DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ORALa
Jean-Adolphe Rondal, Eric Esperet, Jean Emile
Gombert, Jean-Pierre Thibaut e Annick Comblain
forma como no de significado. Quanto ao ní- me parece que tenha muito sentido uma tal
2
vel formal, os fonemas (sons característicos de distinção. Nenhuma disciplina, se quiser ser
uma língua) existem em número limitado. Os eficaz, pode se limitar à aquisição ou à utiliza-
signos dividem, pois, o espaço fonêmico da ção de uma forma de conhecimento sem con-
língua. Do mesmo modo, no nível de significa- siderar igualmente a natureza deste sistema.
ção, os significados se limitam uns aos outros, (Os destaques são de Chomsky.)
uma vez que compartilham necessariamente o
espaço semântico da língua. A classe sóis, por
Modalidades lingüísticas
exemplo, limita com a de outros astros não bri-
lhantes, dos planetas cativos do sistema solar, Existem diversas modalidades de lingua-
das galáxias, asteróides, cometas, pulsares, gens humanas. As principais são a modalida-
quasares e outros corpos celestes. de auditiva e da palavra, a modalidade visual
A linguagem é a função de expressão e de e gráfica e a modalidade visual e gestual. Em
recepção-compreensão que coloca em ação vá- princípio, toda modalidade sensorial e moto-
rias línguas. É inútil se perguntar, como alguns ra pode servir de base para uma forma de lin-
fazem, se a língua existe antes da linguagem guagem.
ou se é o contrário; ou, então, como variante As modalidades de linguagem põem em jo-
da primeira possibilidade, se a função lingua- go o mesmo dispositivo central, que é denomi-
gem predomina sobre o sistema da língua ou nado, conforme a ocasião, a “faculdade” da lin-
se a preeminência diz respeito, ao contrário, ao guagem. Essa faculdade se organiza em torno
sistema lingüístico. Na prática, função e códi- de uma dupla capacidade fundamental: uma
go são inseparáveis. A língua não pode existir capacidade léxica (estabelecer, reter na memória e
mais do que a medida que existe um funciona- utilizar receptiva e produtivamente uma quan-
mento psicológico capaz de instaurá-la e, ao tidade importante de associações significado-
contrário, não pode haver nenhuma lingua- significante-referente) e uma capacidade gramati-
gem, no sentido preciso do termo, sem um có- cal, correspondente à organização da língua no
digo lingüístico. Por extensão metafórica, fala- nível de seqüências e dependências estruturais
mos também de linguagem das flores, da mú- entre palavras (enunciados-frases) e de seqüên-
sica ou, até, da linguagem matemática. Nesses cias de seqüências (parágrafos e discurso). A es-
casos, existe uma série de correspondências ta dupla capacidade se deve acrescentar uma
biunívocas entre alguns significados e signifi- dimensão instrumental e social que é conhecida
cantes e, nas linguagens musical e matemática, como “pragmática da linguagem”.
até alguns esboços de gramática; nada disso Os centros cerebrais que regem os aspec-
comparável, no entanto, ao grau de complexi- tos gramaticais da linguagem são essencial-
dade das linguagens “lingüísticas”. Chomsky, mente os mesmos, independentemente da
(1975, p. 43) em seus estudos sobre as relações modalidade que se analisa. Vale a pena desta-
entre psicologia cognitiva e lingüística, entre car este fato, acontecido recentemente. O he-
linguagem e língua, escrevia: misfério cerebral esquerdo é um analisador
No meu modo de entender, não se deveria principalmente seqüencial e, por isso, atua,
falar de uma “relação” entre lingüística e psi- na grande maioria das pessoas, como subs-
cologia pela simples razão de que a lingüística trato anatômico e fisiológico da função lin-
faz parte da psicologia. Simplesmente, não güística. O hemisfério direito é, principal-
posso concebê-la de outro modo. Freqüente- mente, um analisador espacial. Acreditou-se
mente se faz a seguinte distinção: a lingüística durante muito tempo que a gramática das
estuda a língua, enquanto a psicologia estuda linguagens gestuais (linguagens do espaço,
a aquisição e a utilização da linguagem. Não por definição) devia estar localizada neste úl-
timo hemisfério. Apesar disso, diversos estu-
2 dos demonstraram que isto não estava certo e
N. de R. T.: Unidade fonológica abstrata, contrastiva em
uma dada língua. Ex. na língua portuguesa, o contraste que essa gramática, como as outras, é contro-
/p/ e /b/ distingue o significado de “pato” e “bato”. lada pelo hemisfério esquerdo.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 19
4
N. de R. T.: Lexema – termo usado por alguns lingüís-
tas como referência à unidade distintiva mínima no
3
N. de R. T.: A forma sistemática como cada língua or- sistema semântico de uma língua. Os lexemas são as
ganiza os sons é objeto de estudo da fonologia. Os fo- unidades convencionalmente listadas em dicionários
nemas são os sons capazes de distinguir significados. com entradas separadas. (Crystal, D. Dicionário de Lin-
Ver Bisol, L. (org). 2001. güística e Fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.)
Nível conceitual-semântico
Idéia da mensagem
Intenções de
comunicação
Estruturas semânticas
Organização Organização
morfossintática Lemas7 pragmática
e discursiva
MENSAGEM VERBAL
Nível articulatório
Organização fonológica
Lexemas
Articulação
MENSAGEM ARTICULADA
7
N. de R. T.: Ver nota 5 do R. T.
22 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
ou por suposições sobre o que esta pessoa pô- comunicar. Ele é capaz de perceber os estímu-
de querer dizer dentro deste contexto concre- los auditivos, pode chorar, gemer e, finalmente,
to. A segunda forma de compreensão é lin- produzir sons que têm valor de comunicação e
güística, mas limitada ao vocabulário (com- que equivalem a manifestações de seus dese-
preensão léxica ou, mais exatamente, não neces- jos, expectativas e sensações. Vários comporta-
sariamente morfossintática). Esta segunda forma mentos insignificantes e os jogos com a mãe
de compreensão se esforça para captar o senti- permitem que as bases da comunicação inter-
do da mensagem a partir do significado das pessoal se instalem progressivamente. Passa-
palavras individuais ou de algumas delas. se, então, de uma forma global de expressão e
Uma terceira forma de compreensão procede de comunicação (na qual participa todo o cor-
da análise morfossintática e léxica. Os lexemas po) para uma forma diferenciada que recorre
são analisados tendo em conta suas relações preferentemente à atividade vocal, sobre um
gramaticais (compreensão lingüística completa). fundo de expressão e comunicação gestuais
que implicam o início da compreensão verbal.
Ao longo dos 15 primeiros meses acontece
ONTOGÊNESE LINGÜÍSTICA uma considerável evolução da atividade vo-
cal e perceptiva. Durante o primeiro ano de
Sons, fonemas e prosódia vida, a criança passa por uma fase denomina-
da de “não especialização monolíngüe”, na
A idade do aparecimento da fala, a veloci- qual é capaz de discriminar e de produzir
dade de desenvolvimento, assim como os di- uma série quase ilimitada de sons, uma parte
ferentes tipos de erros de articulação cometi- importante dos quais não pertence à sua futu-
dos durante o desenvolvimento, variam con- ra língua materna. No nível receptivo, a criança
sideravelmente de uma criança para outra. pode, antes dos 6 meses, discriminar os con-
São diversos os fatores que influem no desen- trastes fonêmicos que pertencem ou não à sua
volvimento fonológico da criança: o sexo, a (futura) língua materna. Entre os 8 e os 10 me-
posição em relação ao conjunto de irmãos, as ses, a influência do ambiente lingüístico ao
experiências lingüísticas às quais a criança se qual está exposta faz decrescer rapidamente
vê submetida, as expectativas dos pais e o es- essa capacidade discriminadora que, quando
tado de saúde (Dodd, 1995). a criança tem 1 ano, não atinge mais do que
O primeiro ano de vida é crucial na 10% de seu potencial inicial (salvo no que diz
aprendizagem da linguagem. Ao longo des- respeito aos sons da língua materna).
te período, o bebê aprimora, graças à sua ex- No nível produtivo, o fenômeno é compa-
periência recente, toda uma série de capaci- rável ao que acontece no nível receptivo. A
dades básicas que lhe permitem interagir in- criança passa do estado de balbucio indife-
tencionalmente em um nível pré-verbal com renciado para a emissão exclusiva de fone-
o adulto. Deste modo, o bebê é capaz de dis- mas pertencentes à língua materna. Até os 6
tinguir sua língua materna de outra língua ou 8 meses, a criança começa a ter um certo
(Melher et al., 1988), de distinguir a voz can- controle da fonação e, de maneira bastante
tada de uma música instrumental (Cairns e clara, também no nível da prosódia.
Butterfield, 1975) e, inclusive, de combinar in- Considera-se que a criança balbucia quan-
formações visuais e auditivas, dando-se con- do produz sons cujas margens acústicas tem-
ta, assim, de que os movimentos dos lábios e porais estão próximas aos das sílabas produzi-
os sons da fala estão unidos (Dodd, 1979). das na “língua adulta” (de Boysson-Bardies e
Geralmente, consideramos que a criança Halle, 1994). Segundo Oller (1980), esses sons
começa a falar em torno dos 12 meses, quando têm uma significação de desenvolvimento par-
produz suas primeiras palavras. No entanto, a ticular. Neste momento, a criança se encontra
comunicação no sentido mais amplo da pala- em uma fase de balbucio reduplicado, estado
vra começa muito antes. Desde o momento do que é definido como o da produção de séries
seu nascimento, o bebê tem a capacidade de se de sílabas “consoante-vogal” (CV), nas quais a
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 23
consoante é a mesma em cada sílaba. Freqüen- dos fonemas da língua à qual se encontra ex-
temente, uma vogal breve inicia a série. As sé- posto e, alguns anos mais, antes que repre-
ries de sílabas são frequentemente de conteúdo sentem o estado adulto da língua em questão.
estereotipado. O grau de precisão da produção No decorrer do segundo ano de vida, a ar-
consonântica varia nas diferentes séries de bal- ticulação é ainda imperfeita; a fala da criança
bucio: assim, uma oclusiva linguodental [d] continuará contendo omissões, substituições e
pode predominar nas sílabas de uma série, distorções dos sons. Em seu terceiro ano, a
mas os sons guturais ou fricções do mesmo criança é, geralmente, compreendida inclusi-
ponto articulatório podem também estar pre- ve por pessoas não-pertencentes à família.
sentes, começando uma ou várias sílabas de Quando tem 4 anos, sua articulação está mais
outra série. As consoantes bilabiais, oclusivas precisa, embora possam persistir algumas
alveolares, nasais e semivogais ([w] ou [j], em omissões e distorções de sons. Considera-se
francês) são os fonemas não vocálicos mais fre- que aos 5 anos a criança já é capaz de produzir
qüentes no balbucio. O balbucio reduplicado corretamente a maioria dos sons, se não todos,
não é usado pela criança na comunicação com de sua língua materna. Além dos sons pró-
os adultos, mas lhe serve para (auto)controlar a prios da língua materna, a criança deve tam-
produção. Até o final deste estágio, o balbucio bém aprender a conhecer os contornos da en-
pode ser utilizado como um jogo de imitação tonação e da sua organização prosódica. Du-
ritual com o adulto. Até os 10 meses, a criança rante a segunda metade do primeiro ano de
possui um espaço vocálico que prefigura o do vida, se inicia o controle da produção dos pa-
adulto. Também até os 9 ou 10 meses, a criança drões articulatórios da língua materna (de
passa, progressivamente, da fase do balbucio Boysson-Bardies e Halle, 1994).
reduplicado para a do balbucio não-reduplica- Atualmente, a continuidade entre o bal-
do, isto é, para um balbucio no qual as séries bucio e a produção das primeiras palavras es-
incluirão sílabas vogal-consoante-vogal (VCV) tá bem-estabelecida. De fato, pôde-se eviden-
e consoante-vogal-consoante (CVC). Nessas ciar um certo número de semelhanças estru-
séries, tanto as consoantes como as vogais po- turais entre as seqüências de balbucio e as
dem variar de uma sílaba para a seguinte; as primeiras palavras reconhecíveis na fala da
consoantes já presentes no estágio de balbucio criança. Já em meados da década de 1970, Ol-
reduplicado estão ainda presentes no balbucio ler e colaboradores (1976) observaram substi-
variado, embora sejam acrescentados novos tuições e supressões de sons idênticas no bal-
elementos e, especialmente, as consoantes fri- bucio e nas primeiras palavras. Outros pon-
cativas /s/, //8, /z/, as vogais médias, as an- tos em comum entre os dois tipos de produ-
teriores altas e as posteriores altas arredonda- ções foram acrescentados aos anteriores (Bla-
das ou não-arredondadas. ke e de Boysson-Bardies, 1992), dos quais os
Entre os 10 e os 18 meses a criança produz mais importantes são o lugar e o modo de ar-
palavras. A produção dos diferentes sons da ticulação das consoantes, o número de sílabas
fala é, neste momento, uma imitação aproxi- e as preferências sonoras nas produções.
mada da forma adulta destes sons. Deve-se
ter presente que podem subsistir ainda al-
Como a criança adquire o repertório de sons
guns episódios de balbucio bastante tempo
de sua língua?
depois do aparecimento das primeiras pala-
vras. Deve-se esperar de 11 a 13 meses antes Esta não é uma pergunta que pode ser
que a totalidade dos sons produzidos pela considerada simples, uma vez que todas as
criança não reflitam mais do que o conjunto respostas são incompletas. As propriedades
do sistema de sons que a criança deve adqui-
rir constituem um aspecto importante do de-
8
senvolvimento fonológico. Com efeito, os
N. de R. T.: No original foi utilizado o símbolo /j/
que, de acordo com o Alfabeto Fonético Internacional, sons característicos de uma língua mantêm
corresponde à semivogal “y”, e não a uma fricativa. um certo número de relações que podem ser
24 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
descritas em forma de regras e constituem a tes na língua adulta. Assim, as crianças fran-
base de seu sistema fonológico. cófonas e anglófonas de 10 meses ou maiores
apresentam uma preferência marcante pelas
9
Exemplo. Em francês, [p], [t] e [k] têm um vogais acusticamente compactas (cujos dois
determinado número de características arti- primeiros componentes estão próximos, co-
culatórias em comum (são consoantes oclusi- mo acontece no /a/; desvio de 575Hz); en-
vas surdas: sua articulação comporta um fe- quanto as crianças cantonesas preferem as
chamento seguido de uma abertura da cavi- vogais difusas (cujos dois primeiros compo-
dade oral, enquanto seu caráter surdo impli- nentes se encontram afastados, como é o caso
ca a ausência de vibração das pregas vocais), do /i/; desvio de 2.260Hz).
mas diferem no lugar onde ocorre a obstru- Os sons da língua podem ser ordenados se-
ção do ar (os lábios, no caso do [p]; a ponta da gundo o número e o tipo de contrastes articula-
língua e os dentes, no do [t], e o dorso da lín- tórios que os separam (pares de fonemas entre
gua e o palato duro, no do [k]). os quais existe contraste maior ou menor). Se-
gundo Jakobson (1968), a criança adquire os fo-
Os contrastes fonológicos marcam a ex- nemas mais contrastados em primeiro lugar.
pressão de significados diferentes10 (p. ex., Estes são os fonemas que são encontrados em
paon, temps, quand), o que constitui a mesma todas as línguas, enquanto os menos contrasta-
definição do sistema fonológico. Note-se, ape- dos tendem a ser característicos de cada língua
sar disso, que somente alguns contrastes dos em particular. Jakobson propõe a seguinte se-
existentes entre dois ou vários sons marcam, qüência de desenvolvimento. O [a] emerge co-
em uma língua determinada, diferenças de mo a primeira vogal, e uma oclusiva labial, ge-
significado e permitem identificar fonemas. ralmente o [p] (ou, às vezes, a nasal [m]), inau-
gura a lista das consoantes. As primeiras com-
Exemplo. Embora sejam articulatória e binações consoante-vogal podem ser obtidas,
acusticamente distintos, o [k] de qui e o de então, por duplicação. O contraste articulatório
11
coup são, em francês, o mesmo fonema, en- e acústico é ótimo entre /a/ e /p/. O som [a]
quanto em árabe são dois fonemas diferentes. implica uma abertura ampla da boca e uma vi-
bração das pregas vocais; não exige nenhuma
As primeiras consoantes aparecem primei- limitação de duração, e uma forte energia acús-
ro no balbucio, antes de serem integradas nas tica se concentra em uma banda relativamente
palavras (Vihman et al., 1986). Em um estudo estreita de freqüências (caráter compacto), en-
interlingüístico dos padrões de balbucio nas quanto os caracteres acústico-articulatórios do
crianças pequenas, Blake e De Boysson-Bar- [p] são exatamente inversos.
dies (1992) chegaram à conclusão de que as
A criança adquire logo o [i] e, mais adiante
crianças de 9 a 14 meses têm preferência mar-
o [u], no que se refere às vogais; e a consoante
cante pela produção de consoantes oclusivas
[t], seguida do [k] (segundo uma alternância
[b], [p]; [d], [t]; [g], [k]. Estes autores vêem nes-
contínua agudo-grave, compacto-difuso). In-
sas observações uma confirmação da hipótese
corporam-se, em seguida, as restantes vogais
de Vihman e colaboradores (1986), segundo a
orais e as vogais nasais, assim como as con-
qual as consoantes oclusivas têm uma base fi-
soantes oclusivas sonoras, as nasais, as fricati-
siológica mais sólida e são mais freqüentes do
vas surdas e sonoras e as laterais. Esta seqüên-
que os outros tipos de consoantes.
cia de aquisição de fonemas corresponde, em
No tocante às vogais, De Boysson-Bardies
linhas gerais, à ordem de dificuldade relativa
e colaboradores (l989) demonstraram a prefe-
dos fonemas do ponto de vista articulatório e,
rência dos bebês para as vogais mais freqüen-
em grande parte, se aceita como correta.
