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DO CONCEITO DE PSICOSE À REFLEXÃO DA CONDIÇÃO PSICÓTICA

TÍTULO RESUMIDO: PSICOSE


1
Josiana Paula Gomes do Nascimento Simões
RESUMO: Este artigo trata-se de uma revisão de literatura, que se fundamenta numa breve distinção sobre
psicose e loucura, e posteriormente expondo relatos de pacientes psicóticos, onde descrevem como é
conviver com a psicose/neurose. Dessa investigação, conclui-se que a psicose caracteriza-se como um
estado mental patológico, evidenciado por períodos de descontrole, de desorganização psíquica, de
desordem da percepção da realidade e pensamentos, da oscilação no humor e de estados agressivos. É um
quadro de doença mental em que o indivíduo apresenta dificuldade de se relacionar, instituindo ideias
imaginárias em seu contato social. No que diz respeito a condição psicótica, podemos observar que as
pessoas que escreveram suas autobiografias, possuem em comum a busca incansável em compreender a
psicose, e enfatizam a importância e a necessidade de escrever, como também o desejo de levar suas
histórias de vida para a literatura. Ainda que consigam falar sobre suas vivências a partir de uma ótica clara
e até mesmo engraçada, nota-se que há grande sofrimento por não terem controle sobre o seu
comportamento e pensamento. Chegam a se comparar a seres inanimados, e portanto, se consideram sem
personalidade, sem identidade. Diante dessas questões podemos perceber a importância de se registrar e
documentar essas histórias de vida, as quais além de serem significativas, podem servir como fonte precisa
de dados para uma melhor compreensão da doença mental.

Palavras-chave: Conceito de Psicose, psicose, e condição psicótica.

ABSTRACT: This article it is a literature review, which is based on a brief distinction of psychosis and
insanity, and subsequently exposing reports of psychotic patients, which describe how you live with
psychosis / neurosis. In this research, it appears that psychosis is characterized as a pathological mental
state, evidenced by periods of lack of mental clutter, disorder of perception of reality and thoughts, the
oscillation in mood and aggressive states. A person has difficulty relating instituting imaginary ideas in
social contact in a mental illness framework. As regards the psychotic condition, we can see that the people
who wrote their autobiographies, have in common the relentless pursuit to understand the psychosis, and
emphasize the importance and the need to write, but also the desire to bring their stories to life literature.
Even if they can talk about their experiences from a clear perspective and even funny, it is noted that there
is great suffering for not having control over their behavior and thinking. They even compare to inanimate
beings, and thus considered without personality, without identity. Before these questions can realize the
importance of registering and documenting these stories of life, which in addition to being significant, can
serve as a source of data need for a better understanding of mental illness.

Keywords: Psycho concept, psychosis, and psychotic condition.

Introdução

Agora, portanto, sabeis meu nome, homens... Mas que epíteto acrescentar?
Superloucos? Que seja! A deusa Loucura não pode classificar de modo mais
honesto seus adoradores. Mas não se sabe bem de onde venho. E é isso que
vou tentar explicar-vos com o prestimoso auxílio das musas [...]
(ROTTERDAM, 2008, p.27).

Falar sobre a psicose na atualidade implica entender como é enfrentada essa


discussão dentro de um panorama bem maior - a saúde mental. Implica em compreender

