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ABSTRACT: This article it is a literature review, which is based on a brief distinction of psychosis and
insanity, and subsequently exposing reports of psychotic patients, which describe how you live with
psychosis / neurosis. In this research, it appears that psychosis is characterized as a pathological mental
state, evidenced by periods of lack of mental clutter, disorder of perception of reality and thoughts, the
oscillation in mood and aggressive states. A person has difficulty relating instituting imaginary ideas in
social contact in a mental illness framework. As regards the psychotic condition, we can see that the people
who wrote their autobiographies, have in common the relentless pursuit to understand the psychosis, and
emphasize the importance and the need to write, but also the desire to bring their stories to life literature.
Even if they can talk about their experiences from a clear perspective and even funny, it is noted that there
is great suffering for not having control over their behavior and thinking. They even compare to inanimate
beings, and thus considered without personality, without identity. Before these questions can realize the
importance of registering and documenting these stories of life, which in addition to being significant, can
serve as a source of data need for a better understanding of mental illness.
Introdução
Agora, portanto, sabeis meu nome, homens... Mas que epíteto acrescentar?
Superloucos? Que seja! A deusa Loucura não pode classificar de modo mais
honesto seus adoradores. Mas não se sabe bem de onde venho. E é isso que
vou tentar explicar-vos com o prestimoso auxílio das musas [...]
(ROTTERDAM, 2008, p.27).
1
Docente da Faculdade de Pimenta Bueno FAP. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de
Rondônia UNIR. Psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial CAPS I de Pimenta Bueno RO.
como estão sendo aplicadas, na prática, as leis conquistadas com o movimento de
reforma psiquiátrica, e como andam as ações para a efetivação de um tratamento mais
humanizado aos sujeitos acometidos por esse transtorno bem como as políticas públicas
de saúde que buscam resguardar e garantir os direitos do cidadão.
Não precisamos ir muito longe para encontrarmos respostas a essas indagações,
pois cotidianamente tomamos conhecimento, por meio da mídia e demais veículos de
informações, que continuam existindo instituições que ainda mantém pessoas com
psicose, e por isso consideradas loucas, em verdadeiros cárceres privado,
enclausuradas, sendo encontradas em hospitais da região, em situações desumanas, sem
nenhuma possibilidade de contato social.
Muitas vezes esses sujeitos são identificados a um simples número de prontuário,
como se não tivessem um nome, uma história, sendo assim violentados em sua dignidade,
tirando o que ainda lhes resta: a individualidade, o seu passado e a sua história de vida.
A partir dessas questões surgem reflexões que instigam-nos a procurar por um
esclarecimento conciso a respeito da psicose nos dias atuais, e portanto, a levantar alguns
questionamentos a este respeito: Onde estão os sujeitos considerados psicóticos? Qual a
compreensão que a sociedade possui sobre a psicose? Como é sentir-se e/ou admitir-se
psicótico? Como é conviver com o transtorno?
Assim, este artigo tem como objetivo principal compreender o conceito de psicose
a partir da reflexão do sujeito que se encontra na condição de psicótico. Neste sentido, foi
realizada uma revisão bibliográfica exploratória do tema e assuntos relacionados a partir
de livros de bancos de dados: Revista Brasileira de Psiquiatria, Scielo e Bvs-Psi tendo
como método de pesquisa a abordagem qualitativo-dedutivo. Para a elaboração deste
estudo buscou-se fazer um levantamento bibliográfico sobre o tema através de distintas
combinações dos seguintes descritores: Conceito de psicose, memórias psicóticas,
condição psicótica. Foram pré-selecionados dez (10) artigos, destes selecionou-se cinco
para base teórica, publicados nos últimos dez anos, cujo critério de seleção pautou-se
principalmente em abordar os temas dos descritores apontados anteriormente.
Selecionou-se ainda publicações em livros que abordam a temática psicose e loucura.
Conceito de psicose
Ao tentarmos compreender a psicose, aparece a loucura, como sendo a primeira
palavra a esse termo relacionada e que facilmente podemos verificar, por meio de
pesquisas simples em dicionários e/ou outras fontes de busca na internet, ratificando que
essas palavras, são mormente, correlacionadas e tratadas como análogas. De tal forma,
acabamos tomando como sinônimos os vocábulos “louco” e “psicótico” e são usados para
referir àquelas pessoas que apresentam sintomas como alucinações e delírios, como
também àquelas que em alguns momentos perdem o senso de realidade. De acordo com
Ronald Laing2 (1978), a perda de contato com a realidade, como também a inadequação
social e a falta de discernimentos são “jargões” criados pela psiquiatria para falar sobre a
psicose. Isto ocorre porque o paciente é doente no sentido médico e por isso é necessário
diagnosticar sua condição, observando os sintomas da doença para poder classificá-la.