9
Stampe (1969) e Ingram (1976) apresenta-
N. de R. T.: Também na língua portuguesa.
10
N. de R. T.: Ex.: pato, tato, cato.
ram uma abordagem do desenvolvimento fono-
11
N. de R. T.: Também o são na língua portuguesa – [k] lógico que completa a teoria de Jakobson e se
em aqui e café – devido à co-articulação. centra na identificação de estratégias de simpli-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 25
ficação da fala adulta utilizadas pela criança pe- cular de fonemas. No exemplo anterior, consta-
quena. Os processos de simplificação mais co- ta-se uma supressão do [s] inicial quando é se-
mumente observados são as substituições, as as- guido de uma consoante oclusiva. Ao contrário,
similações, as supressões de sons ou de grupos se a segunda consoante é fricativa, é esta última
de sons e as reduplicações de sílabas. Pode-se que é suprimida. Pode-se então estabelecer a
aplicar mais de um processo de simplificação seguinte regra: “Em um encontro consonantal
para uma mesma palavra. Segundo este estudo, [s] + consoante, o [s] é suprimido se a consoan-
o desenvolvimento fonológico consiste na elimi- te seguinte é oclusiva; se é fricativa, é esta últi-
nação progressiva das tendências simplificado- ma que é suprimida”.
ras. Stampe (1969) definia esses processos de Observe-se que os termos regras e processos
simplificação ou, segundo seus próprios ter- fonológicos são utilizados de diferentes formas
mos, “processos fonológicos”, como operações na bibliografia. De acordo com Fey (1992), os
mentais aplicadas à linguagem. Essas leis per- termos são sinônimos. Edwards (1992) consi-
mitiriam substituir uma classe ou seqüência de dera que os processos fonológicos são mudan-
sons (que contêm uma dificuldade comum para ças sistemáticas que afetam uma classe de
todas as crianças ou específica de um indivíduo) sons, enquanto as regras representam o estado
por uma classe ou seqüência de sons alternativa formal de um processo. Finalmente, Dodd
– o mais idêntica possível –, a fim de evitar a di- (1995) afirma que o processo fonológico é uma
ficuldade. Esses processos constituem uma série tendência geral, enquanto a regra é a concreti-
universal de procedimentos ordenados de for- zação do processo fonológico em um contexto
ma hierárquica e utilizados pela criança para particular (p. ex., o [s] é suprimido em posição
simplificar seu discurso. São “universais” no pré-consonântica; /l/, /m/, /f/ são suprimi-
sentido de que cada criança nasce com a dificul- dos em posição pós-consonântica).13 A análise
dade de simplificar o discurso de uma maneira da linguagem, em termos de regras fonológi-
coerente. São “hierárquicos” porque alguns de- cas, é utilizada principalmente para descrever
les são processos de base, e outros não. os erros de desenvolvimento das crianças pe-
Não é fácil de se fazer a análise lingüística quenas, assim como os de crianças que apre-
da produção de sons da criança pequena, uma sentam problemas funcionais da fala, perda
vez que determinar se um fonema particular é auditiva ou retardo mental.
produzido de forma errônea depende, freqüen-
temente, do contexto fonêmico no qual se en- 14
contra. Mais concretamente, voltemos ao exem- Processos fonológicos
plo de Dodd (1995), no qual uma criança pro- Substituições. A substituição de um fo-
duz respectivamente [tɔp], [ki] e [pɔr], em lugar nema por outro de uma mesma palavra é
de [stɔp] (stop), [ski] (esqui) e [spɔr] (sport) e uma característica corrente da linguagem da
[sov], [sε̃ks] e [sεr], em lugar de [slov] (slow),
[sfε̃ks] (sphinx) e [sfεr] (sphère).12 Uma análise
13
taxonômica aplicada a este exemplo indica que, N. de R. T.: No português, [r] e [l], em onset complexo
em 50% dos casos, existe um erro no [s], mas es- (encontro consonantal), são suprimidos em posição
pós-consonântica, como em: “prato” → [patu]; “blusa”
te erro não autoriza nenhuma previsão sobre as → [buza].
circunstâncias de omissão do [s]. Pelo contrário, 14
N. de R. T.: Na língua portuguesa, os processos fono-
uma análise dos processos fonológicos permite lógicos comumente encontrados no desenvolvimento
normal envolvem o nível do segmento e o nível da sí-
especificar, no contexto fonêmico, o que está al- laba.
terado em um fonema ou em um grupo parti- No nível do segmento, as substituições (quando, no lu-
gar de um segmento não-disponível no sistema da
12
criança, outro segmento é realizado) podem ser:
N. de R. T.: Em português, a estrutura silábica CCV • Dessonorização – quando um segmento sonoro é reali-
(i. é, grupos de onset complexo) são constituídos por zado como surdo (ex.: “vaca” → [faka]).
uma obstruinte e uma líquida. As obstruintes que po- • Anteriorização – quando um segmento palatal ou ve-
dem ocupar a primeira posição são: /p, b, t, d, k, g, f, lar é realizado como alveolar ou labial (ex.: “fogo” →
v/ e as líquidas que podem ocupar a segunda posição [fodu]; “chave” → [savi]).
são /l, ɾ/ (Ribas, L. 2004). Desta forma, não há exem- • Palatalização – quando um segmento alveolar é reali-
plos equivalentes na língua portuguesa. zado como palatal (ex.: “sapato” → [apatu]).
26 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
ções e as assimilações aparecem de forma variá- /ta/ para formar a sílaba /pa/). Este fenô-
vel conforme o lugar que o som ocupa dentro meno pode ser produzido também no nível
da sílaba. No caso da substituição, a plosiviza- de fonemas. A criança utiliza um traço de
ção das consoantes fricativas, por exemplo, é um primeiro fonema e um traço de um se-
abandonada, geralmente, mais quando são fri- gundo fonema para construir um terceiro.
cativas finais do que quando se encontram no f) Reduplicação. A criança repete várias ve-
começo da sílaba. Dizendo de outra forma, as zes a mesma sílaba. Trata-se de um proces-
consoantes fricativas pós-vocálicas são mais fá- so comum na formação das primeiras pa-
ceis de serem produzidas do que as pré-vocáli- lavras.
cas. No que diz respeito à assimilação, a sonori-
zação das consoantes varia segundo a localiza- Metátese. A metátese é um processo de
ção na sílaba. No nível de harmonia consonan- simplificação da linguagem falada adulta pela
tal, as crianças apresentam algumas limitações qual a criança reordena os sons que formam
precoces em suas produções (as consoantes na uma palavra. Todos os sons são produzidos
estrutura CVC devem ser de igual natureza). corretamente e se encontram presentes na pa-
Finalmente, a assimilação vocálica e a desnasa- lavra, mas a ordem está modificada (p. ex., dis-
lização implicam um fator importante: um seg- que se transforma em [diks]).23
mento dentro de uma sílaba não-acentuada é
mais fraco ou mais assimilável do que um seg- Preferências fonológicas
mento em uma sílaba acentuada. Junto com as
influências silábicas existentes sobre esses pro- A maneira como uma criança constrói
cessos, são observados outros processos fonoló- seu sistema fonológico é identificada pelas
gicos causados pela tendência da criança para preferências fonológicas, que diferem entre
simplificar a estrutura silábica. A maioria das uma criança e outra. A preferência fonológi-
crianças se orienta para uma sílaba de base CV. ca consiste em uma escolha da criança por
Podem ser distinguidos vários tipos de proces- um padrão articulatório determinado, isto
sos de estruturação silábica de base: é, por uma classe particular de fonemas ou
por uma estrutura silábica concreta. O fato
a) Redução de encontros consonantais.21 Um de que as preferências podem conduzir a
encontro consonantal é reduzido a uma só numerosas variações entre as diferentes
consoante. É um dos processos mais co- crianças fica ilustrado, em francês, pela pro-
muns. dução das consoantes fricativas iniciais /f/,
b) Apagamento das consoantes finais. Uma /v/, /s/, /z/, //, //. As consoantes po-
sílaba CVC é reduzida a uma sílaba CV. dem ser classificadas em três24 grupos se-
c) Apagamento das consoantes iniciais. Uma
N. de R. T.: Ex.: “pedra” → [prεda]; “bruxa” → [bura].
23
sílaba CVC é reduzida a uma sílaba VC. 24
N. de R. T.: O ponto ou lugar de articulação é o local
d) Supressão de sílabas não-acentuadas. Uma onde dois articuladores entram em contato (Callou e
sílaba não-acentuada é suprimida, especial- Leite, 1991). No português, Silva (1999) descreve os oi-
mente se precede uma sílaba acentuada. to lugares de articulação, a saber: bilabial, labiodental,
dental, alveolar, alveopalatal, palatal velar e glotal.
22
e) Coalescência. A criança utiliza parte de A partir dos estudos da fonologia autossegmental (es-
uma sílaba e parte de outra para formar pecificamente o trabalho de Clements e Hume, 1995)
os nós PONTO DE C (ponto de consoante) e PONTO
uma nova sílaba (p. ex., a palavra pantalón DE V (ponto de vogal) dominam os traços que repre-
se transforma em /palo/ → a criança utili- sentam os pontos de articulação, ou seja, traço [labial]
za o /p/ da sílaba /pa/ e o /a/ da sílaba – som articulado com os lábios – ex.: p, b, m, f, v; [coro-
nal] – som produzido com a frente da língua elevada,
podem ser [+ anteriores], quando a obstrução do som
21
N. de R. T.: Para explicação sobre “redução” e “não- ocorre na frente da região alveopalatal, ex.: s, z, n, l, r
realização” ler Lamprecht (org) 1999. ou [– anteriores], quando a obstrução do som ocorre na
22
N. de R. T.: Mecanismo através do qual dois segmen- ou atrás da região alveopalatal, ex.: , , η, λ e [dorsal]
tos são fundidos em um que tem características de – som produzido pelo retraimento do corpo da língua
ambos. Pode ocorrer entre vogais, consoantes ou en- em relação a sua posição neutra, ex.: k, g, R. Dessa for-
tre vogal e consoante. Ex.: “falta” /falta/ → [fawta] → ma, fala-se em 3 pontos de consoante: labial, coronal e
[fɔta]. (Mezzomo, C. 2004). dorsal. Bisol, L. (org), 2001.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 29
f - s f
v - s v
s s s (t)
z - z
s s
s
28
25 N. de R. T.: Por ex.: o fonema /s/, na língua portu-
N. de R. T.: Som que tem como articulador-ativo um ou
guesa, pode aparecer na posição inicial (onset absolu-
ambos os lábios. No português [p, b, m, f, v] são labiais.
26 to ou início de sílaba início de palavra (ISIP) ex.: “sa-
N. de R. T.: Som que tem como articulador ativo ou o
po” → [sapu]; na posição medial (onset medial ou iní-
ápice ou a lâmina da língua e como articulador passivo
cio de sílaba dentro de palavra (ISDP) ex.: “pássaro”
os alvéolos. No português [t, d, s, z, n] são alveolares.
27 → [pasaru]) ou na posição final (coda medial ou final
N. de R. T.: O articulador ativo é a parte anterior da
de sílaba dentro da palavra (FSDP) ex.: “casca” →
língua e o passivo é a parte medial do palato-duro. [t,
[kaska] e coda final ou final de sílaba final de palavra
d, , ] são palato-alveolares.
(FSFP) ex.: “dois” → [doys]).
30 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
é, primeiro, bastante lenta (de 50 a 100 palavras lização no espaço (acima, abaixo) e de algumas
até os 18 meses) e, mais adiante, acelera-se pro- rotinas (tchau).
gressivamente: 200 palavras até os 20 meses; de Estas observações parecem ser válidas
400 a 600, até os 2 anos; 1.500, até os 3 anos. Se- nas diferentes culturas. Os termos que desig-
gundo Carey (1982), entre os 2 e os 5 anos, a nam os objetos são mais numerosos do que os
criança aprende uma nova palavra a cada hora que se referem a ações e estados. As primeiras
de vigília, o que significa que incorpora cerca ações às quais se referem costumam ser ações
de 3.500 palavras novas a cada ano (2 mil se gerais (tais como fazer, ir ou ter) que as crian-
contarmos somente as de raiz diferente). A par- ças utilizam em um princípio, em contextos
tir dos 10 anos, calcula-se que adquire umas 10 muito variados, mas que se vão restringindo
mil palavras novas por ano. Foi estimado que, à medida que aprendem termos mais preci-
somente através dos livros -texto, as crianças de sos. Os verbos de movimento são mais preco-
9 a 15 anos têm contato com umas 85 mil raízes ces do que os verbos de causa ou finalidade,
distintas e com, pelo menos, 100 mil palavras cuja referência é mais difícil de captar.
diferentes. Para explicar a aceleração do ritmo A referência dos lexemas utilizados pela
de aquisição, existe a hipótese de que a criança criança pode ser diferente da dos adultos. Es-
deve compreender o papel funcional das pro- sas diferenças foram descritas porque fre-
duções verbais do adulto, isto é, que os objetos, qüentemente permitem seguir a evolução dos
as qualidades e os eventos são denomináveis e significados que as crianças dão aos lexemas.
que as palavras têm um valor estável na comu- Classicamente são descritos cinco tipos de re-
nicação. Deve compreender também as dimen- lações possíveis entre a extensão de um lexe-
sões da realidade à qual a linguagem geralmen- ma no adulto e a deste mesmo lexema na
te se refere. Também foi proposta outra explica- criança (Reich, 1976). Essas possíveis relações
ção deste processo baseada no desenvolvimen- são: a superextensão, a subextensão, a sobre-
to motor da criança: as crianças que adquirem posição, a identidade e a discordância.
mais tarde seu domínio articulatório, isto é, As discordâncias entre o adulto e a crian-
aquelas cujos programas articulatórios corres- ça são descritas em termos de traços que com-
pondentes às palavras são construídos mais tar- põem as representações e foram longamente
de, têm um desenvolvimento lexical mais lento estudadas, uma vez que supõem uma via de
(Clark, 1993). Essas crianças dedicariam mais acesso que mostra a evolução das estruturas
tempo para estabilizar a articulação das pala- conceituais da criança e as relações entre estas
vras que já conhecem, e o aumento de seu voca- e o vocabulário (Barret, 1986; Clark, 1993;
bulário resultaria da progressão de seu domí- Nelson, 1973; Rescorla, 1980).
nio articulatório. Nos casos de superextensão, a criança apli-
De acordo com as análises, o ritmo de ca um lexema aos membros de uma categoria
aquisição das primeiras palavras pode variar que o adulto designa com essa palavra, mas o
de uma criança para outra. Algumas crianças usa igualmente para os membros de outras ca-
apreendem palavras novas seguindo um rit- tegorias. Por exemplo, a palavra cachorro seria
mo regular, enquanto o ritmo de aquisição de aplicada a todos os mamíferos de quadro patas.
outras crianças é marcado pela presença de A criança retém em seu conceito de cachorro so-
picos de aquisição (Clark, 1993; Dromi, 1987). mente uma parte dos traços ligados a este ter-
mo pelo adulto. Retém, por exemplo, o traço
“tem quatro patas” e passa por cima de outros
A que se referem as primeiras palavras da
traços que especificam a categoria de cachorro.
criança?
Dentro das superextensões, podemos dis-
A criança fala de pessoas (papai, mamãe, tinguir:
bebê), animais (cachorro, gato), alimentos (leite,
sopa, suco), partes do corpo (olhos, nariz), pe- – Superinclusões. Nelas, a criança estende
ças de vestir (sapato), veículos (carro), jogos um termo a outras categorias que perten-
(bola) ou objetos que são encontrados em casa cem ao mesmo superordenante, geral-
(mamadeira, garrafa, colher), e também da loca- mente, baseando-se em propriedades per-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 31
ceptivas, como seria o caso do exemplo que as crianças não utilizarão corretamente
dado anteriormente, no qual cachorro seria uma palavra mais do que para os exemplares
utilizado para designar outros mamíferos. mais típicos de uma categoria.
