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Bibliografia.
ISBN: 978-65-89499-57-2
https://doi.org/10.37008/978-65-89499-57-2.23.04.21
ISBN 978-65-89499-57-2
www.editorabagai.com.br /editorabagai
/editorabagai contato@editorabagai.com.br
Tayson Ribeiro Teles
organizador
LÍNGUA(GENS), LITERATURAS,
CULTURAS, IDENTIDADES E DIREITOS
INDÍGENAS NO BRASIL:
análises, reflexões e perspectivas
1.ª Edição - Copyright© 2021 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Bagai.
O conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade do(s) seu(s)
respectivo(s) autor(es). As normas ortográficas, questões gramaticais, sistema de
citações e referencial bibliográfico são prerrogativas de cada autor(es).
Revisão Os autores
ÍNDICE REMISSIVO.........................................................................182
APRESENTAÇÃO
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Hakiy possui, no texto analisado, uma escrita decolonial, porquanto valoriza a
fauna e a flora do território do povo indígena Sateré Mawé, em um movimento
que intensifica a ideia de que somos parte integrante da natureza. Por fim, os
autores acreditam que textos de autores indígenas devem ser mais utilizados
nos ambientes escolares, a fim de valorizarmos a diversidade cultural do Brasil.
No Capítulo 5 - A ordem do discurso biomédico: silenciamento, tradu-
ção e fala em língua indígena, de autoria de Conrado Neves Sathler e Jéssica
Camile Felipe Tivirolli, os autores comentam sobre as relações dos povos
Kaiowá, Guarani e Terena com os servidores de um hospital localizado em Dou-
rados (MS). Os autores afirmam que não há valorização das línguas indígenas
durante os atendimentos médicos de indígenas por servidores não indígenas.
Os indígenas são, assim, marginalizados, bem como seus saberes médicos
tradicionais não são respeitados dentro do hospital analisado. No Capítulo
6 - Direitos fundamentais indigenas e a proteção constitucional das terras
tradicionalmente ocupadas no Brasil, de autoria de Edson Antônio Baptista
Nunes, o autor nos faz uma revisão teórica sobre o direito dos povos indígenas
brasileiros às terras que eles ocupam tradicionalmente. O autor defende que
esse direito é um direito fundamental.
No Capítulo 7 - A Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI):
um breve capítulo da história recente do indigenismo brasileiro, de autoria
de Saulo Ferreira Feitosa e Rosane Freire Lacerda, os autores fazem um retros-
pecto da luta do movimento indígena brasileiro no período recente, do fim do
século XX até a atualidade, com ênfase na fase de criação da CNPI. Conforme
os autores, o entulho do indigenismo fundado na colonialidade, herdado pela
Funai do SPI, ainda influencia certas políticas governamentais, revelando a
necessidade de descolonização tanto das práticas dos agentes estatais quanto
da própria estrutura do Estado brasileiro. No Capítulo 8 - A complexidade do
reconhecimento jurídico de comunidades indígenas não aldeadas e não
viventes em terras indígenas oficialmente reconhecidas pelo estado, de minha
autoria, eu engendro uma reflexão sobre como o Estado brasileiro faz para
reconhecer os direitos dos indígenas que não vivem em comunidades indígenas
reconhecidas legalmente. Eu foco no dilema da autodeclaração indígena, da
questão fenotípica e da heteroidentificação dos indígenas.
No Capítulo 9 - Os índios e o novo constitucionalismo latino-americano:
perspectivas previstas pela constituição brasileira de 1988 na era da tecnodi-
versidade, de autoria de Eduarda Aparecida Santos Golart, Ingra Etchepare
Vieira e Valéria Ribas do Nascimento, as autoras problematizam se a nossa
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é uma Constituição
forjada no âmbito do que se chama de Novo Constitucionalismo Latino-A-
mericano, um movimento que inspirou Constituições na América Latina que
reconhecem a diversidade dos povos, incluindo os indígenas como elementos
basilares das nações, a exemplo das Constituições da Bolívia e do Equador. No
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Capítulo 10 - Os refugiados ambientais de Belo Monte: a violação dos direitos
à cidadania indígena, de e autoria de Alex Gaspar de Oliveira e Eliane Cristina
Pinto Moreira, os autores analisam alguns impactos ocasionados aos povos
indígenas do Pará a partir da construção da Hidroelétrica de Belo Monte. Os
autores concluem que os indígenas impactados foram alçados à categoria de
refugiados ambientais e, a partir disso, praticamente perderam suas cidadanias
indígenas. Nesse sentido, deve o Estado agir em prol de reparar isso.
No capítulo 11 - Visão sistêmica: percepções da ecologia e cidades inte-
ligentes, de autoria de Carlos Alberto Machado Gouveia, Nádia Leite Medeiros e
Eujácio Lopes Filho, os autores problematizam como as nossas cidades podem
ser mais conectadas e inteligentes a partir da ótica do desenvolvimento sus-
tentável ou durável, perpetuando o resgate dos costumes, culturas indígenas e
conhecimentos que foram esquecidos com a vinda das pessoas para o ambiente
urbano, de produção, de integração com natureza, como o biomimetismo, na
arquitetura integrada com os ambientes pensando na sustentabilidade. Nesse
sentido, eles analisam o formato das aldeias dos povos do Xingu. No Capítulo
12 - “Vamos brincar de índio”: BNCC e apropriação cultural indígena nos
anos iniciais do ensino fundamental, de autoria de Sadrack Oliveira Alves
e Márcio Evaristo Beltrão, os autores investigam na Base Nacional Comum
Curricular perspectivas que podem incentivar uma abordagem positiva dos
povos indígenas e suas culturas nas escolas de ensino fundamental, no sen-
tido de valorizá-las (as culturas indígenas) e não apenas de caricaturá-las e
estigmatizá-las, como ocorrem quando, em certas ocasiões, nos fantasiamos
de indígenas, por exemplo.
No Capítulo 13 - O desenvolvimento de metodologias ativas no ensino
de Administração para os indígenas do estado do Acre, de autoria de Müller
Padilha Gonçalves, Dion Alves de Oliveira e Simone de Freitas Ferreira Alves,
os autores teorizam ser possível no ensino de temas de Administração para
comunidades indígenas do/no estado do Acre, fazer uso de Metodologias
Ativas de Ensino. Os autores afirmam que tais metodologias tornam o ensino
mais atrativo para os indígenas e promovem mais atividades práticas, havendo
interação com as práticas culturais dos indígenas.No Capítulo 14 - Do acesso à
permanência: reflexões sobre as políticas afirmativas para indígenas estudan-
tes no ensino superior, de autoria de Berenice Schelbauer Do Prado, a autora
analisa detidamente, inclusive com estatísticas, o implemento da política de cotas
para ingresso nas instituições educacionais de ensino superior brasileiras, em
relação aos cotistas na/da “categoria” indígenas. A autora conclui que de 2013
a 2018 aumentou o número de indígenas nas instituições de ensino superior.
Segundo a autora, porém, muito ainda precisa ser feito/garantido pelo Estado
aos indígenas, bem como não se sabe se todos os indígenas que ingressam no
ensino superior saem dele formados.
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Por fim, no Capítulo 15 - Indigenous rights, necropolitics and the “daily
genocides” of Brazil’s native and traditional peoples, de autoria de Erick da
Luz Scherf, Marcos Vinicius Viana da Silva e José Everton da Silva, os autores
narram que há, atualmente, no Brasil, uma tentativa diária de exterminar os
povos indígenas e outras comunidades indígenas ou tradicionais do país e tal
tentativa é liderada por forças neoliberais e necropolíticas, com o desejo de
subjugar o ambiente e explorar os recursos naturais que ainda estão disponí-
veis em certos territórios que outrora foram protegidos por leis ambientais.
Desejo ao(à) leitor(a) uma excelente leitura.
Rio Branco, Acre, 19 de abril de 2021 (Dia dos Povos Indígenas).
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O CURRÍCULO ESCOLAR DOS POVOS INDÍGENAS
NO BRASIL COMO COLONIALIDADE DO PODER DA
CULTURA EUROPEIA CRISTÃ
INTRODUÇÃO
Nesse estudo aborda-se a educação escolar indígena no Brasil a partir do
contexto do currículo escolar na colonização, apresentando algumas interfaces
do processo de inferiorização dos povos indígenas que se deu principalmente
por meio da hegemonia branca europeia, como efeito da colonização, que
engendrou relações culturais, sociais, econômicas e de educação. Para tanto,
realizou-se revisão bibliográfica do cabedal existente, partindo-se de autores
que trazem uma abordagem crítica sobre a temática.
O referido estudo está estruturado da seguinte forma: na introdução
apresenta-se a justificativa, o objetivo e o problema referente ao objeto de
estudo em questão. O desenvolvimento teórico inicia-se com a análise da edu-
cação colonial no Brasil, com foco no fortalecimento das estruturas de poder
sobre as populações indígenas. Logo após, problematiza-se a colonialidade de
poder eurocêntrica na educação do Brasil e sua dominação etnocêntrica sobre
os povos indígenas através do currículo escolar; e, por fim, apresentam-se as
conclusões do estudo.
A educação colonizadora inicia em 1549, quando chega à América Por-
tuguesa a primeira missão jesuítica enviada de Portugal por D. João III, com-
posta por missionários da Companhia de Jesus. Faustino (2010, p. 98) “salienta
que com a vinda dos portugueses ao Brasil deu-se o início do processo de
colonização, o qual teve por objetivo expandir o sistema mercantil português
utilizando a mão de obra escrava dos indígenas.” O colonialismo português se
expressa de forma cruel e desumana por suas vertentes de dominação política,
administrativa e econômica.
Configura-se, assim, uma relação política e econômica na qual uma
nação é subjugada por outra. Dessa forma, todo o cabedal cultural, social e
religioso dos indígenas era considerado como abominável para uma sociedade
que se pressupunha pura e cristã, ocorrendo assim um processo civilizatório
1
Mestra em Comunicação, Linguagem e Cultura (UNAMA). Professora de ensino especial e
superior. CV: http://lattes.cnpq.br/4584243301199119
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Doutorando em Ciência da Educação (UnB). Professor da Faculdade Estácio de Sá (Macapá-
-AP). CV: http://lattes.cnpq.br/2068358243656514
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ternizar outros povos, como a civilização indígena. Processo esse usado justi-
ficativa para a opressão das sociedades colonizadas.
Mas, cabe destacar no âmbito biológico o seguinte:
A descoberta de que do ponto de vista biológico não
existe raça não significa que as pessoas mudam suas
representações sociais de acordo com as últimas des-
cobertas científicas, nem tampouco significa que elas
não utilizem essa categoria no seu dia-a-dia. Ao con-
trário, a despeito da genética revelar que as diferenças
entre um negro, um branco e um oriental são ínfimas
a ponto de não fazer sentido falar em raça, as pessoas
continuam a efetuar classificações e hierarquizações
entre os seres humanos em virtude de traços morfo-
lógicos (BERNARDINO, 2004, p. 19).
A partir do paradigma cientifico, com o advento da evolução dos estudos
da biologia, comprova-se que o ser humano se deve colocado na condição de
“raça” única. Dessa maneira, cairá por terra a legitimidade do termo raça como
forma de classificar a humanidade.
Isso, porquanto:
Combinando todos esses desencontros com os progres-
sos realizados na própria ciência biológica (genética
humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos
desse campo de conhecimento chegaram à conclusão
de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim
apenas um conceito aliás cientificamente inoperante
para explicar a diversidade humana e para dividi-la
em raça. Ou seja, biologicamente e cientificamente,
as raças não existem (MUNANGA, 2003, p. 3).
Posto isto, somente no início do século XX, os resultados dos estudos
criticamente fundamentados na genética humana levaram a uma ruptura
terminológica com a noção de raças humanas. A obra “A invenção das raças”,
do geneticista Barbujani (2007), apresenta argumentos que demonstram que
só há uma raça humana, que nossa espécie não é uma miscelânea de grupos,
biologicamente muito distintos, e mais: somos jovens no planeta e viemos da
África. Mas, sociedades subalternizadas no passado, como indígenas e africanas,
sofreram vertiginosamente como colonizados dentro da categorização racial,
no panorama colonizador eurocêntrico.
Nesse sentido, voltaremos para causa indígena, para compreendermos
o processo de inferiorização das populações indígenas. Na colonização bra-
sileira, que iniciou no século XVI, foi necessário implementar mecanismos
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MÉTODO
A pesquisa adotou metodologicamente a abordagem de um estudo
descritivo, apoiado no referencial das ciências sociais, da pedagogia e antro-
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os complexos processos educacionais e de currículo e de transculturação
evidenciam uma a partir de uma escola, estruturada como uma organização
curricular escolar que se concentrou na desconstrução violenta da cultura
indígena por meio da ação intencional dos colonizadores em transformar os
indígenas em colonos submissos, obedientes e escravos para que servissem de
instrumentos à lógica do capital em processo de implantação. Destaca-se que
as violências e violações contra os povos indígenas não são apenas resquícios
do passado. Os grupos indígenas atuais, descendentes daqueles colonizados
por esse processo, continuam a conviver com diversas atrocidades no Estado
Republicano Democrático Brasileiro e um currículo escolar que não traduz sua
verdadeira cosmologia indígena.
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REFERÊNCIAS
ARANHA, M. L. de A. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. São
Paulo: Moderna, 1996.
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FERREIRA NETO, E. História e Etnia. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS. Domínios da
História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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SANTOS. B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3 ed. São
Paulo: Cortez, 2010.
SOUZA LIMA, A. C. de. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e for-
mação do Estado no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995.
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ENTRE SILVESTRES E EXÓTICOS: OS ANIMAIS
DENTRO DA CULTURA CHIQUITANA
INTRODUÇÃO
Sobre etnia Chiquitana, (TOMICHÁ, 2002 e 2012; PUHL, 2011), define
uma nomenclatura genérica, representando a união de dezenas de povos e
culturas unificadas em missões religiosas jesuítas no final dos séculos XVII
e XVIII, região central da América do Sul. Nas palavras de Tomichá (2002),
o processo foi formado por grupos indígenas pertencentes a seis famílias
linguísticas diferentes, houve homogeneização de povos que eram aliados e
inimigos entre si. Esse processo é composto por relações interétnicas que os
constituem culturalmente hoje, compartilhados pela fronteira internacional
política territorial entre República federativa de Brasil e o Estado Plurinacional
da Bolívia, onde suas aldeias e comunidades estão no departamento de Santa
Cruz (Bolívia) e estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Brasil). Em ter-
ritório Matogrossense principalmente nas cidades de Vila Bela da Santíssima
Trindade, Cáceres, Pontes e Lacerda e Porto Esperidião.
Referente às populações autóctones publicou-se a obra: o Selvagem,
Magalhães (1876) assim descrito sobre alguns costumes:
Quem visita uma aldeia selvagem quase visita um
museu vivo de zoologia na região onde está localizada a
aldeia; araras, papagaios de todos os tamanhos e cores,
macacos de diversas espécies, porcos, quatis, mutuns,
veados, avestruzes e até sucuris, jibóias e crocodilos [...].
