trata, particularmente, dos fun-
partir das informações colocadas à disposição damentos biológicos (no sentido de Lenne-
pelo ambiente humano. As sugestões teóricas berg, 1967) e biopsicológicos da linguagem.
feitas durante as últimas décadas são caracte- O que é realmente inato (embora exija ama-
rizadas por seu radicalismo, que contribuiu durecimento) é uma série de dispositivos ce-
muito para torná-las incompatíveis, ao menos rebrais (ainda longe de haver sido completa-
em sua formulação atual. São conhecidas, pe- mente esclarecidos apesar dos evidentes
lo menos em grandes traços, as concepções avanços da neurolingüística e da neuropsi-
inatistas defendidas há uns 40 anos pelo lin- cologia da linguagem nas últimas décadas),
güista americano Chomsky (desde 1957 até a que tornam possível uma série de capacida-
última versão teórica sobre “o programa mí- des e mecanismos (em parte cognitivos) que
nimo” [Chomsky, 1995; para um resumo em intervêm no desenvolvimento e no funcio-
francês, ver Pollock, 1997], passando pelo in- namento da linguagem. A condição de dei-
fluente texto de 1981 sobre os princípios e pa- xar um espaço notável para as influências
râmetros da suposta gramática universal), ambientais, que contribuem de maneira sig-
substituído mais recentemente pelo psicolin- nificativa para a “regulagem” dos dispositi-
güista Pinker (1994), com a mesma ou, inclu- vos orgânicos, como a maturação, poderia
sive, maior intolerância teórica. ser denominada de inatismo “organicista”
O ponto de partida, bastante simples, é (arquitetural). Fica claro, nesta perspectiva,
que se a natureza fosse lógica consigo mesma que o desenvolvimento (lingüístico ou pré-
(!), deveria ter o bom gosto de equipar todo lingüístico, como se queira) começa logo que
ser humano com os conhecimentos formais as estruturas neuroanatômicas pertinentes
necessários em matéria de linguagem (em ge- estão em disposição para entrar em funcio-
ral), a fim de facilitar, a aquisição dessa ferra- namento (inclusive de forma imatura) com
menta tão importante, em vez de deixar que estímulos lingüísticos acessíveis. É sabido
cada criança tenha de empreender uma longa que o ouvido e o córtex auditivo do feto são
aprendizagem de sua língua materna, sem ne- operacionais desde o sexto mês de gestação.
nhuma noção prévia do que precisa adquirir. A partir desse momento, todo estímulo so-
Embora seja certo que, como dizia Des- noro que supere aproximadamente os 60 de-
cartes (1637), todos os seres humanos, inclu- cibéis de intensidade é suscetível de ser per-
sive os mais desprovidos intelectualmente cebido pelo cérebro do feto. Desta maneira,
(mas não os deficientes psíquicos mais pro- se explica o fato de que o recém-nascido é
fundos), são dotados de certas capacidades capaz de reconhecer a voz materna dentre a
lingüísticas, e que nenhum animal, nem de outras pessoas menos familiares ou des-
mesmo os cognitivamente mais avançados, conhecidas, baseando-se em critérios prosó-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 57

dicos (Melher e Dupoux, 1992). Muito rapi- no nível neurológico. No entanto, é evidente
damente, o desenvolvimento cerebral per- que participam íntima e, sem dúvida, exclu-
mite ao bebê isolar e reconhecer algumas re- sivamente da natureza humana.
gularidades seqüenciais nos estímulos lin- Uma concepção desse tipo difere do ina-
güísticos recebidos (no nível de padrões silá- tismo representacional documentado por
bicos, uma vez que não há nenhum tipo de Chomsky e seus seguidores sem a menor
captação de sentido neste momento). Várias apresentação de alguma prova empírica (as
contribuições, que aparecem na compilação “disposições lógicas” invocadas por esta últi-
de artigos, propostas por Morgan e Demuth ma corrente teórica não poderiam, evidente-
(1996) demonstram que os bebês de alguns mente, acontecer, de modo algum). O inatis-
dias e semanas são capazes de detectar regu- mo representacional postula que, no nível
laridades prosódicas (p. ex., sílabas acentua- dos genes, estão codificadas informações lin-
das ou não) e seqüenciais (sílabas idênticas güísticas (essencialmente gramaticais) váli-
ou diferentes). Marcus e colaboradores das para todas as línguas e, necessariamente,
(1999) descreveram que bebês de 7 meses com um nível elevado de abstração. Essas in-
podem identificar em uma sequência de três formações estariam, portanto, disponíveis no
palavras (sem significado) mudanças na or- ser humano independentemente de qualquer
dem dessas palavras. De fato, contrariamen- experiência e constituiriam, uma condição
te ao que indicam os autores, não pode tra- necessária (mas não suficiente) para o desen-
tar-se de um reconhecimento da ordem das volvimento lingüístico. Chomsky (1975) pro-
palavras, mas da seqüência de sílabas. Nada pôs que a teoria lingüística, isto é, a teoria da
permite, com efeito, pensar que as palavras gramática universal, é uma propriedade (ina-
(entidades polissilábicas desprovidas de ta) do espírito humano e que é conveniente
sentido, neste caso) tenham sido aprendidas conceber o “crescimento” ontogênico da lin-
como tais. No entanto, o reconhecimento de guagem como originado do mesmo modo
padrões silábicos seqüenciais demonstra a que o dos órgãos corporais.
existência de uma atividade estruturante do Confundindo voluntariamente conteú-
cérebro da criança quanto aos estímulos lin- dos representacionais e continente, Chomsky
güísticos percebidos. Trata-se de um bom (em várias ocasiões) fala de “órgão da lingua-
exemplo o que se inscreve na conta de um gem”, mas sem tratar de inatismo organicista.
inatismo organicista, na medida em que cer- Deve-se admitir que semelhantes ambigüida-
tas estruturas cerebrais (do hemisfério es- des da linguagem (corrente) não facilitam o
querdo ou potencialmente dos dois hemisfé- trabalho do leitor não-especializado, embora,
rios durante os primeiros meses ou anos de neste caso, não seja este o problema.
vida, questão que não foi ainda claramente Pinker (1994) afirma, de um modo espe-
resolvida) são, desde o princípio, capazes de culativo, que pelo menos três propriedades
analisar a informação lingüística segundo universais das línguas fazem parte do dispo-
certas regularidades lineares. Pode-se ver a sitivo inato (“faculdade da linguagem” outra
relação, certamente ainda distante, mas real, expressão empregada para designar o órgão
neste nível de princípio algorítmico, com a da linguagem ou representações lingüísticas
análise sintática, que intervirá mais adiante, inatas). Essas três propriedades seriam:
nas mensagens lingüísticas recebidas pela
criança. O cérebro humano dispõe normal- 1. regras que direcionam “os movimentos”
permitidos dos elementos dentro das fra-
mente de mecanismos apropriados para dis-
ses (antigamente chamadas “transforma-
criminar e produzir os fonemas, para reco-
ções”);
nhecer e unir os constituintes dos lexemas e
para segmentar e organizar os constituintes 2. morfemas gramaticais (ou, ao menos,
sintagmáticos das frases. Esses mecanismos, suas prefigurações abstratas) que es-
em grande parte especificamente lingüísti- triam relacionados dentro das frases
cos, não foram completamente elucidados com as categorias de tempo, o aspecto, o
58 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

caso (funções gramaticais) e o modo, as- em um só: a) que o input lingüístico da crian-
sim como, com a polaridade negativa ça é deficitário e b) que as caracterizações da
(neste caso) da enunciação; competência lingüística, propostas pela gra-
mática de Chomsky, são corretas e refletem
3. categorias léxico-gramaticais de substan-
fielmente os conteúdos e as operações da
tivo e de verbo, básicas, segundo Pinker,
“faculdade” humana da linguagem.
para qualquer estruturação das frases.
Nenhum desses subargumentos reflete,
Segundo os conhecimentos atuais em ma- em nossa opinião, mais do que crenças in-
téria de linguagem, de funcionamento lingüís- corretamente fundadas. O input lingüístico
tico e de organização cerebral, esse tipo de hi- que a criança recebe no curso de sua aquisi-
pótese se torna cada vez menos verossímil, se ção da linguagem é perfeitamente gramati-
é que alguma vez o foi. cal (ver mais adiante o item “Interações ver-
Chomsky e seus seguidores propõem bais adulto-criança e construção da lingua-
dois argumentos fundamentais em favor da gem”) e não há nada que indique que esteja
legitimidade de sua postura teórica. Cabe di- sistematicamente empobrecido em relação à
zer que ambos são inoperantes. língua que a criança deve adquirir. De fato, o
que Chomsky e os autores de tendências
Um primeiro argumento invoca a univer-
chomskianas querem fazer prevalecer é que
salidade da gramática (universal), para identi-
o input lingüístico dirigido à criança não dei-
ficá-la, “por necessidade lógica”, com a base
xa, claro as linhas de demarcação de subteo-
inata da linguagem. O caráter da universalida-
de dos princípios da gramática inglesa, de fa- rias, princípios, regras, parâmetros, etc., nem
to, nunca foi demonstrado. Um bom número o dispositivo transformacional da gramática
de lingüistas julga que a gramática chomskia- gerativa (Chomsky, 1981). Isso não é, possí-
na (ou as gramáticas chomskianas, segundo a vel por definição, quando o input lingüístico
dimensão de tempo) é (ou são), relativa(s) ao estiver limitado, à estrutura de superfície
inglês e a alguns grupos de línguas indo-euro- dos enunciados. A gramática gerativa diz
péias. Seja como for, o universalismo (inclusi- respeito, em boa parte, às estruturas que, in-
ve quando está estabelecido) de um traço, de tervêm “abaixo” da superfície dos enuncia-
uma característica ou de um comportamento dos (perspectiva hierárquica vertical).
37
não é, de modo algum, uma prova de sua ori- Essa teoria se aproxima do solipsismo
gem genética, como é perfeitamente sabido ao afirmar que, em função de a realidade do
nas neurociências. Como um exemplo trivial, input lingüístico não mostrar claramente a or-
consideremos o tabagismo e os comportamen- ganização dos enunciados segundo as dimen-
tos de acender e apagar cigarros, charutos, etc., sões e os princípios da gramática gerativa que
e veremos que estão universalmente espalha- se supõe psicologicamente real sem nenhuma
dos sem que tenham, no entanto, uma origem demonstração, o input não pode servir para
genética. construir a gramática da língua, que é neces-
Um segundo argumento, em favor do sariamente (segundo defendem também) um
inatismo representacional é o que diz respei- subconjunto da gramática universal. Disto se
to à “pobreza de estímulo”, isto é, ao fato depreende, portanto, (afirmam) que a aquisi-
pretendido (mas jamais demonstrado) de ção da língua deve ser feita segundo uma ba-
que o input lingüístico colocado à disposição se essencialmente inata. Em nenhuma parte,
da criança no curso da aquisição da lingua- o solipsismo se revela com tanta candura co-
gem é pobre e insuficiente para fornecer in- mo no prefácio de Chomsky, na obra de Pol-
formações indispensáveis para a construção
do sistema lingüístico da comunidade. As- 37
É a crença filosófica de que, além de nós, só existem
sim, o inatismo parece ser a única explicação nossas experiências. Os pensadores solipsistas duvi-
dam da existência de qualquer coisa e de qualquer ou-
possível. Na realidade, nos defrontamos tro ser, além deles mesmos. (Blackburn, S. Dicionário
com dois subargumentos que se confundem Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997).
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 59