A identidade designa o uso de um termo
– Superextensões analógicas. Nelas, a criança conforme o uso que o adulto faz dele, en-
generaliza um termo, fazendo-o extensivo quanto a discordância, pelo contrário, se refe-
a entidades que pertencem a outras cate- re a uma utilização de um termo sem nenhu-
gorias superordenadas, mas que possuem ma relação com a do adulto.
características comuns às da categoria à
Por sobreposição se entende a utilização
qual o adulto se refere com este termo (p.
de uma palavra somente para uma parte das
ex., bola se estende a todos os objetos re-
entidades que designa em seu uso adulto e,
dondos tais como maçã, lua, etc.). além disso, para outras entidades e outras ca-
tegorias (p. ex., a palavra cachorro utilizada
No entanto, nem sempre é simples distin- para se referir unicamente aos cachorros
guir as superextensões das recategorizações nas grandes e, além deles, aos lobos).
quais a criança utiliza um termo por outro, quer
como um jogo, quer para indicar uma analogia.
Por exemplo, se a criança põe um objeto sobre a Dificuldades para a aquisição do léxico
cabeça dizendo que se trata de um chapéu, po- Um dos problemas fundamentais com os
de querer dizer que este objeto é como um cha- quais a criança se defronta quando está apren-
péu. Mesmo assim, é preciso distinguir as su- dendo o vocabulário é o da ambigüidade refe-
perextensões dos comentários da criança: se rencial dos lexemas. Imaginamos que um adul-
este mostra os sapatos dizendo mamãe, isto to pronuncie a palavra gato mostrando para a
não significa que sua mãe se transformou em criança um referente do qual não saiba o nome.
um par de sapatos, mas que os sapatos, em A criança deverá decidir se a palavra se refere
questão, são os de sua mãe. Como as crianças ao animal em sua totalidade, a uma parte do
não conhecem mais do que algumas palavras, é animal, a uma ação do gato ou a outras caracte-
normal que o resto se subentenda. Isto fica con- rísticas da cena. Tal como observa Markman
firmado pelas diferenças entre superextensão (1989, 1994), quando a criança ouve uma pala-
na produção e na compreensão. Vimos que al- vra pronunciada em um determinado contexto
guns termos subentendidos na produção são deve deduzir, a partir da análise do contexto,
compreendidos corretamente. Este resultado quais são as características do ambiente às
parece indicar que a superextensão constitui, quais o termo se aplica. As pesquisas atuais su-
em muitos casos, a aplicação de uma estratégia gerem que a criança elabora hipóteses sobre a
pragmática, pela qual a criança utiliza o termo estrutura do léxico, que reduzem o número de
mais próximo que lhe parece apropriado para referentes possíveis de cada termo e que guiam
aquela entidade que quer denominar. a aprendizagem e a generalização de novas pa-
Falamos de subextensão quando a crian- lavras. A seguir, consideraremos sucessivamen-
ça utiliza um lexema em um subconjunto das te o que os autores denominaram como a difi-
situações para as quais o adulto utiliza a mes- culdade taxonômica, o princípio de exclusão
ma palavra. Assim, por exemplo, somente os mútua e a dificuldade do objeto total.
sapatos da mãe que estão guardados em um
armário concreto serão denominados sapatos;
Dificuldades taxonômicas
ou, então, a criança somente dirá bom dia
quando o pai está perto da porta. Nesses usos Toda nova palavra, uma vez aprendida,
lexicais, que são encontrados no início da deve ser generalizada para outras entidades
aquisição, a criança não analisa a situação de novas. A priori, a generalização pode ser feita
seus componentes, mas a designa como um sobre uma base temática ou sobre uma base
todo. Em geral, as subextensões são mais co- taxonômica. Por relação temática, entende-se a
muns no que diz respeito aos itens menos re- relação espaço-temporal contextual que une
presentativos de uma categoria, de maneira objetos ou eventos (p. ex., o cachorro e sua ca-
32 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
sinha, o jogador de tênis e sua raquete. As re- desconhecida (p.ex., foi dito para a criança que
lações taxonômicas, pelo contrário, unem enti- aquilo se chamava sul); depois, pediu-se que
dades que pertencem à mesma categoria (p. encontrasse outro sul que fosse a mesma coisa
ex., um pequinês e um poodle pertencem à que havia sido ensinado. Na prova sem deno-
categoria dos cachorros; os cachorros e os ga- minação, as crianças escolheram o objeto liga-
tos, à categoria dos mamíferos). do taxonomicamente (o pastor alemão) em
Para estudar o tipo de classificação que as 59% dos casos, resultado que não difere signifi-
crianças dão preferência, é apresentado um cativamente do que se obteria ao acaso. Na
conjunto de objetos e é pedido que “classifi- prova com denominação, a criança generalizou
quem os que consideram que devem estar jun- a nova palavra para o objeto relacionado taxo-
tos”, ou, então, é pedido que designem o obje- nomicamente em 83% dos casos. Esses resulta-
to que, entre vários, corresponde melhor a um dos foram produzidos em vários estudos (p.
item de referência. Classicamente, se verificou ex., Baldwin, 1992. Golinkoff et al., 1995) e es-
que, a partir dos 6 ou 7 anos, a criança dá pre- tendidos, inclusive, para crianças menores de 2
ferência às classificações taxonômicas, en- anos (Markman, 1994; Waxman e Markow,
quanto as crianças menores escolhem as classi- 1995). Foram necessários esses resultados para
ficações temáticas (p. ex., incluem em um mes- demonstrar que as crianças interpretam (e ge-
mo grupo uma criança, um abrigo e um ca- neralizam) as novas palavras como termos que
chorro, porque “a criança veste o abrigo para ir se referem mais a entidades de nível de base do
passear com o cachorro”). Apesar disso, con- que a dos níveis subordinado ou superordena-
trariamente às interpretações de Piaget e do (Hall, 1993; Waxman e Senghas, 1992).
Inhelder, Bruner, Olver e Greenfield (1966), es-
ses resultados não significam que as crianças Princípio da exclusão mútua
pequenas não compreendam as relações taxo-
Segundo o princípio da exclusão mútua de
nômicas. Entretanto, as crianças de 5 anos res-
Markman (1989), a criança parte da hipótese
pondem positivamente às questões taxonômi-
de que é mais provável que uma palavra nova
cas do tipo “As vacas comem?” e negativa-
se refira a um objeto do qual ignora o nome do
mente a perguntas como “Comem grama?”.
que a um objeto cujo nome já conhece (Mark-
Elas sabem, portanto, que se uma vaca come
man e Wachtel, 1988). Viu-se que, de fato, as
grama (relação temática), a vaca e a grama não
crianças já seguiam este princípio na idade de
pertencem à mesma categoria e não comparti-
18 meses (Liittschwager e Markman, 1994). Es-
lham, portanto, as mesmas propriedades. tes autores tentaram ensinar às crianças de 16
Naquilo que concerne à generalização dos meses um nome para designar os objetos dos
novos termos aprendidos, pôde-se observar quais já conheciam o nome do primeiro e igno-
que a criança dá prioridade às generalizações ravam do segundo. Como era de se prever, a
taxonômicas diante das generalizações temáti- aprendizagem não foi conseguida para o pri-
cas. Markman e Hutchinson (1984) estudaram meiro objeto, mas foi para o segundo.
como as crianças organizam um conjunto de De forma mais geral, várias observações
objetos quando estes são designados mediante demonstram que a criança tenta evitar, muitas
palavras novas. Em um primeiro estudo, mos- vezes erroneamente, violar este princípio da
trou-se para crianças de 2 a 3 anos um objeto exclusão mútua. Por exemplo, quando aplica
de referência (p.ex., um poodle) seguido de um termo a uma entidade (como menina ou
mais dois estímulos: um pastor alemão (rela- menino, aplicado a alguém), a criança nega que
ção taxonômica) e comida para cachorros (rela- o menino ou a menina possam ser também so-
ção temática). Na primeira prova foi mostrado brinho ou sobrinha. Acontece a mesma coisa
um poodle (sem nomeá-lo) e foi solicitado à com os termos gerais que se aplicam a várias
criança que “encontrasse outro objeto que fos- subcategorias. Quando uma subcategoria já
se a mesma coisa”. Em seguida, a prova foi no- tem um nome mais específico (p. ex., cachorro),
vamente repetida, mas mostrando o poodle à as crianças negam que o nome geral (animal)
criança, nomeando-o com qualquer palavra possa ser aplicado ao mesmo objeto.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 33
No entanto, o princípio da exclusão mútua tos) aplicarem um novo termo ao objeto com-
parece contraditório com certas observações. pleto do que a uma de suas propriedades (par-
Por exemplo, os dados obtidos na compreen- te, cor ou substância) (Landau et al., 1988;
são nem sempre concordam com os obtidos na Markman, 1989; Soja et al., 1991). Landau e co-
produção. Na produção, a criança utiliza um laboradores (1988) apresentaram a um grupo
termo para uma entidade determinada que de crianças pequenas uma série de objetos no-
pertence à sua linguagem infantil (p. ex., bruu- vos que tinham a mesma forma, a mesma tex-
um-bruuum para seu caminhão), mas, ao mes- tura e a mesma cor, pedindo-lhes que aprendes-
mo tempo, responde sem ambigüidade ao ter- sem o nome que lhes era dado: isto é um “dax”.
mo da língua adulta (caminhão). Inclusive se a Em uma fase de generalização, as crianças de-
criança, em sua produção, parece utilizar so- viam escolher outro “dax” em um conjunto de
mente um termo para uma entidade determi- novos objetos que tinham tanto a mesma forma
nada, sabe e admite perfeitamente que o obje- que os mostrados na fase de aprendizagem,
to possui vários rótulos (bruuum-bruuum e ca- mas com textura e cor diferentes, como mesma
minhão). textura, mas com forma e cor diferentes; ou en-
Clark (1988, 1993) propôs um princípio se- tão, a mesma cor, mas com forma e textura dife-
melhante, segundo o qual a criança partiria da rentes. Em sua grande maioria, as crianças es-
hipótese de que todo lexema novo tem um sig- colheram um objeto da mesma forma, o que era
nificado diferente de todos os que já conhece. especialmente freqüente em crianças em torno
Assim, animal e cachorro se aplicam em parte a dos 2 anos (Landau, 1994). Outros estudos de-
referentes idênticos, mas diferem pelo fato de monstraram que os resultados obtidos pelas
que animal se refere a certas entidades às quais crianças, em um teste de compreensão de no-
não é possível aplicar a palavra cachorro. Se- mes que tinham acabado de aprender são supe-
riores aos obtidos com os verbos (Tomasello e
gundo Clark, quando as crianças ouvem pala-
Farrar, 1986), o que pareceria indicar que existe
vras novas pensam que designam outras cate-
uma tendência a interpretar espontaneamente
gorias diferentes das já denominadas e bus-
as novas palavras como nomes de objetos.
cam novos contrastes conceituais suscetíveis
de justificar a utilização do novo termo. O A existência desta tendência foi, no entanto,
princípio do contraste desempenha o papel de objeto de contestação. De acordo com seus críti-
uma dificuldade pragmática que leva a crian- cos, se as crianças pequenas a seguiram, deve-
ça a construir novas significações. Por exem- riam ser incapazes de aprender palavras que
plo, se uma criança já conhece uma palavra não fossem as que designam objetos. Além dis-
so, desde os primeiros momentos da aquisição
que designa um conjunto de referentes (cachor-
do vocabulário, as outras categorias lexicais es-
ro, utilizada para os cachorros e também para os
tão presentes, mesmo quando os nomes de ob-
gatos), quando se lhes propõe uma palavra no-
jetos são os mais freqüentes (aproximadamente
va para denominar alguns deles (gato), esta vai
40%, segundo Bloom et al., 1993).
levá-la a criar novos contrastes que lhe permi-
tirão distinguir subcategorias naquilo que, em Concluindo, parece que as dificuldades lé-
princípio, não havia sido mais do que somente xicas que foram expostas contribuem para
uma categoria (lhe permitirá diferenciar os ca- guiar o desenvolvimento do léxico. Contudo,
chorros dos gatos). O princípio da exclusão mú- como sugerem várias críticas a respeito, essas
tua, trata-se de uma dificuldade lexical. dificuldades tomadas de maneira isolada não
explicam absolutamente a totalidade desse de-
senvolvimento. Particularmente, falta estudar
Dificuldade do objeto total
o modo em que interagem entre elas e seria ne-
Quando um objeto é nomeado com uma cessário, mesmo assim, relacioná-las direta-
palavra nova, esta se refere ao objeto tomado mente com as propriedades do funcionamento
em sua totalidade ou a uma de suas proprieda- cognitivo (velocidade de tratamento, capaci-
des? Pesquisas recentes demonstram que é dade mnésica, etc.) em cada momento do de-
mais freqüente as crianças (assim como os adul- senvolvimento.
34 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
o carteiro +
ação tempo,
etc.
agente entrega
beneficiário objeto
Figura 1.2 Estrutura semântica correspondente ao enunciado “O carteiro entrega uma carta à senhora”
Fonte: Fillmore, 1968.
Tabela 1.4 Algumas relações semânticas mais comumente observadas nas produções
infantis de duas ou três palavras
Relação Definição
do transmitido pelas frases: Pedro ama Maria e adjetivo. Ao contrário, outras indicações são
Maria ama Pedro varia, mesmo quando os ele- únicas na frase em questão (indicações tempo-
mentos léxicos utilizados são os mesmos. A or- rais e de aspecto). A utilização combinada nos
dem canônica em francês é sujeito-verbo-objeto enunciados da ordem das palavras e dos indi-
(SVO). Os indicadores de flexão (gênero e nú- cadores de flexão permite a expressão explícita
mero, concordância em número sujeito-verbo, de uma série de informações semânticas.
conjugação verbal para marcar o tempo e o as- A partir dos 30 meses, aproximadamente,
pecto, etc.) permitem codificar relações de sen- a maioria dos enunciados da criança aparece
tidos adicionais ou insistir de forma repetitiva ordenada corretamente. Apesar disso, a ma-
em certas indicações semânticas já facilitadas neira exata como a criança aprende a com-
em outra parte da frase ou do parágrafo (con- preender os enunciados com base na ordem
junto de algumas frases seguidas que tratam do das palavras bem como, a ordenar corretamen-
mesmo tema). Consideremos, por exemplo, a te seus próprios enunciados de acordo com as
frase: os cavalos recusaram atravessar o rio profun- regras da língua é algo que se desconhece.