O cherimbabo do índio (o animal que ele cria) é quase
um membro da família. (MAGALHÃES, 1876. p. 33).
Vander Veldem (2011) apresenta a palavra xerimbabos, denominação do
litoral tupi para a prática de animais silvestres trazidos desde jovens e criados
na interação entre humanos em aldeias. Erikson (2012) define relações sim-
bólicas complexas que os ameríndios estabelecem entre os lugares de que se
apropriaram (seu habitat) e os seres vivos (animais, plantas e humanos) que ali
estão ou transitam. Os animais são tratados igualmente como seus novos fami-
liares humanos, incluindo a convivência íntima até os rituais de sepultamento,
nos quais Erikson apresenta em detalhes as relações com os Matis, indígenas
Amazônicos: “há uma dedicação especial, onde os mamíferos são alimentados no
3
Mestre em Ciências Ambientais (UNEMAT). Docente na rede pública de educação básica
(Vila Bela da Santíssima Trindade – MT). CV: http://lattes.cnpq.br/8461506995455809
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A CAÇA
Exclusivamente masculinas, as caçadas relatadas pelos missionários
eram realizadas por todos os grupos: os caçadores e coletores dependiam das
estações, pois os grupos sedentários iniciavam os processos de caça após a
semeadura no campo, percorriam grandes distâncias para reunir grandes esto-
ques de proteína animal para o abastecimento de consumo sazonal. Auxiliado
por variedades de armas de caça (arcos e flechas específicas para animais,
macanas e boleadoras), utilizando estratégias em cercados de rebanho, auxílio
na queima controlada e perseguição com auxílio de cães.
O beneficiamento da carne era defumado até que todo o líquido (na
textura de madeira seca) se perdesse, armazenado e depois transportado para
os espaços de moradia, consumido in natura no momento da caça e triturado
na forma de farinha para produzir sopas para consumir acompanhado com
mandioca (Burgos, 1728; Fernández, 1996; Schmid, 1988 e Knogler, 1970).
Segundo Riester (1976), os Hichis (vivem fora das aldeias) não têm corpo
humano, são antropomórficos, vivem em montanhas, rios, matas e animais.
Uma caçada bem-sucedida só ocorre com a autorização do Jenarrir-ti (dono
do animal) que regula a quantidade de alimento necessária para a família,
exigindo uma caçada com habilidade e precisão. Caso contrário, deixando um
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ANIMAIS DOMÉSTICOS
Animais domésticos foram introduzidos pelos contatos interétnicos
(cães, gatos, patos, galinhas, jumentos, cavalos e bois) são animais de múl-
tiplas proficuidades auxiliando nos trabalhos cotidianos e algumas espécies
são reservas de estoque vivo para alimentação. Uma prática muito comum é
adoção de animais filhotes que por vários motivos (rejeição da genitora, morte
ou abandono) acabam sob os cuidados íntimos pessoais humano, são batizados
de Guacho, ato que se cria um laço afetivo entre humanos e animais.
As roças e o extrativismo nos bosques auxiliam muito no provimento
de alimentações para esses animais de criação. Algumas comunidades/aldeias
existem pecuária extensiva em pequenas quantidades, onde cada família possui
seu rebanho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há necessidade de estudar as etnias, suas crenças e práticas para com-
preender seu universo de envolvimento com a fauna local. Entre os Chiquitano,
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REFERÊNCIAS
BURGOS, F. Bericht/welchen na majestat den koning von spanier im jahr 1703. R. P.
Franciscus Brugos, Deren Paraguarischen Missionen Societatis Jesu bestellter gene-
ral – Procurator, von denen in Sud – America neu-gestiffteten Missionen abgestattet
hat. Bericht/Von denen Missionibus so. Jesu bey denen Schikiten and anderen na
dene Flussen Parana und Uruguay gelegenen Volckern. En: Josef Stocklein (ed.)
Der Neue Welt-Bott, IV. Theil, Brief Nun 90. p. 41-48, 1728.
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SCHMIDT, M. Brief Nr. 18a: P. Martin Schimid an P. Joseph Schumacher SJ, S. Raphael
Chiquitos, 10. Oktober 1744. S. 90-97. En: Rainald P. Fischer (ed.), P. martin Schimid
SJ, 1694-1772. Siene Briefe und sein Wirken. Brief Nr. 19a: P. Martin Schimid na Franz
Schimid OFM Cap, S. Raphael Chiquitos, 10. Oktober 1744. S. 100-105. En: Rainald P.
Fischer (ed.), P. martin Schimid SJ, 1694-1772. Siene Briefe und sein Wirken. 1988.
SILVA, V. C da. Carnaval: alegria dos imortais ritual, pessoa e cosmologia entre os
Chiquitano no Brasil. Tese doutorado em antropologia social Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2015.
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MITO E LITERATURA: UMA LEITURA DA
NARRATIVA COM A NOITE VEIO O SONO (2011), DE
LIA MINÁPOTY
INTRODUÇÃO
A partir das duas últimas décadas, a produção literária das comunida-
des indígenas brasileiras tem se expandido demasiadamente. Os escritores
representantes das mais variadas etnias veem na escrita dos mitos uma forma
de salvaguardar suas histórias ancestrais. São histórias da criação do mundo,
dos heróis civilizadores e muitas outras que explicam a existência das culturas
indígenas.
Os mitos indígenas sempre estiveram presentes nas leituras dos brasi-
leiros. Seja em narrativas de viagens ou mesmo na literatura do Romantismo.
Na atualidade, esses relatos são apropriados por quem de fato tem autoridade
para usufruí-los. Os mitos são o fulcro das narrativas de autoria indígena, cole-
tadas por meio dos relatos mnemônicos. A literatura, para esses escritores, é
uma forma de dialogar com a sociedade hegemônica e mostrar o outro lado
da história. Essa escrita funciona, ainda, como instrumento de manutenção
das identidades indígenas. Diante disso, o objetivo deste trabalho é discutir o
mito a partir da leitura da narrativa indígena Com a noite veio o sono (2011), de
Lia Minápoty.
Lia Minápoty é uma representante das muitas mulheres indígenas que se
reafirma na literatura. De origem Maraguá, nasceu na aldeia Yãbetue’y, na área
indígena Maraguapagy, no rio Abacaxis-AM. É uma das jovens lideranças das
mulheres Maraguá, atuante e palestrante da causa indígena. Além de escritora
também leciona para crianças de sua aldeia.
Para efeito de sistematização do trabalho, o configuramos da seguinte
forma: Inicialmente, buscamos conceituar as características do mito com o
apoio de estudiosos da área, em seguida, procuramos aplicar esses conceitos
na análise da narrativa indígena escolhida. Por fim, com base na metodologia
proposta por Erwin Panofsky (2017), analisamos como a narrativa mitológica
é incorporada nas composições imagéticas da obra.
4
Doutorando em Letras: Estudos Literários (UFPR).
CV: http://lattes.cnpq.br/5006822830827676
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Mestra em Letras e Artes (UEA). CV: http://lattes.cnpq.br/5755763045522163
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ANÁLISE DA NARRATIVA
Em Com a noite veio o sono (2011), Lia Minápoty aborda a importância da
noite para os Maraguá. A narrativa como fruto da mitologia dessa etnia, busca
explicar como surgiu a noite e os animais que fazem parte do período noturno.
A história é iniciada situando a vivência dos Maraguá num passado longínquo.
Narra a autora:
Nos tempos antigos, os índios Maraguá moravam na
mata central [...]. Sem casas, viviam ao pé das gran-
des árvores agrupados em buracos ou deitados em
redes atadas nos galhos das árvores. Assim eram suas
aldeias. Também não tinham noite. A noite ainda não
era conhecida pelos homens. Somente Anhãga, o espí-
rito do mal, e outras entidades da floresta a conheciam,
e usavam-na para seu proveito, por isso a escasseavam
mantendo-a guardada e presa para que ninguém, além
deles, pudesse usá-la (MINÁPOTY, 2011, p. 7).
A ideia que expressa o aspecto do mito aparece já no início da narrativa
quando o narrador situa o tempo dos acontecimentos. Segundo o narrador, a
história se passou “nos tempos antigos”. O mito, como discutido por Eliade (2016),
refere-se a uma narrativa ocorrida em tempos remotos e protagonizada por
Entes Sobrenaturais. Os Entes Sobrenaturais também fazem parte da narrativa.
A noite que é guardada em um pote é protegida por uma entidade maligna.
O símbolo da noite, segundo Chevalier e Gheerbrant (1986), tem dupla
significação. Como aspecto negativo, para os gregos a noite é filha do caos. Pro-
duz igualmente o sonho e a morte. Ainda segundo essa visão, com frequência
nas noites se prolongam a vontade dos deuses, que detêm o sol e a lua, com
o fim de realizar melhor suas façanhas. Como aspecto positivo, a noite repre-
senta o tempo da gestação, das germinações. É rica em todas as virtualidades
da existência. A noite, na narrativa preserva os dois aspectos descritos pelos
estudiosos.
Num primeiro momento, ela é vista como necessária, logo, são enfati-
zados seus aspectos positivos para os indígenas dessa etnia:
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Optamos por reproduzir os termos indígenas da mesma forma como se encontram nas
narrativas. Em alguns casos, os termos têm grafias variáveis e são destacados em itálico.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os mitos indígenas são vastos. A narrativa analisada comprova o quanto
a literatura tem se beneficiado com a incorporação dos mitos em sua área de
estudo. As sociedades indígenas escrevem seus mitos não apenas com intenções
de tornar suas histórias literatura, mas também para registrá-las e torná-las
conhecidas. Hoje, os mitos remotos das etnias estão sendo registrados em
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REFERÊNCIAS
CAMPBELL, Joseph, com Bill Moyers. O poder do mito. Organizado por Betty Sue
Flowers. Tradução: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Editora Palas Athena, 1990.
GOODY, Jack. O mito, o ritual e o oral. Tradução: Vera Joscelyne. Petrópilis, RJ:
Vozes, 2012.
HAKIY, Tiago. Awyató-pót: histórias indígenas para crianças. São Paulo: Pau-
linas, 2011.
KRÜGER, Marcos Frederico. Amazônia: mito e literatura. 2.ª ed. Manaus: Valer:
Governo do Estado do Amazonas, 2005.
MINÁPOTY, Lia. Com a noite veio o sono. São Paulo, LeYa, 2011.
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PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Tradução: Maria Clara F. Kneese
e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2017.
PÃRÕKUMU, Umusi, KEHÍRI, Torãmu. Antes o mundo não existia: a mitologia dos
índios Desâna. 1. ed. São Paulo: Livraria Cultura, 1980.
RIBEIRO, Berta G. Arte indígena, linguagem visual. São Paulo: Editora da Univer-
sidade de São Paulo, 1989.
YAMÃ, Yaguarê. Murũgawa: mitos, contos e fábulas do povo Maraguá. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2007.
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POESIA INDÍGENA DE TIAGO HAKIY: UMA
ECOLOGIA DE SABERES
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de abrir caminhos para possíveis diálogos sobre o papel
das narrativas indígenas como meio de promoção da educação multicultural no
processo formativo de crianças e jovens, este estudo se dedica a analisar uma
obra da literatura infantil de autoria indígena. Elegemos A pescaria do curumim
e outros poemas indígenas, escrito por Tiago Hakiy (2015) e ilustrado por Taísa
Borges. O livro apresenta formas de lidar com a temática indígena na sala de
aula, em atendimento à Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008).
Como docentes e pesquisadores, temos contemplado em nossos estudos
as narrativas mitológicas e os modos de vida indígenas presentes na literatura
infantil e juvenil de autoria indígena e não indígena. A partir de nosso encon-
tro em um ônibus da universidade para ministrar aulas nos cursos de Letras
e História na cidade de Rondonópolis, Mato Grosso, iniciamos uma história
de amizade e parceria acadêmica. Nesses vinte e um anos de amizade temos
construído uma experiência riquíssima voltada ao aprofundamento no diálogo
entre educação, história e literatura. Dentre nossas posturas acadêmicas está
o desafio de se opor ao caráter monocultural dos saberes, ainda tão presente
nas escolas. Entendemos, por exemplo, que a reflexão sobre a leitura literária e
seu papel na constituição do aluno leitor é central para romper com essa visão
e construir práticas educativas em que o debate da diferença e do multicultu-
ralismo se faça cada vez mais presente.
Colocamos em destaque a literatura indígena infantil e juvenil de autoria
indígena, especificamente o livro de Tiago Hakiy (2015), A pescaria do curumim
e outros poemas indígenas. A problemática desta pesquisa incide na análise da
narrativa poética do indígena Sateré Mawé. Seguimos com Eduardo Viveiros de
Castro (2014), em sua acepção teórica do perspectivismo ameríndio ao entender
que seres humanos e natureza encontram-se no mesmo nível de interações e
modificações, ou seja, encontram-se no mesmo patamar. Isso significa que
7
Pós-doutorando (USP). Doutor em Teoria Literária e Literaturas (UnB). Docente do Programa
de Pós-Graduação em Ensino da Universidade de Cuiabá (UNIC).
CV: http://lattes.cnpq.br/6784437572638138
8
Pós-Doutorado em Ciências Sociais (PUC-SP). Doutora em História (UFPE). Docente (UNI-
VAG). Membra do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
CV: http://lattes.cnpq.br/9565286522023443
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conjunto de poesias em A pescaria do curumim e outros poemas indí-
genas, de Tiago Hakiy, do ponto de vista de estilo, apresenta construções bem
humoradas, atitudes de defesa e respeito do modo de ser da fauna e flora, da
56
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 10 abr. 2021.
BAJOUR, Cecília. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura.
São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
JEKUPÉ, Olívio. Literatura escrita pelos povos indígenas. São Paulo: Scortecci, 2009.
57
Tayson Ribeiro Teles (org.)
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultu-
ra(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação. n. 23, mai-ago, 2003.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e
educação antirracista e intercultural no Brasil. In: Educação em Revista, v. 26, n. 1,
p. 15-40, abr. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
text&pid=S0102-46982010000100002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 12.04.2021.
PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo, Ática, 1997.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria
Paula (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, 2010.
58
A ORDEM DO DISCURSO BIOMÉDICO:
SILENCIAMENTO, TRADUÇÃO E FALA EM
LÍNGUA INDÍGENA
INTRODUÇÃO
Há, no imaginário eurocêntrico, um padrão referente aos espaços ocu-
pados por populações específicas. Tanto a cidade quanto a aldeia indígena
são delineadas, na modernidade, por características mais ou menos fixas,
componentes do que se espera do estilo de vida de quem os ocupa. Enquanto
a cidade é representada pela proximidade entre as casas dispostas em ruas
entrecruzadas, com comércios, serviços e áreas de convivência em uma lógica
que responde às estratégias de economia e circulação de pessoas e mercado-
rias, a aldeia corresponde a um espaço de convivências na natureza. As casas
indígenas são representadas como cabanas e, devido à ideia de estrutura, são
tidas como inferiores às casas das cidades.