lock (1997). Nesse prefácio, o autor americano [redes de neurônios especializados e as si-
afirma sem pestanejar (pelo menos assim napses que os conectam] em que se locali-
acreditamos): zam os supostos conhecimentos em matéria
de linguagem [Pinker, 1994], que, por outro
Podemos, conseqüentemente, propor-nos a
lado, não se sabe onde mais poderiam achar-
questão de saber em que medida a faculdade
se organicamente situados) poderiam ser
da linguagem é uma “boa” solução para as
controladas por um genoma formado por
condições de legibilidade impostas pelos siste-
106 genes, sabendo, também, que somente
mas com os quais interage. Até há muito pouco
1,5% dos genes humanos (isto é, em torno de
tempo, esta questão não podia ser proposta se-
1.500 genes) distinguem nossa espécie do gê-
riamente. Parece que hoje é possível, e as tenta-
nero filogeneticamente vizinho dos chim-
tivas de proporcionar respostas para semelhan-
panzés (Pan troglodytes) e dos monos bono-
te questão gerou alguns resultados interessan-
bos (Pan panidae; King e Wilson, 1975), dos
tes que parecem indicar que a faculdade da lingua-
quais se sabe que não estão naturalmente
gem bem poderia ser quase “perfeita” neste sentido.
dotados de capacidades gramaticais; e, além
Desse modo, Chomsky avalia o grau de disso, que aproximadamente de 20 a 30% de
perfeição da faculdade humana da lingua- genes humanos, no máximo, intervêm na
gem segundo sua aptidão para se adequar às construção do sistema nervoso (Willis, 1991).
suas próprias hipóteses! Pior ainda: cada conexão sináptica pode es-
O fato essencial, sobre o qual os neuro- tabelecer certo número de valores. Church-
cientistas não estão suficientemente cons- land (1995) sugere (de forma conservadora)
cientes, é que a lingüística, do modo como uma dezena de valores distintos por sinapse,
está habitualmente enfocada, é uma disci- o que determina um número de possibilida-
plina puramente descritiva e, na medida em des da ordem (mínima) de 1015 no nível da
que não pratica a experimentação, uma dis- rede sináptica cerebral. Está claro, portanto,
ciplina mais hermética (somente interpretati- que o nível genético não possui potencial de codi-
va) do que empírica. Além disso, deve-se ficação necessário para organizar, previamente a
considerar que podem ser produzidas n (n∈ toda experiência, um sistema de semelhante en-
+ α) descrições de qualquer fenômeno, es- vergadura. Certamente se poderia argumen-
pecialmente se os fenômenos em questão tar que os componentes inatos dos diversos
são de natureza complexa, como é o caso da conhecimentos não necessitam mais do que
linguagem. A adequação descritiva, único uma parte dos microcircuitos corticais e dos
objetivo possível na lingüística por razões genes organizadores que intervêm neste ní-
metodológicas, pode ser atendida de várias vel. No entanto, deveria tratar-se de uma
maneiras, as quais não dizem necessaria- parte tão mínima (como se disse) que seu
mente muita coisa (ou absolutamente nada) poder de codificação seria muito limitado.
sobre o problema da adequação explicativa, Do ponto de vista empírico, não parece exis-
contrariamente ao defendido pelas crenças tir uma base séria que sustente a idéia de
chomskianas. que os genes programam, de forma exausti-
Diversas indicações que são apontadas va, a conectividade sináptica no nível corti-
nesta obra, não a título de “provas formais” cal. Além disso, as pesquisas das últimas dé-
contra a hipótese inatista representacional, cadas sobre o desenvolvimento cerebral dos
mas como reflexos (não-exaustivos), contra- vertebrados destacam que a organização fi-
dizem gravemente esta hipótese e, em nossa na das redes de conexões corticais é ampla-
opinião, contribuem para desmentí-la. Exa- mente determinada pelo input ligado aos fa-
minamos, a seguir, essas indicações. tos da experiência (Elman et al., 1997). As-
No nível matemático (Bates et al., 1996), sim, pois, a codificação lingüística formal,
é difícil compreender como 1014 conexões si- postulada (de fato, redondamente afirmada)
nápticas (número aproximado de sinapses no nível genético por autores como Chomsky
no cérebro humano, posto que é neste nível e Pinker, se torna muito pouco plausível.
60 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

Outra indicação, no mesmo sentido con- pecialmente na linguagem cotidiana, estão ba-
clusivo e que não parece ter sido explorada seadas em fórmulas. As unidades dessas fór-
por nenhum autor no debate teórico, é encon- mulas permitem aos locutores comunicar, in-
trada nos interessantes progressos descritos clusive sobre acontecimentos novos ou inusi-
nos últimos anos no domínio da tradução de tados, com uma considerável economia de es-
uma língua para outra, utilizando um progra- forço. Segundo Kuiper, isso não pode ser de
ma de computação. Com efeito, diversos pro- outro modo. Se não dispuséssemos de fórmu-
gramas podem elaborar rapidamente uma las flexíveis (modificáveis), não seríamos ca-
tradução aproximada de um texto, de uma pazes de produzir e analisar a linguagem da
língua para outra (p. ex., Systran ou Softissi- forma como a fazemos. Não poderíamos, tam-
mo). Apesar disso, o produto obtido mediante pouco, observar a diferença entre informações
a aplicação desses programas não constitui novas e antigas, tão concisa e eficazmente.
uma tradução absolutamente “apresentável”. Uma concepção formulista do funciona-
Para conseguir uma tradução realmente satis- mento lingüístico é, evidentemente, o contrá-
fatória, é preciso que um tradutor revise o rio da lingüística de Chomsky, que afirma
produto e o corrija, a fim de eliminar as confu- que todo enunciado é o resultado de um pro-
sões semânticas e os contra-sentidos polissê- cesso complexo que implica uma série de hie-
micos que possa conter. No entanto, a primei- rarquias de categorias abstratas que evoluem
ra “versão” produzida pela máquina permite de estratos profundos para a superfície. Con-
ao tradutor profissional ganhar tempo. Assim, trariamente à tradição chomskiana, nós pos-
de maneira gradual, surge uma interessante tulamos que a base da linguagem é semânti-
colaboração homem-máquina ou máquina- ca, não sendo a sintaxe mais do que um ins-
homem. Os erros que os programas de tradu- trumento a serviço do fim significativo e co-
ção cometem dizem respeito aos aspectos se- municativo da linguagem, e não o contrário.
mânticos lexicais e às expressões idiomáticas Do ponto de vista do desenvolvimento, isso
(sentidos metafóricos e figuras de estilo), mui- significa que a criança começa construindo a
to freqüentes nos diversos idiomas e para os base cognitivo-semântica de sua linguagem
quais os programas se acham maldotados (ba- antes de começar a estabelecer as formula-
se de dados insuficientes, por não se tratar de ções seqüenciais que regem a linguagem de
um problema fundamental). Para uma ilustra- sua comunidade lingüística.
ção recente desse problema, pode-se consultar Se rejeitamos o inatismo representacio-
o artigo publicado em Le Monde (19 de setem- nal como explicação principal completa-
bro de 1998) sobre a tradução automática do mente inadmissível da ontogênese lingüís-
relatório Starr sobre “O caso Clinton-Le- tica, a quais dispositivos temos de recorrer
winsky”. E é aí precisamente onde queremos para explicá-la?
chegar. Os aspectos gramaticais das línguas Acreditamos que, em linhas gerais, há
são tratados corretamente pelos softwares de dois dispositivos, além das estruturas cere-
tradução automática, o que acreditamos ser brais especializadas (estas últimas não “in-
uma prova indireta de que a organização ventam” a linguagem, mas a tornam possí-
combinatória das línguas é de natureza for- vel), a saber: as bases cognitivas e a proble-
mulista: um número finito de combinações se- mática interpessoal da ontogênese lingüísti-
qüenciais modificáveis por inserção, supres- ca. Caberá à pesquisa dos próximos anos ex-
são ou permutação de elementos. Podemos plicar esses conceitos de forma detalhada,
comprovar que esta idéia aparece, algumas mas, grosso modo, introduzimos uma descri-
vezes, na história da lingüística (Bolinger, ção de ambos a seguir.
1975; Kuiper, 1996) e da psicolingüística
(quanto ao seu desenvolvimento, ver Braine,
Bases cognitivas
1976 e, sobretudo, Peters, 1989, para proposi-
ções neste sentido). Kuiper (1996) sugere que No sentido mais fundamental e de uma
a maioria de nossas produções lingüísticas, es- maneira trivial, o cognitivo precede necessa-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 61

riamente o lingüístico, como em qualquer cepcionais, particularmente as gramaticais.


simbolização e formalização. Os conteúdos Trata-se de estudos publicados por Bellugi e
transmitidos pela linguagem e pelas opera- seus colaboradores (1988), Cromer (1991),
ções lingüísticas implicadas na compreensão e Curtiss (1988) e Yamada (1990).
na produção dos enunciados não podem fazer O caso mais surpreendente, é o que Ron-
mais do que refletir os níveis alcançados pela dal (1995) teve a oportunidade de estudar em
criança e pelo indivíduo, em geral, no plano uma cidade perto de Liège. Trata-se de Fran-
do funcionamento cognitivo (Piaget, 1979). çoise, uma adulta com trissomia 21 (trissomia
Uma prova desse princípio são os dados obti- standard genótipo 47, XX + cromossoma 21 li-
dos nas pesquisas sobre o desenvolvimento vre). Esta mulher foi estudada a partir dos
lingüístico das pessoas com algum tipo de re- pontos de vista psicolingüístico, neurolinguís-
tardo mental. De acordo com essas pesquisas, tico e cognitivo durante, aproximadamente,
quanto mais acentuada for a deficiência men- quatro anos. Foram analisados sua linguagem,
tal, mais importantes serão os déficits lingüís- tanto repetitiva como produtiva, e seus conhe-
ticos. Nos níveis mais baixos da escala das de- cimentos metalingüísticos. Também foi sub-
ficiências mentais (retardo mental profundo), metida a um grande número de provas para
não existem mais do que vestígios de lingua- avaliar seu nível de desenvolvimento quanto a
gem, ficando particularmente difícil desenvol- aptidões intelectuais não-verbais, capacidades
ver um repertório extensivo na linguagem perceptivas, memória a curto e longo prazo,
oral. A pesquisa no campo das deficiências etc. Seu nível intelectual é pré-operatório, com
mentais estabelece, em geral, uma boa relação princípios operatório. Sua idade mental não-
entre a idade mental (IM) do indivíduo e o de- verbal é de 5 anos e 8 meses (Epeuvres Diffe-
senvolvimento lingüístico. A título de exem- rentielles d’Efficience Intellectuelle [EDEI];
plo, Rondal (1985a) apresenta uma correla- Perron-Borelli e Misès, 1974). Seu quociente in-
ção positiva da ordem de 0,75 entre a IM e o telectual (QI) verbal é 71 (WAIS) e seu QI de
LMPV38 em um grupo de pessoas de 9 a 16 execução, 60 (o QI global é 64).
anos, aproximadamente, com retardo men- Segundo se depreende da análise, o fun-
tal. A associação entre o funcionamento inte- cionamento fonético e fonológico de Françoise é
lectual e a linguagem, considerada aqui em um normal. Acontece, praticamente, o mesmo com
ponto de vista global, parece ser evidente. Isso seu funcionamento gramatical. Seu funciona-
não exclui, contudo, uma relação no sentido in- mento expressivo no nível de frase e de pa-
verso, de tal maneira que a linguagem e os ou- rágrafo é notável e parece se ajustar em to-
tros sistemas simbólicos supõem uma ajuda dos os seus pontos às especificações de uma
valiosa para a estruturação do pensamento e gramática descritiva como a Functional
do funcionamento cognitivo (para ampliar es- Grammar, de Halliday (1985), adaptada para
ta questão, ver Oléron, 1979). No entanto, a re- as características particulares do francês se-
lação cognição-linguagem mencionada está gundo as indicações da Gramática Normati-
longe de ser absoluta, o que significa, sem dú- va (Larousse du XXe siècle, 1936) e da Gramá-
vida, que não traz mais do que um “pano de tica Transformacional, de Dubois e Dubois-
fundo” no qual intervêm outros fatores. Charlier (1970). O funcionamento gramati-
Na bibliografia internacional recente, cal receptivo de Françoise, estabelecido por
documentou-se o caso de um pequeno gru- meio de diversas provas psicolingüísticas
po de sujeitos com retardo mental moderado (orientadas para a avaliação da compreen-
ou grave (síndrome de Down, síndrome de são de frases declarativas ativas e passivas,
Williams, hidrocefalia com retardo mental relativas, temporais e subordinadas de cau-
importante ou etiologias desconhecidas) que sa e de conseqüência, assim como a captação
apresentavam capacidades lingüísticas ex- da correferência nas anáforas pronominais,
etc.), é também notável em grau igual, se
não maior. Ao contrário, no que diz respeito
39
N. de R. T.: Comprimento médio da produção verbal. aos aspectos léxicos, Françoise mostra um
62 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