do. Nela aparecem vários indicadores morfoló- Quanto à forma, as principais diferenças en-
gicos de flexão: concordância entre gênero e nú- tre os enunciados de duas e três palavras da
mero do artigo e do substantivo em os cavalos; criança pequena e os enunciados do adulto são
entre artigo, substantivo e adjetivo em o rio pro- de dois tipos. Diferem, por um lado, no que po-
fundo; concordância de número entre sujeito ca- deríamos denominar, de palavras gramaticais (is-
valos e verbo recusaram; indicação do tempo to é, artigos, pronomes, preposições, adjetivos,
verbal (a ação do verbo se desenvolveu no pas- conjunções e advérbios) e na marcação morfológi-
sado); indicação de aspecto verbal (a ação se de- ca de flexão. Esses elementos estão, geralmente,
senvolveu em um momento do passado sem ausentes na linguagem da criança, sendo deno-
“dimensão de duração” particular). Algumas minada de “linguagem telegráfica”. A segunda
dessas indicações se sobrepõem (redundância); grande diferença reside, por outro lado, na mar-
por exemplo, as informações sobre a natureza cação sintática das modalidades do discurso (di-
plural do sujeito gramatical (é repetida no arti- ferentes tipos pragmáticos ou não-locutórios de
go, no substantivo e no verbo); do gênero e do frases), muito reduzido ou inexistente nos
número (masculino singular) do complemento enunciados da criança (o que não implica, de
verbal, que se repete no artigo, no nome e no maneira alguma, que ela seja incapaz de prati-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 37
car as principais funções da linguagem no nível cativo) que especificam seu gênero. Deste mo-
elementar). O aumento da carga semântica dos do, sempre e quando se está suficientemente
enunciados, a extensão resultante e as maiores exposto, se associa o artigo ou pronome e nome
exigências de precisão na comunicação fazem (p. ex., le cheval [o cavalo], la vache [a vaca], ma
c
os aperfeiçoamentos formais serem necessários. poche [meu bolso], etc.), o que constitui ao mes-
mo tempo um modo prático de conservar na
Ontogênese da frase memória a indicação do gênero do substantivo
em questão. Com o tempo se vai ampliando,
Uma frase é uma unidade gramatical que sem dúvida, toda uma série de “simplificações
contém, no mínimo, um sintagma nominal su- associativas”; por exemplo, vendo a relação en-
jeito e um sintagma verbal (com exceção dos tre a terminação da palavra e seu gênero gra-
imperativos). O sintagma nominal pode ser matical (-ais, –eur, –illon, –ou sufixos que indi-
formado por um ou vários artigos, adjetivos cam masculino; –ssion, –stion, –(a)tion sufixos
(epítetos e outros), preposições e advérbios, além que indicam feminino).32
do (ou dos) nome(s) que constitui seu núcleo. Os artigos são utilizados corretamente
Um pronome pode substituir o nome, o que quanto ao número e, mais tarde, quanto à es-
implica a não-seleção do artigo, do adjetivo, pecificação do caráter definido ou indefinido
do advérbio ou de todos eles. O artigo, em do substantivo utilizado. Esta última indica-
30
francês, serve para marcar o gênero, o número ção é difícil para a criança pequena, o que a le-
e o caráter definido ou indefinido do nome que o va a dominar seu uso bastante tardiamente. O
acompanha. A evolução do uso correto do arti- artigo indefinido é usado se o nome que acom-
go por parte da criança segue a seguinte or- panha designa um representante qualquer de
dem: o gênero gramatical é quase sempre arbi- uma classe determinada de referentes ou a
trário em francês. Não existe mais razão para uma classe de referentes em geral, sem maior
englobar automobile (automóvel) no gênero fe- especificação. O artigo definido, em contrapar-
minino do que para determinar que ouragan tida, é utilizado se o referente é conhecido pe-
(furacão) seja do gênero masculino.31 Algumas lo receptor, ou, então, se foi introduzido ante-
línguas contam com um gênero neutro, no riormente no diálogo, isto é, se a entidade em
qual se agrupa uma série de entidades que não questão foi previamente identificada como
têm nenhuma razão particular para pertencer uma unidade particular de uma classe. Em úl-
a um ou a outro gênero. Esta categoria não tima análise, é o conhecimento atribuído ao in-
existe em francês. terlocutor sobre o caráter definido ou não da
A arbitrariedade da especificação do gêne- entidade à qual se faz referência que o leva a
ro gramatical obriga a memorizar o gênero de utilizar um ou outro artigo. A tendência é que,
um grande número de palavras da língua. Tra- até aproximadamente os 6 anos, o artigo inde-
ta-se de um esforço considerável e, no entanto, finido seja, na maioria das vezes, utilizado on-
a criança raramente se equivoca, enquanto o es- de realmente corresponderia um artigo defini-
trangeiro freqüentemente comete o erro J’ai mis do. Antes desta idade, a criança parece fre-
“le” clef dans “mon” poche (Eu coloquei “o” cha- qüentemente incapaz de julgar o conhecimen-
ve em “minha” bolso), em lugar de, J’ai mis la to que o interlocutor já tem sobre o ponto do
clef dans ma poche (Eu coloquei a chave em meu qual se está falando, assim como de integrar
bolso). Isto é devido, sem dúvida, às milhares em sua memória as especificações que apare-
de vezes que a criança, ao aprender sua língua ceram na ou nas conversações anteriores.
da boca dos “interlocutores mais avançados” Os pronomes pessoais de terceira pessoa (il,
de seu ambiente, ouviu as palavras associadas elle, lui, eux, ele e ela, em função de sujeito, ele e
diretamente a um artigo ou a um pronome (de- eles, em função de objeto, etc.) são incorpora-
monstrativo, possessivo, interrogativo, qualifi- dos à fala da criança mais tarde do que os pro-
nomes pessoais, sujeito e objeto de primeira e
30 segunda pessoas do singular (moi, je [eu, mim,
N de R. T.: O mesmo acontece no português.
31
N. de R. T.: No português, um grande número de pa- me], tu, toi [tu, ti, te]). No plano receptivo, antes
lavras terminadas em –a, –agem –ção são femininos. dos 6 ou 7 anos, a criança não utiliza de forma
38 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
A criança, em um primeiro momento, não uti- (de), que marca a posse, e pour (para), que indi-
liza os AP, mas, em francês, expressa a posse ca o beneficiário (p. ex., pour moi – para mim).
de três maneiras32 (os parênteses marcam o ca- As preposições de lugar aparecem ao longo do
ráter facultativo de certos componentes): terceiro ano, precedidas freqüentemente de
certos advérbios de lugar como dentro e em ci-
1. (preposição à) + possuidor. Por exemplo, ma. O uso dos advérbios e das preposições de
(à) moi. tempo é raro até perto dos 3 anos. A compreen-
são das preposições e dos advérbios, especial-
2. (artigo) + objeto possuído + (preposição
mente daqueles que expressam relações espa-
à/de) + possuidor. Por exemplo: La balle (à)
ciais e temporais, pode ser, durante muito tem-
/ (de) Dédé (A bala [de] Dedé).
po, aproximada e pode não se estabelecer defi-
3. Possuidor + objeto possuído. Por exem- nitivamente até que se consiga o domínio das
plo, Papa bic (isto é, le bic de papa), isto é: A noções cognitivas que sustentam a referência
caneta (bic) do papai. destes termos.
dos no enunciado. Até por volta dos 6 anos, a elemento verbal se o verbo for composto
criança parece recorrer mais freqüentemente (Est-il venu?) Ele vem?;
aos advérbios e às conjunções de tempo (de-
pois, logo, antes, enquanto, etc.) para expres- 4. este mesmo último método, mas substi-
sar as relações temporais entre os aconteci- tuindo o sintagma nominal sujeito por um
mentos expressos. Antes desta idade, as fle- pronome, se for um nome, e colocando es-
xões verbais serviriam, principalmente, para te, então, no começo ou no final da pergun-
expressar características do aspecto da ação. ta (Pierre viendra-t-il?, Viendra-t-il, Pierre?
Pierre virá?, Ele virá?);
Tipos de frases não-locutivas 5. um pronome ou um advérbio interrogati-
vo como modo de introdução. Diferente
Entre os 12 e os 18 meses, aproximadamen-
dos tipos de perguntas anteriores, às
te, a criança recorre à entonação para expressar
quais se pode responder simplesmente
a diferença entre o que entende como uma or-
com um sim ou um não, estas perguntas
dem, uma declaração ou uma pergunta. Assim,
exigem uma resposta com uma informação
Papai pode ser, em diversas ocasiões, um enun-
específica (vindo a natureza desta informa-
ciado que quer declarar a presença física ou
ção demandada especificada pelo prono-
simbólica do pai; uma pergunta (entonação as-
me ou pelo advérbio interrogativo). Por
cendente) equivalente a “É papai?”, “É do pa-
exemplo: “Qui est venu?” Quem veio?,
pai?”, uma exclamação que significa alguma
“Quand viendra-t-il?” Quando ele virá?,
coisa como: “É papai!”, ou, também, uma or-
“Où allon nous?” Aonde nós vamos?, “À
dem, obrigando o pai a fazer alguma coisa es-
quel saint faut-il se vouer?” A que santo se
pecífica (na melhor das hipóteses) a partir do
dirigir?, “Combien demande-t-on?” Quanto
contexto extralingüístico.
se pede?, etc.
Uma segunda etapa coincide com o apare-
cimento dos enunciados de duas ou mais pala-
Observa-se que nas formas interrogativas
vras. As frases imperativas podem, então, se
do grupo 5 podem ser empregados os procedi-
diferenciar das afirmativas pela ausência do
mentos 3 e 4 de fazer perguntas, com a inversão
sintagma nominal sujeito. Os enunciados ne-
da ordem habitual do sujeito e do primeiro ele-
gativos se diferenciam dos afirmativos pela
mento verbal, como o demonstram os quatro
aposição, no início ou no final da frase, do ele-
últimos exemplos da categoria 3 e o exemplo
mento negativo não ou da partícula pas, em
seguinte no que diz respeito à categoria 4:
francês (p. ex., pas dodo, Dodo non)d. As pergun-
“Quand Pierre viendra-t-il?” Quando Pierre virá?
tas são feitas, como na fase anterior, por meio
da entonação, ou utilizando uma pronome in-
terrogativo (“Quem?”, “O que?”, “Quem é?”, Coordenação e subordinação
etc.). Em uma terceira fase a partir dos 4 anos,
A parataxe (prevalência da coordenação as-
aproximadamente, as diversas modalidades
sindética no discurso complexo) predomina até,
discursivas recebem um tratamento formal ca-
aproximadamente, os 4 anos , momento a partir
da vez mais em conformidade com os cânones
do qual se desenvolve a hipotaxe (introdução
da língua; uma evolução facilitada pelo apare-
formal da subordinação nos enunciados). As
cimento de estruturas com verbos de ligação e
frases subordinadas vêm às vezes precedidas, a
dos auxiliares na fala da criança. A partir deste
partir do 3 anos, de “falsas frases relativas” (p.
momento, e continuando com o idioma fran-
ex., “Bebê que chora”), nas quais não existe su-
cês, as perguntas são feitas por meio de:
bordinação, mas simplesmente a colocação de
1. entonação (Viens?) Vens?; um pronome (relativo) entre o sujeito e o verbo
da frase. Mais adiante, a criança cria constru-
2. locução Est-ce-que (Est-ce que tu viens?)
ções nas quais, de fato, existe subordinação, se
Você vem?;
assim pode ser chamada, mas que falta o pro-
3. inversão da ordem habitual de sujeito e nome relativo ou a conjunção subordinativa
verbo (Você vem?) ou então do primeiro (“Veja o carro o padrinho trouxe”; “Mamãe dis-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 41
se você vem”). Um pouco mais tarde, aparecem 4. A identidade/não identidade das funções
as orações relativas e completivas construídas gramaticais na oração principal e na ora-
corretamente. Nesta fase, parece que as orações ção relativa (este aspecto está normalmen-
relativas são elaboradas quase de forma exclu- te relacionado com os aspectos anteriores).
siva como constituintes proposicionais do sin- Nas orações relativas com sujeito inserido,
tagma verbal da proposição principal. Substi- o elemento nominal co-referencial e o pro-
tuem, deste modo, as estruturas de justaposição nome relativo têm a mesma função grama-
e as coordenadas sindéticas (p. ex., “Ouço o be- tical (tipo sujeito-sujeito, SS); nas orações
bê. Está em cima”; “Ouço o bebê e está em ci- relativas com objeto derivado, o elemento
ma”; “Ouço o bebê que está em cima”). A crian- nominal co-referencial e o pronome relati-
ça não é capaz, até mais adiante, de produzir vo têm, mesmo assim, a mesma função
frases nas quais a relativa está inserida no cons- gramatical (tipo objeto-objeto, OO); nos
tituinte do sintagma nominal sujeito (p. ex., “O dois casos restantes (relativas objeto inseri-
bebê que está em cima está chorando”). As jun- das e relativas sujeito derivadas) existe um
ções com prolongamento acompanhante do cruzamento de funções gramaticais do ele-
sintagma nominal sujeito e afastamento do ver- mento nominal co-referencial e o pronome
bo principal são mais raros, inclusive na lingua- relativo da oração principal com a oração
gem adulta, devido ao maior esforço que exi- relativa (são os tipos sujeito-objeto, SO, e
gem da memória no curto prazo. objeto-sujeito, OS).
Os problemas sintáticos ligados à com-
preensão e à produção das orações relativas Intervém, além disso, outro fator adicio-
(particularmente as relativas sujeito e objeto, nal (de natureza pragmática e semântico-sin-
incluindo os aspectos de seu desenvolvimen- tática) denominado reversibilidade temática.
to) são bem conhecidos e foram documenta- Observou-se que a reversibilidade temática (de
dos empiricamente e discutidos teoricamente fato, a reversibilidade temática plausível) in-
em várias publicações (p. ex., Ferreiro et al., flui na compreensão das orações relativas na
1976; Amy e Vion, 1976; Amy, 1983a, 1983b). criança (do mesmo modo nos adultos; confor-
No tratamento das orações relativas, de- me, p. ex., Amy, 1983a, 1983b) e torna esta
vem ser levados em conta os quatro aspectos compreensão geralmente mais difícil.
seguintes: No que se refere às orações subordinadas
adverbiais, destacam-se duas categorias nu-
1. As dependências estruturais seqüenciais. mericamente importantes: as orações causais e
A oração relativa pode ser inserida na as temporais.
oração principal ou ser derivada à direita As dimensões de causa e de tempo se con-
desta (justaposição). fundem, freqüentemente, do ponto de vista
conceitual (conforme o axioma latino Post hoc,
2. O tipo léxico do pronome. Vem determina- e
ergo propter hoc) e as estruturas adverbiais de
do pela função gramatical do co-referente
coordenação conjuntiva, assim como as estru-
pronominal na oração principal (quando o
turas temporais da linguagem, podem ser uti-
nome ao qual se refere tem função de su-
lizadas de maneira que expressem relações
jeito gramatical, o pronome relativo que se
temporocausais implícitas entre os aconteci-
utiliza é qui [que], em francês; quando o
mentos (corretamente ou não em função da re-
nome ao qual se refere tem a função de ob- lação causal real que existe entre os aconteci-
jeto gramatical, o pronome relativo é que). mentos aos quais nos referimos ou, ocasional-
3. A ordem canônica dos constituintes da mente, a outros acontecimentos). Sabe-se que
oração relativa. As orações relativas intro- noções cognitivas complexas, tais como as que
duzidas pelo pronome qui (relativas ao su- se referem às relações causa-efeito e às de tem-
jeito) seguem uma ordem sujeito-verbo- po entre diversos acontecimentos, exigem
objeto (SVO), enquanto as relativas intro- muito tempo para evoluir no desenvolvimen-
duzidas por que (relativas ao objeto) se- to (Piaget, 1946, 1955). No entanto, inclusive
guem uma ordem OSV. quando a criança domina ou está a ponto de
42 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
dominar as noções conceituais, resta-lhe ainda porais. Do ponto de vista de sua seqüência ao
o delicado trabalho de relacioná-las correta- longo do desenvolvimento, esses meios pode-
mente com o vocabulário causal e temporal de riam ser classificados da seguinte maneira:
sua linguagem e de compreender e, em seu ca-
so, utilizar a liberdade formal permitida pela 1. A ordem dos enunciados reflete diretamen-
linguagem nesses temas. Por exemplo, em te a ordem seqüencial dos acontecimentos.
francês (assim como em outras línguas, como 2. Utilização incorreta, e depois correta, de
o inglês), se aceita do ponto de vista gramati- conjunções, preposições e advérbios tem-
cal a expressão de enunciados que contenham porais.
relações causais de duas maneiras distintas: a
oração causal pode preceder a oração que con- 3. Utilização incorreta, e depois correta, das
tém o elemento determinado, ou então, pode formas verbais (o aspecto precede o tem-
estar depois dela (p. ex., “L’homme s’est enfui po; Ferreiro, 1971; Ferreiro e Sinclair, 1971;
parce que quelqu’un tirait sur lui”; “C’est parce Trosborg, 1981).
que quelqu’un tirait sur lui que l’homme s’est en- Em geral, é por volta de 9 ou 10 anos que a
fui” [O homem fugiu porque alguém estava criança é capaz de compreender corretamente
atirando nele; Foi porque alguém estava ati- os meios formais disponíveis na linguagem
rando nele que o homem fugiu.]). para expressar as relações temporais, indepen-
Do mesmo modo, podemos nos referir lin- dentemente das características seqüenciais dos
güisticamente a acontecimentos que mantêm acontecimentos físicos, e de integrá-los em um
uma relação temporal entre si, ou correspon- sistema coerente de referência lingüística.
dendo a ordem das orações diretamente com a É evidente que algumas variáveis podem
ordem em que os acontecimentos ocorreram,
influenciar na compreensão das orações cau-
ocorrem ou ocorrerão na realidade; ou, então,
sais, temporais ou ambas. Essas variáveis po-
na ordem inversa. Estabelecer esta correspon-
dem ser:
dência conceitual lingüística não é simples e
precisa de certo tempo para ser realizada corre-
1. reversibilidade temática e plausibilidade
tamente. Por exemplo, Bullock e Gelman (1979)
(Kuhn e Phelps, 1976);
e Emerson (1979) trazem alguns dados experi-
mentais congruentes que demonstram que, até 2. organização causal direcional implícita
aproximadamente os 8 anos, as crianças ten- da estrutura verbo-argumento no caso de
dem a considerar o primeiro elemento apresen- certos verbos (p. ex., matar, felicitar, ven-
tado em uma seqüência verbal como a causa do der ou telefonar; isto pode facilitar a re-
sucesso que segue. Essas crianças parecem fun- presentação mental e a interpretação das
cionar segundo uma hipótese axiomática que frases correspondentes; Chafe, 1970; Gar-
estipula que os enunciados estão sempre orga- vey e Caramazza, 1974);
nizados de maneira causal unidirecional que
3. características de tempo e aspecto dos
corresponderia à interpretação: Post hoc, ergo
verbos, como a simultaneidade, a conti-
propter hoc. Nesta etapa, não está garantida a
nuidade, a resultatividade ou o caráter de
compreensão real da conjunção porque. É de-
pois dos 8 anos (em média) que as crianças co- ação concluída do acontecimento ao qual
meçam a compreender que a ordem das ora- nos referimos em relação a outros aconte-
ções e dos acontecimentos são independentes, e cimentos, e a pontualidade do verbo (a
que as línguas trazem meios formais úteis para representação mental das ações pontuais
eliminar a ambigüidade referencial, dando-nos é mais simples, o que pode facilitar o tra-
liberdade de manobra para a seqüência dos tamento da frase; Rondal e Thibaut, 1992;
constituintes das frases. Rondal et al., 1990).