Segundo ainda a lógica moderna, a cidade deve ser planejada e favore-
cer a saúde, a economia, a segurança e o trânsito de seus habitantes. Dessa
forma, cria-se uma separação conceitual entre cidade e aldeia. A cidade é
lógica, planejada e produtiva, a aldeia é um espaço vocacionado ao ócio, sem
preparo para produção e distribuição de bens. A cidade é econômica e a aldeia
é ecológica, inclinações opostas na relação do sujeito com a natureza, sendo
que a economia transforma a natureza e dela se serve e, ao contrário, a ecologia
conserva a natureza.
O sujeito do mundo moderno, etnocentrado, por inserir-se no imaginário
que integra economia e conhecimento científico como organizadores dos modos
de vida, tem o desejo de transformar as aldeias em cidades. Logo, as propostas
de saneamento urbano, criação de ruas asfaltadas e separação dos espaços de
produção, educação e saúde são pensadas como ajuda aos povos indígenas.
Em Dourados, a cidade e as aldeias se encontram. A periferia da cidade
se estende margeando a aldeia. O número de indígenas também aumentou e
a aldeia já não comporta mais todos seus habitantes. Assim, encontramos nas
linhas de fronteira urbana pequenos assentamentos indígenas. Nos espaços
contínuos de cidade e aldeias, seus habitantes se misturam. Além disso, uma
9
Doutor em Linguística Aplicada (UNICAMP). Docente Psicologia (UFGD).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0091-1042
10
Mestre em Antropologia. Psicóloga (SESAI). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6914-7682
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
Assim:
Na gestão da existência humana, toma uma postura
normativa que não a autoriza apenas a distribuir con-
selhos de vida equilibrada, mas a reger as relações
físicas e morais do indivíduo e da sociedade em que
vive. Situa-se nesta zona fronteiriça, mas soberana
para o homem moderno, em que uma felicidade orgâ-
nica, tranquila, sem paixão e vigorosa, se comunica de
pleno direito com a ordem de uma nação, o vigor de
seus exércitos, a fecundidade de seu povo e a marcha
paciente de seu trabalho (FOUCAULT, 1977, p. 39).
O homem e o valor social resultam do alinhamento à modernidade
soberana, mas constata-se no cotidiano hospitalar um trânsito imprevisto
de diferentes línguas, silêncios, controles e movimentos peculiares de trans-
formação. São declarados diariamente, por muitos profissionais, incontáveis
“pacientes indígenas silenciosos”. Há outros dizeres habituais nas descrições
clínicas: “paciente não se comunica bem em Português”; “nega quaisquer outras
queixas”; “mau informante” (TIVIROLLI, 2017, p. 16). A percepção monofônica
se perpetua, considera-se apenas uma perspectiva: “falar corretamente o Por-
tuguês”. Os discursos não hospitalares não chegam a ser pronunciados ou não
são ouvidos. As vozes são reduzidas a problemas de comunicação, distanciando
e inviabilizando a alteridade.
Os agentes do Estado adotam medidas, implícitas ou explícitas, para
estabelecer as línguas faladas em ambientes públicos de seus territórios.
Nesse prisma:
No campo político, as decisões sobre línguas manifes-
tam uma intenção deliberada da instância de poder, seja
para reconhecer e demarcar os territórios ocupados
[...]. A metáfora da demarcação das línguas indígenas,
se usada numa perspectiva histórica, pode revelar, [...]
como as medidas políticas formuladas e executadas
pela Coroa Portuguesa e, depois, pelo Estado nacional
neobrasileiro, contribuíram para fortalecer algumas
línguas em detrimento de outras e explicar porque
algumas línguas desapareceram e outras se expandiram
[...], com consequências sobre a ocupação do território
e sobre o direito à terra (FREIRE, 2016, p. 364).
Retomamos a alteridade como ameaça imaginária. Inúmeras vezes,
mesmo que usuários/as dos serviços compreendam e falem o Português, o
62
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
POLÍTICAS DE LÍNGUA
A perspectiva do sujeito nos processos do fazer saúde traz o usuário
indígena para uma cena em que a língua se constitui como potencial de resis-
tência, como ato político e agência que, de acordo com Feuerwerker (2014),
admite componentes heterogêneos em movimentos permanentes que sustentam
processos de (des/re)territorialização, produzindo devires.
O cuidado em Saúde marca sujeitos pelas barreiras da língua, mas o uso
da língua indígena movimenta essas barreiras, mobiliza posições de poder,
desloca canais de enunciação e lugares de silenciamento. Os sujeitos ocupam
diferentes posições no discurso, pois são historicamente constituídos e, justa-
mente por intervirem no repetível, atualizam e ressignificam discursos, produ-
zem novos sentidos, outras leituras e interpretações (NETTO, 2008). Por isso o
sujeito é sempre inacabado, produzindo-se interminavelmente em movimento
de vir-a-ser. Por ser histórico é também político e Arendt (2002) constata ser a
língua algo que surge entre os homens de modo a propiciar o aparecimento de
um espaço entre eles. A política baseia-se na pluralidade humana, tratando da
convivência entre diferentes e organizando um mar de diferenças.
As tensões percebidas no hospital remetem aos embates históricos
entre os papéis de colonizador e colonizado. O índio continua a ser percebido
com reservas, sempre controverso, estranho, distante e distorcido, com outras
concepções de doença, saúde e cura que contrariam o conhecimento científico.
Nessa direção:
A estrutura da relação de produção linguística depende
da relação de força simbólica entre os dois locutores,
isto é, da importância de seu capital de autoridade (que
não é redutível ao capital propriamente linguístico):
a competência é também, portanto, capacidade de se
fazer escutar. A língua não é somente um instrumento
de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um
instrumento de poder. Não procuramos somente ser
compreendidos, mas também obedecidos, acreditados,
respeitados, reconhecidos. Daí a definição completa da
competência como direito à palavra, isto é, à linguagem
legítima como linguagem autorizada, como linguagem
de autoridade (ORTIZ, 1983, p. 160).
O silêncio dos usuários indígenas pode provocar entendimentos este-
reotipados, reducionismos e percepções distorcidas de: desinteresse, distância,
passividade e, até mesmo, déficit cognitivo. Justamente por não considerarem
seus conhecimentos tradicionais, nas intervenções médicas e internações hos-
pitalares são calados pela rotina e objetividade disciplinar, onde não cabe falar
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O complexo cenário hospitalar revela sua rugosidade a partir de reen-
trâncias, rupturas e marcas produzidas pelos diversos sujeitos e línguas que
transitam, se tocam, se atravessam e se distanciam revelando processos comuns
à rotina do cuidado, à produção de discursos e às possibilidades de existência
dos saberes subalternos e marginalizados, dos fluxos de reterritorialização e do
devir das línguas que se mostram políticas, sensíveis, contraditórias, intersticiais.
REFERÊNCIAS
ARENDT, H. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
ORTIZ, R. Pierre Bourdieu: sociologia. In: BOURDIEU, P.; ORTIZ, R. (Org.); MONTERO,
P. (Trad.). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Ática, 1983. p. 156-183.
70
DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIGENAS E A
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DAS TERRAS
TRADICIONALMENTE OCUPADAS NO BRASIL
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo analisar a proteção constitucional
das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas como um direito funda-
mental destas comunidades à manutenção de sua cultura e de sua dignidade. A
posse dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam é considerada
um direito fundamental. Direito fundamental este que decorre dos preceitos
contidos no art. 231 de nossa Constituição Federal.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) normatizou os direitos e garantias
para garantir às condições indispensáveis para a vida digna das comunidades
indígenas, entre elas estão: o direito à posse das suas terras e ao usufruto das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (artigo 231, caput e § 2o,
da CF/88); o direito à preservação da própria cultura (artigo 231, caput, da CF/
88); o direito à educação na própria língua (artigo 210, § 2o, da CF/88);
Embora este direito fundamental não esteja diretamente elencado no art.
5º de nossa Carta Magna, não resta dúvida que este seja um direito fundamen-
tal. Também é importante salientar que o direito à terra e manutenção de sua
cultura são, sem dúvida, os principais cernes dos direitos dos povos indígenas.
Do direito à terra, a sua posse, dependem todos os demais direitos e a
própria continuidade e reprodução cultural desses povos, uma vez que sem
o direito a suas terras todos os demais direitos indígenas estão prejudicados
na sua essência.
O entendimento deste princípio é importante, uma vez que este é a base
para entender todos os conflitos que ocorrem diante desta situação e muitas
vezes os argumentos contrários buscam justificativas no sentido de deslegiti-
má-lo, ou mesmo de desqualificá-lo como direito fundamental.
Esta argumentação ocorre por motivos diversos, o que ao invés de contri-
buir para solução do problema, na maioria dos casos serve como combustível
para aumentar a discussão e pressionar os órgãos governamentais e setores
da sociedade brasileira, no sentido de que não se demarquem as terras tradi-
cionalmente ocupadas pelos indígenas.
CV: http://lattes.cnpq.br/7985719108706196
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
Por outro lado, é importante lembrar que não existiam até então alguma
menção expressa à dignidade da pessoa humana nas primeiras cartas cons-
titucionais brasileiras. Somente na Constituição brasileira de 1934 aparece
expressamente no texto constitucional o termo “a todos existência digna”. A
partir desta Constituição Federal se torna indispensável o enfoque no texto
constitucional da dignidade da pessoa humana (NUNES, 2018, p. 49).
A Constituição Federal de 1988, busca a construção de um Estado Demo-
crático de Direito, que tem por finalidade “assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos” (PIOVESAN, 2013, p. 88).
Quando se fala em dignidade da pessoa humana, deve-se sempre lem-
brar que sua admissão deve ser realizada dentro de um Estado Democrático
de Direito. Estado este, que é o fundamento da nossa Constituição e tem como
objetivo a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade,
da segurança, do bem-estar, entre outros direitos fundamentais, como valores
supremos de uma sociedade moderna, fraterna, igualitária e pluralista que
pensa no ser humano como um ente que detém dignidade e que esta dignidade
deve ser protegida e respeitada pelo Estado.
Segundo Sarlet (2007), a dignidade da pessoa humana não depende de
uma circunstância concreta, uma vez que todos os seres humanos possuem
dignidade de maneira igual. Sendo que este é o entendimento do artigo 1° da
Declaração Universal da ONU (1948), pelo qual “todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem
agir uns para com os outros em espírito e fraternidade” (SARLET, 2007, p. 158).
Ao tratar de direitos fundamentais do indígena, é importante lembrar que
este direito tem fundamentação no princípio da dignidade da pessoa humana
(BARBIERI, 2008, p. 121).
Assim como todos os seres humanos, o indígena tem direito a uma vida
digna em igualdade de condições com outros povos. No mesmo sentido, é
importante que as condições que mantem esta dignidade devem ser preserva-
das, como exemplo destas condições podemos citar a sua cultura, sua crença,
seus hábitos e sua forma de viver (NUNES, 2018, p. 52).
O direito à posse das terras tradicionalmente ocupadas pelas comu-
nidades indígenas é um direito fundamental. Lembra-se que os dispositivos
previstos na Constituição Federal, como direitos fundamentais, possuem
prerrogativas maiores dentro do sistema constitucional. Assim, quando uma
norma da Constituição Federal é considerada “direito fundamental”, passa a
ser considerada de aplicabilidade imediata e eficácia plena (art. 5°, §2°, CF);
é havida como cláusula pétrea, impossibilitando a sua revogação pelo poder
constituinte derivado (art. 60, §4°, CF).
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito a ocupação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indí-
genas é um direito fundamental coletivo da comunidade indígena que ocupa a
referida área e esta comunidade está protegida Constitucionalmente por uma
relação jurídica-base.
Os princípios de direitos fundamentais têm como pedra fundamental a
dignidade da pessoa humana e produzem eficácia nas relações entre o Estado
e os particulares.
A Constituição Federal trouxe elementos para definição do que são terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios, e no seu texto condicionou seu uso
respeitando os costumes e às tradições das comunidades indígenas.
A fundamentalidade da posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos
indígenas decorrer do art. 231 da Constituição Federal, configurado como um
princípio jurídico ligado à dignidade da pessoa humana.
Os direitos dos índios são considerados direito fundamentais, uma vez
que estes decorrem da possibilidade de aplicabilidade direta e eficácia imediata
e a impossibilidade de sofrer emenda constitucional o que se equipara em
importância constitucional, com o direito de propriedade particular.
Resta claro que o direito dos indígenas sobre as terras por eles tradicio-
nalmente ocupada são direitos fundamentais. A Constituição federal em seu
art. 231 reafirma este conceito quando traz em seu dispositivo ao tratar sobre
a posse dos índios sobre as terras tradicionalmente ocupadas, o que faz testa
ao direito fundamental de propriedade civil dos não indígenas.
O reconhecimento da posse indígena como um direito fundamental
imprescindível para a resolução dos conflitos que ocorrem sobre estas áreas.
Conflitos estes que todos os são mais frequentes diante do exercício da posse
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa
Humana: O Enfoque da Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
BORGES, Antonino Moura. Terras indígenas e seus conflitos atuais. 1ª ed. Campo
Grande: Contemplar, 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o
direito. Curitiba: Juruá, 2005.
81
A COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA
INDIGENISTA (CNPI): UM BREVE CAPÍTULO
DA HISTÓRIA RECENTE DO INDIGENISMO
BRASILEIRO
INTRODUÇÃO
O termo “indigenismo” é comumente utilizado para referenciar um
conjunto de práticas e ações em favor dos indígenas. Em face disso, a expressão
“indigenista” passou a ser utilizada tanto para definir um tipo de atividade ou
campo de ação (política indigenista, legislação indigenista, formação indigenista)
como para designar uma categoria funcional (agente indigenista, antropólogo
indigenista, missionário indigenista). Todavia, sob o aspecto conceitual, torna-se
muito difícil encontrar uma definição precisa.
Diante dessa dificuldade, a antropóloga Alcida Rita Ramos assim a ele
se referiu:
É uma Babel de conjunções e disjunções erigida com
uma grande variedade de ingredientes que vão desde
políticas oficiais, posturas religiosas e laicas sobre o
destino dos povos indígenas, de construções antropo-
lógicas ou imagens jornalísticas a manifestações dos
próprios índios frente à sociedade dominante. A minha
definição de Indigenismo não se restringe, portanto, ao
indigenismo oficial. É, ao contrário, um indigenismo
com I maiúsculo para marcar um recorte bem mais
amplo do que o oficialismo indigenista e para seguir
o emaranhado de trilhas deixadas na consciência e no
inconsciente coletivo por multidões de transeuntes
que se acotovelam na paisagem do campo interétnico
(RAMOS, 1998, p. 8).
Segundo Alves (2007, p. 30), “o termo indigenismo, cujos significados
foram cunhados a partir da Revolução Mexicana de 1910, possui, atualmente,
um leque grande de sentidos, o que dificulta bastante sua utilidade em ter-
mos analíticos”. Todavia, a partir da realização do I Congresso Indigenista
12
Doutor em Bioética. Professor (UFPE). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6360-0212
13
Doutora em Direito (UnB). Professora (UFPE). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3096-2089
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
14
Tal concepção somente foi alterada após a aprovação da Constituição Federal de 1988, não
obstante tenha permanecido na prática de muitos agentes indigenistas do Estado resquícios
da compreensão anterior.