nível expressivo e receptivo que está situado co, se realiza, ao menos em parte, de maneira
abaixo da média da população. O funciona- intrínseca.
mento léxico e semântico geral de Françoise As indicações relativas aos casos inco-
está, em conjunto, em relação ao seu nível de muns do desenvolvimento lingüístico, nos
desenvolvimento intelectual. No que diz indivíduos com retardo mental, demons-
respeito à organização pragmática, os con- tram que os diversos componentes estrutu-
troles de base estão presentes, embora tenha rais da linguagem mantêm relações em con-
dificuldades para manter a coesão textual. traste com outros sistemas da mente. Essa
Quanto aos seus conhecimentos metalin- discussão se assemelha ao que se denomi-
güísticos, estes são escassos, limitando-se, na, modularidade da linguagem; uma ex-
do ponto de vista fonológico, a uma cons- pressão que seria melhor substituida pela
ciência da unidade silábica (embora nada ou “componencialidade” da linguagem, devi-
pouco em nível fonêmico). O funcionamen- do às significações diversas e insuficiente-
to metalexical (p. ex., definição de palavras) mente compatíveis entre si, como se verá
é pobre. Metagramaticalmente (juízo da gra- mais adiante.
maticalidade e análise gramatical), Françoi- Em sua concepção mais geral, a noção de
se se situa em um nível de desenvolvimento “modularidade” da mente é antiga, remonta os
similar ao de uma criança de, aproximada- trabalhos de Gall (1809). A idéia é que o funcio-
mente, 7 anos. Acontece o mesmo quanto à namento da mente procede segundo um princí-
metassemântica (juízos de aceitabilidade se- pio de especialização funcional (dos módulos es-
mântica baseados nas regras de seleção léxi- pecíficos correspondentes às diversas funções:
ca). percepção visual, linguagem, organização mo-
Em resumo, o caso de Françoise, como tora, etc.) e de gestão central, não ou menos mo-
outros de excepcionalidade documentados dular (mecanismos cognitivos gerais, como,
na literatura especializada, demonstra que a sistemas de atenção, de memória e de conheci-
organização fonológica e gramatical da lin- mentos gerais). Uma versão contemporânea
guagem não estão em relação estreita com o das proposições de Gall (mas não idêntica) é a
desenvolvimento cognitivo geral (ou desen- de Fodor (1983), que distingue três séries de
volvimento operativo). Esses casos invalidam sistemas no funcionamento mental: os analisa-
toda teoria que pretenda explicar os desen- dores sensoriais (modalidades específicas), os
volvimentos fonológico e gramatical em ter- “sistemas input” ou módulos (como a lingua-
mos de uma generalização de princípios cog- gem) e os processos centrais. Esta distinção apre-
nitivos (ver p. ex., Ingram, 1976, para o de- senta, contudo, algum problema.
senvolvimento fonológico; Piaget, 1979; Sin- Os sistemas de input são módulos, isto é,
clair, 1971; Langacker, 1987, para o desenvol- no sentido de Fodor, sistemas “informacional-
vimento gramatical). O que fica invalidado mente encapsulados”. Trata-se de autômatos
não é a indicação segundo a qual os aspectos compostos de “sub-rotinas” a serviço de obje-
de conteúdo da linguagem, como as aquisi- tivos particulares. Um módulo é considerado
ções semânticas, léxicas e pragmáticas, estão informacionalmente encapsulado na medida
em relação estreita com os conhecimentos ge- em que o tratamento dos dados se limita a
rais e o desenvolvimento cognitivo. Ao con- dois tipos de informações: a) dados de baixo
trário, são muitas as observações que permi- nível, isto é, a contribuição dos analisadores
tem confirmá-lo. Trata-se, de fato, de algo sensoriais e b) informações de fundo armaze-
completamente esperado e, portanto, relati- nadas no módulo propriamente dito, disponí-
vamente comum. O que realmente fica invali- veis tanto de maneira inata como procedentes
dado é a idéia de que o desenvolvimento da do funcionamento do mesmo sistema.
gramática dependeria, completamente ou em Os processos cognitivos, ao contrário, são
grande parte, do desenvolvimento cognitivo. definidos como holísticos ou não-modulares
Parece que o desenvolvimento lingüístico, em (ou, inclusive, como faculdades “horizon-
seus componentes fonológico e morfossintáti- tais”) e são caracterizados por certa “eqüipo-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 63

tencialidade”, o que os torna mais difíceis de do conhecimento. Chomsky (1984) propôs


serem estudados. também que a estrutura da mente é modular.
Outras propriedades dos módulos de Fo- Afirmou: “A mente humana não é diferente
dor podem ser definidas dizendo que corres- de qualquer outro sistema biológico comple-
pondem a um “domínio mental” particular. xo: é composta de subsistemas que interagem
Estas propriedades seriam: entre si, cada um com suas propriedades e ca-
racterísticas específicas e com seus modos
1. Seu modus operandi é obrigatório (“não particulares de interação entre as diversas
se pode evitar ouvir o enunciado de partes que os compõem”. Este tipo de organi-
uma frase [em uma língua conhecida] zação das estruturas mentais se transforma,
como o enunciado de uma frase”, Fodor, em análogas mentais dos órgãos corporais.
1983, p.54). Marshall (1984) qualificou este tipo de con-
2. Os processos centrais não têm mais do cepção como uma “nova organologia” (refe-
que um acesso limitado às representações rindo-se a Gall, 1809).
que calculam os módulos (“Não somente Apareceram outras proposições teóricas
não podemos evitar ouvir o enunciado de quanto à modularidade geral da mente (p.
uma frase como tal, mas, em uma primei- ex. Gardner, 1983; Marshall, 1984). Tais auto-
ra abordagem, podemos ouvi-lo somente res têm em comum o fato de atribuir uma
deste modo”, p.56). grande autonomia de funcionamento aos
grandes sistemas mentais, como a lingua-
3. São rápidos e possuem inputs que são
gem. Gardner (1985) apresentou idéias inte-
“shallow” (isto é, inputs limitados aos tra-
ressantes sobre os problemas da modulari-
ços específicos de seu domínio).
dade da mente e estava, em linhas gerais, de
4. Estão, além disso, associados a uma ar- acordo com a distinção feita por Fodor entre
quitetura mental particular fixa (o que faculdades horizontais e verticais.
podemos considerar como o equivalente Gardner (1983) propôs um conceito de
orgânico da encapsulação informacional). inteligência múltipla que corresponde for-
5. Têm esquemas de deterioração caracterís- malmente à noção de Gall e Fodor de facul-
ticos e específicos, uma vez que o substra- dades verticais (isto é, de “inteligências se-
to orgânico está prejudicado. paradas: lingüística; lógico-matemática; es-
pacial; musical; corporal cinestésica; “pes-
6. Têm uma ontogênese que apresenta uma soal”, isto é, intra e interpessoal, o que im-
distribuição temporal e seqüencial carac- plica a capacidade de controlar as próprias
terística. emoções e sentimentos e a de ser sensível e
7. Finalmente, são autônomos no plano compreender as emoções e os sentimentos
computacional. dos demais). Gardner sugeriu, que os mó-
dulos completamente encapsulados, no sen-
Deste modo, para que um subsistema tido de Fodor, são “ideais” e, às vezes, po-
mental seja um módulo, segundo Fodor, to- dem ser observados muito cedo no desen-
das as propriedades citadas devem estar pre- volvimento e, mais tarde, somente em casos
sentes, ao menos em um grau “razoável”. Fo- especiais (p. ex., em algumas crianças autis-
dor parece, assim, querer restringir a lingua- tas). No desenvolvimento normal, Gardner
gem a uma função de input. Trata-se de uma afirmou que a encapsulação se dissolve de
forma curiosa de analisar a linguagem (igual- forma gradual, uma vez que as capacidades
mente criticada por Chomsky, 1988). Eviden- humanas mais elevadas dependem da inte-
temente, a linguagem comporta um sistema gração de informações procedentes de di-
de output em relação ao sistema de input, e versas fontes, inclusive as culturais, isto é,
ambos devem interagir em determinados das interações entre módulos, tanto por
“pontos” de sua organização com os sistemas meio de uma rede de conexões individuais
64 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

múltiplas quanto de um sistema separado tica, vocabulário, pragmática e discurso vão