No que se refere à expressão lingüística das
relações de tempo, muitos estudos demonstram Formação da voz passiva
que a criança utiliza diferentes meios formais e O sujeito “lógico” das frases passivas ou
pragmáticos para expressar as referências tem- sujeito gramatical denominado subjacente
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 43
(Maratsos et al., 1985) é produzido na superfí- miladas, no nível da compreensão, às frases ati-
cie sob a forma de um objeto disfarçado que é vas correspondentes. As passivas não-invertí-
introduzido pela preposição por, que indica o veis são compreendidas e produzidas antes das
agente. O objeto “lógico”, denominado subja- passivas invertíveis porque, simplesmente, pa-
cente gramatical, é produzido na superfície sob a ra compreender um enunciado passivo não-in-
forma do sujeito gramatical ou pode, inclusive, vertível não é absolutamente necessário fazer
permanecer subentendido. Fala-se, então, de sua análise sintática; basta conjugar o conheci-
frase passiva truncada. A formação da voz passiva mento dos elementos léxicos e das realidades
implica, além disso, a intervenção do verbo au- extralingüísticas. Ao contrário, as passivas in-
xiliar ser e do particípio. Por exemplo: “Um me- vertíveis exigem uma análise sintática.
dicamento lhe foi receitado” (subentendido, por Mesmo assim, estabeleceu-se que as crian-
alguém, provavelmente um médico); “Os filhos ças compreendem antes e melhor as frases pas-
são queridos por seus pais; O cavalo foi doma- sivas quando são construídas ao redor de ver-
do por um peão”, etc. No plano cognitivo, a bos de ação (p. ex., empurrar ou levar) e por
coexistência na linguagem de frases ativas e oposição aos verbos chamados mentais (p. ex.,
passivas correspondentes (p. ex., “A menina imaginar, amar, ver; Sudhalter e Braine, 1985;
empurrou o menino”; “O menino foi empurra- Maratsos et al., 1985; Rondal et al., 1990). De
do pela menina”) implica a capacidade de enfo- acordo com os trabalhos de Kosslyn (1980) e de
car um mesmo acontecimento em um duplo Paivio (1971, 1986), Rondal e colaboradores
ponto de vista, respectivamente, o do agente e o (1990) sugeriram que o efeito de acionalidade
do paciente, codificando cada alternativa de observado poderia ser devido ao caráter mais
maneira formalmente distinta. No plano funcio- vivo das representações mentais induzidas pe-
nal, o papel principal das frases passivas é esti- los verbos de ação na maioria das pessoas. Es-
lístico (enfático). Esta formulação permite cha- sas representações, entretanto, podem ter uma
mar a atenção do interlocutor para a nova infor- função de apoio para as operações mentais im-
mação, colocando-a no início da frase (posta em plicadas no tratamento lingüístico das frases.
evidência enfática), enquanto habitualmente, a Esta hipótese teve suporte experimental em
informação nova é predicada e, portanto, colo- uma pesquisa realizada por Thibaut e colabora-
cada na segunda parte da frase. As noções de dores (1995) em crianças com idades entre 5 e 8
informação nova e antiga se referem tanto ao anos, que estudava o papel da formação mental
que os interlocutores puderam aprender duran- de imagens no tratamento das frases das crian-
te a troca discursiva como aos conhecimentos ças. De fato, a acionalidade verbal não é, sem
que possuíam anteriormente ou, então, concor- dúvida, mais que do um elemento de um gru-
rentemente segundo o contexto lingüístico. po mais complexo que autores como Hopper e
Deve-se distinguir entre frases passivas de- Thompson (1980) denominaram transitividade
nominadas invertíveis (p. ex., “A menina é em- semântica. Trata-se da transferência de uma pro-
purrada pelo menino”) e as não-invertíveis (so- priedade semântica de um sujeito gramatical
mente o são de maneira metafórica no universo para um objeto gramatical por meio de uma re-
que conhecemos; p. ex., “Um medicamento é lação fraseológica e, portanto, com a mediação
prescrito pelo médico”). A produção de frases de um verbo. Outros elementos de transitivida-
passivas é estatisticamente baixa, inclusive na de semântica (excluída a acionalidade do ver-
linguagem adulta. Considera-se que, aproxima- bo) incluem a plausibilidade do conteúdo da
damente, 5% das frases produzidas pelos adul- frase (real ou irreal), a pontualidade verbal, a
33
tos são formuladas na voz passiva, enquanto a telicidade e o caráter afirmativo (mais do que
criança não recorre apenas a elas antes dos 7 ou negativo) da frase. Segundo Hopper e Thomp-
8 anos. No entanto, é capaz de compreender as
33
não-invertíveis desde os 3 ou 4 anos, embora N. de R. T.: A telicidade está relacionada ao aspecto ver-
bal e indica um evento cuja atividade tem um ponto ter-
seja necessário esperar até os 9 ou 10 anos para minal claro. Os verbos télicos são, por exemplo, “cair”; e
que se estabilize sua compreensão das frases “chutar”. Já os atélicos não mostram um ponto final na-
passivas invertíveis, as quais tendem a ser assi- tural, como o verbo “brincar” (Crystal, D., 2000).
44 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
son (1980), uma frase “alta” em transitividade 2. a distância no nível da estrutura de super-
semântica implica dois ou mais participantes; fície entre o pronome e/ou o(s) correferen-
um verbo de ação, um princípio e um final pre- te(s) nominal(is) plausível(is) (Kail, 1976);
cisos da ação significada pelo verbo e uma ação
3. a ordem seqüencial dos nomes (Kail, 1976);
pontual, um agente potente e um paciente (que
recebe a ação) bem individualizado e afetado 4. a voz da oração ou da frase (existe uma
pela ação em questão. tendência em favor da atribuição do esta-
De acordo com esta hipótese, uma frase tuto de correferente do pronome ao sujei-
como “João corta a madeira” (“A madeira é to gramatical nominal; Garvey e Cara-
cortada por João”) é relativamente alta em mazza, 1974);
transitividade, enquanto “João vê a menina”
5. a função gramatical e as características se-
(“A menina é vista por João”) é uma frase de
mânticas dos antecedentes nominais (es-
transitividade baixa.
tratégias das funções paralelas; Grober et
Maratsos e colaboradores (1985) observa- al., 1978; Kail, 1983). Esta última estraté-
ram que as frases compreendidas adequada- gia consiste em considerar que a organi-
mente em suas experiências (realizadas com zação temático-gramatical que prevalece
crianças entre 3 e 4 anos) apresentavam todas na primeira frase é automaticamente per-
as características da alta transitividade. Falta tinente para a interpretação da segunda
estudar, mais detalhadamente, o papel das frase. Se o pronome funciona como sujei-
variáveis da transitividade semântica distin- to gramatical na segunda frase, concorda-
tas da acionalidade verbal na compreensão (e rá provavelmente com o substantivo que
na produção) de frases declarativas. Veja-se funciona como sujeito da primeira frase;
Rondal e Thibaut (1992) para uma análise teó- do mesmo modo, mutatis mutandis, para a
rica dos fatores de transitividade identifica- função de objeto;
dos por Hopper e Thompson.
6. a relação sintática que existe entre as ora-
ções e as frases complexas ou entre as fra-
Compreensão da correferência pronominal ses dos diversos parágrafos (p. ex., se
pessoal uma oração ou uma frase é introduzida
Uma regra léxica domina o processo de por uma conjunção adversativa como
identificação no caso dos pronomes anafóri- mas, existe uma forte tendência em atri-
cos pessoais. Trata-se da indicação segundo a buir ao sujeito gramatical da primeira
qual os pronomes devem se corresponder em oração gramatical ou da primeira frase o
gênero e número com seu referente nominal. estatuto de correferente do pronome;
Quando têm aproximadamente 7 anos, as Grober et al., 1978);
crianças com desenvolvimento normal che- 7. as características semânticas dos verbos
gam a dominar esta regra e a aplicam correta- (causalidade implícita direcional na signi-
mente em suas elaborações lingüísticas pro- ficação dos verbos; p. ex., Garvey e Cara-
dutivas e receptivas (Kail, 1976, 1983; Kail e mazza, 1974);
Leveillé, 1977; Chipman e Gérard, 1983).
8. o estatuto social das pessoas menciona-
Diversos fatores podem influir no estabe-
das nos sintagmas nominais que consti-
lecimento da relação anafórica entre o prono-
tuem antecedentes plausíveis do prono-
me e o nome, como demonstram diferentes
me (Garvey e Caramazza, 1974);
trabalhos na literatura especializada. Os mais
importantes são: 9. as inferências e as construções referen-
ciais imaginárias ou baseadas na realida-
1. o acento de intensidade (contrastivo; Ma- de que podem ser feitas pelos sujeitos
ratsos, 1976); (Wykes, 1981).
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 45
ções interativas e, depois, funções ideacio- (Hickmann, 1995; de Weck, 1991). Uma das
nais. Por outro lado, marcam, primeiro, orga- razões desta mudança poderia residir na
nizações locais do discurso, antes de indicar maior capacidade cognitiva das crianças mais
outras mais globais. velhas para manejar simultaneamente os ní-
veis local e global do discurso (Karmiloff-
Introdução e conservação da referência Smith et al., 1993).
Narrar uma história (uma das primeiras Aprendizagem de diferentes tipos de discurso
formas de discurso das crianças) exige a in-
trodução clara dos personagens e das circuns- O uso da coerência do discurso implica
tâncias para que, depois, suas menções poste- planejar corretamente o que se deseja ex-
riores sejam expressas sem ambigüidade. pressar, para trabalhar o campo de conheci-
Uma manifestação clássica é, por exemplo, a mentos que este conceito abrange. Essa
oposição entre indefinido e definido: “É uma questão põe também em jogo outro tipo de
criança pequena que brinca. A criança agarra capacidade: conhecer e pôr em prática o ti-
uma bola”. Trata-se, de fato, de usar a clássica po de discurso apropriado para o objetivo
oposição entre informação nova e informação comunicativo escolhido. A criança aprende
já conhecida. Numerosas pesquisas estuda- de forma progressiva que a estrutura orga-
ram o modo como a criança aprende a traba- nizada de uma narração, de uma descrição
lhar com a introdução e a conservação da re- ou de uma argumentação exige esquemas
ferência ao longo do discurso. Os resultados diferentes, esquemas cognitivos deduzidos
podem parecer bastante contraditórios das atividades lingüísticas vividas. Vai usar
(Hickmann, Kail e Roland, 1995a, 1995b). Al- deste conhecimento para construir seu dis-
guns autores concluem que existe uma aqui- curso no nível de conteúdo e das formas
sição relativamente precoce do sistema refe- lingüísticas, que lhe permitirão codificar es-
rencial. Outros descrevem uma progressão ta estrutura.
mais lenta dessa habilidade. As divergências Se outros tipos de discursos começam a
entre os resultados procedem, provavelmen- ser objeto de análises detalhadas (ver, p. ex.,
te, das diferentes provas utilizadas (narração Golder, 1996, para o discurso argumentati-
a partir de imagens, narrações de histórias vo), é, sem dúvida alguma, a narração a
vividas, imagens mostradas ou não ao inter- mais estudada nas pesquisas sobre o desen-
locutor, etc.). No entanto, as produções das volvimento da linguagem. As crianças
crianças variam segundo o nível de desen- constroem progressivamente (entre 4 e 12
volvimento, e as limitações de tratamento anos) um esquema narrativo, composto de
que desencadeiam diferentes fatores pró- categorias relativamente estáveis (marco,
prios do trabalho que lhes foi recomendado: acontecimento desencadeante, tentativa, re-
o grau em que o interlocutor compartilha a solução, conclusão), que lhes serve de guia
informação, a existência ou não de vários na organização dos elementos narrados
personagens centrais em uma história e a te- (Fayol, 1985; Espéret, 1991). A existência
matização marcada ou o momento da intro- deste esquema, implícito a princípio, evolui
dução de algum dentre eles (Vion e Colas, progressivamente para uma tomada de
1998). consciência de sua constituição e de seu pa-
No entanto, globalmente, parece que se pel na produção.
passa de um uso mais dêitico (ou inclusive Ao mesmo tempo em que constrói narra-
exofórico, isto é, que reincide no contexto) das tivas cada vez mais estruturadas, a criança
marcas lingüísticas para um uso endofórico, aprende a marcar lingüisticamente este tipo
no qual as marcas utilizadas remetem a men- de estrutura discursiva. Especialmente, colo-
ções referenciais já feitas (anáforas) ou que ca-se em prática uma oposição das flexões
seriam feitas (catáforas) no mesmo discurso verbais (pretéritos imperfeito e mais-que-
48 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
amplo e também quando não é capaz de usar Karmiloff-Smith, e sempre guiadas por obje-
todas as realizações fonológicas de sua lín- tivos funcionais.
gua. Não se trata, portanto, de uma constru-
ção “mecânica” na qual todas as peças fono-
Aspectos diferenciais da aquisição da
lógicas tiveram de ser adquiridas para poder
construir primeiro palavras, e, depois, frases,
linguagem
etc. Embora seja certo que existe um princí- É comum observar que as crianças, in-
pio, os diferentes níveis são adquiridos para- clusive as que crescem na mesma família,
lelamente, mesmo quando seguem ritmos di- nunca adquirem a linguagem no mesmo rit-
ferentes, estabelecendo, em seguida, intera- mo. As diferenças podem atingir inclusive
ções entre eles. Uma distinção léxica determi- alguns valores importantes, sem que isso
nada ajudará, por exemplo, a uma realização signifique a existência de alguma patologia.
fonológica, enquanto um comportamento lin- Consideradas durante muito tempo como
güístico pode ajudar no uso de uma forma fenômenos episódicos, essas variações fo-
sintática particular. ram estudadas por si mesmas há uns 20
A idéia central é que a unidade de base anos. As teorias gerais do desenvolvimento
da linguagem é o discurso, e não a palavra integram esses dados. “A criança média é
ou a frase, seja qual for a extensão do discur- uma ficção... As teorias do desenvolvimento
so. É em seu interior e em função das limita- da linguagem não podem repousar por
ções comunicativas o discurso que a criança mais tempo neste ser mítico.” (Bates et al.,
adquire as unidades lingüísticas necessárias. 1988, p.151). A análise desses fenômenos le-
Não aprende, pois, ferramentas lingüísticas vou a uma conceituação em termos de esti-
isoladas e imediatamente generalizáveis, los de linguagem e de estratégias de aquisi-
mas constrói conhecimentos lingüísticos co- ção (Espéret, 1991).
mo elementos de uma atividade lingüística As variações na velocidade de aquisição
particular. Mais tarde, esses conhecimentos da linguagem já haviam sido observadas em
sofrem um processo de descontextualização trabalhos clássicos, como o de Brown (1973),
que permite estarem disponíveis para outras no qual as três crianças estudadas, Eve,
atividades lingüísticas (Espéret, 1991). Adam e Sarah (chamados os “Harvard chil-
Nesse marco, é essencial a aquisição de dren”), não atingiram na mesma idade os di-
conhecimentos sobre os múltiplos subsiste- ferentes estágios de aquisição da linguagem,
mas lingüísticos. Isso corresponderia à cons- sendo estes identificados segundo valores es-
trução dos múltiplos grupos de regras que tabelecidos do desenvolvimento da lingua-
regem as combinações formas-funções, no gem denominada MLU (mean length of utte-
sentido em que é descrito no modelo de com- rance, em inglês; LME, longueur moyenne
petição de Bates e McWhinney (1989). Assim, d’énoncé ou LMPV, longueur moyenne de pro-
tomando de novo o exemplo da aquisição do duction verbale, em francês; [em espanhol: lon-
artigo em francês referido anteriormente, a gitud media del enunciado e longitud media de la
criança aprenderá progressivamente a unir a producción verbal, respectivamente],34 Rondal,
forma le às funções semânticas masculino, sin- 1983, 1985b). Foram, sobretudo as pesquisas
gular dentro do discurso. Aprenderá essas re- de Bloom e colaboradores (1975) e, especial-
gras, primeiro, no meio de alguns comporta- mente, as de Nelson (1973, 1981) que impul-
mentos lingüísticos particulares, para gene- sionaram o desenvolvimento atual neste
ralizá-las, depois, no conjunto de comporta- campo. Esses trabalhos, referidos essencial-
mentos que já conhece. mente às primeiras aquisições léxicas e à
Assim, a aquisição da linguagem é uma transição para a gramática (enunciados de
fórmula cômoda que resume todo um proces-
so de desenvolvimento e inclui, de fato, aqui-
sições específicas, unificadas progressiva- 34
N. de R. T.: No português, MLU – comprimento
mente através de descrições, no sentido de médio do enunciado.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 51
duas ou mais palavras), evidenciaram a exis- aquelas que são mais prescritivas com seus fi-
tência de diversos estilos de utilização da lin- lhos às que são mais descritivas (Furrow e
guagem. Esses estilos seriam, de acordo com Nelson, 1984); e a seus estilos interativos, es-
Nelson, expressivo e referencial,35 segundo o pecialmente quanto ao papel da atenção con-
predomínio do uso de expressões pessoais junta no estilo das aquisições léxicas (Tourret-
ou sociais (sobretudo com adjetivos, verbos te e Rousseau, 1995).