83
Tayson Ribeiro Teles (org.)
de ser indígena. Para realizar a pretendida integração, foi criada a Lei Federal
n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), ainda hoje vigente.
Como bem descrevem Gagliardi (1989) e Souza Lima (1995), o indige-
nismo brasileiro oficial tem como características o protecionismo, o assisten-
cialismo e o produtivismo, o que pode ser facilmente compreendido dentro
no contexto do seu surgimento como parte de um projeto de modernização,
que pretendia promover a integração do meio rural ao modelo de desenvolvi-
mento adotado para o país. Dessa forma, “mais do que como raça ou etnia os
indígenas passam a ser vistos aí como produtores agrícolas, como ‘campesinos’”
(VERDUM, 2006, p. 19).
Havia nessa política uma negação dos direitos originários dos povos
indígenas sobre suas terras. Sob o véu da “harmoniosa integração”, o principal
projeto do Estado era promover a expansão de suas as fronteiras econômicas
através da expropriação dos territórios indígenas e sua liberação ao latifúndio.
Como observava José Carlos Mariátegui (2007, p. 29):
La cuestión indígena arranca de nuestra economía.
Tiene sus raíces em el régimen de propiedad de la
tierra. Cualquier intento de resolverla com medidas de
administración o policía, con métodos de enseñanza
o com obras de vialidad, constituye un trabajo super-
ficial o adjetivo, mientras subsista la feudalidad de los
“gamonales”15.
Paradoxalmente, enquanto negava aos povos indígenas sobreviventes
a sua identidade étnica na perspectiva de integrá-los à chamada “comunhão
nacional”, essa política possibilitou a sobrevivência física de muitos deles,
ainda que em certos casos espremidos em pequenas faixas de terras reserva-
das, assemelhadas a campos de concentração, e compartilhadas à contragosto
entre povos rivais.
O presente texto não pretende apenas dar visibilidade à experiência
do indigenismo oficial brasileiro, mas analisar o processo histórico de sua
construção. Como bem observa Scott (1998, p. 304),
Tornar visível a experiência de um grupo diferente
expõe a existência de mecanismos repressivos, mas
não sua lógica ou seus funcionamentos internos; sabe-
mos que a diferença existe, mas não a entendemos
como constituída em relação mútua. Por isso precisa-
15
A questão indígena começa em nossa economia. Tem suas raízes no regime de proprie-
dade da terra. Qualquer tentativa de resolvê-lo com medidas administrativas ou policiais,
com métodos de ensino ou com obras viárias, constitui um trabalho superficial ou adjetivo,
desde que subsista a feudalidade dos latifúndios. (Tradução livre).
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
A TUTELA INDÍGENA
A vida dos povos indígenas sob a proteção do antigo SPI e depois da
Fundação Nacional do Índio (Funai) foi historicamente desprovida de auto-
nomia. Considerados “relativamente incapazes” pelo Código Civil de 201616 e
submetidos ao regime de tutela, estavam sob o controle constante do Estado,
que entre outras restrições limitava-lhes o direito de ir e vir, e determinava
com quem poderiam se relacionar.
A tutela imposta aos povos indígenas revela a problemática cultural
resultante do processo colonial, posto que “a cultura só emerge como um
problema ou uma problemática no ponto em que há uma perda de significado
na contestação e articulação da vida cotidiana entre classes, gêneros, raças,
nações” (BHABHA, 1998, p. 63). Frente a isso, faz-se necessário considerar para
fins de análise do desenvolvimento do indigenismo tutelar no Brasil a questão
da diferença cultural.
De acordo com Swain (2004, p. 35), “a diferença em si não é nem positiva
nem negativa, pois somos diferentes mesmo em relação a nós mesmos, em nosso
caminhar histórico”. Contudo, a autora reconhece que há uma “diferença” que
é politicamente criada, constituindo assim “a diferença cultural” identificada
dentro de todo e qualquer processo de colonização. Nesse contexto, os membros
de uma cultura hegemônica colonizadora exercem uma dominação sobre os
membros de culturas não hegemônicas e colonizadas, exercendo uma relação
de poder geradora e mantenedora das desigualdades sociais.
Considerando a complexidade dos processos de colonização, Bhabha
defende a utilização do conceito de “diferença cultural”, entendendo ser insu-
ficiente uma análise fundamentada apenas na diversidade cultural para a
compreensão ampla das relações de poder ali estabelecidas. A diversidade
16
O novo Código Civil, de 2002, delegou a decisão sobre a capacidade civil indígena à legis-
lação específica, que continua sendo o Estatuto do Índio de 1973, pautado no regime tutelar
integracionista. Tal perspectiva, contudo, não se encontra recepcionada no novo paradigma
trazido pela Constituição Federal de 1988, que reconhece a capacidade plena e autonômica
dos indígenas, nos termos de suas próprias competências socioculturais.
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
86
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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17
Vinculada ao Ministério da Justiça e presidida pela Funai, a CNPI era constituída por
treze (13) representantes do Governo Federal – doze deles com direito a voto além do voto
do presidente da Funai em caso de empate –, vinte (20) representantes de Povos Indígenas
regionalmente considerados – sendo dez (10) com direito a voto –, e dois (02) de organizações
indigenistas, cada um com direito a voto. Os representantes dos órgãos governamentais con-
tavam então com 12 votos, enquanto a representação de indígenas e indigenistas somavam
outros 12 votos, ficando o desempate a cargo da Funai.
88
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
A proposta foi aceita pelo governo, o que representou uma dupla vitória
para o movimento indígena: ao mesmo tempo em que se retardava a tramita-
ção do PL 1610/96, possibilitava-se um novo debate sobre o Estatuto dos Povos
Indígenas. Por entender que o texto do PL 2057/92 já estava desatualizado em
razão dos quase 20 anos passados desde a sua redação primeira, os indígenas
membros da CNPI asseguraram que a comissão promovesse uma ampla con-
sulta aos povos, através de oficinas nas várias regiões do país, no intuito de
debater a proposta existente.
Dessa forma, durante os anos 2008 e 2009 ocorreu o processo de con-
sultas, a partir de uma metodologia participativa construída conjuntamente
com os representantes indígenas, indigenistas e governamentais na CNPI. A
opção metodológica foi bastante exitosa, possibilitando a revisão completa do
texto original, com muitas emendas e supressões, o que resultou em proposta
alternativa ao PL 2057/92, que foi submetida ao plenário do Acampamento
Terra Livre (ATL)18 realizado em 2009, em Brasília. Pouco tempo depois, o
então Ministro da Justiça, Tasso Genro, acompanhado por uma representação
indígena da CNPI, entregava ao presidente da Câmara Federal o texto aprovado
pelo Acampamento Terra Livre.
Esse acontecimento parecia indicar que o governo estava realmente
interessado em investir na mudança da relação estabelecida entre o Estado e
os indígenas durante os mais de 500 anos de colonização. Muitos acreditavam
que a experiência de consulta realizada sobre o Estatuto poderia servir como
ponto de partida para a regulamentação do instrumento de Consulta Prévia,
Livre e Informada previsto pela Convenção 169 da OIT. Para alimentar ainda
mais a esperança, ainda em 2008, a CNPI já concluíra uma de suas principais
tarefas estabelecidas pelo decreto de criação da mesma e enviava ao Congresso
Nacional, através de uma mensagem do Poder Executivo, a proposição de um
Projeto de Lei para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista
(PL 3571/08).
Além disso, durante as reuniões da CNPI, a representação indígena
demonstrava grande capacidade de articulação, o que possibilitava a aprovação
de moções de apoio e resoluções referentes aos mais variados assuntos: agili-
zação de procedimentos de demarcação de algumas terras, criação de comis-
sões especiais para visitar terras indígenas em situação de conflito, medidas
de combate à violência contra povos indígenas, intervenção na elaboração de
políticas públicas etc.
18
Acampamento Terra Livre é como é conhecida a assembleia anual realizada desde 2004
pelos povos indígenas de todas as regiões do Brasil no gramado central da Esplanada dos
Ministérios, em Brasília – DF. A experiência teve início com a montagem de diversas malocas
no local como forma de reivindicar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol,
localizada em Roraima.
89
Tayson Ribeiro Teles (org.)
Mas a empolgação que a todos envolveu sofreu um duro golpe nos últi-
mos dias do ano de 2009, exatamente na semana dos festejos de final de ano.
Entre o Natal e a Celebração do Ano Novo, quando todo o país entra em clima
de confraternização, inclusive os povos indígenas, o Governo editou o Decreto
Federal 7056 promovendo uma reestruturação da Funai, sem qualquer consulta
aos principais interessados, os povos indígenas.
Tal mudança provocou muitos embates entre o governo e representações
do movimento indígena no Brasil. Embora houvesse críticas dos povos indí-
genas à Funai e desejo de que mudanças fossem realizadas, a forma como foi
feita causou descontinuidade dos serviços prestados às comunidades, deixando
muitas aldeias sem a presença de servidores do órgão indigenista, retirados
abruptamente do local, deixando a população sem informações sobre a quem
direcionar suas demandas.
Em junho de 2011, às vésperas da 17ª reunião ordinária da CNPI, mani-
festa-se mais uma evidência do autoritarismo estatal. Através da imprensa, a
representação não governamental da CNPI tomou conhecimento da publica-
ção da Portaria Conjunta n° 951 de 19 de maio de 2011 que criou um grupo de
estudo interministerial para elaborar ato que disciplinava a participação dos
entes federados nos procedimentos de identificação e delimitação das terras
indígenas.
Descumprindo o que determina a Convenção 169 da Organização Inter-
nacional do Trabalho (OIT), que em seu artigo 6º estabelece que os governos
devam “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados
e particularmente, por meio de suas instituições representativas, sempre que
se tenha em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los
diretamente”, o governo constituiu um Grupo de Trabalho apenas com repre-
sentantes governamentais, demonstrando uma atitude deliberada de excluir os
indígenas da discussão dos procedimentos de demarcação de seus territórios
tradicionais.
Diante dessa atitude, logo após a instalação da 17ª sessão plenária da
CNPI, no dia 16 de junho de 2011, todos representantes indígenas inscreve-
ram-se para assegurar o direito à fala, e em posição unânime, fizeram duras
críticas ao processo de esvaziamento da CNPI iniciado pelo governo desde o
final de 2009. Concluídas as intervenções, comunicaram a decisão coletiva de
suspenderem, a partir daquele momento, sua participação na CNPI, condi-
cionando a volta a uma reunião de trabalho com a presidenta Dilma Roussef.
Esta reivindicação se justificava pelo fato da presidenta, por várias vezes, ter
se recusado a receber representantes indígenas, sempre alegando dificuldades
na agenda ou motivos de saúde.
Alguns meses após aquela sessão traumática o diálogo com o governo
começou a ser reconstruído, agora entrando em pauta a reivindicação dos indí-
90
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
91
Tayson Ribeiro Teles (org.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil inaugurou uma nova com-
preensão sobre o status jurídico dos povos indígenas que habitam seu território.
Até então esses povos eram considerados relativamente incapazes, e vistos
como uma espécie de categoria transitória que deixaria de existir a partir do
momento que atingissem o grau de “civilização”, definido pelo estado como
indicador de emancipação. Sob essa justificativa, viviam na condição de tute-
lados pelo órgão indigenista oficial brasileiro.
Com o texto constitucional de 1988, a autonomia dos povos originários
passou a ser reconhecida, o que implica no fim da tutela. Uma grande virada
que reconheceu os direitos territoriais e culturais dos indígenas e rompeu defi-
nitivamente com a perspectiva evolucionista que propugnava a sua integração
à “comunhão nacional”. Entretanto, com base na experiência acumulada por
longas décadas o Brasil continua a desenvolver uma política indigenista auto-
92
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: A Arte de inventar o Passado.
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et alli (Orgs). Escrita da História: Intelectuais e Poder. Goiânia: Editora da UCG,
2004, p. 41-57.
94
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
95
A COMPLEXIDADE DO RECONHECIMENTO
JURÍDICO DE COMUNIDADES INDÍGENAS
NÃO ALDEADAS E NÃO VIVENTES EM TERRAS
INDÍGENAS OFICIALMENTE RECONHECIDAS
PELO ESTADO
INTRODUÇÃO
Em 2018, por seis meses, após aprovação em concurso público, atuei
como servidor efetivo da Fundação Nacional do Índio – Funai, no cargo de
Indigenista Especializado, de nível superior. Fui lotado no estado do Pará, na
cidade de Altamira. Laborei na Funai por apenas seis meses, porquanto fui
convocado de outro concurso público, em outro estado da federação.
Na cidade de Altamira encontrei os conflitos entre os povos indígenas
daquela região e a empresa Norte Energia S/A, a qual estava finalizando as
obras da Hidrelétrica de Belo Monte, que fica na região do Rio Xingu, próximo
à Altamira. A obra impactou a vida dos ribeirinhos e povos indígenas da região.
Em contrapartida, a Norte Energia S/A ofereceu compensações aos indígenas e
outros povos tradicionais locais. Desde indenizações a materiais, como barcos,
voadeiras, construção de casas em alvenaria nas aldeias etc.
Ocorre que, nesse contexto do recebimento das compensações, houve
um momento em Altamira que qualquer um se dizia indígena com o intuito
de ser beneficiado pela Norte Energia S/A. A empresa passou a requerer que
as pessoas apresentassem declarações da Funai local de que eram indígenas.
Começou um grande problema, pois atualmente a legislação pátria veda o
reconhecimento indígena por essa via. Hoje em dia, por conta de tratados
internacionais, vivemos sob a égide do auto reconhecimento indígena. Se a
pessoa se considera indígena, ela tem de ser vista pelo Estado como tal.
O objetivo deste texto é discutir esse assunto. A metodologia de pesquisa
é a exploração bibliográfica. O diferencial do trabalho é que ele se trata de
uma experiência pessoal do autor. Ao chegar em Altamira em janeiro de 2018,
fui convidado para atuar como Chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Terri-
torial – Segat da Coordenação Regional Centro Leste do Pará e, então, coube
a mim, junto com a Coordenação Geral da Funai local, buscar, junto à Funai
20
Doutorando em Letras: Linguagem e Identidade (UFAC). Docente EBTT (IFAC). Líder do
Grupo de Pesquisa Núcleo de Pesquisas em Gestão e Negócios do Acre (NUPEGEN-Acre), do
IFAC/CNPq. OCIRD: https://orcid.org/0000-0003-1309-8708
96
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
98
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
21
“Atualmente, a demarcação de terras indígenas é regida pelo que está previsto no artigo
231 da Constituição Federal de 1988 e pela Lei 6.001 de 1973, que, embora anterior à Consti-
tuição, segue vigente naquilo que não a contraria e é regulamentada pelo Decreto 1.775/1996”
(CAVALCANTE, 2016, p. 7).
22
Revogado pelo Decreto Federal n. 10.088/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5. Acesso em: 07 mar. 2021.
100
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
101
Tayson Ribeiro Teles (org.)
23
Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, Art. 231, caput,
e Art. 2.º do Decreto n.º 9.010, de 23 de março de 2017 (Estatuto da FUNAI).