de colocação em comum que “supervisio- sendo aprimorados, passo a passo, na mes-
na” as comunicações entre módulos. Mesmo ma medida que o desenvolvimento cogniti-
quando desaparece gradualmente, a encap- vo e social. Os aspectos léxicos, semânticos e
sulação jamais é eliminada completamente. pragmáticos são distintos, contudo, das re-
O núcleo desta estruturação pode tornar-se gulações cognitivas e sociais gerais. Seria er-
visível em algumas patologias cerebrais rôneo assemelhar as categorias perceptivas e
(Gardner, 1983), como demonstram as pu- cognitivas às categorias semânticas. As pri-
blicações de neuropsicologia. As dissocia- meiras são universais, enquanto as segundas
ções que aparecem nos casos de patologia são próprias de cada língua em particular.
cerebral, retardo mental, autismo, etc., po- Cada língua seleciona certo número de alter-
dem apresentar-se como indicativas das li- nativas conceituais entre uma gama de pos-
nhas de divisão de entidades modulares ori- sibilidades e as codifica lingüisticamente.
ginais antes que desenvolvam sua impor- Por exemplo, a expressão do tempo e do as-
tante rede de interações (nos sujeitos nor- pecto variam sensivelmente, inclusive entre
mais) e que suas características próprias re- línguas próximas, segundo os cortes efetua-
trocedam. dos lingüisticamente na continuidade da
Um segundo nível de modularidade, realidade temporal e no conjunto das rela-
que nos interessa mais, é o proposto por ções de aspecto potencialmente codificáveis.
Chomsky (1981, 1984) em sua distinção entre Se os aspectos conceituais da linguagem
aspectos computacionais e aspectos conceituais estão relacionados com as categorias cogniti-
da linguagem; uma tese que prolonga a au- vas e são elaborados a partir destas (mesmo
tonomia da sintaxe, defendida por este autor sendo coisas distintas), não acontece o mesmo
desde a década de 1950. Os aspectos compu- com os aspectos computacionais. Chomsky
tacionais se referem à fonologia e à gramáti- define a fonologia e a gramática como ampla-
ca. Os aspectos conceituais compreendem a mente independentes das instâncias cogniti-
semântica, o vocabulário, as regulações vas e, de fato, autônomas (embora estejam,
pragmáticas e a organização discursiva. A evidentemente, em interação com os aspectos
antiga faculdade da linguagem se encontra, conceituais da linguagem).
assim, subdividida em, pelo menos, duas Existe pelo menos um terceiro tipo de
“subfaculdades”. O adjetivo computacional modularidade − que não será tratado neste
se refere, principalmente, ao fato de que as capítulo. Trata-se da concepção modular “in-
representações que compõem a fonologia e a tragramatical”, desenvolvida por Chomsky
gramática são objeto de operações de cálcu- (1981) dentro de sua teoria do Government and
lo (em um sentido amplo) no momento da binding. De acordo com este autor, deve-se
geração e do tratamento dos enunciados, en- considerar a gramática gerativa como consti-
quanto as representações ligadas à semânti- tuída por uma série de subteorias que, em
ca, ao vocabulário e à pragmática seriam princípio, são autônomas, embora suscetíveis
mais estáticas e não seriam (ou muito me- de interagir entre si (teoria do governo, teoria
nos) suscetíveis de um tratamento gerativo dos casos, teoria do vínculo, etc.).
(defendendo-se esta última caracterização O fato de reagrupar os componentes do
somente nas teorias de Chomsky). Um fato sistema lingüístico em aspectos computa-
importante, no que diz respeito à distinção cionais, por um lado, e em aspectos concei-
computacional/conceitual, é a estipulação tuais, por outro, não implica de modo al-
de que os componentes conceituais do siste- gum que os componentes em questão no in-
ma lingüístico mantêm relações estreitas terior desses dois subconjuntos mantenham
com os outros sistemas conceituais da mente relações privilegiadas entre si. Pelo contrá-
(funcionamento cognitivo) e os conhecimen- rio, estudos recentes em neurolingüística,
tos gerais. No plano do desenvolvimento, as assim como diversas evidências em patolin-
aquisições da criança em matéria de semân- güística e em psicolingüística, demonstram
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 65

que os componentes da linguagem são am- A existência de componentes, em princí-


plamente autônomos, mesmo se estiverem pio, autônomos da linguagem, não implica
integrados e interagirem no funcionamento que os dispositivos em questão e a organiza-
lingüístico normal (o que constitui, de fato, ção neurológica que os sustenta sejam neces-
a definição deste último). Os dados neuro- sariamente, completamente ou ambos inatos
lingüísticos e patolingüísticos são, sem dú- como tais. Poderia ser que essa organização es-
vida, atualmente mais convincentes. Breve- tivesse somente “esboçada” no nível neuroló-
mente, e a título de exemplo, (ver Rondal, gico, em um princípio, e que se modulasse
1994, 1995, para ampliar informação), fica mediante certo número de dispositivos em
claro que as capacidades fonológicas e gra- resposta às necessidades práticas da automa-
maticais são essencialmente independentes ção funcional resultante (como sugere Stern-
entre si (simples observações em crianças e berg, 1995) de uma quantidade − relativa-
em adultos normais permitem demonstrá- mente importante − de prática e de experiên-
lo). A gagueira pode coexistir perfeitamente cia. A mesma idéia e uma modularização am-
com um dispositivo gramatical (e semânti- plamente (mas não completamente) epigené-
co, pragmático ou ambos) intacto. A anar- tica de certo número de dispositivos mentais
tria, em sua forma pura, parece poder apre- (incluídos os lingüísticos) aparece nos traba-
lhos de Karmiloff-Smith (1992).
sentar-se sem nenhuma outra deficiência
lingüística nas pessoas com lesões cerebrais A existência de componentes relativa-
(Hecaen e Albert, 1978). Pelo contrário, a mente autônomos na organização lingüística
afasia receptiva, às vezes denominada de e a negação das hipóteses (ou “certezas”) an-
tigas (inspiradas nas teorias de Piaget) sobre
Wernicke, determina importantes proble-
a dependência do desenvolvimento gramati-
mas de compreensão e expressão da lingua-
cal em relação ao desenvolvimento cognitivo
gem, incluindo os aspectos gramaticais, sem
não exclui, evidentemente, que certos dispo-
que apareça nenhuma dificuldade articula-
sitivos ou mecanismos cognitivos particulares
tória em particular, no caso das crianças
possam desempenhar um papel importante
(Van Hout, 1991).
em um momento ou outro do desenvolvi-
Outras observações permitem demons- mento lingüístico. Um candidato a uma cate-
trar dissociações entre os aspectos gramati- goria cognitiva causal semelhante, ampla-
cais e semânticos (léxicos e combinatórios) da mente discutido na literatura especializada
linguagem. Diversas categorias de pacientes dos últimos anos, é a denominada memória
dementes apresentam um funcionamento de trabalho.
gramatical intacto, junto com graves proble-
mas semânticos (Irigaray, 1973). Finalmente,
confirma-se a existência de dissociações entre Memória de trabalho e linguagem
os componentes gramatical e pragmático da
Na contemporaneidade, um grande nú-
linguagem pelas circunstâncias do grande mero de estudos é dedicado a definir o papel
número de crianças autistas e de indivíduos da memória e, mais especificamente, da me-
esquizofrênicos (Tager-Flusberg, 1985). mória de trabalho, na aquisição da lingua-
Os principais componentes do sistema gem. O modelo de funcionamento da memó-
lingüístico (fonologia, semântica, gramática, ria de trabalho proposto por Baddeley (1986)
pragmática) correspondem, portanto, a enti- é a origem de um grande número de estudos.
dades amplamente autônomas. Os processos Uma das primeiras funções postuladas no
patológicos, ao provocar as dissociações co- conjunto fonológico constitutivo da memória
nhecidas, deixam clara a arquitetura funcional de trabalho seria a de sustentar o processo de
do sistema lingüístico e oferecem pistas inte- desenvolvimento da linguagem (Baddeley et
ressantes no que diz respeito aos dispositivos al., 1998; Adams e Gathercole, 1995; Gather-
orgânicos que sustentam esta arquitetura. cole e Baddeley, 1993).
66 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

Em 1975, Baddeley e seus colaboradores lesão cerebral, cujo nome era PV, que permi-
postulavam uma relação estreita entre memó- tiu a esses autores objetivar essa relação. Fo-
ria e velocidade de articulação, sendo a se- ram propostos dois exercícios à paciente. O
gunda um determinante na capacidade da primeiro consistia em recordar pares de pa-
primeira. O efeito do comprimento das pala- lavras italianas; o segundo, em recordar pa-
vras é uma das conseqüências dessa relação res de nomes italiano-russos. Dado que PV
(um sujeito recorda em média mais palavras não tinha nenhuma noção de russo, as pala-
monossilábicas do que polissilábicas). Mais vras produzidas nesta língua eram seme-
tarde, as pesquisas sobre as relações entre me- lhantes a não-palavras. O desempenho de
mória e linguagem se estenderam ao vocabu- PV foi excelente no primeiro exercício, mas
lário, à sintaxe oral e à escrita. foi incapaz de realizar o segundo. Possivel-
Speidel (1989, 1993) orientou um estudo mente devido ao fato de o primeiro exercício
sobre o desenvolvimento da linguagem em (recordar pares de nomes italianos) ter sido
gêmeos heterozigotos bilíngües inglês-ale- baseado, essencialmente, em uma codifica-
mão. A menina observada apresentava um ção semântica da informação. A carga sobre
desenvolvimento normal e harmonioso de o conjunto fonológico é relativamente fraca,
ambas as línguas (tanto no nível de expres- o que explica os bons resultados. Já o segun-
são quanto no de compreensão) e o menino do exercício (recordar pares de nomes italia-
problemas de expressão nas duas línguas. O no-russos) exigia um armazenamento tem-
balbucio, assim como a produção das primei- poral mais importante da informação a ser
ras palavras, demorou a aparecer e, uma vez recordada. A memória verbal limitada de PV
acontecido, o menino apresentou problemas (dois ou três elementos) parece ser um obs-
articulatórios e sintáticos até uma idade mais táculo para a criação de um vínculo entre o
avançada. Além dos problemas de fala e lin- material conhecido (palavras italianas) e o
guagem, foi verificado uma capacidade de desconhecido (palavras russas). Por outro
memória a curto prazo inferior à de sua irmã. lado, o fato de que PV era também incapaz
Speidel (1989) sugeriu que as capacidades ar- de repetir as não-palavras “italianas” polis-
ticulatórias, na primeira infância, têm uma silábicas apoiou a hipótese de que a memó-
influência direta sobre a memória fonológica, ria fonológica de curto prazo tem um papel
a qual, intervém na aprendizagem de novas preponderante na repetição de não-palavras.
estruturas sintáticas. Partindo desta base, Baddeley e colaborado-
Adams e Gathercole (1995) aceitaram tam- res (1988) insistiram na importância da me-
bém a proposição de Speidel e demonstraram, mória fonológica de curto prazo na aprendi-
além disso, que as crianças cujas capacidades zagem fonológica de longo prazo. Contudo,
mnemônicas são baixas, cometem mais erros não se pronunciaram de maneira clara sobre
articulatórios do que as crianças com melhores a natureza desta influência. Estes resultados
capacidades de memória. No entanto, esses re- e as conclusões que se depreendem deles
sultados devem ser tomados com precaução, têm implicações importantes para a com-
uma vez que o número de erros articulatórios preensão do desenvolvimento léxico nas
produzidos por grupos de crianças não era crianças, assim como para as teorias da
significativamente diferente. As relações entre aprendizagem de línguas estrangeiras. Nes-
qualidade articulatória e memória fonológica te nível, a hipótese de Baddeley e colabora-
são ainda vagas e imprecisas, e, por isso, são dores (1988) quanto a uma relação estreita
necessários mais estudos sobre o assunto. entre memória fonológica de curto prazo e
Baddeley e colaboradores (1988) sugeri- aprendizagem de novas formas fonológicas
ram a existência de uma relação entre a me- foi confirmada pelas experiências de Service
mória fonológica de curto prazo e a aprendi- (1992) e Service e Kohonen (1995) com crian-
zagem de novas palavras. Foi o estudo em ças finlandesas que estavam aprendendo in-
profundidade de uma paciente italiana com glês, assim como pelo estudo de Cheung
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 67