José Leme Lopes (2001) explica que a palavra psicose foi escrita pela primeira
vez em 1845, por um psicólogo alemão, Feuchtersleben, e apareceu no ano seguinte, pela
primeira vez no Jornal de Psiquiatria e medicina Forense. Lopes acrescenta que a
expressão psicose teve grande destaque, no trabalho de Möbius em 1892, quando ele
define as doenças mentais em psicoses exógenas e endógenas.
Entretanto, essa palavra era pouco utilizada no século XVIII e XIX, pois havia a
ideia de que a psicose tinha uma base orgânica e por isso não havia possibilidade de
tratamento para psicóticos, ou seja, a pessoa, uma vez acometida por essa ‘doença’ jamais
voltaria à normalidade de antes. Esses indivíduos eram vistos como transgressores de
normas sociais. Considerados desordeiros, os quais não se poderia tolerá-los. Portanto,
dever-se-ia segregá-los (SAGGESE, 2001).
Para Flávio Carvalho Ferraz (2000), foi a partir de Pinel e Esquirol que a clínica
psiquiátrica surgiu e elegeu o delírio como característica central da psicose, e, por isso,
muitas vezes, fez-se confusão entre delírio e psicose.
2
Laing foi um dos principais representantes do movimento conhecido como antipsiquiatria.
Foucault (2001) esclarece que Charcot foi a figura mais importante da transmissão
do conhecimento psiquiátrico do século XIX. Esse tinha um discurso crítico tradicional a
respeito da loucura3, diferentemente das concepções de Freud a respeito da loucura.
3
Loucura e psicose serão utilizadas no texto como sinônimo de acordo como os autores citados utilizam a
terminologia.
4
Para alguns autores a Psicanálise foi criada aproximadamente no ano de1896 por seu precursor Sigmund
Freud. O momento inicial das investigações que levaram ao desenvolvimento da Psicanálise foi quando
Freud começa seus questionamentos em relação à histeria, como alguma coisa que vai além de causas
orgânicas (LAPLANCHE & PONTALIS, 2008). Entretanto, tal ano não é consenso entre os estudiosos da
Psicanálise.
psicótico é “[...] sua incapacidade de adaptação social, pela perturbação em sua faculdade
de comunicação, por sua falta de consciência da enfermidade, pela alteração no contato
com a realidade e pelas profundas irregularidades de seu Ego” (MAUER e RESNIZKY,
1987, p.51).
O compêndio de psiquiatria define a psicose como um termo utilizado para
descrever o comportamento de uma pessoa em determinado momento da vida, ou um
transtorno mental no qual, em alguma circunstância do seu curso, o sujeito apresenta
comprometimento na consciência da realidade. Para tal, o sujeito psicótico é aquele que
apresenta uma ampla desordem da percepção da realidade e pensamentos, sendo distinta
a percepção da maioria das pessoas (KAPLAN, SADOCK e GREBB, 2003).
A psicanálise na sua tentativa de entender a psicose objetivou fazer distinções,
dentre as quais separar a neurose e psicose conceitualmente. Buscou definir diferentes
estruturas como a paranoia e esquizofrenia, por um curso, e, por outro, a melancolia e
mania. É por meio da inquietação elementar “[...] da relação libidinal com a realidade que
a teoria psicanalítica vê o denominador comum das psicoses, onde a maioria dos sintomas
manifestos (particularmente construção delirante) são tentativas secundárias de
reestruturação do laço objetal” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2008, p.390).
Sigmund Freud foi um dos principais autores a realizar uma diferenciação entre a
neurose e psicose, deste modo, para falar dessa distinção é necessário trazê-lo a discussão.
A princípio, ainda dentro da primeira tópica da teoria do aparelho psíquico e dos
instintos, Freud a partir da análise do Caso Schreber (1911/1996), considerou a psicose
como uma enfermidade narcisística, por aversão as neuroses transferências.
Nessa perspectiva, a psicose seria então um transtorno primário da relação
libidinal. A energia psíquica afastaria do mundo dos objetos e se acumularia no Ego,
produzindo um acréscimo da libido narcisística e, depois, apareceriam às tentativas de
reconexão com os objetos.