102
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A solução para o problema relatado neste capítulo foi a seguinte: na
condição de Chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial, solicitei à
Coordenação Regional Centro Leste do Pará o encaminhamento das seguintes
dúvidas/questões itematizadas, para respostas por parte dos setores responsá-
veis/competentes na Funai – Sede, em Brasília, notadamente a Procuradoria
Federal Especializada – PFE junto à Funai26, a Coordenação Geral de Identifi-
cação e Delimitação27 e a Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental28:
24
Resolução CGE/FUNAI (Câmara de Gestão Estratégica) n. 1, de 24 de novembro de 2017, Art. 2°.
25
Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, Art. 37, caput.
26
Conforme o Art. 23, inciso III, do Regimento Interno da Funai, a Portaria n. 666, de 17 de
julho de 2017, da Presidência da Funai, cabe à PFE junto à Fundação “exercer as atividades
de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito da Funai e aplicar, no que couber, o
disposto no art. 11 da Lei Complementar n. 73, de 10 de fevereiro de 1993”.
27
Consoante o Art. 184, inciso I, do Regimento Interno da Funai, a Portaria n. 666, de 17
de julho de 2017, da Presidência da Funai, compete à Coordenação-Geral de Identificação e
Delimitação - CGid “promover, planejar, organizar, coordenar, orientar, avaliar e executar
as ações de sistematização dos registros de reivindicações fundiárias indígenas; de estudos
de identificação e delimitação de terras indígenas tradicionalmente ocupadas, incluindo
aquelas ocupadas por povos indígenas isolados e de recente contato; e de estudos visando à
constituição de reservas indígenas”.
28
Aduz o Art. 135, incisos I e IV, do Regimento Interno da Funai, a Portaria n. 666, de 17 de
julho de 2017, da Presidência da Funai, que cabe à Coordenação Geral de Licenciamento
Ambiental – CGLic “formular, planejar, organizar, coordenar, orientar, avaliar e monitorar, em
articulação intersetorial e interinstitucional, a execução das ações necessárias ao cumprimento
do componente indígena do licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos, pro-
103
Tayson Ribeiro Teles (org.)
postos por terceiros, que sejam potencial ou efetivamente causadores de impacto aos povos
e às terras indígenas” e “propor normas e procedimentos no que se refere à regulamentação
do componente indígena no licenciamento ambiental, no âmbito da sua competência”.
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Federal nº 7.747, de 5 de Junho de 2012. Brasília: Presidência da
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2014/2012/decreto/d7747.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%207.747%2C%20
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7.716%2C%20DE%205%20DE%20JANEIRO%20DE%201989.&text=Define%20os%20
crimes%20resultantes%20de,de%20ra%C3%A7a%20ou%20de%20cor. Acesso em:
07 mar. 2021.
29
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todeclaracao-indigena/#:~:text=O%20ministro%20Roberto%20Barroso%2C%20do,de%20
identidade%20dos%20povos%20ind%C3%ADgenas. Acesso em: 09 abr. 2021.
106
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BRASIL. Lei Federal n. 12.711, de 29 de agosto de 2012 (Lei de Cotas para ingresso
em Universidades e Institutos Federais Públicos). Brasília: Presidência da Repú-
blica, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
lei/l12711.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2012.711%2C%20DE%2029%20DE%20
AGOSTO%20DE%202012.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20ingresso%20
nas,m%C3%A9dio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso
em: 07 mar. 2021.
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
MOTA, Clarice Novaes da. Ser indígena no brasil contemporâneo: novos rumos para um
velho dilema. Ciência e Cultura, vol.60 no.4 São Paulo Oct. 2008. Disponível em: http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000400011.
Acesso em: 07 mar. 2021.
ONU. Declaração da Organização das Nações Unidas - ONU sobre os direitos dos
povos indígenas. Rio de Janeiro: ONU, 2007. Disponível em: https://www.acnur.org/
fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Declaracao_das_Nacoes_Unidas_sobre_os_
Direitos_dos_Povos_Indigenas.pdf. Acesso em: 07 mar. 2021.
108
OS ÍNDIOS E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
LATINO-AMERICANO: PERSPECTIVAS PREVISTAS
PELA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 NA
ERA DA TECNODIVERSIDADE30
INTRODUÇÃO
Desde o início da década de 1980, começou a se desenvolver uma nova
ordem constitucional na América Latina, com o objetivo de abandonar os
constitucionalismos criados na Europa e nos Estados Unidos, mas que eram
empregados nesse continente. O novo constitucionalismo latino-americano
surge com propostas de um Estado plurinacional, que valoriza a diversidade
cultural – englobando as populações sonegadas pela história como indígenas,
ciganos, dentre outras - e que respeita e reconhece os diferentes conhecimentos
e cosmovisões criadas na América Latina.
Mesmo tendo sido denominado de novo constitucionalismo latino-a-
mericano, isso não significa que todos os países localizados nesse continente
façam parte desse movimento. Na verdade, existem países que somente pro-
porcionaram o surgimento dele, ao passo que outros realmente possuem suas
Constituições desenvolvidas dentro do novo constitucionalismo latino-ameri-
cano, como é o caso da Bolívia e do Equador.
Diante disso, cabe perquirir se a Constituição Federal de 1988 pode
ser considerada uma Constituição pertencente ao novo constitucionalismo
latino-americano? Tendo por base essa problemática, o objetivo do presente
trabalho é verificar a situação/alocação da Constituição do Brasil frente a esse
novo movimento na era da tecnodiversidade, sendo que este conceito abrange
uma multiplicidade de cosmotécnicas que diferem umas das outras em seus
valores, epistemologias e formas de existência (HUK, 2020)
30
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
31
Mestranda em Direitos Emergentes na Sociedade Global (UFSM).
CV: http://lattes.cnpq.br/3534826537258706
32
Mestranda em Direitos Emergentes na Sociedade Global (UFSM).
CV: http://lattes.cnpq.br/4877829050497620
33
Doutora em Direito (UNISINOS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito
(PPGD/UFSM). CV: http://lattes.cnpq.br/6294253776126361
109
Tayson Ribeiro Teles (org.)
DESENVOLVIMENTO
A América Latina é marcada pela colonização e pela colonialidade. As
terras localizadas nesse continente foram “descobertas” e apropriadas pelos
europeus, que além de retirá-las daqueles que nesses espaços já viviam, ten-
taram retirar deles também a cultura, conhecimento e religião através de um
processo de “civilização” do homem selvagem/primitivo (ACOSTA, 2016, p. 55).
Todo esse processo é marcado pela violência e pelo uso da colonialidade
do poder, do saber e do ser. Além disso, ele proporcionou o surgimento de novos
meios de dominação que se perduram até os dias atuais. Se a colonização ficou
de lado há séculos, a colonialidade se mostra vigente ainda hoje, isso porque
a colonialidade é a “continuação do colonialismo por outros meios, um outro
tipo de colonialismo” (SANTOS, 2020, p. 27).
Nesse processo de colonização, foi imposto aos povos originários o
mundo europeu enquanto único modo de vida certo e possível em prol do
desenvolvimento (ACOSTA, 2016, p. 55). Desde então, criou-se uma cultura
de recepção de tudo que vem de fora, notadamente da Europa. E isso não foi
diferente quando se trata de sistemas jurídicos, posto que a América Latina
sofria e ainda sofre forte influência daqueles adotados na Europa e nos Estados
Unidos, mesmo diante das evidentes diferenças existentes entre esses espaços
(COELHO, 2018, p. 30).
Assim, como o continente latino-americano passou a recepcionar a
cultura da Europa, houve a recepção dos sistemas jurídicos europeus, como
o constitucionalismo moderno. Esse movimento surge no século XVIII, sob a
influência das Revoluções Francesa, Inglesa e Americana. Mas ele nasce liberal
devidos às reivindicações da época. O Estado liberal não era intervencionista
e primava pela liberdade e pela propriedade privada, sendo esses valores
almejados à época devido aos anteriores períodos de absolutismo. Em que
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
de elaboração. No caso da MP, ela foi editada pelo executivo em ato repentino,
ignorando todas as discussões que já existiam no legislativo. Anos depois, com
a Lei 13.123, tudo se repete quando mais uma vez não ocorre a participação
dos povos tradicionais para a criação da legislação que iria regular os seus
conhecimentos tradicionais associados (NASCIMENTO; BARBOSA; PEREIRA,
2017, p. 177).
Dessa forma, percebe-se que não houve e não há adequada participação
da população no Processo legislativo brasileiro. Esse déficit continua ocorrendo
nos dias atuais, podendo-se evidenciar uma fragilidade na democracia brasileira.
Justifica-se isso, uma vez que os povos marginalizados, como os indígenas, não
participam dos processos decisórios, nem mesmo daqueles que impactarão
mais diretamente as suas vidas. Há, assim, mais um elemento em dissonância
com as características do novo constitucionalismo latino-americano.
Não obstante a constituição brasileira consagrar o direito ao meio
ambiente, à cultura e a proteção da população indígena, constata-se que “a
questão da plurinacionalidade e do interculturalismo não permeiam todo o
texto constitucional, como ocorre nas Novas Constituições Latino-americanas”
(NEDEL; GREGORI, 2018, p. 32). No entanto, é possível reconhecer elementos
característicos da essência desse movimento na sociedade brasileira, tendo
em vista os traços multiculturais e a desigualdade presentes (NASCIMENTO;
MARTINS; IRIGARAY, 2016, p. 561).
Conforme abordado anteriormente, a natureza é um fator essencial
para as constituições do novo constitucionalismo latino-americano. O Brasil
elenca o meio ambiente como bem de uso comum do povo, o que representa
uma ideia de exploração, contrária ao movimento estudado. Dito de outro
modo, no constitucionalismo latino-americano “o homem é parte integrante da
natureza, superando a perspectiva de que a natureza é bem de uso comum do
povo, como faz a constituição brasileira” (BARBOSA; TEIXEIRA, 2017, p. 1131).
Já no que tange ao pluralismo jurídico, componente relevante do movi-
mento em questão, conforme abordado alhures, também não se verifica em
profundidade no sistema jurídico brasileiro. Nas palavras de Ana Paula Barcel-
los, “O Judiciário brasileiro parece combinar supremacia constitucional com
o monismo jurídico de tal modo que uma concepção estadocêntrica continua
sendo a lógica principal que orienta o funcionamento da ordem jurídica bra-
sileira” (BARCELLOS, 2019, p. 179).
A maioria dos doutrinadores entende que a Constituição Brasileira de
1988 pertence efetivamente ao neoconstitucionalismo (NASCIMENTO; MAR-
TINS; IRIGARAY, 2016, p. 545). A partir do exposto, pode-se concluir que a Carta
Magna pátria apresenta alguns traços característicos do novo constituciona-
lismo latino-americano, como o multiculturalismo. Entretanto, são incipientes
quando comparados àqueles desenvolvidos pelas Constituições Equatoriana e
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa buscou averiguar se a Constituição Federal de
1988 pode ser considerada uma Constituição do novo constitucionalismo lati-
no-americano. Assim, estudou-se, primeiramente, os diferentes movimentos
constitucionalistas, englobando o constitucionalismo moderno, o constitu-
cionalismo social, o neoconstitucionalismo, até o novo constitucionalismo
latino-americano, bem como se buscou inserir os movimentos constitucionais
contemporâneos dentre da era da tecnodiversidade.
Além disso, foi possível verificar os principais elementos caracterizado-
res do movimento que é o cerne deste estudo. Como exemplo, tem-se a efetiva
participação dos grupos marginalizados, como os indígenas, nos processos
decisórios, inclusive no processo constituinte. A plurinacionalidade, envol-
vendo o reconhecimento das múltiplas nacionalidades e o pluralismo jurídico
também constituem o movimento. Ainda, o multiculturalismo e a valorização
da natureza enquanto sujeito de direito, ao lado da Pacha Mama e do Buen Vivir
estão presentes.
Em síntese, verificou-se que o novo constitucionalismo latino-americano
surge com propostas de um estado plurinacional, que valoriza a diversidade
cultural e que respeita e reconhece os diferentes conhecimentos e cosmovisões
criadas na América Latina. Também se apontou como símbolos do movimento
em questão, a constituição do Equador de 2008 e a constituição boliviana de 2009.
Posteriormente, averiguou-se o enquadramento da Constituição brasileira
no novo constitucionalismo latino-americano, analisando se as principais carac-
terísticas do movimento estão presentes no texto constitucional. Concluiu-se, por
fim, que a Constituição pátria apresenta alguns traços característicos do novo
constitucionalismo latino-americano, como o multiculturalismo. Entretanto,
são incipientes quando comparados àqueles desenvolvidos pelas Constituições
Equatoriana e Boliviana, por exemplo. Dessa maneira, evidencia-se que são
necessários o desenvolvimento e o aprimoramento de diversos fatores para
que a CF/88 seja enquadrada plenamente no novo constitucionalismo latino-
-americano - a exemplo da participação indígena nos processos decisórios – e
no momento particular da tecnodiversidade.
117
Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
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uniceub.br/RBPP/article/view/6054. Acesso em: 14 mar. 2021.
119
OS REFUGIADOS AMBIENTAIS DE BELO
MONTE: A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS À
CIDADANIA INDÍGENA
INTRODUÇÃO
O número de refugiados ambientais vem aumentando em números
absolutos em todo o mundo nos últimos anos e seus episódios de deslocamento
forçados estão cada vez mais visíveis em termos nacionais e internacionais. Na
Amazônia, como exemplo, cita-se a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que vem
gerando intensos deslocamentos forçados de povos indígenas e comunidades
tradicionais para o centro urbano de Altamira, uma cidade no Sudoeste do Pará.
Um traço característico desse deslocamento é a violação aos direitos humanos
à moradia, à preservação cultural, que não encontram proteção e amparo de
autoridades a níveis internacional e nacional, provocando a contínua destruição
de comunidades e culturas.
O episódio Usina de Belo Monte guarda certa particularidade que se
resume num conflito socioambiental que tem como consequência o extermínio
cultural dos povos indígenas ou mais comumente conhecido como etnocídio,
pela incessante necessidade de se impor uma racionalidade econômico-ins-
trumental visando o desenvolvimento econômico do país.
Assim sendo a implantação de grandes projetos de infraestrutura na
Amazônia, iniciada na década de 60 do século XX que perdura até os dias
atuais, vem gerando intensos impactos socioambientais na região Amazônica.
Sendo o exemplo mais atual a Construção da Usina de Belo Monte no Estado
do Pará. Esse projeto refletiu no aumento do número de uma nova categoria
de refugiados assim conhecidos como refugiados ambientais. Dentre eles
destacam-se os povos indígenas em torno de tal projeto. Sobre desse contexto,
pergunta-se: em que medida a implantação desse projeto, observada a con-
juntura de práticas etnocidas sofridas pela população indígena na Região do
Xingu Amazônico, explica a lesão aos direitos de cidadania desta categoria de
refugiados ambientais?