(1996) sobre crianças chinesas que apren- Baddeley (1989), propôs uma resposta para
diam o idioma inglês. Em seu estudo de esta questão. Gathercole e colaboradores
1992, Service relacionou a capacidade de re- (1991) propuseram a crianças normais de 4
petição de não-palavras em crianças de 9 a a 8 anos um teste de vocabulário receptivo,
10 anos com seus resultados na aprendiza- denominado Matrizes Progressivas Coloridas
gem escolar de uma língua estrangeira. A de Raven, que consiste em uma tarefa de re-
forte correlação evidenciada entre as duas petição de não-palavras, conjuntamente
tarefas não estava influenciada pelo nível es- com outras de equiparação de algarismos e
colar das crianças. O estudo longitudinal de palavras. A análise dos resultados mostrou
Service e Kohonen (1995) confirmou esses a existência de correlações significativas
primeiros resultados e demonstrou que a ca- entre a repetição das não-palavras e a atua-
pacidade das crianças para aprender uma ção das crianças no teste de vocabulário
língua estrangeira é determinada, principal- um ano depois. As correlações também fo-
mente, pelo vínculo direto existente entre a ram significativas para crianças com ida-
capacidade de repetir não-palavras e a aqui- des entre 4 e 6 anos, uma vez que a influên-
sição do vocabulário desta nova língua. cia da idade e da inteligência não-verbal foi
Gathercole e Baddeley (1990) estudaram eliminada. Um estudo estatístico mais pre-
as capacidades mnemônicas e léxicas das ciso dos resultados indicou que, entre 4 e 6
crianças com atraso de linguagem. Em seu anos, as capacidades de memória fonológi-
estudo, observaram que crianças com pro- ca determinam os conhecimentos léxicos
blemas de linguagem oral ou escrita, mas do sujeito. Entre os 6 e 8 anos, ao contrário,
com, inteligência normal, tinham, freqüente- esta relação se inverte e os conhecimentos
mente, capacidades mnemônicas reduzidas. léxicos dos sujeitos é que determinam os
Sua capacidade de repetir formas fonológi- resultados posteriores na repetição de não-
cas não-familiares (como as não-palavras) palavras.
era limitada. Segundo os autores, se a debili- Gathercole e colaboradores explicaram
dade de seus resultados na prova de memó- de várias maneiras o enfraquecimento, até
ria refletisse, simplesmente, uma limitação os 8 anos, do vínculo entre memória fonoló-
no nível das capacidades lingüísticas, os re- gica e conhecimento léxico. A primeira expli-
sultados mnemônicos dessas crianças deve- cação reside na mesma natureza dos elemen-
riam ser idênticos aos das crianças mais jo- tos léxicos adquiridos durante este período.
vens que não apresentavam problemas de Nesta idade, as palavras aprendidas são
linguagem. No entanto, isto não aconteceu. mais abstratas e correspondem indiretamen-
Gathercole e Baddeley (1990, 1993) interpre- te a objetos físicos ou a realidades do am-
taram esses resultados como o índice de biente. Pode-se pensar que, a partir deste
uma alteração no funcionamento da memó- momento, são as capacidades semânticas e
ria fonológica de curto prazo em crianças conceituais das crianças que exercem maior
com atraso de linguagem. influência sobre a aprendizagem de novas
A relação existente entre repetição de palavras, justificando, assim, um declínio da
não-palavras e aquisição de vocabulário, na importância da memória fonológica de curto
criança pequena, é bastante complexa. Po- prazo. As palavras aprendidas além de se-
demos propor a seguinte pergunta: é a ca- rem mais abstratas, são também mais nume-
pacidade de repetição de não-palavras que rosas. Assim, pois, é possível que a utiliza-
determina o desenvolvimento lexical da ção de analogias com palavras existentes pa-
criança, ou, ao contrário, são os conheci- ra aprender novas formas fonológicas seja
mentos lexicais que determinam a capaci- essencial. A carga de trabalho da memória
dade de repetir as não-palavras? Um estu- fonológica seria então reduzida. Finalmente,
do realizado por Gathercole e colaborado- a aprendizagem da leitura e seu domínio
res (1991), que completou o de Gathercole e progressivo permitem que as crianças te-
68 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

nham acesso a um número maior de infor- é indicado para desempenhar a função de


mações e uma rápida aquisição de novas pa- unidade temporal do armazenamento devi-
lavras. do sua especialização na representação do
A natureza da relação entre memória fo- material fonológico e articulatório. Essa afir-
nológica de curto prazo e o desenvolvimento mação é surpreendente levando-se em conta
lexical varia ao longo do desenvolvimento que as três primeiras etapas do modelo não
da criança. A influência da memória fonoló- são fonológicas. Na lógica de Gathercole e
gica sobre a aquisição de novas palavras é Baddeley, o conjunto articulatório pode fun-
progressivamente substituída pelas expe- cionar sem que sejam solicitados os recursos
riências léxicas anteriores e pelas diversas limitados do “executivo central” (um dispo-
fontes de informação às quais a criança tem sitivo de atenção e cognição que faz parte da
acesso mais adiante. No entanto, em deter- memória de trabalho no modelo de Badde-
minadas situações, continuam dominando as ley), sempre que a quantidade de informa-
capacidades da memória fonológica de curto ção lingüística a ser manejada não exceda os
prazo (p. ex., na aprendizagem de uma se- dois segundos (limite temporal fixado para
gunda língua). o conjunto articulatório).
Em 1993, Gathercole e Baddeley tentam A segunda função da memória de traba-
estabelecer vínculos entre memória de traba- lho, na produção da linguagem, consistiria
lho e produção da linguagem combinatória. em contribuir para a ação cognitiva impli-
Para isso, partiram do modelo de produção cada nesta produção. A fim de passar de
da linguagem de Garret (1975, 1980). Trata- um nível de representação para outro mais
se de um modelo em cinco etapas: específico, o falante deve ter acesso a um
certo número de informações procedentes
1. Construção do conteúdo conceitual da dos níveis de representações anteriores.
mensagem (nível da mensagem: concei- Neste caso, será acionado o executivo cen-
tual e não-lingüístico). tral da memória de trabalho, uma vez que
possui capacidades de programação e inte-
2. Seleção dos elementos léxicos e atribuição
gração da informação e permite, o acesso
de seus papéis específicos (nível funcional).
aos recursos de ação.
3. Seleção do marco sintático da produção e Foram realizadas várias pesquisas em
inserção das especificações fonológicas pacientes com lesões cerebrais com a finali-
dos elementos léxicos na frase (nível posi- dade de demonstrar um vínculo entre me-
cional). mória de trabalho e compreensão da lingua-
gem. O estudo de Vallar e Baddeley (1987)
4. Especificação dos detalhes fonológicos,
com a paciente PV contribuiu para demons-
das unidades léxicas e dos morfemas gra-
trar esse vínculo. No entanto, após outras
maticais (nível sonoro).
pesquisas, a existência de uma relação entre
5. Instruções que controlarão a realização a falha do sistema mnésico auditivo-vocal
articulatória. de curto prazo como conseqüência de uma
lesão cerebral e o déficit na compreensão da
Gathercole e Baddeley (1993) postulam linguagem foi progressivamente matizada
que a memória de trabalho poderia ter duas (Caplan e Waters, 1990; Martin e Feher,
funções no contexto do modelo de produção 1990. Martin et al., 1994) ou até rejeitada
de Garrett. A primeira seria a de uma unida- (Howard e Butterworth, 1989; Butterworth
de de armazenamento do output lingüístico. et al., 1986).
A cada um dos níveis, a informação tratada Vallar e Baddeley (1987) sugerem que a
seria temporariamente colocada à espera, na memória fonológica de curto prazo é indis-
memória de trabalho, antes de chegar a um pensável para a compreensão normal da lin-
nível superior. Segundo os autores, o com- guagem, mas somente quando se exige uma
ponente fonológico da memória de trabalho interpretação léxica e sintática correta dos
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 69

enunciados ou quando é necessária uma entanto, consideraram que a memória de tra-


análise completa da frase. Apesar de uma re- balho fonológica intervém no processo de
dução massiva de sua capacidade de memó- compreensão um pouco mais tarde do que
ria de curto prazo, PV podia compreender e supuseram Baddeley e colaboradores. De fa-
tratar corretamente frases mais longas do to, Caplan e Waters conceituaram a memória
que as que era capaz de reter. A compreen- de trabalho fonológica como um mecanismo
são de frases semântica e sintaticamente sim- de controle pós-sintático das frases comple-
ples se faria em tempo real sem necessidade xas, nas quais a atribuição das palavras a uma
de representação da mensagem na memória estrutura sintática se torna ambígua. As re-
de trabalho. Esta última seria mais bem utili- presentações na memória fonológica não
zada como backup para a compreensão de constituiriam, portanto, a base da análise se-
mensagens sintática e semanticamente com- mântica e sintática, mas interviriam somente
plexas que exigiriam mais do que um trata- na verificação e no controle posterior dos pro-
mento em tempo real. Seria o caso das frases dutos desta análise.
passivas reversíveis, das orações relativas in- Os trabalhos de Miyake e colaboradores
tercaladas ou das orações subordinadas nas (1994) demonstraram que a memória de tra-
quais a ordem de enunciação não correspon- balho intervém na capacidade dos indiví-
de à ordem em que sucedem os aconteci- duos para manter, momentaneamente, ati-
mentos na realidade. O grau de complexida- vas várias interpretações de uma ambigüi-
de sintática dessas frases e a ausência de in- dade léxica durante um esforço de com-
terpretação pragmática baseada nos princi- preensão leitora. Os sujeitos que possuem
pais elementos léxicos impediriam o ouvinte maior capacidade de memória de trabalho
de efetuar um tratamento em tempo real e o são capazes de manter, durante mais tem-
forçariam a realizar uma análise sintática e po, as interpretações alternativas da ambi-
semântica fazendo referência a uma repre- güidade antes de selecionar uma resposta.
sentação temporal da frase localizada no cir- Estes autores não conceberam a memória
cuito fonológico. O ouvinte se vê obrigado, de trabalho como uma estrutura passiva cu-
em tais casos, a manter em sua memória fo- jo objetivo é manter elementos até sua resti-
nológica, a frase complexa, a fim de interpre- tuição, mas como uma estrutura dinâmica
tá-la e compreendê-la. Esse armazenamento de atividades implicadas na compreensão
temporal se serviria da capacidade do circui- da linguagem. Segundo este ponto de vista,
to fonológico. Neste ponto de vista, as pes- a “memória de trabalho não inclui apenas
soas com problema de memória de curto um componente de armazenamento, mas
prazo deveriam ser capazes de tratar corre- também um componente computacional
tamente os enunciados sintaticamente com- considerado o lugar de execução de dife-
plexos, semanticamente ambíguos ou am- rentes processos lingüísticos e de armaze-
bos. Essa previsão é, no entanto, contrariada namento dos produtos finais ou interme-
pelas observações efetuadas em pessoas com diários da compreensão”. De acordo com
retardo mental, mas com capacidades lin- essa hipótese, o leitor que possui uma gran-
güísticas (sobretudo sintáticas e receptivas) de capacidade de memória de trabalho po-
excepcionais. Essas pessoas (Rondal, 1995) de usar diferentes processos de compreen-
não possuem precisamente recursos normais são sem que isto constitua uma sobrecarga
na memória de trabalho, mas se mostram para sua memória.
perfeitamente capazes de realizar ações lin- King e Just (1991) estudaram o papel da
güísticas (receptivos e produtivos) de alto ní- memória de trabalho na compreensão de di-
vel, isto é, perfeitamente normais. ferentes tipos de orações relativas propostas
Caplan e Waters (1990) pressuporam, por escrito. Essas pesquisas seguiram a pau-
mesmo assim, uma relação entre memória de ta das realizadas por Daneman e Carpenter
trabalho e compreensão da linguagem. No (1980, 1983a, b) sobre a compreensão da co-
70 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

referência pronominal e a integração da in- que planeja os gestos gráficos. As atividades