Freud (1911/1996) ressaltava que existiria um equilíbrio entre a libido do Ego e a
libido do objeto, ou seja, quanto mais aumenta uma, mais enfraquece a outra. Sendo assim
a libido objetal diminui quando aumenta a libido do ego e vice e versa, numa série
complementar.
Na psicose, a investidura libidinal que se dirige para os objetos é retirada, pois o
Ego perde o interesse por tudo que o cerca. O mundo se torna, então, aos olhos do sujeito,
vazio e sem significado, e podem aparecer os sentimentos de desrealização e a vivência
do fim do mundo. O sujeito se sente perplexo e abandonado em um mundo sem sentido
e pode tomar a sua própria pessoa como objeto de amor (narcisismo). Em termos
energéticos, significa que a libido pode investir tanto no ego, como num objeto exterior
(FREUD, 1911/1996).
Todo o interesse e a preocupação do sujeito estão centrados sobre si mesmo. Pode
aparecer o sentimento de megalomania dado por presunção do Ego, ou, em sua ausência,
fenômenos hipocondríacos. A última etapa seria a restitutiva. O sujeito tenta reconectar-
se com o mundo, restaurar o laço com o objeto. É o momento de aparição dos sintomas
(delírio e alucinações), que deverão ser entendidos como a maneira que encontrou o
sujeito de recuperar e reorganizar esse mundo perdido (FREUD, 1911/1996).
Freud, em seu texto Neurose e Psicose (1923/1996), afirma que a partir de algum
tempo de estudo, conseguiu novas informações para realizar uma diferenciação entre a
neurose e a psicose, elementos importantes para a contestação genética entre a neurose e
psicose, pois “[...] a neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que
a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o
mundo externo” (FREUD, 1923/1996, p.167).
Para Freud, tanto a neurose quanto a psicose surgem a partir de conflitos que
desenvolve o Ego com suas instâncias dominantes. O conflito “[...] consiste em uma
frustração, em uma não realização, de um daqueles desejos de infância que nunca são
vencidos e que estão tão profundamente enraizados em nossa organização
filogeneticamente determinada” (FREUD, 1923/1996, p.169).
Na neurose, o Ego tentaria conter o Id, como um acordo entre a defesa e a pulsão.
Desse modo, na neurose o conflito se estabelece entre o Ego e o Id. O Ego se nega a
aceitar uma poderosa tendência instintiva do Id e, obedecendo às exigências da realidade,
ou seja, do superego, a reprime. O reprimido se rebela e busca de todas as maneiras, uma
satisfação substitutiva. Pode então aparecer o sintoma, como uma solução transacional,
que se impõe ao Ego. Não significa que o sujeito não conhece a realidade exterior, mas
cria ao lado dela uma realidade fantasiada (FREUD, 1923/1996).
Na psicose, o inconsciente se mostra “a céu aberto”, e o Id não protesta, ele
simplesmente “quer”. O conflito se coloca entre o Ego e a realidade. O Ego se afasta da
realidade convencional e cria uma nova realidade livrando dos motivos de desgosto que
a anterior apresentava. Os sintomas que surgirão deverão ser compreendidos como
elementos restitutivos.
Em outras formas de psicose, como as esquizofrenias ocorrem
[...] uma perda de toda participação no mundo externo. Com referência a
gênese dos delírios, inúmeras análises nos ensinaram que o delírio se encontra
aplicado como um remendo no lugar em que originalmente uma fenda
apareceu na relação do ego com o mundo externo. Se essa precondição de um
conflito com o mundo externo não nos é muito mais observável do que
atualmente acontece, isso se deve ao fato de que, no quadro clínico da psicose,
as manifestações do processo patogênico são amiúde recobertas por
manifestações de uma tentativa de cura ou reconstrução (FREUD, 1923/1996,
p.169).
A CONDIÇÃO PSICÓTICA
São muitos os trabalhos científicos que relatam a vivência na psicose e o
tratamento de pacientes psicóticos fundamentados pelo olhar de especialistas no assunto
(SAGGESE, 2001; CAVALCANTI, 2007; GUTMAN, 2009; BRIETZKE, 2011). Porém,
ainda são pouco exploradas as produções científicas com relatos de pessoas que passaram
por essa condição e descreveram suas histórias de vida, principalmente, como definem a
psicose por meio de suas próprias experiências. Por isso, de forma concisa,
apresentaremos pequenos fragmentos da fala e alguns detalhes da história de vida de
pessoas, conhecidas no campo literário, que escreveram como é viver com a psicose.