O texto apresenta como estrutura metodológica um conteúdo de caráter
bibliográfico, pois irá se utilizar obras e teses bibliográficas. A pesquisa engloba
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9085-041X
120
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
Fonte: (BRASIL. Ministério Público Federal. UHE Belo Monte: Ação Civil
Pública Processo nº 3017-82.2015.401.3903, p. 44)
36
A mortalidade infantil é dividida em dois componentes: mortalidade neonatal ou infantil
precoce - que compreende os casos de crianças falecidas durante os primeiros 28 dias de
vida - e mortalidade pós-neonatal ou infantil tardia - que corresponde aos óbitos ocorridos
entre o 29º dia de vida e um ano de idade (LAURENTI et al., 1987).
126
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
37
Art.1º. Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte grupo nacional, étnico,
racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave a integridade
física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições
de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas
destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de
crianças do grupo para outro grupo
127
Tayson Ribeiro Teles (org.)
128
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de grandes projetos na Amazônia, como Belo Monte,
provocou um deslocamento forçado de várias etnias que tiveram que assimilar
padrões culturais que afetaram suas perspectivas de vida provocando a perda
da cidadania indígena.
A perda da cidadania indígena representa uma espécie de perda do seu
espaço público, na medida em que o deslocamento forçado de seu território,
faz com que ele perca seus valores culturais e étnicos, não restando alterna-
tiva senão de assimilar uma cultura estranha à sua. Esta perda é traduzida
de forma ampliada na perda de seu território, autodeterminação e pelo seu
etnodesenvolvimento.
Em todo seu processo de construção Belo Monte contou um forte apoio
do Estado dentro de uma lógica racional-econômica quando não considerou
os direitos territoriais dos povos indígenas. O direito à saúde que fez com que
muitos indígenas se deslocassem para as cidades principalmente por não
encontrar assistência à saúde nas proximidades das suas aldeias, prejudicando
o próprio direito à vida, um exemplo foi o aumento do índice de mortalidade
infantil conforme demonstrado.
O direito à moradia também foi violado na medida em que as moradias
foram desestruturadas com o desmatamento, roubo de madeira e reestruturadas
de forma diversas daquela ao qual estavam habituados. E por fim o principal
deles o direito à cultura que abalado pela desestruturação das aldeias. Logo,
tais direitos traduzem os três direitos macro que foram violados: direito ao
território, autodeterminação e etnodesenvolvimento.
Logo, o episódio ocorrido com os povos indígenas de Belo Monte se
caracteriza dentro de uma perspectiva fenomenológica uma categoria de refu-
giados ambientais, tendo em vista que os indígenas perderam seu território
através de um deslocamento interno, logo perderam sua cultura, na medida
em que teve que se adaptar a uma nova realidade no município de Altamira,
assimilando outros hábitos culturais, sujeitos às práticas discriminatórias e
a negligência do Estado em adotar políticas públicas que preservasse a sua
cidadania enquanto povos indígenas.
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
ALIER, Joan Martínez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens
de valoração. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.
BRASIL. Ministério Público Federal. UHE Belo Monte: Ação Civil Pública Processo
nº 3017-82.2015.401.3903 - Impactos incidentes sobre os povos indígenas. Altamira:
MPF, 2015. Disponível em: https://ox.socioambiental.org/sites/default/files/ficha-
-tecnica//node/202/edit/2020-08/Inicial%20ACP%20Etnoc%C3%ADdio.pdf. Acesso
em: 04 dez. 2019.
130
VISÃO SISTÊMICA: PERCEPÇÕES DA ECOLOGIA E
CIDADES INTELIGENTES
INTRODUÇÃO
As concepções de mundo, o olhar que temos sobre a nossa ótica, são
perspectivas de uma realidade contemporânea de ações e resultados imediatos
com consequências permanentes, em uma concepção de sociedades cada vez
mais líquidas e insustentáveis.
As nossas ações advém de concepções culturais, sociais, econômicas,
partindo de uma contextualização histórica e geográfica. Temos o poder de
modificar o nosso ambiente, porém, temos que observar as nossas ações em
uma perspectiva a médio e longo prazo.
As cidades passaram por um processo de inchaço com grandes imigra-
ções, o processo de urbanização possibilitaram o acesso a serviços, produtos
e satisfação das necessidades humanas, de forma a melhorar a qualidade de
vida e o desenvolvimento das nossas atividades.
A questão que trazemos nesse capítulo é como as nossas cidades podem
ser mais conectadas, inteligentes e pensar de maneira sistemática, a partir da
ótica do desenvolvimento sustentável ou durável, perpetuando o resgate dos
costumes, culturas indígenas e conhecimentos que foram esquecidos com a
vinda das pessoas para o ambiente urbano, de produção, de integração com
natureza, como o biomimetismo, na arquitetura integrada com os ambientes
pensando na sustentabilidade.
A pesquisa tem como procedimentos técnicos, a revisão bibliográfica e
exploratória de ações de sustentabilidade como referência, a associação da cultura
dos povos do Xingu e edificações sustentáveis com a técnica de construção das
casas desses povos, cultura milenar e sistematização.
38
Doutorando em Ciências da Educação (Universidad Columbia del Paraguay).
CV: http://lattes.cnpq.br/8671154111711220
39
Especialização em Direção, Coordenação e Orientação Escolar (UFPA). Professora (Cas-
tanhal-PA). CV: http://lattes.cnpq.br/3558711884909084
40
Graduado em Licenciatura Intercultural (UFMG). Compõe o grupo de líderes Pataxó.
Membro da Coordenação de Pesquisa da História, Cultura e Língua Pataxó.
CV: http://lattes.cnpq.br/8071159553748175
131
Tayson Ribeiro Teles (org.)
133
Tayson Ribeiro Teles (org.)
A cultura nos remete esse resgate dos saberes e suas diversidades, pois
é necessária essa interação e enriquecimento cultural das cidades inteligentes,
por conseguir absorver os saberes e conhecimentos dos povos e do biomime-
tismo, aprender com a natureza para construção mais sustentáveis. Segundo
(MORIN, 2000, p. 55).
Nessa perspectiva:
O duplo fenômeno da unidade e da diversidade das cul-
turas é crucial. A cultura mantém a identidade humana
naquilo que tem de específico; as culturas mantêm as
identidades sociais naquilo que têm de específico. As
culturas são aparentemente fechadas em si mesmas
para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na
realidade, são também abertas: integram nelas não
somente os saberes e técnicas, mas também ideias,
costumes, alimentos, indivíduos vindos de fora. As
assimilações de uma cultura a outra são enriquecedoras
(MORÍN, 2000, p. 55).
Considerando esses aspectos, percebemos como o conceito de desenvol-
vimento sustentável ou desenvolvimento durável perpassa diversas dimensões,
perspectivas e que existe muitos debates e estudos com o intuito de redimensio-
nar as nossas ações e reestruturação do ambiente que vivemos. Nesse aspecto,
as cidades precisam absorver esses conhecimentos para obter-se o equilíbrio
de intervenções humanas e pensarmos como um ecossistema para que todas
as dimensões sejam atendidas e a parcimônia seja alcançada.
As práticas, milenares dos povos indígenas do Xingu nos inspiram às
ações ambientais e auto sustentáveis que tanto se fala na atualidade. Atualmente,
habitam o parque do Xingu 16 Povos: Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá,
Kĩsêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Wauja,Tapayuna, Trumai,
Yudja, Yawalapiti. Esses povos oriundos, do local e de outros cantos do Brasil
foram reunidos nesse parque pelos irmãos Villas Boas, em meados dos anos 60.
A arquitetura das casas indígenas é totalmente sustentável até o momento
que estes, por imposição do homem branco, foram obrigados a fixar residên-
cia em um só lugar. Sua vida nômade lhes permitia abandonar um local para
que esse pudesse regenerar suas potencialidades através do processo natural
promovido pela natureza. O fato de alguns materiais estarem desaparecendo
motivou a UNB, através do Centro de Pesquisa e Aplicação de Bambu e Fibras
Naturais, propor substituições para que a atividade arquitetônica não desapareça.
Na cultura xinguana os recém casados habitam a casa dos pais da esposa
em grupos de 30 ou mais pessoas. Quando o grupo começa a ficar muito grande,
com o aparecimento dos filhos, o casal, com a ajuda da comunidade, constrói
sua própria casa, recomeçando o ciclo.
134
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As concepções de desenvolvimento sustentável, permeia o conceito
holístico das diversas dimensões que permeiam a sustentabilidade social,
econômica, ecológica, espacial e cultural, redimensionando as ressignificações
que precisam ser observadas na estruturação das nossas cidades.
Tão somente essas ressignificações são necessárias em todos os aspectos,
a integração entre ambiente, ser e suas relações precisam conduzir a ações
sustentáveis, planejar e sincronizar-se com o todo, a visão parcial não pode
ser a resposta única, o sistêmico deve ser pensado e questionado por todos os
atores envolvidos.
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar Ética do humano – compaixão. Petrópolis: Vozes, 1999.
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
MORIN, E. O método II: a vida da vida. Porto Alegre: Sulina, 2005.
ROMERO, Ellen Cristina Oenning; LEITE, Vera Lúcia Marques. Terras indígenas:
usufruto exclusivo e proteção do meio ambiente Indigenous land: exclusive usu-
fruct and environment protection. Revista: Tellus, ano 10, n. 18, p. 139-160, jan./
jun. 2010 Campo Grande - MS.
139
“VAMOS BRINCAR DE ÍNDIO”: BNCC E
APROPRIAÇÃO CULTURAL INDÍGENA NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
INTRODUÇÃO
O presente capítulo versa sobre a apropriação cultural, seu conceito e
suas consequências para determinados grupos sociais, delimitando o assunto
para a observação da apropriação cultural indígena no ambiente escolar. Tra-
ta-se do pressuposto de uma apropriação da cultura indígena em sala de aula
e, para tanto, elenca-se o que pode ser feito a respeito da temática, tendo como
respaldo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Considerando a amplitude
do ambiente escolar, delimitou-se os Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
descrevendo as competências, habilidades e objetos de conhecimento que a
Base traz, envoltos ao termo “indígena”, em todos os componentes curriculares
disponíveis.
41
Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira (FAVENI) e em Educação Indígena
(FAVENI). CV: http://lattes.cnpq.br/3185382286565628
42
Doutor em Estudos de Linguagem (PPGEL/UFMT).
CV: http://lattes.cnpq.br/4946711879533148
43
Em 1943, o então presidente Getúlio Vargas instituiu o decreto-lei que estabeleceu a data
comemorativa do “Dia do Índio” para 19 de abril. O responsável por convencê-lo foi o general
Marechal Rondon, o qual possuía bisavós indígenas e criou, em 1910, o Serviço de Proteção
ao Índio, atual Fundação Nacional do Índio (BBC, 2018).
140
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
141
Tayson Ribeiro Teles (org.)
o objetivo era político. Ainda em tom de justificativa, a atriz destacou que seu
corpo havia sido pintado pelo artista indígena cearense Benício Pitagury.
Outro exemplo que pode ser utilizado na discussão sobre apropria-
ção cultural indígena é a série nacional “Cidade Invisível”, da plataforma de
streaming Netflix. Desde a sua estreia, em 5 de fevereiro de 2021, a produção
figurou entre as mais assistidas dessa plataforma e chegou a entrar no Top 10
de países como a França e a Espanha. Tamanho sucesso não poupou a série de
receber críticas de pesquisadores/as e ativistas indígenas, os quais apontaram
que a produção, baseada no folclore brasileiro, não contratou consultores/as
que conheçam melhor a cultura e os mitos originários da tradição indígena
brasileira. Ao abordar personagens folclóricos como a Cuca, o Saci, o Curupira
e a sereia Iara, a série foi criticada por não escalar atores/atrizes que de fato
possuíssem origem indígena para os papéis principais (CAPOBIANCO, 2021).
A proposta de discutir sobre a apropriação cultural indígena no ambiente
escolar não é nova, mas pertinente. Deste modo, antes de avançarmos na
discussão sobre o assunto, é necessário compreender o conceito do termo
e, paralelamente, descrever de que forma episódios de apropriação cultural
indígena ocorrem no contexto escolar. Para tanto, utilizar-se-á os estudos de
Vygotski (1989) — em uma vertente de apropriação cultural por meio dos signos
funcionais da sociedade — e a pesquisa do babalorixá e doutor em antropolo-
gia Rodney William (2019), a qual culminou na obra “Apropriação Cultural da
coleção Feminismos Plurais”, coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro.
De acordo com Vygotsky (1989), homens e mulheres naturalmente
se apropriam e internalizam a cultura. Nesse contexto de internalização, os
signos dialeticamente transformam o funcionamento mental ao constituir as
funções psíquicas superiores e nelas promovem alterações qualitativas. Assim,
o psicólogo bielorrusso acreditava que, em geral, o contato com a produção
cultural é capaz de trazer inúmeras possibilidades de desenvolvimento dessas
funções e de avanço da consciência humana.
Em um nível histórico-cultural, ao aprender, o indivíduo não está isolado,
mas sempre envolvido com outras pessoas em um processo intersubjetivo44 que,
segundo Vygotsky (1989), é constituído pelo sujeito que aprende, por aquele/a
que ensina e pela própria relação entre ambos/as. Logo, a aprendizagem não é
efetivada somente na presença do sujeito que ensina — neste caso, o/a profes-
sor/a; ela pode ser constituída também por objetos culturais, situações sociais
44
Braten (1998, apud Nogueira e Moura, 2007, p. 129) ressalta que a intersubjetividade pode
assumir três significados distintos: como senso de “comunhão”, estabelecido a partir do enga-
jamento conjunto de pessoas, que mutuamente se ajustam e sintonizam expressões e estados
afetivos; como envolvendo comportamentos de atenção conjunta (sujeito-sujeito-objeto) e
domínios compartilhados de conversação linguística; e como compreensão da comunicação
mediada por (meta) representações.
142
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
45
Diz respeito ao plano de signos internos ao sujeito (VYGOTSKY, 1989).
143
Tayson Ribeiro Teles (org.)
que a noção de apropriação cultural vai muito além de definir uma lista com
o que pode ou não ser usado.
William (2019) destaca que desvendar uma cultura diferente não leva
ninguém a obter propriedade sobre ela. O simples fato de conhecer a cultura
alheia, mesmo que em profundidade, não torna o sujeito um membro dela.
Cultura pressupõe pertencimento e, portanto, não pode ser considerada domí-
nio de todos/as. Desse modo, deve haver um distanciamento, um limite entre
a noção de se familiarizar/pesquisar/defender causas indígenas e se sentir
parte de uma cultura diferente da que se é inserido socialmente. No caso da
docência, o/a professor/a não se torna detentor/a de conhecimentos indígenas,
uma espécie de cacique da selva de pedra, porque se especializou e leu livros
sobre a temática.