ou palavras-função)36 ou dos nomes gerais
dos objetos; enquanto Bloom, seria preciso
diferenciar entre os estilos pronominal e nomi- METALINGÜÍSTICA DO
nal, segundo a proporção dominante de cada DESENVOLVIMENTO
uma dessas categorias gramaticais. Essas di-
mensões dicotômicas compartilham, no en- Relativamente pronta, a criança já é ca-
tanto, alguns pontos em comum (Bretherton paz de manipular apropriadamente a lin-
et al., 1983; Bates et al., 1988; para uma sínte- guagem tanto na compreensão quanto na
se) e correspondem de uma maneira mais produção. Isto acontece de maneira automá-
global, a duas estratégias de aquisição quali- tica; no entanto, ela não poderá levar cons-
ficadas como analítica e holística. De acordo cientemente seus usos lingüísticos mais
com a primeira, a criança constrói seus enun- adiante. O aparecimento desta última capa-
ciados por combinação progressiva de pala- cidade, a capacidade metalingüística, deve
vras que já domina perfeitamente; enquanto, ser diferenciada do “simples” fato de usar a
na segunda, a criança utiliza mais precoce- linguagem.
mente expressões aprendidas globalmente, A expressão “metalingüística” é recente.
que deve depois desmontar para reutilizar Entre 1950 e 1960, os lingüistas criaram o ter-
seus elementos de maneira autônoma em no- mo para qualificar tudo o que se referia à me-
vas combinações. talinguagem, isto é, o vocabulário da termi-
Ficam para serem analisadas, mais adian- nologia lingüística (p. ex., sintaxe, semântica,
te, essas posições (sem dúvida, muito mar- fonema, etc.; mas também termos mais co-
cantes) segundo dois pontos de vista: o dos muns como substantivos, frase, letra, etc.).
mecanismos psicolingüísticos precisos que Assim, em seu sentido lingüístico inicial, o
cada estilo ou estratégia esconde e o dos fato- termo “metalingüística” se refere à atividade
res que determinam o estilo adotado por cada lingüística que trata da mesma linguagem. A
criança. Sobre o primeiro ponto, ainda são partir desse ponto de vista estrito, as capaci-
poucos os estudos que foram realizados e que dades metalingüísticas dependem da capaci-
vão mais além da dicotomia entre “aprendi- dade de auto-referência da linguagem. No
zagem de memória” e “análise”. Alguns tra- entanto, a lingüística que contempla o funcio-
balhos tendem, por outro lado, a destacar três namento da linguagem do ponto de vista do
estilos em vez de dois: aprendizagem por locutor, proporcionará a este nível metalin-
compreensão, por análise da produção e por güístico, no qual o significante se converte em
produção “de memória” (Bates, Bretherton e significado, um novo estatuto na mesma ati-
Snyder, 1988). Quanto ao segundo ponto, as vidade do locutor (Benveniste, 1974).
pesquisas levam essencialmente ao estilo lin- Essa perspectiva conduziu progressiva-
güístico das mães, opondo, por exemplo, mente à significação da noção como é utiliza-
da atualmente em psicolingüística, isto é, à ca-
35
pacidade de se distanciar do uso normal da
N. de R. T.: Para maior aprofundamento no assunto
consultar Chevrie-Muller e Narbona, A linguagem da linguagem e desviar a atenção dos objetivos
criança. Porto Alegre: Artmed, 2005. de comunicação para conduzi-la às proprie-
36
N. de R. T.: Palavras sociopragmáticas – usadas pa- dades da linguagem utilizadas como meio de
ra cumprir funções específicas dentro do contexto de
determinadas atividades interacionais com outras comunicação. Esta capacidade é descrita por
pessoas. P. ex.: não, por favor, com licença. Cazden (1976) como a “capacidade de trans-
52 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
fletir as relações dos sinais lingüísticos com ção do domínio epilingüístico se traduz em
seu contexto e dos sinais lingüísticos entre uma reorganização da memória de longo
si, seriam essenciais para a obtenção do do- prazo dos conhecimentos implícitos acumu-
mínio da leitura e para o desenvolvimento lados durante a primeira fase, o que implica
das capacidades de redação. na substituição de formas multifuncionais
No marco da concepção que acabamos nos pares forma-função. No entanto, a des-
de expor, Gombert (1990) propõe uma des- crição desta fase proposta por Gombert dife-
crição, por um lado, do aparecimento dos re em vários pontos da elaborada por Kar-
epiprocessos e, por outro, da maneira como miloff-Smith.
são adquiridas as capacidades metalingüísti- Em primeiro lugar, para Gombert, o mo-
cas. Apoiando-se no modelo de Karmiloff- tor do desenvolvimento não é uma simples
Smith (1986), Gombert sugere que o desen- propensão do sistema de tratamento da in-
volvimento metalingüístico é feito em três fa- formação para a reorganização interna dos
ses. Cada um dos aspectos da linguagem é in- conhecimentos acumulados durante a pri-
fluenciado por este desenvolvimento, inde- meira fase, mas a necessidade de inter-rela-
pendentemente (e não necessariamente de cionar esses conhecimentos com outros, re-
forma simultânea) de outras circunstâncias, centemente descobertos, sobre as mesmas
embora as duas primeiras tivessem lugar de formas lingüísticas ou sobre outras formas
forma sistemática para os conhecimentos lin- associadas freqüentemente a elas e que estão
güísticos da língua oral materna, dependen- em fase de apropriação.
do da apresentação da terceira fase, que não é Em segundo lugar, contrariamente ao que
sistemática a fatores do contexto. A primeira opina Karmiloff-Smith, para quem as reorga-
fase corresponde à aquisição das primeiras nizações da segunda fase são impermeáveis
habilidades lingüísticas; a segunda, à aquisi- às influências externas, Gombert acredita que
ção do domínio epilingüístico e, a terceira, à o contexto extralingüístico das realizações
aquisição da consciência metalingüística. lingüísticas feitas pelas crianças desempenha
A fase das primeiras habilidades lin- um papel importante durante essa fase. A
güísticas é idêntica à descrita no modelo de função principal dessa fase é uma articulação
Karmiloff-Smith (1986). Baseando-se em interna dos conhecimentos implícitos que
pré-progamações inatas, as habilidades lin- permitirá ao sujeito o domínio funcional
güísticas de base são adquiridas por media- (não-consciente) de um sistema. No entanto,
ção do modelo lingüístico presente no am- a elaboração das regras de utilização da for-
biente. Deste modo, a criança armazena em ma lingüística é determinada pela descoberta
sua memória uma multiplicidade de pares dessas regras no funcionamento lingüístico
unifuncionais nos quais se estabelece uma em uma situação determinada.
correspondência entre cada forma lingüísti- Por exemplo, a detecção epilingüística
ca e cada um dos contextos pragmáticos em precoce dos enunciados agramaticais pode ser
que foi utilizada de maneira eficaz. No final influenciada por dois fatores. Primeiro, a
desta fase, a utilização que a criança faz da criança pode ser alertada pela dissonância dos
forma lingüística se assemelha particular- enunciados. Essa dissonância não será absolu-
mente à dos adultos. ta, e sua detecção dependerá dos contextos
A estabilidade comportamental obtida nos quais as formas lingüísticas implicadas fo-
no final dessa fase é questionada, posterior- ram encontradas anteriormente e com os
mente, pelo aumento da extensão e da com- quais a situação atual se compare na perspec-
plexidade dos modelos apresentados pelos tiva funcional. O segundo fator é a eventual
adultos, levados em conta pela criança, ou incapacidade da criança para compreender os
por ambos. Esta é, portanto, a origem do enunciados malformados, isto é, a incapacida-
processo de reorganização característica da de de encontrar em sua memória uma estru-
segunda fase. Como acontece no modelo de tura lingüística que, em um contexto compa-
Karmiloff-Smith, a segunda fase de aquisi- rável ao atual, ative uma representação.
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 55
meio exclusivamente francófono, adquirirá apresenta capacidades deste tipo (ver, no en-
como língua o francês, e não o russo. Fica cla- tanto, Rondal, 1999, para uma consulta mais
ro, por outro lado, que nenhuma língua po- detalhada baseada nos dados empíricos
deria ser compreendida, produzida, nem ad- mais recentes). Não se deduz, no entanto,
quirida de maneira geral, inclusive nas condi- que as características estruturais mais gerais
ções ambientais mais favoráveis, sem a exis- das línguas sejam puros produtos genéticos.
tência de um aparato neurofisiológico espe- Nenhum desenvolvimento − nem funciona-
cial; este sim é herdado, inclusive quando o mento lingüístico digno deste nome − seria
mesmo órgão não pode desenvolver-se sem a possível (assim o demonstram as indicações
intervenção do funcionamento, como de- patológicas) na ausência de um sistema ner-
monstra o caso das crianças “selvagens”. voso intacto, especialmente no que diz res-
É mais pertinente se perguntar o que é peito às áreas cerebrais que se ocupam das
que, no desenvolvimento lingüístico, repre- funções da linguagem (territórios perisilvia-
senta a atualização de predisposições e de nos do hemisfério esquerdo, principal e tipi-
programações inatas características da espé- camente; Damasio e Damasio, 1989). Toma-
cie e o que deve ser adquirido pela criança a sello (1995) trata, particularmente, dos fun-
partir das informações colocadas à disposição damentos biológicos (no sentido de Lenne-
pelo ambiente humano. As sugestões teóricas berg, 1967) e biopsicológicos da linguagem.
feitas durante as últimas décadas são caracte- O que é realmente inato (embora exija ama-
rizadas por seu radicalismo, que contribuiu durecimento) é uma série de dispositivos ce-
muito para torná-las incompatíveis, ao menos rebrais (ainda longe de haver sido completa-
em sua formulação atual. São conhecidas, pe- mente esclarecidos apesar dos evidentes
lo menos em grandes traços, as concepções avanços da neurolingüística e da neuropsi-
inatistas defendidas há uns 40 anos pelo lin- cologia da linguagem nas últimas décadas),
güista americano Chomsky (desde 1957 até a que tornam possível uma série de capacida-
última versão teórica sobre “o programa mí- des e mecanismos (em parte cognitivos) que
nimo” [Chomsky, 1995; para um resumo em intervêm no desenvolvimento e no funcio-
francês, ver Pollock, 1997], passando pelo in- namento da linguagem. A condição de dei-
fluente texto de 1981 sobre os princípios e pa- xar um espaço notável para as influências
râmetros da suposta gramática universal), ambientais, que contribuem de maneira sig-
substituído mais recentemente pelo psicolin- nificativa para a “regulagem” dos dispositi-
güista Pinker (1994), com a mesma ou, inclu- vos orgânicos, como a maturação, poderia
sive, maior intolerância teórica. ser denominada de inatismo “organicista”
O ponto de partida, bastante simples, é (arquitetural). Fica claro, nesta perspectiva,
que se a natureza fosse lógica consigo mesma que o desenvolvimento (lingüístico ou pré-
(!), deveria ter o bom gosto de equipar todo lingüístico, como se queira) começa logo que
ser humano com os conhecimentos formais as estruturas neuroanatômicas pertinentes
necessários em matéria de linguagem (em ge- estão em disposição para entrar em funcio-
ral), a fim de facilitar, a aquisição dessa ferra- namento (inclusive de forma imatura) com
menta tão importante, em vez de deixar que estímulos lingüísticos acessíveis. É sabido
cada criança tenha de empreender uma longa que o ouvido e o córtex auditivo do feto são
aprendizagem de sua língua materna, sem ne- operacionais desde o sexto mês de gestação.
nhuma noção prévia do que precisa adquirir. A partir desse momento, todo estímulo so-
Embora seja certo que, como dizia Des- noro que supere aproximadamente os 60 de-
cartes (1637), todos os seres humanos, inclu- cibéis de intensidade é suscetível de ser per-
sive os mais desprovidos intelectualmente cebido pelo cérebro do feto. Desta maneira,
(mas não os deficientes psíquicos mais pro- se explica o fato de que o recém-nascido é
fundos), são dotados de certas capacidades capaz de reconhecer a voz materna dentre a
lingüísticas, e que nenhum animal, nem de outras pessoas menos familiares ou des-
mesmo os cognitivamente mais avançados, conhecidas, baseando-se em critérios prosó-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 57
dicos (Melher e Dupoux, 1992). Muito rapi- no nível neurológico. No entanto, é evidente
damente, o desenvolvimento cerebral per- que participam íntima e, sem dúvida, exclu-
mite ao bebê isolar e reconhecer algumas re- sivamente da natureza humana.
gularidades seqüenciais nos estímulos lin- Uma concepção desse tipo difere do ina-
güísticos recebidos (no nível de padrões silá- tismo representacional documentado por
bicos, uma vez que não há nenhum tipo de Chomsky e seus seguidores sem a menor
captação de sentido neste momento). Várias apresentação de alguma prova empírica (as
contribuições, que aparecem na compilação “disposições lógicas” invocadas por esta últi-
de artigos, propostas por Morgan e Demuth ma corrente teórica não poderiam, evidente-
(1996) demonstram que os bebês de alguns mente, acontecer, de modo algum). O inatis-
dias e semanas são capazes de detectar regu- mo representacional postula que, no nível
laridades prosódicas (p. ex., sílabas acentua- dos genes, estão codificadas informações lin-
das ou não) e seqüenciais (sílabas idênticas güísticas (essencialmente gramaticais) váli-
ou diferentes). Marcus e colaboradores das para todas as línguas e, necessariamente,
(1999) descreveram que bebês de 7 meses com um nível elevado de abstração. Essas in-
podem identificar em uma sequência de três formações estariam, portanto, disponíveis no
palavras (sem significado) mudanças na or- ser humano independentemente de qualquer
dem dessas palavras. De fato, contrariamen- experiência e constituiriam, uma condição
te ao que indicam os autores, não pode tra- necessária (mas não suficiente) para o desen-
tar-se de um reconhecimento da ordem das volvimento lingüístico. Chomsky (1975) pro-
palavras, mas da seqüência de sílabas. Nada pôs que a teoria lingüística, isto é, a teoria da
permite, com efeito, pensar que as palavras gramática universal, é uma propriedade (ina-
(entidades polissilábicas desprovidas de ta) do espírito humano e que é conveniente
sentido, neste caso) tenham sido aprendidas conceber o “crescimento” ontogênico da lin-
como tais. No entanto, o reconhecimento de guagem como originado do mesmo modo
padrões silábicos seqüenciais demonstra a que o dos órgãos corporais.
existência de uma atividade estruturante do Confundindo voluntariamente conteú-
cérebro da criança quanto aos estímulos lin- dos representacionais e continente, Chomsky
güísticos percebidos. Trata-se de um bom (em várias ocasiões) fala de “órgão da lingua-
exemplo o que se inscreve na conta de um gem”, mas sem tratar de inatismo organicista.
inatismo organicista, na medida em que cer- Deve-se admitir que semelhantes ambigüida-
tas estruturas cerebrais (do hemisfério es- des da linguagem (corrente) não facilitam o
querdo ou potencialmente dos dois hemisfé- trabalho do leitor não-especializado, embora,
rios durante os primeiros meses ou anos de neste caso, não seja este o problema.
vida, questão que não foi ainda claramente Pinker (1994) afirma, de um modo espe-
resolvida) são, desde o princípio, capazes de culativo, que pelo menos três propriedades
analisar a informação lingüística segundo universais das línguas fazem parte do dispo-
certas regularidades lineares. Pode-se ver a sitivo inato (“faculdade da linguagem” outra
relação, certamente ainda distante, mas real, expressão empregada para designar o órgão
neste nível de princípio algorítmico, com a da linguagem ou representações lingüísticas
análise sintática, que intervirá mais adiante, inatas). Essas três propriedades seriam:
nas mensagens lingüísticas recebidas pela
criança. O cérebro humano dispõe normal- 1. regras que direcionam “os movimentos”
permitidos dos elementos dentro das fra-
mente de mecanismos apropriados para dis-
ses (antigamente chamadas “transforma-
criminar e produzir os fonemas, para reco-
ções”);
nhecer e unir os constituintes dos lexemas e
para segmentar e organizar os constituintes 2. morfemas gramaticais (ou, ao menos,
sintagmáticos das frases. Esses mecanismos, suas prefigurações abstratas) que es-
em grande parte especificamente lingüísti- triam relacionados dentro das frases
cos, não foram completamente elucidados com as categorias de tempo, o aspecto, o
58 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
caso (funções gramaticais) e o modo, as- em um só: a) que o input lingüístico da crian-
sim como, com a polaridade negativa ça é deficitário e b) que as caracterizações da
(neste caso) da enunciação; competência lingüística, propostas pela gra-
mática de Chomsky, são corretas e refletem
3. categorias léxico-gramaticais de substan-
fielmente os conteúdos e as operações da
tivo e de verbo, básicas, segundo Pinker,
“faculdade” humana da linguagem.
para qualquer estruturação das frases.