formação dentro e entre as frases. Para defi- do conceitualizador (dispositivo responsá-
nir o tratamento sintático como a transfor- vel pela criação das mensagens) e do formu-
mação de uma seqüência linear de palavras lador são consideradas de mais alto nível
em uma estrutura sintática hierárquica, é que as do articulador, que seriam considera-
preciso ter presente que as representações das de baixo nível. Este último tipo de ativi-
das palavras resultantes desta transforma- dade parece ser mais exigente em termos de
ção serão armazenadas de forma temporal recursos de atenção nas crianças do que nos
durante a produção da frase. King e Just adultos. Segundo Levelt (1989), o conceitua-
(1991) estudaram a maneira como diversos lizador implica colocar em prática ativida-
sujeitos tratavam os enunciados que conti- des altamente controladas, enquanto os ou-
nham orações relativas objeto ou sujeito, in- tros componentes do modelo são mais in-
tegradas ou derivadas à direita. Os sujeitos conscientes. No adulto, o acesso léxico, a
leitores eram submetidos a duas situações criação das frases e a materialização da
diferentes. Em uma primeira situação, de- mensagem (oralmente ou por escrito) são
viam fazer um exercício mnemônico (reter feitas de maneira automatizada. O articula-
as últimas palavras de outra frase) durante a dor “consome” poucos recursos mentais. Os
realização das orações relativas. Na segunda dados de Bourdin e Fayol (1994) sugerem
situação, não lhes era imposta nenhuma car- que a formulação (acesso léxico e geração
ga mnemônica adicional. Depois da apresen- das frases) e a expressão escrita da mensa-
tação do elemento-alvo, os sujeitos eram co-
gem impõem uma sobrecarga importante na
locados diante de quatro afirmações concer-
memória de trabalho na criança. Essa sobre-
nentes ao enunciado, que deviam julgar co-
carga permitiria explicar por que as crianças
mo verdadeiras ou falsas. King e Just (1991)
conseguem melhores resultados na produ-
constataram que quanto menos pragmatica-
ção da linguagem oral do que na de lingua-
mente vinculados estão os elementos nomi-
gem escrita. É como se a velocidade da es-
nais dos enunciados aos verbos utilizados,
crita não pudesse explicar este fenômeno.
mais difícil se torna a interpretação das ora-
ções relativas (p. ex., no enunciado “O moto- Do mesmo modo, as dificuldades gráficas e
rista que a polícia parou andava muito de- ortográficas não seriam mais do que parcial-
pressa”, o verbo andar está mais vinculado mente responsáveis pelos resultados. Bour-
ao nome motorista do que ao nome polícia). din e Fayol (1994) constataram que a lem-
Em situações nas quais a ajuda dos índices brança escrita de listas de palavras era infe-
pragmáticos e contextuais é mínima, a com- rior nas crianças em comparação com a lem-
preensão dos enunciados é inferior nos su- brança oral. Nos adultos, a automatização
jeitos que representam capacidades mnemô- da atividade de transcrição gráfica leva os
nicas mais fracas. De acordo com King e Just resultados a serem equivalentes nos dois ti-
(1991), esses resultados indicam que as dife- pos de exercícios. Ao contrário, a lembrança
renças individuais no tratamento sintático oral se situa acima da lembrança escrita
estão, em parte, governadas pela capacidade quando se pede aos adultos que utilizem
de memória de trabalho disponível para os um estilo de caligrafia não habitual. Bour-
processos de compreensão da linguagem. din e Fayol concluem que a escrita das letras
Finalmente, Bourdin e Fayol (1994) de- e a retenção das palavras utilizam o mesmo
monstraram que, nas crianças, uma tarefa sistema mental de recursos, sempre que a
de produção na linguagem escrita apresenta escrita não esteja ainda automatizada. A ati-
mais problemas do que uma tarefa de pro- vidade motora implicada pela escrita per-
dução na linguagem oral (Figura 1.1). O turbaria, assim, a lembrança de listas de pa-
conceitualizador, o formulador (organiza- lavras nas crianças e nos adultos durante a
dor léxico-gramatical) e o articulador, assi- aprendizagem da escrita (cf. os adultos
milam um gerador de linguagem escrita analfabetos).
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 71

Problema interpessoal da ontogênese b; e vários capítulos em Morgan e Demuth,


lingüística 1996). Essas pesquisas demonstram que a
linguagem materna dirigida à criança é mo-
Seja qual for o grau de importância das li- dificada à medida que o desenvolvimento
mitações orgânicas sobre a aquisição da lin- lingüístico vai ocorrendo. Essas modifica-
guagem e o papel das bases e dispositivos ções concernem ao conjunto dos aspectos
cognitivos pertinentes, essa aquisição não lingüísticos (entonação, acentuação, altura
acontece em um ambiente vazio. Há várias do tom, quantidade de palavras, precisão ar-
décadas, destacamos a questão de qual é o ticulatória, escolha dos termos léxicos, tra-
papel do ambiente social na aquisição da lín- mas semânticas, construções sintáticas, ex-
gua materna. Foram realizadas muitas pes- tensão dos enunciados, organização do pa-
quisas sobre este tema em um número impor- rágrafo e do discurso); e evoluem no sentido
tante de línguas. de uma maior simplicidade de conteúdos se-
mânticos e de formas lingüísticas com a
Interações verbais adulto-criança e criança menor, e, mais adiante, essas simpli-
construção da linguagem ficações dão lugar a uma maior complexida-
de dos enunciados segundo o desenvolvi-
Contrariamente a diversas idéias precon-
mento da criança. Pode-se discutir, em rela-
cebidas (mas apresentadas como fatos evi-
ção à teoria lingüística, se em algum ponto
dentes), das quais ainda hoje em dia chegam
especial a linguagem materna dirigida à
alguns ecos, como, por exemplo, as indica-
criança é realmente mais simples, do ponto
ções de Chomsky (1965): “... Está claro que
de vista formal, do que a linguagem que se
muitas crianças adquirem uma primeira ou
estabelece, habitualmente, entre os adultos.
uma segunda língua sem dificuldade, sem
Newport e colaboradores (1977), por exem-
que se faça qualquer esforço para ensiná-las e
plo, observaram que a freqüência elevada de
sem que se preste qualquer atenção aos seus
frases interrogativas nos enunciados dirigi-
progressos. Parece também que a maior parte
da linguagem que podemos ouvir é fragmen- dos às crianças (entre mais ou menos 33 e
tária e constituída por expressões desviadas 53% em crianças de 12 a 32 meses, segundo
de todo tipo”; ou as de Fodor (1966): “O am- os estudos de Broen, 1972; Savic, 1975; New-
biente lingüístico da criança não difere em port et al., 1977; Cross, 1977; Rondal, 1978)
nada do do adulto”... “[este ambiente] é mar- poderia tornar este tipo de linguagem mais
cado por um número considerável de falsos complexo do que um discurso que inclua
pontos de partida, incorreções gramaticais, uma porção maior de enunciados declarati-
lapsos, etc.”; os estudos feitos a partir da dé- vos. A observação é, sem dúvida, justificada.
cada de 1970 demonstram claramente que a No entanto, é difícil negar à linguagem ma-
linguagem dirigida pelos adultos às crianças terna um caráter de maior simplicidade
pequenas é perfeitamente gramatical (ver (simplificações “dinâmicas”, e não fixas,
também Marcus, 1993). uma vez que se deve recordar que se vão re-
Este tipo de linguagem apresenta diver- duzindo à medida que aumentam os pro-
sas características que demonstram que os gressos lingüísticos da criança) em compara-
adultos, os pais em geral, são sensíveis à ção com a linguagem que é utilizada nor-
evolução comunicativa e lingüística das malmente nas interações verbais entre os
crianças. A maioria das pesquisas realizadas adultos.
esteve dirigida ao estudo das intervenções As indicações que fizemos sobre a lingua-
verbais entre as mães e os filhos pequenos gem materna parecem ser igualmente válidas
que estão aprendendo a língua (para consul- para a linguagem paterna dirigida à criança
tar a bibliografia pertinente, ver Mahoney e que está em processo de aquisição da lingua-
Seely, 1976; Moerk, 1977, 1992; Snow, 1977; gem (ver as análises de Golinkoff e Ames,
Chapman, 1981; Rondal, 1981, 1983, 1985a, 1979; Rondal, 1980). Mesmo assim, os estudos
72 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

sugerem que a linguagem dos pais é modifi- regra geral, falam pouco com seus filhos en-
cada, sensivelmente, segundo se dirigem a quanto estes são muito imaturos e quando o
um menino ou a uma menina (Phillips, 1973; fazem, não tentam interpretar o discurso do
Fraser e Roberts, 1976). Existem, além disso, filho, nem adaptam sua própria linguagem
alguns dados empíricos que apontam uma ao nível lingüístico deste. Essas observações
possível tendência das mães a falar mais a seriam evidentemente contrárias à hipótese
suas filhas do que a seus filhos, a repetir mais do caráter universal da adaptação da lingua-
os enunciados produzidos por suas filhas e a gem parental às capacidades lingüísticas em
produzir enunciados mais longos quando se evolução da criança, se não se tivesse visto
dirigem a suas filhas (Lewis e Freedle, 1973; que, nessas sociedades, são as crianças de
Cherry e Lewis, 1975). mais idade e os avós que se encarregam tradi-
Diversos trabalhos destacam importan- cionalmente de se ocupar das crianças meno-
tes diferenças nas interações verbais entre res e de lhes falar, servindo-se também para
pais e filhos conforme a classe social. Por isso, segundo parece, de adaptações do tipo
exemplo, a freqüência das verbalizações das observadas entre mães (e pais) e crianças
maternas dirigidas ao filho é significativa- nas culturas ocidentais.
mente inferior na classe operária (Tulkin e A partir dessas observações, vários auto-
Kagan, 1972; De Blauw et al., 1979). São ob- res (p. ex., Moerk, 1976, 1983; Rondal, 1983,
servadas, além disso, diferenças entre os 1985a, b) propuseram modelos explicativos
pais pertencentes às diversas classes sociais da ontogênese lingüística nos quais os “com-
quanto a certos aspectos sintáticos e prag- panheiros” adultos da criança desempenham
máticos de sua linguagem: as mães da clas- um papel determinante (e, mais geralmente,
se operária tendem a utilizar muito mais os “companheiros” lingüísticos “mais avan-
imperativos e verbos modais (em inglês: çados” da criança, dado que as crianças de
can, will, may, shall, etc.) e menos dêiticos do mais idade parecem se comportar lingüistica-
que as mães da classe burguesa. As primei- mente com as crianças mais jovens de manei-
ras repetem e “expandem” quase duas ve- ra similar à dos pais; p. ex., Shatz e Gelman,
zes menos a linguagem de seus filhos do 1973). Moerk não duvidou em comparar as
que as segundas (Snow et al., 1976). No en- mães com language teachers (professor de lin-
tanto, podem ser observadas as mesmas guagem) e em considerar a aquisição da lin-
tendências para a simplificação na lingua- guagem, em sua maior parte, como o produ-
gem materna dirigida à criança, em proces- to de um ensino parental explícito (Moerk,
so de aquisição da linguagem, em cada uma 1983, 1992, para as propostas mais radicais
das diversas classes sociais. sobre este tema). Sem chegar a falar do ensino
Do ponto de vista intercultural (mesmo explícito da linguagem por parte dos pais
quando não se tenham, nem muito menos, es- (embora utilizando, contudo, a noção de “en-
tudado todas as culturas), um certo número sino implícito”), Rondal (1983, 1985) propôs
de pesquisas parece confirmar a universali- um macromecanismo de aquisição da lingua-
dade do fenômeno de adaptação da lingua- gem − denominado dinâmico contínuo para
gem adulta (particularmente a parental) que destacar que as interações adulto-criança são
é dirigida à criança em vias de aquisição da fatores de progresso lingüístico em continui-
linguagem (p. ex., Blount, 1971, 1972, para os dade ao longo de todo o desenvolvimento.
luos do Quênia; Omar, 1973, para o árabe fa- A aquisição de uma primeira língua su-
lado no Egito; Harkness, 1977, para os kipsigis põe uma série de interações entre interlocu-
dos altos planaltos quenianos, etc.). Porém al- tores de níveis distintos de maturidade lin-
guns pesquisadores (como Slobin, 1981) des- güística de maneira que se define uma zona
tacaram o fato de que, em algumas culturas proximal de desenvolvimento (noção toma-
tradicionais (na Polinésia, especialmente; ver da de Vygotsky, 1962), dispondo-se a série de
as observações de Ochs, 1980), os pais, como interações segundo um intervalo de tempo
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 73