Fazer uso de manifestações sociais e culturais indígenas, como a música,
a dança, a culinária, a linguagem, os costumes, os trajes e os acessórios, é pro-
mover a descontextualização cultural de tal povo. Afinal, como problematiza
William (2019, p. 48), “mudar sentidos, depurar, esvaziar, é a ‘lógica’ da apro-
priação cultural”. Diante do exposto, pode-se, então, haver o questionamento:
“mas o Brasil não é um país de muitos e todos?”. Surge, consequentemente, o
mito da democracia racial46, o qual propaga a falsa ideia de que “somos todos
iguais” e a errônea noção de “nosso”: nosso país, nossa crença, nosso povo,
nossos direitos e afins. Logo, há a contribuição para a execução da apropria-
ção cultural, em decorrência da exploração de elementos de uma cultura por
indivíduos que efetivamente não pertencem a ela e promovem a aculturação
pela crença de que “é tudo nosso”.
Como expresso anteriormente, a discussão acerca da apropriação de
cultura não é pautada em o que pode ou não ser usado, mas sim, sobre quais
critérios, cuidado, respeito e responsabilidade se faz esse uso. Se trata, portanto,
de não promover a desvalorização ou esvaziamento simbólico de uma cultura,
o que pode, significativamente, comprometer a existência de grupos sociais e
seus membros. Em um ambiente escolar, atitudes como as tratadas aqui podem
acontecer costumeiramente e o intuito não é debater os erros ou acertos dessa
questão, mas atribuir de que forma tal tema pode ser pedagógico e didático.
Destarte, a seguir, propõe-se uma descrição de pontos importantes
para o trabalho acerca da temática indígena em sala de aula, perpassando
pela apropriação cultural indígena, por meio do respaldo da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). Delimitou-se a BNCC em seus Anos Iniciais do
Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), considerando essa fase de ensino como a
46
Mito criado por Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala” (1933), de que o Brasil é uma
democracia racial. Ganhou, por meio dessa obra, sistematização e status científico, com
base nos critérios de cientificidade da época. Visava estabelecer uma ordem de direito livre
e minimamente igualitária com base nas raças.
144
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
mais propícia para um trabalho sobre a temática que aborde o uso de elementos
indígenas, principalmente no chamado Dia do Índio.
145
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante frisar que o intuito deste trabalho foi descrever as habili-
dades, competências e objetos de conhecimento propostos na Base Nacional
Comum Curricular que estejam voltados para a temática indígena, com inte-
resse em divulgar as formas com que a cultura indígena pode ser trabalhada
no ambiente escolar sem que o/a docente caia nas armadilhas da apropriação
cultural. Interessa evidenciar, porém, que a temática pode ser trabalhada tam-
bém em elementos que a BNCC cita, como os termos cultura, étnico-racial, étni-
co-cultural, ancestralidade, povos originários, pluriétnico, vivências culturais,
pluralidade, diversidade de grupos sociais, diversidade cultural, entre outros.
Deste modo, foram elencados aspectos indígenas na BNCC com a fina-
lidade de não causar ainda mais uma espécie de epistemicídio, definido por
Sousa Santos (1997) como o extermínio do conhecimento do outro, mediante a
definição do que é válido ou não obter conhecimento a respeito. Logo, defen-
de-se que é válido obter conhecimento sobre a cultura dos povos indígenas,
149
Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
BBC. Por que 19 de abril virou Dia do Índio. BBC NEWS Brasil, 2018. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43831319. Acesso em: 16 mar. 2021.
BERGAMO, Mônica. ‘Temos que nos apropriar, sim, da luta indígena’, diz Alessandra
Negrini. São Paulo: Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: Disponível em: https://
www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/02/temos-que-nos-apro-
priar-sim-da-luta-indigena-diz-alessandra-negrini.shtml. Acesso em: 17 mar. 2021.
D’ÉRCOLE, Isabella. “Devo muito ao público, mas é ruim não poder ser eu mesma”,
diz Xuxa. Revista Cláudia: Grupo Abril, 2020. Disponível em: https://claudia.abril.
com.br/famosos/entrevista-xuxa-fase-madura/. Acesso em: 16 mar. 2021.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1933.
150
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
SILVA, Renan Costa da. Aprenda um pouco sobre a educação indígena nos dias
de hoje. MAXI EDUCA, 2019. Disponível em: https://blog.maxieduca.com.br/edu-
cacao-indigena-escolar/. Acesso em: 15 mar. 2019.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-mo-
dernidade. São Palo: Cortez, 1997.
151
O DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIAS
ATIVAS NO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO PARA OS
INDÍGENAS DO ESTADO DO ACRE
INTRODUÇÃO
As metodologias ativas na educação têm um papel importante para o
desempenho dos estudantes. Tendo como premissa o aluno e sua inserção no
conhecimento prático, permitem uma conexão mais dinâmica entre teoria e
prática. Sendo assim, o ensino, a pesquisa e a extensão permitem ao discente a
proatividade na construção de competência essenciais para o mundo científico,
quando eivados de metodologias ativas.
As metodologias ativas na educação visam atender as diversidades,
levando-se em consideração o multiculturalismo das comunidades do Brasil.
Mas, mesmo com as diversidades culturais que o Brasil tem, é de se esperar
que todos tenham acesso à educação profissional e tecnológica de qualidade
em todo o território nacional. Isso é possível por meio do acesso à informação
que está fortemente presente hoje.
O foco do presente estudo é a região norte, mais especificamente o
Estado do Acre, que possui em sua composição populacional migrante nordes-
tinos, sulista e paulistas, bem como imigrantes de países como Bolívia, Peru,
Venezuela e Haiti, sendo formado, também, por indígenas, que compreende
aproximadamente 16 mil pessoas. Essas comunidades indígenas são predomi-
nantes no interior do Estado e é por meio do acesso à tecnologia que é possível
o compartilhamento de conhecimentos e experiencias tanto na comunidade
acadêmica, quanto nas comunidades indígenas.
Existem pesquisas das metodologias ativas no processo de ensino em
administração para as etnias indígenas do estado do Acre? Pode-se observar que
as comunidades indígenas presentes no interior do estado do Acre desenvolvem
a identificação da cultura e ensino voltado ao aprendizado e este conhecimento
47
Especialista em Docência da Administração (FCV). Docente do Ensino Básico, Tecnológico
(IFAC). CV: http://lattes.cnpq.br/6984534888323401
48
Mestrando em Administração (UNIVALI). Docente do Ensino Básico, Tecnológico (IFAC).
CV: http://lattes.cnpq.br/4360706435025584
49
MBA Gestão Administrativa e Governanças. Gestora de Políticas Públicas (CBMAC).
CV: http://lattes.cnpq.br/1980512039323837
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
Sabe-se que:
Ao introduzir a educação escolar aos indígenas, o
objetivo era controlar estes povos adaptando-os as
ideologias dominantes. Mas, após anos de luta, os
movimentos indígenas se apropriam da escola, com
o objetivo de resignar a mesma, isso ocorreu através de
iniciativa dos próprios indígenas. A partir da década de
1980, cresce a reivindicação em busca de uma definição
e autogestão dos processos de educação formal voltado
a essas comunidades (MEIRA, 2020, p. 4).
Historicamente, no Brasil, as escolas para comunidades indígenas foram
desenvolvidas em missões das igrejas, nos processos de catequização, a partir
da chegada dos portugueses ao território brasileiro durante o período colonial.
Após esse período, na atualidade, os direitos dos povos indígenas solidificaram-se
com a garantias da CRFB/88, que em seu bojo garante a reprodução cultural.
Nesse caminhar:
O reconhecimento dos direitos dos povos indígenas às
terras que tradicionalmente ocupam, para garantirem
sua reprodução e perpetuação física e cultural é um dos
direitos consagrados na Constituição Federal, promul-
gada em 1988, que também propõe garantias aos povos
indígenas de manterem suas identidades diferenciadas,
preservando suas línguas, culturas, tradições, modos
de ser e de pensar (DA SILVA, 2020, p. 50).
Ressalta-se que a escola, enquanto instituição, promove uma integração
alheia às tradições das etnias indígenas, pois existe a diferença entre Educação
Indígena e Educação Escolar Indígena. Enquanto a Educação Indígena, é trata
dos próprios processos de produção e transmissão dos conhecimentos das
próprias etnias indígenas, a Educação Escolar Indígena trata-se do conjunto
de processos de produção e transmissão dos conhecimentos não indígenas e
indígenas por meio da escola (MEIRA, 2020).
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Tayson Ribeiro Teles (org.)
Nesse fluxo:
Professores na sua disciplina podem organizar com
os alunos no mínimo um projeto importante na sua
disciplina, que integre os principais assuntos da matéria
e que utilize pesquisa, entrevistas, narrativas, jogos
como parte importante do processo. É importante que
os projetos estejam ligados à vida dos alunos, às suas
motivações profundas, que o professor saiba gerenciar
essas atividades, envolvendo-os, negociando com eles
as melhores formas de realizar o projeto, valorizando
cada etapa e principalmente a apresentação e a publi-
cação em um lugar virtual visível do ambiente virtual
para além do grupo e da classe (MORÁN, 2015, p. 22).
No contexto acreano, as etnias indígenas no Estado do Acre, possuem
suas economias baseada na produção e cultivo de banana, macaxeira, milho,
abacaxi, como também, criação de animais como galinha, porco, peixe, gado,
e produção de artesanatos, turismo ecológico e turismo religioso (SIVIERO et
al. 2019).
É consabido que:
Ao longo do tempo a produção agrícola de mandioca e
feijão substituiu a borracha como fonte de renda, sendo
as áreas de cultivo localizadas nas margens de rios.
Simultaneamente a pecuária na Reserva Extrativista
do Alto Juruá avançou constituindo a segunda fonte
principal de renda seguida de agricultura, trabalho
assalariado, pensões e programas de transferência
de renda como bolsa família superando a renda das
atividades do setor primário (SIVIERO; TEIXEIRA; DOS
SANTOS, 2019, p. 348).
Esses processos de produção dos produtos são mantidos por métodos e
técnicas próprias das suas comunidades indígenas, podendo ocorrer a transmis-
são de métodos e técnicas, mediante o ensino-aprendizagem de Administração,
que contribuam para aperfeiçoar seus processos produtivos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Firma-se, em primeiro momento, que não foi encontrado, dentro dos
critérios de pesquisa deste trabalho, qualquer artigo ou bibliografia que explore
ou demonstre a aplicabilidade desta temática: Metodologias ativas para o ensino
de Administração para etnias indígenas no Estado do Acre.
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Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de ensino-aprendizagem de Administração para comuni-
dades indígenas torna-se um fator importante no ensino do conhecimento
técnico por meio da Educação Escolar Indígena, visando contribuir para o
aperfeiçoamento de seus processos produtivos e aspectos administrativos,
além de contribuir nas áreas do comércio, turismo e artesanato. Dessa forma,
as Metodologias Ativas podem ser aplicadas no processo de Ensino-Aprendiza-
gem no ensino de Administração, evidenciando os alunos indígenas como foco
principal desse processo, tendo em vista que na utilização dessas metodologias
os alunos são postos a ter experiências de trabalhos e estudos com problemas
reais do cotidiano.
Apesar de não ter sido encontrado nenhum trabalho ou bibliografia que
trata-se do uso de metodologias ativas no ensino de Administração para etnias
indígenas, recomenda-se a sua aplicabilidade em caso prático numa dinâmica
de ensino de conhecimento técnico e científico contribuindo no aperfeiçoa-
mento das práticas adotadas por essas comunidades.
Por fim, sugere-se futuras pesquisas referente a aplicabilidade de meto-
dologias ativas nos processos de ensino para etnias indígenas, podendo ser esses
ensinos tantos nas áreas de administração, como também em outras áreas,
pois, através do uso dessas metodologias ativas pode-se realizar mudanças
importantes, que rompem barreiras culturais e contribuam no processo de
ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Eduardo Fernandes; DE MOURA, Dácio Guimarães. Metodologias ati-
vas de aprendizagem na educação profissional e tecnológica. Boletim Técnico do
Senac, v. 39, n. 2, p. 48-67, 2013.
160
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
MOTA, Ana Rita; DA ROSA, Cleci Teresinha Werner. Ensaio sobre metodologias
ativas: reflexões e propostas. Revista Espaço Pedagógico, v. 25, n. 2, p. 261-276, 2018.
161
Tayson Ribeiro Teles (org.)
SIVIERO, Amauri; TEIXEIRA, Paulo Eduardo Ferline; DOS SANTOS, Rosana Caval-
cante. A produção agropecuária nas Reservas Extrativistas do Acre. Embrapa
Acre-Capítulo em livro técnico (INFOTECA-E), 2019.
162
DO ACESSO À PERMANÊNCIA: REFLEXÕES SOBRE
AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA INDÍGENAS
ESTUDANTES NO ENSINO SUPERIOR
INTRODUÇÃO
Este capítulo propõe discorrer sobre as Políticas Educacionais pensadas
para população indígena que ingressa no Ensino Superior. É um ensaio resultante
das questões discutidas nas aulas teóricas do Doutorado (Programa de Pós-gra-
duação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS) e
que serão aprofundadas na construção da tese sobre a presença de indígenas
estudantes51 no Ensino Superior e o proposto a partir da Constituição de 1988
para esse grupo ainda invisível no espaço acadêmico.
As discussões realizadas nas aulas do Seminário com maior destaque às
referências teóricas de Akkari (2010) e Dubbet (2003) e os documentos legais,
que balizam as políticas públicas para a educação e a escolarização das cama-
das populares subsidiarão o tema de este ensaio que é a presença de indígenas
estudantes no Ensino Superior.
Entende-se que cultura e conhecimento são produzidos nas e pelas rela-
ções sociais. Desse modo, a escolarização dos povos indígenas e seu ingresso
no ensino superior não pode ser pensada fora dessas relações.
De acordo com Freire (1987, p. 38):
É preciso que a educação esteja em seu conteúdo,
em seus programas e em seus métodos adaptada ao
fim que se persegue: permitir ao homem chegar a
ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar
o mundo, estabelecer com outros homens relações
de reciprocidade, fazer a cultura e a história (...). O
diálogo, como encontro dos homens para a pronúncia
do mundo, é uma condição fundamental para a sua
real humanização.
50
Doutoranda em Educação (UNISINOS). Técnica em Assuntos Educacionais (UFSC).
CV: http://lattes.cnpq.br/9146520093365915
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
51
Utiliza-se o conceito de indígena estudante em respeito ao pertencimento desses sujeitos
que estão no Ensino Superior os quais afirmam que “antes de serem estudantes, são indígenas”
163
Tayson Ribeiro Teles (org.)
164
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
ser minimizada com os seus direitos garantidos, mas com um longo caminho
para que sejam praticados e entre eles o acesso à educação de qualidade, res-
peitando a diversidade de cada povo.
Nesse contexto:
[...] Com o propósito de promover maior diversidade
social de grupos com baixa representatividade nas
diferentes esferas sociais e corrigir injustiças históricas
que resultaram em desigualdades, a implementação
de ação afirmativa começou a ser progressivamente
delineada, no Brasil, a partir das experiências de outros
países que fizeram essa intervenção para garantir a
melhoria de condições e igualdade de oportunidades
para a população negra e/ou outros grupos margina-
lizados (AKKARI, 2010, p. 13).