Nenhum desses subargumentos reflete,
Segundo os conhecimentos atuais em ma- em nossa opinião, mais do que crenças in-
téria de linguagem, de funcionamento lingüís- corretamente fundadas. O input lingüístico
tico e de organização cerebral, esse tipo de hi- que a criança recebe no curso de sua aquisi-
pótese se torna cada vez menos verossímil, se ção da linguagem é perfeitamente gramati-
é que alguma vez o foi. cal (ver mais adiante o item “Interações ver-
Chomsky e seus seguidores propõem bais adulto-criança e construção da lingua-
dois argumentos fundamentais em favor da gem”) e não há nada que indique que esteja
legitimidade de sua postura teórica. Cabe di- sistematicamente empobrecido em relação à
zer que ambos são inoperantes. língua que a criança deve adquirir. De fato, o
que Chomsky e os autores de tendências
Um primeiro argumento invoca a univer-
chomskianas querem fazer prevalecer é que
salidade da gramática (universal), para identi-
o input lingüístico dirigido à criança não dei-
ficá-la, “por necessidade lógica”, com a base
xa, claro as linhas de demarcação de subteo-
inata da linguagem. O caráter da universalida-
de dos princípios da gramática inglesa, de fa- rias, princípios, regras, parâmetros, etc., nem
to, nunca foi demonstrado. Um bom número o dispositivo transformacional da gramática
de lingüistas julga que a gramática chomskia- gerativa (Chomsky, 1981). Isso não é, possí-
na (ou as gramáticas chomskianas, segundo a vel por definição, quando o input lingüístico
dimensão de tempo) é (ou são), relativa(s) ao estiver limitado, à estrutura de superfície
inglês e a alguns grupos de línguas indo-euro- dos enunciados. A gramática gerativa diz
péias. Seja como for, o universalismo (inclusi- respeito, em boa parte, às estruturas que, in-
ve quando está estabelecido) de um traço, de tervêm “abaixo” da superfície dos enuncia-
uma característica ou de um comportamento dos (perspectiva hierárquica vertical).
37
não é, de modo algum, uma prova de sua ori- Essa teoria se aproxima do solipsismo
gem genética, como é perfeitamente sabido ao afirmar que, em função de a realidade do
nas neurociências. Como um exemplo trivial, input lingüístico não mostrar claramente a or-
consideremos o tabagismo e os comportamen- ganização dos enunciados segundo as dimen-
tos de acender e apagar cigarros, charutos, etc., sões e os princípios da gramática gerativa que
e veremos que estão universalmente espalha- se supõe psicologicamente real sem nenhuma
dos sem que tenham, no entanto, uma origem demonstração, o input não pode servir para
genética. construir a gramática da língua, que é neces-
Um segundo argumento, em favor do sariamente (segundo defendem também) um
inatismo representacional é o que diz respei- subconjunto da gramática universal. Disto se
to à “pobreza de estímulo”, isto é, ao fato depreende, portanto, (afirmam) que a aquisi-
pretendido (mas jamais demonstrado) de ção da língua deve ser feita segundo uma ba-
que o input lingüístico colocado à disposição se essencialmente inata. Em nenhuma parte,
da criança no curso da aquisição da lingua- o solipsismo se revela com tanta candura co-
gem é pobre e insuficiente para fornecer in- mo no prefácio de Chomsky, na obra de Pol-
formações indispensáveis para a construção
do sistema lingüístico da comunidade. As- 37
É a crença filosófica de que, além de nós, só existem
sim, o inatismo parece ser a única explicação nossas experiências. Os pensadores solipsistas duvi-
dam da existência de qualquer coisa e de qualquer ou-
possível. Na realidade, nos defrontamos tro ser, além deles mesmos. (Blackburn, S. Dicionário
com dois subargumentos que se confundem Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997).
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 59
lock (1997). Nesse prefácio, o autor americano [redes de neurônios especializados e as si-
afirma sem pestanejar (pelo menos assim napses que os conectam] em que se locali-
acreditamos): zam os supostos conhecimentos em matéria
de linguagem [Pinker, 1994], que, por outro
Podemos, conseqüentemente, propor-nos a
lado, não se sabe onde mais poderiam achar-
questão de saber em que medida a faculdade
se organicamente situados) poderiam ser
da linguagem é uma “boa” solução para as
controladas por um genoma formado por
condições de legibilidade impostas pelos siste-
106 genes, sabendo, também, que somente
mas com os quais interage. Até há muito pouco
1,5% dos genes humanos (isto é, em torno de
tempo, esta questão não podia ser proposta se-
1.500 genes) distinguem nossa espécie do gê-
riamente. Parece que hoje é possível, e as tenta-
nero filogeneticamente vizinho dos chim-
tivas de proporcionar respostas para semelhan-
panzés (Pan troglodytes) e dos monos bono-
te questão gerou alguns resultados interessan-
bos (Pan panidae; King e Wilson, 1975), dos
tes que parecem indicar que a faculdade da lingua-
quais se sabe que não estão naturalmente
gem bem poderia ser quase “perfeita” neste sentido.
dotados de capacidades gramaticais; e, além
Desse modo, Chomsky avalia o grau de disso, que aproximadamente de 20 a 30% de
perfeição da faculdade humana da lingua- genes humanos, no máximo, intervêm na
gem segundo sua aptidão para se adequar às construção do sistema nervoso (Willis, 1991).
suas próprias hipóteses! Pior ainda: cada conexão sináptica pode es-
O fato essencial, sobre o qual os neuro- tabelecer certo número de valores. Church-
cientistas não estão suficientemente cons- land (1995) sugere (de forma conservadora)
cientes, é que a lingüística, do modo como uma dezena de valores distintos por sinapse,
está habitualmente enfocada, é uma disci- o que determina um número de possibilida-
plina puramente descritiva e, na medida em des da ordem (mínima) de 1015 no nível da
que não pratica a experimentação, uma dis- rede sináptica cerebral. Está claro, portanto,
ciplina mais hermética (somente interpretati- que o nível genético não possui potencial de codi-
va) do que empírica. Além disso, deve-se ficação necessário para organizar, previamente a
considerar que podem ser produzidas n (n∈ toda experiência, um sistema de semelhante en-
+ α) descrições de qualquer fenômeno, es- vergadura. Certamente se poderia argumen-
pecialmente se os fenômenos em questão tar que os componentes inatos dos diversos
são de natureza complexa, como é o caso da conhecimentos não necessitam mais do que
linguagem. A adequação descritiva, único uma parte dos microcircuitos corticais e dos
objetivo possível na lingüística por razões genes organizadores que intervêm neste ní-
metodológicas, pode ser atendida de várias vel. No entanto, deveria tratar-se de uma
maneiras, as quais não dizem necessaria- parte tão mínima (como se disse) que seu
mente muita coisa (ou absolutamente nada) poder de codificação seria muito limitado.
sobre o problema da adequação explicativa, Do ponto de vista empírico, não parece exis-
contrariamente ao defendido pelas crenças tir uma base séria que sustente a idéia de
chomskianas. que os genes programam, de forma exausti-
Diversas indicações que são apontadas va, a conectividade sináptica no nível corti-
nesta obra, não a título de “provas formais” cal. Além disso, as pesquisas das últimas dé-
contra a hipótese inatista representacional, cadas sobre o desenvolvimento cerebral dos
mas como reflexos (não-exaustivos), contra- vertebrados destacam que a organização fi-
dizem gravemente esta hipótese e, em nossa na das redes de conexões corticais é ampla-
opinião, contribuem para desmentí-la. Exa- mente determinada pelo input ligado aos fa-
minamos, a seguir, essas indicações. tos da experiência (Elman et al., 1997). As-
No nível matemático (Bates et al., 1996), sim, pois, a codificação lingüística formal,
é difícil compreender como 1014 conexões si- postulada (de fato, redondamente afirmada)
nápticas (número aproximado de sinapses no nível genético por autores como Chomsky
no cérebro humano, posto que é neste nível e Pinker, se torna muito pouco plausível.
60 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
Outra indicação, no mesmo sentido con- pecialmente na linguagem cotidiana, estão ba-
clusivo e que não parece ter sido explorada seadas em fórmulas. As unidades dessas fór-
por nenhum autor no debate teórico, é encon- mulas permitem aos locutores comunicar, in-
trada nos interessantes progressos descritos clusive sobre acontecimentos novos ou inusi-
nos últimos anos no domínio da tradução de tados, com uma considerável economia de es-
uma língua para outra, utilizando um progra- forço. Segundo Kuiper, isso não pode ser de
ma de computação. Com efeito, diversos pro- outro modo. Se não dispuséssemos de fórmu-
gramas podem elaborar rapidamente uma las flexíveis (modificáveis), não seríamos ca-
tradução aproximada de um texto, de uma pazes de produzir e analisar a linguagem da
língua para outra (p. ex., Systran ou Softissi- forma como a fazemos. Não poderíamos, tam-
mo). Apesar disso, o produto obtido mediante pouco, observar a diferença entre informações
a aplicação desses programas não constitui novas e antigas, tão concisa e eficazmente.
uma tradução absolutamente “apresentável”. Uma concepção formulista do funciona-
Para conseguir uma tradução realmente satis- mento lingüístico é, evidentemente, o contrá-
fatória, é preciso que um tradutor revise o rio da lingüística de Chomsky, que afirma
produto e o corrija, a fim de eliminar as confu- que todo enunciado é o resultado de um pro-
sões semânticas e os contra-sentidos polissê- cesso complexo que implica uma série de hie-
micos que possa conter. No entanto, a primei- rarquias de categorias abstratas que evoluem
ra “versão” produzida pela máquina permite de estratos profundos para a superfície. Con-
ao tradutor profissional ganhar tempo. Assim, trariamente à tradição chomskiana, nós pos-
de maneira gradual, surge uma interessante tulamos que a base da linguagem é semânti-
colaboração homem-máquina ou máquina- ca, não sendo a sintaxe mais do que um ins-
homem. Os erros que os programas de tradu- trumento a serviço do fim significativo e co-
ção cometem dizem respeito aos aspectos se- municativo da linguagem, e não o contrário.
mânticos lexicais e às expressões idiomáticas Do ponto de vista do desenvolvimento, isso
(sentidos metafóricos e figuras de estilo), mui- significa que a criança começa construindo a
to freqüentes nos diversos idiomas e para os base cognitivo-semântica de sua linguagem
quais os programas se acham maldotados (ba- antes de começar a estabelecer as formula-
se de dados insuficientes, por não se tratar de ções seqüenciais que regem a linguagem de
um problema fundamental). Para uma ilustra- sua comunidade lingüística.
ção recente desse problema, pode-se consultar Se rejeitamos o inatismo representacio-
o artigo publicado em Le Monde (19 de setem- nal como explicação principal completa-
bro de 1998) sobre a tradução automática do mente inadmissível da ontogênese lingüís-
relatório Starr sobre “O caso Clinton-Le- tica, a quais dispositivos temos de recorrer
winsky”. E é aí precisamente onde queremos para explicá-la?
chegar. Os aspectos gramaticais das línguas Acreditamos que, em linhas gerais, há
são tratados corretamente pelos softwares de dois dispositivos, além das estruturas cere-
tradução automática, o que acreditamos ser brais especializadas (estas últimas não “in-
uma prova indireta de que a organização ventam” a linguagem, mas a tornam possí-
combinatória das línguas é de natureza for- vel), a saber: as bases cognitivas e a proble-
mulista: um número finito de combinações se- mática interpessoal da ontogênese lingüísti-
qüenciais modificáveis por inserção, supres- ca. Caberá à pesquisa dos próximos anos ex-
são ou permutação de elementos. Podemos plicar esses conceitos de forma detalhada,
comprovar que esta idéia aparece, algumas mas, grosso modo, introduzimos uma descri-
vezes, na história da lingüística (Bolinger, ção de ambos a seguir.
1975; Kuiper, 1996) e da psicolingüística
(quanto ao seu desenvolvimento, ver Braine,
Bases cognitivas
1976 e, sobretudo, Peters, 1989, para proposi-
ções neste sentido). Kuiper (1996) sugere que No sentido mais fundamental e de uma
a maioria de nossas produções lingüísticas, es- maneira trivial, o cognitivo precede necessa-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 61
nível expressivo e receptivo que está situado co, se realiza, ao menos em parte, de maneira
abaixo da média da população. O funciona- intrínseca.
mento léxico e semântico geral de Françoise As indicações relativas aos casos inco-
está, em conjunto, em relação ao seu nível de muns do desenvolvimento lingüístico, nos
desenvolvimento intelectual. No que diz indivíduos com retardo mental, demons-
respeito à organização pragmática, os con- tram que os diversos componentes estrutu-
troles de base estão presentes, embora tenha rais da linguagem mantêm relações em con-
dificuldades para manter a coesão textual. traste com outros sistemas da mente. Essa
Quanto aos seus conhecimentos metalin- discussão se assemelha ao que se denomi-
güísticos, estes são escassos, limitando-se, na, modularidade da linguagem; uma ex-
do ponto de vista fonológico, a uma cons- pressão que seria melhor substituida pela
ciência da unidade silábica (embora nada ou “componencialidade” da linguagem, devi-
pouco em nível fonêmico). O funcionamen- do às significações diversas e insuficiente-
to metalexical (p. ex., definição de palavras) mente compatíveis entre si, como se verá
é pobre. Metagramaticalmente (juízo da gra- mais adiante.
maticalidade e análise gramatical), Françoi- Em sua concepção mais geral, a noção de
se se situa em um nível de desenvolvimento “modularidade” da mente é antiga, remonta os
similar ao de uma criança de, aproximada- trabalhos de Gall (1809). A idéia é que o funcio-
mente, 7 anos. Acontece o mesmo quanto à namento da mente procede segundo um princí-
metassemântica (juízos de aceitabilidade se- pio de especialização funcional (dos módulos es-
mântica baseados nas regras de seleção léxi- pecíficos correspondentes às diversas funções:
ca). percepção visual, linguagem, organização mo-
Em resumo, o caso de Françoise, como tora, etc.) e de gestão central, não ou menos mo-
outros de excepcionalidade documentados dular (mecanismos cognitivos gerais, como,
na literatura especializada, demonstra que a sistemas de atenção, de memória e de conheci-
organização fonológica e gramatical da lin- mentos gerais). Uma versão contemporânea
guagem não estão em relação estreita com o das proposições de Gall (mas não idêntica) é a
desenvolvimento cognitivo geral (ou desen- de Fodor (1983), que distingue três séries de
volvimento operativo). Esses casos invalidam sistemas no funcionamento mental: os analisa-
toda teoria que pretenda explicar os desen- dores sensoriais (modalidades específicas), os
volvimentos fonológico e gramatical em ter- “sistemas input” ou módulos (como a lingua-
mos de uma generalização de princípios cog- gem) e os processos centrais. Esta distinção apre-
nitivos (ver p. ex., Ingram, 1976, para o de- senta, contudo, algum problema.
senvolvimento fonológico; Piaget, 1979; Sin- Os sistemas de input são módulos, isto é,
clair, 1971; Langacker, 1987, para o desenvol- no sentido de Fodor, sistemas “informacional-
vimento gramatical). O que fica invalidado mente encapsulados”. Trata-se de autômatos
não é a indicação segundo a qual os aspectos compostos de “sub-rotinas” a serviço de obje-
de conteúdo da linguagem, como as aquisi- tivos particulares. Um módulo é considerado
ções semânticas, léxicas e pragmáticas, estão informacionalmente encapsulado na medida
em relação estreita com os conhecimentos ge- em que o tratamento dos dados se limita a
rais e o desenvolvimento cognitivo. Ao con- dois tipos de informações: a) dados de baixo
trário, são muitas as observações que permi- nível, isto é, a contribuição dos analisadores
tem confirmá-lo. Trata-se, de fato, de algo sensoriais e b) informações de fundo armaze-
completamente esperado e, portanto, relati- nadas no módulo propriamente dito, disponí-
vamente comum. O que realmente fica invali- veis tanto de maneira inata como procedentes
dado é a idéia de que o desenvolvimento da do funcionamento do mesmo sistema.