Há trinta anos isso aconteceu, três anos entre os loucos. Disseram que era uma
depressão nervosa, era esse o termo. A coisa parecia grave, sem dúvida uma
tara, foram discretos. Os especialistas deram o nome: esquizofrenia. [...]
Sei que podemos nos acostumar com tudo. Os animais também o fazem, mas
o homem o faz muito melhor: porque ele é superior. Quando nasci, alguém
me deu um presente curioso; uma pedra no meu embornal. Dura, angulosa e
cortante, lá estava ela, sempre contra o meu flanco, ferindo-o todas as vezes
que eu dava um passo. Tentei dar-lhe a forma mais conveniente, poli-la e
desgastá-la, os companheiros com quem eu cruzava também tentaram ajudar-
me, mas como moldar o sílex! Nada adiantou, e continuei a matar-me sem
nunca me habituar [...] (BRESSON, 1993, p.247/248).
[...] como pode existir pessoa tão incapaz de viver, como eu? Escrevi um
conto, não sei se você o leu (saiu publicado no Correio da Manhã), “Colisão
5
Deixou dezessete livros escritos, dentre os mais importantes: “Diário do hospício” aqui contemplado, que
combina memória e reflexões acerca da vida em um manicômio e “O cemitério dos vivos” que é um projeto
inacabado de romance idealizado também durante a permanência no hospício. Atualmente Lima Barreto é
considerado um dos mais importantes literários brasileiros.
6
Disponível em: <http://verabrant.com.br/1/principal.htm>. Acessado em 20 de novembro de 2015.
7
Vera Brant e Maura se tornaram amigas durante o período em que trabalharam no Ministério da Educação,
uma pessoa com quem Maura posteriormente trocou cartas durante internações.
ou Espelho Morto”. Nele eu consigo falar de minha visão do mundo e na
dificuldade em nele existir. É para mim meu melhor conto. Há uma passagem
em que falo de minha companheira de quarto, estudante de geologia. Ela joga
pedras sobre minha cama, pedras colhidas por ela, diariamente, nas praias.
Estas pedras já me tomavam a metade do leito, ‘pedras personalíssimas, quase
vivas, que já me tomam a metade do leito. Encolho-me sob os cobertores, as
pedras ocupando sempre mais espaço, sentindo-me impossibilitada de
argumentar com as pedras, eu que sou destituída de qualquer senso de
organização [...] (MAURA LOPES CANÇADO PARA VERA –
20/08/1967).
A trajetória de vida de Maura foi sempre marcada por dúvidas. Sua sanidade
mental foi contestada durante toda sua vida. Esteve cercada por muitas histórias de
irritação, fúria e extravagâncias. Ela afirmava que as coisas mais simples conseguiam
levá-la à sensação total de derrota (BRANT, 1967).
Relata também que considera qualquer ser, mesmo os inanimados, com mais
personalidade do que ela, até com capacidade de julgá-la melhor e com argumentos mais
convincentes. Conta que não acredita em sua identidade. Sempre sonha com muitas
confusões e que não consegue se comunicar com ninguém. As pessoas, as circunstâncias
e, até os objetos a apavoram e procura se salvar provando que ela era a autora de tal livro.
Naquela mesma carta, ainda diz:
[...] perdoe-me contar-lhe tudo isto. Mas eu morro se não falar com alguém.
Eu estou tão sozinha, tão desesperada, tenho tanto medo de mim mesma.
Porque não sei até onde sou capaz de destruir-me. O pior é que não ouso
muito. O Wassilly me disse uma vez: “Você não assume compromisso nem
com a loucura. Nunca ficará louca. Seria comprometer-se”. Creio ser verdade.
Se estou no hospício, me comporto como sã; se estou fora, esquizofrenizo-
me. (MAURA LOPES CANÇADO PARA VERA – 20/08/1967).
Maura também faz reflexões sobre seu estado de doente mental. Muitas vezes
aparece no livro relatos que assinalam sua vontade de fugir da realidade, não havendo
qualquer tentativa de mascarar esses e outros temores. Sobre o que lhe assusta na loucura,
diz: “O que me assombra na loucura é a distância, os loucos parecem eternos. Nem as
pirâmides do Egito, as múmias milenares, o mausoléu mais gigantesco e antigo, possuem
a marca de eternidade que ostenta a loucura” (CANÇADO, 1979, p. 26).