Entre as mudanças que ocorreram nos últimos anos em relação às
políticas públicas voltadas à escolarização dos povos indígenas podemos citar:
1º o surgimento, em 2001, do programa Parâmetros Curriculares em
Ação: Educação Escolar Indígena e Referência para formação de Professores
Indígenas, com um conjunto de temas com a intenção de promover programas
de formação de professores indígenas nos Estados e na Comissão de Educação
Escolar Indígena;
2º a incorporação, em 2003, da recém-criada Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD;
3 – a criação da Lei 11.645/08, que estabelece o tema obrigatório para
o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no currículo oficial;
4º– a criação da Lei 12.711/12, que prevê ingresso de indígenas estudantes
em Universidades públicas federais e instituições federais de ensino técnico
do ensino médio.
5º - a Primeira Conferência Mundial do Povos Indígenas durante a 69ª
Assembleia Geral da ONU, em 2014.
Cabe lembrar que os povos indígenas foram parte das pautas discu-
tidas nos documentos internacionais gerados a partir das Conferências de
Jomtiem/1990, Dakar/2000, Fórum Mundial Social em Porto Alegre/2003 e o
mais recente Fórum Mundial da Educação em Incheon/2015 que resultou na
Declaração de Incheon52.
52
A Declaração de Incheon foi assinada em maio de 2015 durante o Fórum Mundial de Edu-
cação e preconiza que a educação é o principal impulsionador para o desenvolvimento e para
que o mundo alcance os demais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) organizados
pela ONU. Também assume o compromisso com a defesa de uma educação de qualidade e
com a melhoria dos resultados de aprendizagem. Os povos indígenas são citado seis vezes no
165
Tayson Ribeiro Teles (org.)
Portanto, apesar das políticas públicas serem pensadas para esse fim, veri-
fica-se ainda que o sistema educacional gera padrões diferenciados na educação
em todos os níveis e modalidades, desde a educação básica até a Universidade.
Parece evidente, que as camadas populares têm historicamente menos chances de
ingressar e dar continuidade aos seus estudos, principalmente no nível superior.
No entanto, apesar da vigência de uma legislação que garante o acesso e
a permanência à educação para “todos os cidadãos”, não é garantia de direito à
permanência na Universidade. Os indicadores estatísticos produzidos e divulga-
dos pelos órgãos oficiais demonstram que a presença de estudantes indígenas
no Ensino Superior tem apresentado significativa melhoria na última década,
com o expressivo aumento no número de matrículas no Ensino Superior como
um todo. Porém, há grandes desafios educacionais que o país ainda precisa
vencer para superar o déficit histórico acumulado nessa área no que se refere
aos indígenas estudantes como pode se perceber na Tabela 1 que, em 2018,
segundo o Censo da Educação Superior, 57.706 indígenas estudantes estavam
matriculados no Ensino Superior.
Mesmo que se considere a baixa concentração demográfica da popula-
ção indígena (menos de 1% da população total), enquanto os afro-brasileiros
compõem quase metade da população (Akkari, 2010, p. 17-18), dados do último
Censo Demográfico de 2010 no Brasil revela que existe aproximadamente 1
milhão de indígenas distribuídos entre 305 povos indígenas, com 174 línguas
identificadas naquele período. São dados bastante significativos, do ponto de vista
da pesquisa com povos indígenas devido à sua autodefinição ética e identitária.
Tabela 1 - Matrículas nos Cursos de Graduação Presenciais e a Distância, por Cor / Raça,
segundo a Unidade da Federação e a Categoria Administrativa das IES - 2018
documento. Seu texto servirá de base para a definição das metas internacionais de educação
para o período 2016-2030. (Disponível em: https://nacoesunidas.org/declaracao-de-incheon-
-disponivel-em-portugues-no-site-da-unesco). Acesso em: 05/dez/2020.
166
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
167
Tayson Ribeiro Teles (org.)
anos, inscritas nos quadros das políticas públicas de inclusão social visando
diminuir as desigualdades sociais nos sistemas educacionais, sobretudo no que
se refere ao ensino superior53. Se compararmos os dados da Tabela 1 de 2018
com os dados da Tabela 2, quando apenas 13.687 matrículas foram registradas,
percebemos um aumento de 421%.
53
Entre os autores que discutem essa temática estão Chauí, Romanelli, Spósito e Nogueira.
168
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se observar pelos dados do Censo da Educação Superior que a
entrada no Ensino Superior de indígenas estudantes ainda é incipiente. Mas,
também foi possível visualizar possibilidades que apontam para mudanças signi-
ficativas no que concerne ao acesso das camadas populares ao Ensino Superior.
Essas possibilidades nos indicam de que se houver a continuidade das políticas
públicas como o sistema de cotas, e estas forem prioridade, o proposto pelo
Plano Nacional de Educação de aumentar o percentual de ingresso no Ensino
Superior de 50% até 2024 para os jovens entre 18 e 34 anos será cumprido.
Os dados empíricos preliminares apontados neste breve ensaio, indicam
transformações no acesso ao ensino superior, que ainda é visto como um espaço
destinado a estudantes de elevado capital cultural e econômico. Portanto, a
54
A Meta 12 objetiva elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%
(cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18
(dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo
menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público. (Plano Nacional
de Educação – Lei 13005/2014). Disponível em: http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-
-de-educacao/543-plano-nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014. Acesso em: 05 dez. 2020.
169
Tayson Ribeiro Teles (org.)
REFERÊNCIAS
AKKARI, A.; SANTIAGO, S. A gestão da diversidade cultural no contexto educacional
brasileiro. Revista Educação em Questão, Natal, v. 38, n. 24, p. 9-33, maio-ago. 2013.
BRASIL. Lei n. 12.711, de 29 de Agosto de 2012. (2012). Dispõe sobre o ingresso nas
Universidades Federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio
e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/112711.htm. Acesso em:
10 jul. 2020.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 18ª ed., Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987.
170
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
171
INDIGENOUS RIGHTS, NECROPOLITICS AND THE
“DAILY GENOCIDES” OF BRAZIL’S NATIVE AND
TRADITIONAL PEOPLES
Erick da Luz Scherf55
Marcos Vinicius Viana da Silva56
José Everton da Silva57
INTRODUCTION
From the time of “discovery” (or invasion) in 1500 up to 1970, Brazilian
Indigenous populations decreased considerably, and many Indigenous peoples
were extinct (FUNAI, 2010). On the latest national survey, the Brazilian Census
of 2010 revealed that the Indigenous population was of around 817 thousand
people divided into more than 300 peoples, compared to almost 4 million
before invasion by the Portuguese Crown. More recently, according to Damiani,
Pereira, and Nocetti (2018), in the region of Latin America, Brazil has become
the leader when it comes to the assassination of Indigenous persons58.
On the verge of contemporary conservatism and social regression, vio-
lence against the Indigenous population has increased significantly since 2016,
represented in many forms including (but not limited to): increased childhood
mortality, violent murder, and negligence or slowness in regularizing Indige-
55
MSc student at the European Master in Social Work with Families and Children (M-Family)
(University of Stavanger in Norway). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3712-5777
56
Post-Doctorate Fellow (URI – Santo Ângelo). Juris Doctor (JD) in Law (University of Alicante
- Spain). PhD, M.A, and B.A in Law (UNIVALI). CV: http://lattes.cnpq.br/0483045958159744
57
Post Doctorate from the University (UPF). Professor of the Master’s / Doctorate program
in Legal Sciences (UNIVALI). CV: http://lattes.cnpq.br/2188129548654528
58
This article considers the definition of indigenous or tribal peoples set by the International
Labour Organization (ILO) on Convention No 169, which was also adopted by the Brazilian
legislation on the matter (ILO, 1989).
172
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
59
This definition was adopted based on the 2017 National Policy for Sustainable Development
of the Traditional Peoples and Communities issued by the former Brazilian Ministry of Social
Development, which considers TPCs to be: culturally differentiated groups that recognize
themselves as such, that have their own forms of social organization, that occupy and use
territories and natural resources as a condition for their cultural, social, religious, ancestral
and economic reproduction, using knowledge, innovations and practices generated and
transmitted by tradition (SECRETARIA ESPECIAL DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2021).
173
Tayson Ribeiro Teles (org.)
174
Língua(gens), Literaturas, Culturas, Identidades e Direitos Indígenas no Brasil
175
Tayson Ribeiro Teles (org.)
FINAL REMARKS
The current attempt at exterminating the Indigenous peoples and other
Native or Traditional communities of Brazil is, among other things, a byproduct
of neoliberal and necropolitical forces, supported by Jair Bolsonaro’s adminis-
tration, and their wish to subjugate the environment and exploit the natural
resources that are still available in certain territories that once were protected
by environmental laws. The disappearance of these peoples would allow the
complete exploitation of their territories for the purposes of capitalist econo-
mic activity, which can be achieved through daily acts of violence that are not
necessarily deemed illegal under the law and are not perceived as genocide in
its classic definition. Thus, the concepts of necropolitics and “daily genocides”
can help us better understand the current existential risk that Indigenous peo-
ples and TPCs are facing on a regular basis in contemporary Brazilian society.
REFERENCES
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Available at: https://www.amnesty.org.au/how-it-works/what-are-indigenous-rights/.
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LOPES, Marina. Why Brazilian farmers are burning the rainforest — and why it’s so
hard for Bolsonaro to stop them. The Washington Post. [S.l.], online. 8 September
2019. Available at: https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/why-bra-
zilian-farmers-are-burning-the-rainforest--and-why-its-difficult-for-bolsonaro-to-
-stop-them/2019/09/05/3be5fb92-ca72-11e9-9615-8f1a32962e04_story.html. Access
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SILVA, Marcos Vinicius Viana da; SCHERF, Erick da Luz. Dream the impossible
dream? An ecosocialist account of the human right to a healthy environment.
Direito Ambiental & Sociedade, [S.l.], v. 10, n. 2, p. 35-60, July 2020.
180
SOBRE O ORGANIZADOR
Tayson Ribeiro Teles
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3272508883742018
Ocird: https://orcid.org/0000-0003-1309-8708
E-mail: tayson.teles@ifac.edu.br
181
ÍNDICE REMISSIVO D
daily genocides 6, 10, 172-173, 176-177
A
desigualdades sociais 85, 146, 168
ação etnocida 121, 125, 127-128
diálogos 36, 47, 91, 112, 136, 145, 164
apropriação cultural 6, 9, 140-
dignidade da pessoa humana 72-75,
144, 148-151
79-81, 111
autodeterminação 100, 105-
direitos fundamentais indígenas
106, 128-129
72, 75, 80
autonomia 25, 49, 67, 77, 85, 92, 97,
direitos indígenas 53, 71-72, 87, 115, 118
103, 118, 154-155, 157, 160-161
discriminação 18, 101, 164, 169
B
discurso 5, 8, 23, 59, 61, 63-64, 66-68,
base nacional comum curricular 9, 52,
70, 80, 85, 91, 124, 143
57, 140, 144, 149-151
diversidade linguística 23
bilíngue 23
dominação 11, 13, 15, 18, 20, 67,
C
85-87, 110
capitalismo 13, 21, 93
E
catequização 12-14, 18, 21, 157
ecologia de saberes 5, 7, 47-48, 58, 70
cidadania indígena 6, 9, 120-
educação indígena 25, 140, 145,
121, 127-129
151, 157, 164
civilização 12, 15, 19, 26, 42, 83, 92, 110
ensino fundamental 6, 9, 52-53, 140,
colonialidade 5, 7-8, 11-13, 18, 20-21, 144-146, 148
23-27, 51, 57, 86, 91, 93-94, 110
equidade 146, 150
colonialidade do poder 5, 7, 11, 18,
era da tecnodiversidade 6, 8, 109, 117
20-21, 23-24, 27, 57, 86, 91, 94, 110
escravidão 143
comissão nacional de política indige-
nista 5, 8, 82, 88, 95 escravizados 15
comunidades indígenas 5, 8-10, 35, 54, estado do acre 6, 9, 152-153, 158, 181
71-72, 74-79, 96-100, 102, 105, 124, 137, estruturas de poder 11-12
152-153, 156-158, 160 extermínio 13, 23, 120, 149
conflito socioambiental 120, F
123-124, 130
forçados 120
cotas 9, 107, 128, 169
forças hegemônicas 68
crenças 7, 16, 30, 32, 63, 68, 76, 98,
fortalecimento 11-12, 102
102, 149-150
G
cultura europeia 5, 7, 11-12, 22, 24
guiados 31
cultura indígena 24, 65, 67, 140, 149
H
currículo escolar 5, 7, 11, 20, 24-25
182
herança 23, 36, 88, 113 poder 5, 7, 11-15, 18, 20-21, 23-25, 27,
hidrelétrica de belo monte 96-97, 102, 37, 45, 50, 57, 60, 62-64, 67, 69, 73-74,
105, 120, 123 76-77, 80, 85-86, 88-89, 91, 94, 102, 110,
112, 126, 128, 131, 150
homogeneização 16, 28, 49, 63, 70
poesia indígena 5, 7, 47
I
políticas afirmativas 6, 9, 163, 167, 171
identidade indígena 21, 100, 128
populações indígenas 11-14, 19, 21, 37
igualdade 50, 74, 118, 153, 157, 165
povos indígenas 5, 7-11, 13-16, 18,
indígenas estudantes 6, 9, 163-
23-25, 34, 48, 57, 59, 69, 71, 76, 78,
166, 168-170
81-98, 100-103, 105-106, 108, 111-
indigenismo brasileiro 5, 8, 22, 115, 118-120, 123-125, 127-130, 134,
82, 84, 87 136, 145-149, 157, 163-166, 168-169,
L 178, 180-181
linguagens 52, 130, 146, 164 preconceito 18, 26, 54, 106
língua indígena 5, 8, 12, 22-23, proteção constitucional 5, 8, 71, 75
59-60, 63-64 R
literatura indígena 47, 51-54, 57-58 refugiados ambientais 6, 9, 120-121,
literatura infantil 47-49, 51, 54, 58 123-124, 129-130
lutas indígenas 87, 128, 147 resistência 60, 64, 66-67, 87,
M 141, 143, 164
metodologias ativas no ensino de S
administração 6, 9, 152-153, 160 saberes do sul 48, 51
mitologia 38-39, 46, 55 silenciamento 5, 8, 13, 53, 59, 64-65, 149
mitos indígenas 7, 35, 44, 147 sujeitos indígenas 25, 60
movimento indígena 8, 87-90, 93, 164 sustentabilidade 9, 131-132, 135-138
mulheres indígenas 7, 35, 65-66 T
narrativa indígena 35 terras tradicionalmente ocupadas 5,
N 8, 71-72, 74, 76-80
necropolitics 6, 10, 172-173, traditional peoples 6, 10, 172-175, 178
175-177, 179 tutela indígena 85-86, 107
O V
opressão 15, 19 valorização 8, 12, 23, 43, 98, 103, 117,
origem 7, 35, 37, 40-41, 45, 83, 111-112, 143, 146-148
121-122, 142, 145, 147 viés jurídico 98
P violência 13, 15-16, 68, 89, 110, 124,
permanência 6, 9, 65, 153, 163-164, 128, 164, 178-179
166-167, 169 vivências 48, 54-56, 149
183
Este livro foi composto pela Editora Bagai.
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/editorabagai contato@editorabagai.com.br