gramática dependeria, completamente ou em Os processos cognitivos, ao contrário, são
grande parte, do desenvolvimento cognitivo. definidos como holísticos ou não-modulares
Parece que o desenvolvimento lingüístico, em (ou, inclusive, como faculdades “horizon-
seus componentes fonológico e morfossintáti- tais”) e são caracterizados por certa “eqüipo-
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 63
Em 1975, Baddeley e seus colaboradores lesão cerebral, cujo nome era PV, que permi-
postulavam uma relação estreita entre memó- tiu a esses autores objetivar essa relação. Fo-
ria e velocidade de articulação, sendo a se- ram propostos dois exercícios à paciente. O
gunda um determinante na capacidade da primeiro consistia em recordar pares de pa-
primeira. O efeito do comprimento das pala- lavras italianas; o segundo, em recordar pa-
vras é uma das conseqüências dessa relação res de nomes italiano-russos. Dado que PV
(um sujeito recorda em média mais palavras não tinha nenhuma noção de russo, as pala-
monossilábicas do que polissilábicas). Mais vras produzidas nesta língua eram seme-
tarde, as pesquisas sobre as relações entre me- lhantes a não-palavras. O desempenho de
mória e linguagem se estenderam ao vocabu- PV foi excelente no primeiro exercício, mas
lário, à sintaxe oral e à escrita. foi incapaz de realizar o segundo. Possivel-
Speidel (1989, 1993) orientou um estudo mente devido ao fato de o primeiro exercício
sobre o desenvolvimento da linguagem em (recordar pares de nomes italianos) ter sido
gêmeos heterozigotos bilíngües inglês-ale- baseado, essencialmente, em uma codifica-
mão. A menina observada apresentava um ção semântica da informação. A carga sobre
desenvolvimento normal e harmonioso de o conjunto fonológico é relativamente fraca,
ambas as línguas (tanto no nível de expres- o que explica os bons resultados. Já o segun-
são quanto no de compreensão) e o menino do exercício (recordar pares de nomes italia-
problemas de expressão nas duas línguas. O no-russos) exigia um armazenamento tem-
balbucio, assim como a produção das primei- poral mais importante da informação a ser
ras palavras, demorou a aparecer e, uma vez recordada. A memória verbal limitada de PV
acontecido, o menino apresentou problemas (dois ou três elementos) parece ser um obs-
articulatórios e sintáticos até uma idade mais táculo para a criação de um vínculo entre o
avançada. Além dos problemas de fala e lin- material conhecido (palavras italianas) e o
guagem, foi verificado uma capacidade de desconhecido (palavras russas). Por outro
memória a curto prazo inferior à de sua irmã. lado, o fato de que PV era também incapaz
Speidel (1989) sugeriu que as capacidades ar- de repetir as não-palavras “italianas” polis-
ticulatórias, na primeira infância, têm uma silábicas apoiou a hipótese de que a memó-
influência direta sobre a memória fonológica, ria fonológica de curto prazo tem um papel
a qual, intervém na aprendizagem de novas preponderante na repetição de não-palavras.
estruturas sintáticas. Partindo desta base, Baddeley e colaborado-
Adams e Gathercole (1995) aceitaram tam- res (1988) insistiram na importância da me-
bém a proposição de Speidel e demonstraram, mória fonológica de curto prazo na aprendi-
além disso, que as crianças cujas capacidades zagem fonológica de longo prazo. Contudo,
mnemônicas são baixas, cometem mais erros não se pronunciaram de maneira clara sobre
articulatórios do que as crianças com melhores a natureza desta influência. Estes resultados
capacidades de memória. No entanto, esses re- e as conclusões que se depreendem deles
sultados devem ser tomados com precaução, têm implicações importantes para a com-
uma vez que o número de erros articulatórios preensão do desenvolvimento léxico nas
produzidos por grupos de crianças não era crianças, assim como para as teorias da
significativamente diferente. As relações entre aprendizagem de línguas estrangeiras. Nes-
qualidade articulatória e memória fonológica te nível, a hipótese de Baddeley e colabora-
são ainda vagas e imprecisas, e, por isso, são dores (1988) quanto a uma relação estreita
necessários mais estudos sobre o assunto. entre memória fonológica de curto prazo e
Baddeley e colaboradores (1988) sugeri- aprendizagem de novas formas fonológicas
ram a existência de uma relação entre a me- foi confirmada pelas experiências de Service
mória fonológica de curto prazo e a aprendi- (1992) e Service e Kohonen (1995) com crian-
zagem de novas palavras. Foi o estudo em ças finlandesas que estavam aprendendo in-
profundidade de uma paciente italiana com glês, assim como pelo estudo de Cheung
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 67
(1996) sobre crianças chinesas que apren- Baddeley (1989), propôs uma resposta para
diam o idioma inglês. Em seu estudo de esta questão. Gathercole e colaboradores
1992, Service relacionou a capacidade de re- (1991) propuseram a crianças normais de 4
petição de não-palavras em crianças de 9 a a 8 anos um teste de vocabulário receptivo,
10 anos com seus resultados na aprendiza- denominado Matrizes Progressivas Coloridas
gem escolar de uma língua estrangeira. A de Raven, que consiste em uma tarefa de re-
forte correlação evidenciada entre as duas petição de não-palavras, conjuntamente
tarefas não estava influenciada pelo nível es- com outras de equiparação de algarismos e
colar das crianças. O estudo longitudinal de palavras. A análise dos resultados mostrou
Service e Kohonen (1995) confirmou esses a existência de correlações significativas
primeiros resultados e demonstrou que a ca- entre a repetição das não-palavras e a atua-
pacidade das crianças para aprender uma ção das crianças no teste de vocabulário
língua estrangeira é determinada, principal- um ano depois. As correlações também fo-
mente, pelo vínculo direto existente entre a ram significativas para crianças com ida-
capacidade de repetir não-palavras e a aqui- des entre 4 e 6 anos, uma vez que a influên-
sição do vocabulário desta nova língua. cia da idade e da inteligência não-verbal foi
Gathercole e Baddeley (1990) estudaram eliminada. Um estudo estatístico mais pre-
as capacidades mnemônicas e léxicas das ciso dos resultados indicou que, entre 4 e 6
crianças com atraso de linguagem. Em seu anos, as capacidades de memória fonológi-
estudo, observaram que crianças com pro- ca determinam os conhecimentos léxicos
blemas de linguagem oral ou escrita, mas do sujeito. Entre os 6 e 8 anos, ao contrário,
com, inteligência normal, tinham, freqüente- esta relação se inverte e os conhecimentos
mente, capacidades mnemônicas reduzidas. léxicos dos sujeitos é que determinam os
Sua capacidade de repetir formas fonológi- resultados posteriores na repetição de não-
cas não-familiares (como as não-palavras) palavras.
era limitada. Segundo os autores, se a debili- Gathercole e colaboradores explicaram
dade de seus resultados na prova de memó- de várias maneiras o enfraquecimento, até
ria refletisse, simplesmente, uma limitação os 8 anos, do vínculo entre memória fonoló-
no nível das capacidades lingüísticas, os re- gica e conhecimento léxico. A primeira expli-
sultados mnemônicos dessas crianças deve- cação reside na mesma natureza dos elemen-
riam ser idênticos aos das crianças mais jo- tos léxicos adquiridos durante este período.
vens que não apresentavam problemas de Nesta idade, as palavras aprendidas são
linguagem. No entanto, isto não aconteceu. mais abstratas e correspondem indiretamen-
Gathercole e Baddeley (1990, 1993) interpre- te a objetos físicos ou a realidades do am-
taram esses resultados como o índice de biente. Pode-se pensar que, a partir deste
uma alteração no funcionamento da memó- momento, são as capacidades semânticas e
ria fonológica de curto prazo em crianças conceituais das crianças que exercem maior
com atraso de linguagem. influência sobre a aprendizagem de novas
A relação existente entre repetição de palavras, justificando, assim, um declínio da
não-palavras e aquisição de vocabulário, na importância da memória fonológica de curto
criança pequena, é bastante complexa. Po- prazo. As palavras aprendidas além de se-
demos propor a seguinte pergunta: é a ca- rem mais abstratas, são também mais nume-
pacidade de repetição de não-palavras que rosas. Assim, pois, é possível que a utiliza-
determina o desenvolvimento lexical da ção de analogias com palavras existentes pa-
criança, ou, ao contrário, são os conheci- ra aprender novas formas fonológicas seja
mentos lexicais que determinam a capaci- essencial. A carga de trabalho da memória
dade de repetir as não-palavras? Um estu- fonológica seria então reduzida. Finalmente,
do realizado por Gathercole e colaborado- a aprendizagem da leitura e seu domínio
res (1991), que completou o de Gathercole e progressivo permitem que as crianças te-
68 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
sugerem que a linguagem dos pais é modifi- regra geral, falam pouco com seus filhos en-
cada, sensivelmente, segundo se dirigem a quanto estes são muito imaturos e quando o
um menino ou a uma menina (Phillips, 1973; fazem, não tentam interpretar o discurso do
Fraser e Roberts, 1976). Existem, além disso, filho, nem adaptam sua própria linguagem
alguns dados empíricos que apontam uma ao nível lingüístico deste. Essas observações
possível tendência das mães a falar mais a seriam evidentemente contrárias à hipótese
suas filhas do que a seus filhos, a repetir mais do caráter universal da adaptação da lingua-
os enunciados produzidos por suas filhas e a gem parental às capacidades lingüísticas em
produzir enunciados mais longos quando se evolução da criança, se não se tivesse visto
dirigem a suas filhas (Lewis e Freedle, 1973; que, nessas sociedades, são as crianças de
Cherry e Lewis, 1975). mais idade e os avós que se encarregam tradi-
Diversos trabalhos destacam importan- cionalmente de se ocupar das crianças meno-
tes diferenças nas interações verbais entre res e de lhes falar, servindo-se também para
pais e filhos conforme a classe social. Por isso, segundo parece, de adaptações do tipo
exemplo, a freqüência das verbalizações das observadas entre mães (e pais) e crianças
maternas dirigidas ao filho é significativa- nas culturas ocidentais.
mente inferior na classe operária (Tulkin e A partir dessas observações, vários auto-
Kagan, 1972; De Blauw et al., 1979). São ob- res (p. ex., Moerk, 1976, 1983; Rondal, 1983,
servadas, além disso, diferenças entre os 1985a, b) propuseram modelos explicativos
pais pertencentes às diversas classes sociais da ontogênese lingüística nos quais os “com-
quanto a certos aspectos sintáticos e prag- panheiros” adultos da criança desempenham
máticos de sua linguagem: as mães da clas- um papel determinante (e, mais geralmente,
se operária tendem a utilizar muito mais os “companheiros” lingüísticos “mais avan-
imperativos e verbos modais (em inglês: çados” da criança, dado que as crianças de
can, will, may, shall, etc.) e menos dêiticos do mais idade parecem se comportar lingüistica-
que as mães da classe burguesa. As primei- mente com as crianças mais jovens de manei-
ras repetem e “expandem” quase duas ve- ra similar à dos pais; p. ex., Shatz e Gelman,
zes menos a linguagem de seus filhos do 1973). Moerk não duvidou em comparar as
que as segundas (Snow et al., 1976). No en- mães com language teachers (professor de lin-
tanto, podem ser observadas as mesmas guagem) e em considerar a aquisição da lin-
tendências para a simplificação na lingua- guagem, em sua maior parte, como o produ-
gem materna dirigida à criança, em proces- to de um ensino parental explícito (Moerk,
so de aquisição da linguagem, em cada uma 1983, 1992, para as propostas mais radicais
das diversas classes sociais. sobre este tema). Sem chegar a falar do ensino
Do ponto de vista intercultural (mesmo explícito da linguagem por parte dos pais
quando não se tenham, nem muito menos, es- (embora utilizando, contudo, a noção de “en-
tudado todas as culturas), um certo número sino implícito”), Rondal (1983, 1985) propôs
de pesquisas parece confirmar a universali- um macromecanismo de aquisição da lingua-
dade do fenômeno de adaptação da lingua- gem − denominado dinâmico contínuo para
gem adulta (particularmente a parental) que destacar que as interações adulto-criança são
é dirigida à criança em vias de aquisição da fatores de progresso lingüístico em continui-
linguagem (p. ex., Blount, 1971, 1972, para os dade ao longo de todo o desenvolvimento.
luos do Quênia; Omar, 1973, para o árabe fa- A aquisição de uma primeira língua su-
lado no Egito; Harkness, 1977, para os kipsigis põe uma série de interações entre interlocu-
dos altos planaltos quenianos, etc.). Porém al- tores de níveis distintos de maturidade lin-
guns pesquisadores (como Slobin, 1981) des- güística de maneira que se define uma zona
tacaram o fato de que, em algumas culturas proximal de desenvolvimento (noção toma-
tradicionais (na Polinésia, especialmente; ver da de Vygotsky, 1962), dispondo-se a série de
as observações de Ochs, 1980), os pais, como interações segundo um intervalo de tempo
MANUAL DE DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM NA CRIANÇA E NO ADULTO 73
mesmo considerando as limitações defi- centrais do input lingüístico. Essas duas ca-
nidas, referidas a todos os aspectos da lin- racterísticas são:
guagem (e, particularmente, à organiza-
ção gramatical) para todas as crianças de 1. a gramaticalidade do discurso adulto di-
todas as idades. Os dados disponíveis in- rigido à criança;
dicam que a realidade está longe deste
ponto de vista. 2. as simplificações formais que existem
dentro do input lingüístico e a eliminação
2. Marcus (1993) acrescentou a seguinte ob- gradual dessas simplificações em função
servação que, embora seja evidente, não da evolução lingüística da criança.
tinha sido apontada por ninguém ante-
riormente (que possamos saber). Ele in- A gramaticalidade do input lingüístico
sistiu que a observação da maior propor- permite à criança possuir de forma perma-
ção de repetições exatas maternas que se- nente “evidências positivas” que lhe possibili-
guem os enunciados infantis gramatical- tam avaliar, por comparação, a gramaticalida-
mente bem construídos em relação às que de de seus próprios enunciados. Este tipo de
seguem os gramaticalmente mal construí- material lingüístico não deixa lugar à ambi-
dos se depreende simplesmente da gra- güidade (para retomar a expressão de Marcus,
maticalidade (em 99%) dos enunciados 1993) quanto à gramaticalidade dos enuncia-
adultos dirigidos às crianças. dos (só em aproximadamente 1% destes como
3. Finalmente, não se demonstrou também já se indicou, o que é desprezível). O fato de
que, mesmo aceitando que a retroalimen- que os enunciados adultos “garantidos gra-
tação adulta possa ser utilizada pela maticalmente” sejam, além disso, reduzidos e
criança para sua auto-avaliação gramati- formalmente simplificados de acordo com as
cal, esta intervém necessariamente como capacidades cognitivas e lingüísticas momen-
determinante do desenvolvimento lin- tâneas da criança tende a facilitar considera-
güístico. velmente o trabalho de segmentação (parsing)
do input e de construção lingüística por parte
deste último.
Qual o papel do input lingüístico?
Isto significa que este parsing, a análise
Temos de concluir que o ambiente huma- do produto resultante, a construção das cate-
no que rodeia a criança não desempenha ne- gorias morfossintáticas, os procedimentos de
nhum papel importante no desenvolvimento tratamento receptivo e produtivo e a organi-
gramatical? De modo algum. zação mental do dispositivo lingüístico em
Embora pareça ter ficado perfeitamente toda sua complexidade são um trabalho (co-
estabelecido que o input lingüístico da crian- lossal, sem dúvida, apesar da facilitação in-
ça e as estratégias educativas gerais dos pais duzida) que a criança realiza “por si só em
não proporcionem uma estruturação grama- sua cabeça”. Esse trabalho exige a integrida-
tical explícita e que a organização gramatical de do sistema nervoso central, o que fica de-
da linguagem não é simplesmente transferida monstrado pelas enormes dificuldades que
do adulto para a criança “através” das intera- as crianças com retardo mental enfrentam
ções verbais adulto-criança que acontecem ao (mesmo quando seus pais põem à disposição
longo do desenvolvimento, devendo ser bus- um input lingüístico de boa qualidade e
cado, conseqüentemente, o motor real da adaptado ao seu ritmo próprio de evolução
construção da linguagem “no interior da lingüística; ver Rondal, 1978, 1986, para
mesma acriança”, não fica, de nenhum modo, maiores informações sobre esses pontos) ou
excluído que este desenvolvimento, por mais as crianças disfásicas, que, apesar de terem
intrínseco que seja, não possa ser considera- uma inteligência normal, apresentam proble-
velmente favorecido por duas características mas específicos de desenvolvimento lingüís-
78 MIGUEL PUYUELO & JEAN-ADOLPHE RONDAL
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