Em toda obra de Maura é possível verificar sua indignação a respeito das situações
extremas de humilhação e sofrimento vivenciados no hospício, condições desumanas de
maus tratos e violência, impostos às pessoas que deveriam estar naquele local para serem
tratadas. Uma obra rica de informações para aqueles que gostariam de entender como
funciona um hospício, bem como compreender o sujeito psicótico.
Um livro autobiográfico que também trata da psicose que não poderemos deixar
de mencionar é o de Daniel Paul Schreber que tem como título Memórias de um doente
dos nervos (1903/1984), que ficou conhecido, principalmente, a partir de Freud que
realizou uma análise do livro e resultou em sua obra intitulada Notas Psicanalíticas Sobre
Um Relato Autobiográfico de Um Caso de Paranóia (Dementia Paranoides) conhecido
como Caso Schreber (1911/1996).
Schreber foi internado pela primeira vez em dezembro de 1884 em uma clínica
para doenças nervosas de uma Universidade dirigida pelo Dr. Flechsig. “A primeira
doença decorreu sem qualquer incidente relativo ao domínio do sobrenatural. No
essencial, durante o tratamento, só tive impressões favoráveis do método terapêutico do
professor Flechsig” (SCHREBER, 1903/1984, p.44).
Durante as memórias faz breve referência a este episódio, mencionando uma crise
de hipocondria com ideias de emagrecimento. No entanto seu quadro era mais grave com
manifestações delirantes não sistematizadas e duas tentativas de suicídio.
Um dos motivos desencadeador da psicose teria sido a impossibilidade de não ter
filhos, como mencionou Schreber: “Depois da cura de minha primeira doença vivi oito
anos, no geral, bem felizes, ricos também de honrarias exteriores e apenas
passageiramente turvados pelas numerosas frustrações da esperança de ter filhos”
(SCHREBER, 1903/1984, p.45).
Schreber (1903/1984) descreve que ficou doente pela segunda vez por ocasião da
inusitada sobrecarga de trabalho que enfrentou quando assumiu o cargo de presidente da
Corte de Apelação de Dresden, que tinha sido então recentemente transmitido. “Foi assim
que já em algumas semanas fiquei intelectualmente estafado. O sono começou a faltar
justamente no momento em que eu poderia dizer que superava, no essencial, as
dificuldades de adaptação ao novo cargo, à casa nova [...]” (p.45).
A doença assumiu rapidamente um caráter ameaçador. Entregava-se a fantasias
místicas religiosas e afirmava que Deus falava com ele e que demônios e vampiros viviam
o zombando. Seus delírios e alucinações baseavam-se principalmente, na perseguição de
Deus para com ele e pelo desejo de ser transformado em mulher. A sua fala era marcada
por apontamentos que já não tinha mais estômago, pulmões, intestinos e acostumava, às
vezes, engolir parte de sua própria laringe com a comida, além de sofrer perseguições de
pássaros. O que acabaria com sua agonia seria o milagre divino (que viria por meio de
raios solares) de ser transformado em mulher e engravidar de Deus (SCHREBER,
1903/1984).
A partir do primeiro diagnóstico de demência paranoica, Schreber diz que
finalmente conseguiram enlouquecê-lo. Tem alucinações visuais e auditivas. Acredita
estar morto e em decomposição, sem condição de ser enterrado. Afirma sofrer de peste e
que seu pênis foi arrancado por uma ‘sonda de nervo’. Tenta se enforcar no quarto e
afogar-se na banheira (SCHREBER, 1903/1984).
Passou mais de treze anos da sua vida em sanatórios psiquiátricos, e um longo
período da velhice em casa, passeando e viajando, porém terminou seus dias delirando.
Tornou-se o louco mais famoso da história da psiquiatria e psicanálise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARRETO, Henriques de Lima. Diário do Hospício; O cemitério dos Vivos. Rio de
Janeiro: Secretária Municipal de cultura, departamento geral de documentação e
informação cultural, divisão de editoração, 1993.
BRESSON, Emmanuel. O menino que perdeu sua morte. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
FREUD, Sigmund. (1911). O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e Outros Trabalhos.
In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_____. (1923). Neurose e Psicose. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FOUCAULT, Michel. A casa dos loucos. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
Graal, 2001.