relativamente longo (variável segundo os apontou algumas porcentagens de aprova-


componentes particulares do sistema lingüís- ções, desaprovações verbais e correções
tico). Mas o problema central é, evidente- pontuais dos enunciados infantis (retroali-
mente, definir os determinantes da evolução mentação direta ou explícita) na ordem de
que levam a criança do nível de partida até a 15 ou 20% e algumas porcentagens de am-
maturidade lingüística (esta última não sen- pliações maternas dos enunciados infantis
do completamente homogênea de um indiví- (retroalimentação indireta ou implícita) na
duo para outro, embora este problema dife- ordem de 10 a 15%, considerando-se, além
rencial não vá deter-nos aqui) e ponderar o disso, que ambos os tipos de retroalimenta-
papel e a influência relativa desses determi- ção diminuem rapidamente em freqüência
nantes entre si. quando a criança tem mais de 30 meses,
Sobre esses pontos de vista, os dados aproximadamente. Partindo desta base,
empíricos, dos últimos anos, obrigam a re- muito precipitadamente, se concluiu que a
considerar o marco teórico anteriormente função da retroalimentação estava demons-
sugerido. Um tema delicado, nesta reconcei- trada e, com ela, a plausibilidade da existên-
tuação, é a informação que o adulto devolve cia (ao menos implícita) de um dispositivo
à criança. parental de ensino da linguagem. No entan-
to, convém reconsiderar essa conclusão à
luz dos novos dados e de uma reinterpreta-
Retroalimentação adulta ção de certos dados que, embora estivessem
já disponíveis naquela época, não foram
Um mecanismo de ensino explícito e im-
corretamente interpretados.
plícito da linguagem que intervém no meio
das interações verbais pais-crianças deve co- O problema é que, deixando de lado as
correções formais pontuais dos enunciados
locar à disposição deste último, por um lado,
infantis por parte dos adultos, os mecanismos
os modelos lingüísticos apropriados e, por
de retroalimentação parecem mais motivados
outro, a distribuição de mecanismos de re-
por considerações semânticas, de correção e
troalimentação ou feedback adequados em re-
adequação referencial dos enunciados, do
lação aos enunciados infantis, de maneira que
que por preocupações de ordem gramatical.
se estabeleça, para benefício da criança, se um
Encontramos quatro casos possíveis desses
enunciado é aceitável semântica/pragmática
mecanismos:
e gramaticalmente, e, em caso negativo, em
que se torna insatisfatório e em que deve ser
1. aprovação de enunciados infantis semân-
corrigido. Baseando-nos nas observações da
tica e gramaticalmente corretos;
seção anterior, podemos admitir que, efeti-
vamente, os adultos trazem modelos lin- 2. desaprovação de enunciados infantis se-
güísticos apropriados (no duplo sentido de mântica e gramaticalmente incorretos;
ser semântica e gramaticalmente corretos e
de ser de um grau de complexidade tal que 3. aprovação de enunciados semantica-
se situem dentro da zona de desenvolvimen- mente corretos, mas gramaticalmente in-
to proximal da criança). No entanto, no que corretos;
diz respeito à distribuição de mecanismos 4. desaprovação de enunciados semantica-
de retroalimentação, as coisas não estão tão mente incorretos, mas gramaticalmente
claras. corretos;
Não há nenhuma dúvida de que esses
mecanismos de retroalimentação existem − Considerou-se, também, se os pais (e os
contrariamente ao que se afirmou algumas outros adultos) utilizam algum meio indire-
vezes −; no entanto, em quais proporções? to para demonstrar às crianças que alguns
Por outro lado, outra questão envolve sua de seus enunciados são gramaticalmente in-
natureza exata. Rondal (1985a, b, 1988) corretos. Brown e Hanlon (1970) se pergun-
74 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

taram se cabia a possibilidade de as respos- direção esperada. Com efeito, observou-se


tas dos pais serem diferentes segundo o que:
grau de correção formal dos enunciados in-
fantis. A resposta é negativa. Não existe 1. a grande maioria dos enunciados infantis,
mais do que uma pequena diferença entre gramaticalmente bem formados, não é re-
as percentagens de sequiturs (reações ver- petida (total ou parcialmente) pelas mães
bais pertinentes que manifestam claramente (o que poderia oferecer um índice de con-
uma boa compreensão do enunciado infan- formidade gramatical utilizável pela crian-
til) e de non-sequiturs parentais (erros de ça; infelizmente para esta hipótese, uma
compreensão, manifestações verbais de não proporção não desprezível dos enunciados
haver compreendido ou de haver com- infantis malformados é igualmente encon-
preendido de forma insuficiente, pedidos de trada no mesmo caso);
esclarecimento e reações não-pertinentes) 2. enunciados infantis gramaticalmente mal-
em resposta às construções infantis analisa- construídos são repetidos total ou parcial-
das como formalmente primitivas e às con- mente pelas mães.
sideradas gramaticalmente bem construí-
das. Observa-se, além disso, que várias per- Não parece, portanto, que os mecanismos
guntas apresentadas pela criança ao adulto, de retroalimentação implícitos do tipo de re-
que poderiam ser esclarecidas como primiti- petição (total ou parcial) dos enunciados in-
vas no plano formal, conseguem ou provo- fantis possam servir de critério seguro para a
cam reações verbais pertinentes por parte criança quanto à gramaticidade de suas pró-
do adulto, enquanto um grande número de prias produções.
questões gramaticalmente bem formadas É importante, porém, precisar a noção de
não suscita resposta ou não motiva uma res- “repetição materna” que foi utilizada por
posta pertinente do adulto. Hirsh-Pasek e colaboradores (1984). Podemos
Os dados de Brown e Hanlon, que se re- encontrar esta precisão técnica em um estudo
ferem somente a três crianças (os Harvard de Demetras e colaboradores (1986). Estes au-
children, Brown, 1973; em um estudo longi- tores registraram individualmente os diálo-
tudinal), foram confirmados por Hirsh-Pa- gos verbais entre quatro crianças de 2 anos e
sek e colaboradores (1984) com 40 díades suas respectivas mães. Estudaram diferentes
mãe-filho (LMPV infantil variável entre 2,61 tipos de mecanismos de retroalimentação
e 3,75). Estes autores se interessaram, além maternos implícitos (repetição/não-repeti-
disso, pela possível existência de mecanis- ção; pedido de esclarecimento dirigido à
mos de retroalimentação implícitos (positi- criança sobre o enunciado produzido imedia-
vos ou negativos) no adulto com relação aos tamente antes; prosseguimento, isto é, a mãe
enunciados infantis. Esses mecanismos po- continua com a conversação sem fazer refe-
deriam consistir em uma oposição entre re- rência ao enunciado infantil anterior ou a ou-
petição (p. ex., dos enunciados infantis gra- tro enunciado). De suas análises, se depreen-
maticalmente bem formados) / não-repetição dem as seguintes conclusões:
(dos enunciados infantis gramaticalmente
incorretos). No caso de resposta afirmativa, 1. O tipo de resposta materna mais freqüen-
isto poderia significar que a criança teria à te depois de um enunciado infantil gra-
sua disposição, em seus intercâmbios ver- maticalmente malformado é o pedido de
bais com o adulto, um meio indireto de iden- um esclarecimento.
tificar aqueles de seus enunciados que são 2. Quando os enunciados infantis provocam
gramaticalmente corretos. uma repetição materna, essa repetição
Os dados obtidos por Hirsh-Pasek e cola- consiste, freqüentemente, em uma exten-
boradores (1984) não foram, apesar disso, na são semântica (trata-se de uma repetição
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 75

do enunciado infantil, mas acrescentando qüências relativas às diferentes categorias


novas informações semânticas) ou em analíticas de retroalimentação materna, essa
uma repetição com redução do enuncia- variação não modifica, em nenhum momen-
do infantil anterior. As expansões mater- to, as tendências gerais.
nas (correções implícitas que se referem à
morfologia ou à sintaxe) dos enunciados
Implicações teóricas
infantis são mais raras.
3. O tipo de resposta materna aos enuncia- Chegamos, portanto, às seguintes conclu-
dos infantis gramaticalmente bem forma- sões:
dos é o prosseguimento.
1. Os mecanismos de retroalimentação ex-
4. As repetições maternas exatas continuam plícitos parentais são relativamente pou-
duas vezes mais freqüentemente como co freqüentes e não são claramente dife-
enunciados infantis bem formados no renciados quanto à correção gramatical
plano gramatical do que enunciados in- dos enunciados infantis. A retroalimenta-
fantis malformados. ção não parece constituir um sistema de
informação utilizável pela criança para a
Demetras e colaboradores (1986) observa- construção gramatical. Apesar disso, es-
ram, por outro lado, a dificuldade para um ses mecanismos podem ser mais perti-
observador (e, provavelmente para a criança) nentes quanto à avaliação da correção e à
de identificar o objetivo exato dos mecanis- adequação referencial dos enunciados e
mos de retroalimentação adultos implícitos, serem úteis, na perspectiva do desenvol-
devido, precisamente, ao seu caráter implíci- vimento semântico e pragmático.
to. Este problema conhecido como “problema
de correspondência” (correspondence problem), 2. A respeito dos mecanismos de retroali-
(McKee, 1992), é particularmente importante mentação parentais implícitos, observa-se
e é retomado mais adiante. que: a) a maioria dos prosseguimentos e
Os dois estudos anteriores (Hirsh-Pasek das repetições exatas dos adultos seguem
et al., 1984; Demetras et al., 1986) são trans- os enunciados infantis gramaticalmente
versais e confirmados, praticamente nos bem formados e b) a maioria dos pedidos
mesmos termos empíricos, por outra pesqui- de esclarecimento e das expansões adul-
sa realizada por Bohannon e Stanowicz em tas seguem os enunciados infantis grama-
1988. É interessante comparar os resultados ticalmente malformados.
destes trabalhos com os de um estudo longi-
tudinal realizado por Rondal (1988). Nesta Existem, por conseguinte, mecanismos
última pesquisa, foram analisadas as intera- de retroalimentação diferenciados que a
ções verbais entre uma criança francófona e criança utiliza para sua auto-avaliação gra-
sua mãe em uma situação de brincadeira li- matical, tal como repetem Bohannon e cola-
vre. O período estudado compreende entre boradores (1990) em resposta à análise críti-
os 27 e os 39 meses da criança (25 sessões ca de Gordon (1990) referindo-se ao trabalho
com duração de 20 minutos cada). Foi utili- empírico e à interpretação de Bohannon e
zado o sistema de categorias analíticas ela- Stanowicz (1988) e, sobretudo, Moerk (1991,
borado por Demetras e colaboradores 1992). Nesse sentido geral, esses autores têm
(1986), a fim de permitir uma comparação razão. No entanto, escondem quase comple-
fácil dos dados. Os resultados do estudo lon- tamente os principais problemas vinculados
gitudinal confirmaram amplamente as ob- aos mecanismos de retroalimentação implí-
servações anteriores e, particularmente, as citos, que levam sua utilização e sua utilida-
indicações empíricas dos autores. Embora de gramatical eventual a ser problemática.
pareça que existe uma certa variação nas fre- Estes problemas são, como já se observou:
76 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

1. O problema da correspondência. adultos (perfeitamente compreensível no


contexto dos intercâmbios lingüísticos habi-
2. A prevalência dos critérios semânticos e re-
tuais) dos critérios semânticos e referenciais
ferenciais sobre os critérios gramaticais nos
sobre os critérios gramaticais. Disto se de-
mecanismos de retroalimentação adultos.
preende que, se partirmos da base da exis-
tência de somente uma retroalimentação, a
Vejamos esses dois problemas mais deta-
criança não pode, de modo algum, garantir a
lhadamente.
gramaticalidade ou não-gramaticalidade do
O primeiro se refere à seguinte questão:
enunciado. Seria imperativamente necessá-
como a criança sabe a que ponto em particu-
rio, se tentasse utilizar a retroalimentação
lar de seus enunciados se referem as retroali-
adulta para sua auto-avaliação gramatical,
mentações adultas? Um enunciado, por mais
que levasse em consideração toda uma série
curto que seja, apresenta vários aspectos
de retroalimentações referidas ao mesmo
(mais ou menos “transparentes”), como a
enunciado. Esse método complicaria de tal
entonação, a acentuação, os elementos léxi-
modo a aprendizagem que o tornaria real-
cos, a articulação segmentaria, a trama e os
mente impraticável.
conteúdos semânticos, a referência, a organi-
zação gramatical (em sintagmas, orações e, Marcus (1993) analisou este problema em
em certos casos, em parágrafos e discursos), termos de probabilidades condicionais. Ele
a pertinência pragmática e a adequação fun- calculou que a criança deve (ou deveria) re-
cional (tipos locutórios). Nos enunciados petir um número muito elevado de vezes o
imaturos da criança, vários elementos po- mesmo enunciado (entre uma e várias cente-
dem ser simultaneamente defeituosos, e a nas de vezes, segundo certas características
retroalimentação adulta (inclusive quando é da retroalimentação parental; ver Marcus,
explícita) é raramente evidente deste ponto 1993, para detalhes sobre o assunto) e compi-
de vista. Mesmo assim, a “reparação-corre- lar as reações adultas, a fim de poder decidir
ção” que é necessário fazer no enunciado da se um de seus enunciados é ou não gramati-
criança para torná-lo formalmente aceitável, cal. Sabemos, por outro lado, que as crianças
raramente é especificado na retroalimenta- repetem exatamente seus próprios enuncia-
ção adulta. A utilização desses mecanismos dos com uma freqüência relativamente bai-
de retroalimentação dirigidos à criança com xa. Pinker (1989) analisou mais de 80 mil
uma finalidade gramatical, quando se reali- enunciados infantis produzidos pelos Har-
za, não pode ser feito sem uma considerável vard Children, não revelando com isso, além
contribuição “intrínseca”, que estaria com- das simples rotinas verbais, nenhuma auto-
pletamente por explicar. Estamos, portanto, repetição infantil que fosse feita mais do que
longe de conhecer um mecanismo que possa três vezes, com a exceção de somente um er-
ser considerado, por si só, responsável pela ro cometido 11 vezes no conjunto do texto
aprendizagem lingüística. por uma das crianças.
Mais além deste problema, nos encon- Esses resultados não são, portanto, espe-
tramos com a questão de saber como os rançosos para uma teoria da utilidade da re-
pais (que não são lingüistas profissionais) troalimentação gramatical adulta relativa aos
poderiam ajudar seus filhos nos aspectos enunciados da criança em processo de desen-
do sistema gramatical dos quais não têm − volvimento da linguagem. Poderiam ser dis-
ou têm poucos − conhecimentos (inclusive cutidos também alguns outros aspectos nega-
quando parecem possuir informações perti- tivos do mesmo problema, dos quais mencio-
nentes sobre a evolução de seus filhos; Ron- naremos aqui somente três:
dal, 1979).
O segundo problema ao qual nos referi- 1. Não se demonstrou absolutamente que
mos anteriormente diz respeito à prevalên- os adultos produzem retroalimentações
cia nos mecanismos de retroalimentação implícitas (e, ainda menos, explícitas),
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 77

mesmo considerando as limitações defi- centrais do input lingüístico. Essas duas ca-
nidas, referidas a todos os aspectos da lin- racterísticas são:
guagem (e, particularmente, à organiza-
ção gramatical) para todas as crianças de 1. a gramaticalidade do discurso adulto di-
todas as idades. Os dados disponíveis in- rigido à criança;
dicam que a realidade está longe deste
ponto de vista. 2. as simplificações formais que existem
dentro do input lingüístico e a eliminação
2. Marcus (1993) acrescentou a seguinte ob- gradual dessas simplificações em função
servação que, embora seja evidente, não da evolução lingüística da criança.
tinha sido apontada por ninguém ante-
riormente (que possamos saber). Ele in- A gramaticalidade do input lingüístico
sistiu que a observação da maior propor- permite à criança possuir de forma perma-
ção de repetições exatas maternas que se- nente “evidências positivas” que lhe possibili-
guem os enunciados infantis gramatical- tam avaliar, por comparação, a gramaticalida-
mente bem construídos em relação às que de de seus próprios enunciados. Este tipo de
seguem os gramaticalmente mal construí- material lingüístico não deixa lugar à ambi-
dos se depreende simplesmente da gra- güidade (para retomar a expressão de Marcus,
maticalidade (em 99%) dos enunciados 1993) quanto à gramaticalidade dos enuncia-
adultos dirigidos às crianças. dos (só em aproximadamente 1% destes como
3. Finalmente, não se demonstrou também já se indicou, o que é desprezível). O fato de
que, mesmo aceitando que a retroalimen- que os enunciados adultos “garantidos gra-
tação adulta possa ser utilizada pela maticalmente” sejam, além disso, reduzidos e
criança para sua auto-avaliação gramati- formalmente simplificados de acordo com as
cal, esta intervém necessariamente como capacidades cognitivas e lingüísticas momen-
determinante do desenvolvimento lin- tâneas da criança tende a facilitar considera-
güístico. velmente o trabalho de segmentação (parsing)
do input e de construção lingüística por parte
deste último.
Qual o papel do input lingüístico?
Isto significa que este parsing, a análise
Temos de concluir que o ambiente huma- do produto resultante, a construção das cate-
no que rodeia a criança não desempenha ne- gorias morfossintáticas, os procedimentos de
nhum papel importante no desenvolvimento tratamento receptivo e produtivo e a organi-
gramatical? De modo algum. zação mental do dispositivo lingüístico em
Embora pareça ter ficado perfeitamente toda sua complexidade são um trabalho (co-
estabelecido que o input lingüístico da crian- lossal, sem dúvida, apesar da facilitação in-
ça e as estratégias educativas gerais dos pais duzida) que a criança realiza “por si só em
não proporcionem uma estruturação grama- sua cabeça”. Esse trabalho exige a integrida-
tical explícita e que a organização gramatical de do sistema nervoso central, o que fica de-
da linguagem não é simplesmente transferida monstrado pelas enormes dificuldades que
do adulto para a criança “através” das intera- as crianças com retardo mental enfrentam
ções verbais adulto-criança que acontecem ao (mesmo quando seus pais põem à disposição
longo do desenvolvimento, devendo ser bus- um input lingüístico de boa qualidade e
cado, conseqüentemente, o motor real da adaptado ao seu ritmo próprio de evolução
construção da linguagem “no interior da lingüística; ver Rondal, 1978, 1986, para
mesma acriança”, não fica, de nenhum modo, maiores informações sobre esses pontos) ou
excluído que este desenvolvimento, por mais as crianças disfásicas, que, apesar de terem
intrínseco que seja, não possa ser considera- uma inteligência normal, apresentam proble-
velmente favorecido por duas características mas específicos de desenvolvimento lingüís-
78 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL

tico, particularmente em seus aspectos mor- NOTAS


fossintáticos (Gérard, 1991). a
Este capítulo é resultado da justaposição de várias
No entanto, convém recordar que as re- contribuições individuais: E. Esperet se encarregou
troalimentações parentais podem desempe- da seção discursiva e dos aspectos diferenciais da
aquisição da linguagem; J. P. Thibaut, da seção de de-
nhar, e de fato desempenham, um papel im- senvolvimento léxico; A. Comblain, da de desenvolvi-
portante na progressão dos aspectos semânti- mento fonológico e das considerações relativas ao pa-
pel da memória de trabalho no desenvolvimento lin-
cos, pragmáticos e, provavelmente, fonológi- güístico; J. E. Gombert, da parte correspondente à me-
cos da linguagem infantil, embora não exis- talingüística do desenvolvimento e, finalmente, J. A.
tam ainda dados suficientemente precisos so- Rondal, do resto do texto.
b
Em alguns exemplos conservamos o texto na língua
bre este tema. francesa original porque às vezes não é possível en-
Tudo isto nos leva, segundo nossa opi- contrar um equivalente ou a forma que é explicada
não existe em português, mas serve como orientação
nião, a um tipo de modelo que poderíamos geral e é de possível aplicação em outras construções.
chamar de “misto” (em comparação com as Nesses casos, incluímos a tradução dos exemplos pa-
ra facilitar sua compreensão.
teorias anteriores) da ontogênese lingüística, c
Em francês, diferentemente do que acontece em espa-
ao qual não parece faltar oportunismo, por nhol e em português, o pronome possessivo indica
assim dizer, do mesmo modo que não padece também o gênero.
d
Em francês, faire dodo significa “dormir” na lingua-
tampouco deste a própria evolução da função gem infantil.
e
lingüística durante o longo processo de homi- “Depois disto, portanto, por causa disto.”
nização (Bickerton, 1990).
Atualmente, parece claro que é o cérebro REFERÊNCIAS
humano que cria a “função da linguagem”,
ADAMS, M.- A.; GATHERCOLE, S.E. Phonological wor-
que aprende e organiza as línguas das quais
king memory and speech production in pres-
os indivíduos vão dispor. Esse cérebro, cer- chool children. Journal of Speech and Hearing Re-
tamente, responde a um dispositivo genético search, 38, 403-414, 1995.
particular que diferencia a espécie humana AMY, G. L’intervention des facteurs pragmatiques
das outras espécies animais, inclusive de dans la compréhension des phrases relatives
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nossos mais próximos vizinhos biológicos,
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os chimpanzés (Pan troglodytes). No entanto, AMY, G. Etude génétique de la compréhension des
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da e reconstruída graças aos recursos gerais
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e particulares − isto é, adaptados ao uso da ses relatives: Quelques considérations d’ordre
linguagem − do cérebro humano. Não é, génétique. Bulletin de Psychologie, 65, 295-303,
portanto, determinado exclusivamente pelo 1976.
exterior, no sentido em que seria um puro AUSTIN, J.L. How to do things with words. Cambridge,
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