1
Docente da Faculdade de Pimenta Bueno FAP. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de
Rondônia UNIR. Psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial CAPS I de Pimenta Bueno RO.
como estão sendo aplicadas, na prática, as leis conquistadas com o movimento de
reforma psiquiátrica, e como andam as ações para a efetivação de um tratamento mais
humanizado aos sujeitos acometidos por esse transtorno bem como as políticas públicas
de saúde que buscam resguardar e garantir os direitos do cidadão.
Não precisamos ir muito longe para encontrarmos respostas a essas indagações,
pois cotidianamente tomamos conhecimento, por meio da mídia e demais veículos de
informações, que continuam existindo instituições que ainda mantém pessoas com
psicose, e por isso consideradas loucas, em verdadeiros cárceres privado,
enclausuradas, sendo encontradas em hospitais da região, em situações desumanas, sem
nenhuma possibilidade de contato social.
Muitas vezes esses sujeitos são identificados a um simples número de prontuário,
como se não tivessem um nome, uma história, sendo assim violentados em sua dignidade,
tirando o que ainda lhes resta: a individualidade, o seu passado e a sua história de vida.
A partir dessas questões surgem reflexões que instigam-nos a procurar por um
esclarecimento conciso a respeito da psicose nos dias atuais, e portanto, a levantar alguns
questionamentos a este respeito: Onde estão os sujeitos considerados psicóticos? Qual a
compreensão que a sociedade possui sobre a psicose? Como é sentir-se e/ou admitir-se
psicótico? Como é conviver com o transtorno?
Assim, este artigo tem como objetivo principal compreender o conceito de psicose
a partir da reflexão do sujeito que se encontra na condição de psicótico. Neste sentido, foi
realizada uma revisão bibliográfica exploratória do tema e assuntos relacionados a partir
de livros de bancos de dados: Revista Brasileira de Psiquiatria, Scielo e Bvs-Psi tendo
como método de pesquisa a abordagem qualitativo-dedutivo. Para a elaboração deste
estudo buscou-se fazer um levantamento bibliográfico sobre o tema através de distintas
combinações dos seguintes descritores: Conceito de psicose, memórias psicóticas,
condição psicótica. Foram pré-selecionados dez (10) artigos, destes selecionou-se cinco
para base teórica, publicados nos últimos dez anos, cujo critério de seleção pautou-se
principalmente em abordar os temas dos descritores apontados anteriormente.
Selecionou-se ainda publicações em livros que abordam a temática psicose e loucura.

Conceito de psicose
Ao tentarmos compreender a psicose, aparece a loucura, como sendo a primeira
palavra a esse termo relacionada e que facilmente podemos verificar, por meio de
pesquisas simples em dicionários e/ou outras fontes de busca na internet, ratificando que
essas palavras, são mormente, correlacionadas e tratadas como análogas. De tal forma,
acabamos tomando como sinônimos os vocábulos “louco” e “psicótico” e são usados para
referir àquelas pessoas que apresentam sintomas como alucinações e delírios, como
também àquelas que em alguns momentos perdem o senso de realidade. De acordo com
Ronald Laing2 (1978), a perda de contato com a realidade, como também a inadequação
social e a falta de discernimentos são “jargões” criados pela psiquiatria para falar sobre a
psicose. Isto ocorre porque o paciente é doente no sentido médico e por isso é necessário
diagnosticar sua condição, observando os sintomas da doença para poder classificá-la.
José Leme Lopes (2001) explica que a palavra psicose foi escrita pela primeira
vez em 1845, por um psicólogo alemão, Feuchtersleben, e apareceu no ano seguinte, pela
primeira vez no Jornal de Psiquiatria e medicina Forense. Lopes acrescenta que a
expressão psicose teve grande destaque, no trabalho de Möbius em 1892, quando ele
define as doenças mentais em psicoses exógenas e endógenas.
Entretanto, essa palavra era pouco utilizada no século XVIII e XIX, pois havia a
ideia de que a psicose tinha uma base orgânica e por isso não havia possibilidade de
tratamento para psicóticos, ou seja, a pessoa, uma vez acometida por essa ‘doença’ jamais
voltaria à normalidade de antes. Esses indivíduos eram vistos como transgressores de
normas sociais. Considerados desordeiros, os quais não se poderia tolerá-los. Portanto,
dever-se-ia segregá-los (SAGGESE, 2001).
Para Flávio Carvalho Ferraz (2000), foi a partir de Pinel e Esquirol que a clínica
psiquiátrica surgiu e elegeu o delírio como característica central da psicose, e, por isso,
muitas vezes, fez-se confusão entre delírio e psicose.

O delírio, na tradição psiquiátrica, ocupa o lugar de uma espécie de defeito da


razão, sendo considerado como algo sem sentido; o sujeito psíquico não
estaria implicado em sua produção; ele seria, diante da tendência organicista
da psiquiatria, um resíduo do pensamento doente, isto é, a consequência de
uma perturbação que, em última instância, se localiza no nível do corpo
somático (FERRAZ, 2000, p. 90).

2
Laing foi um dos principais representantes do movimento conhecido como antipsiquiatria.
Foucault (2001) esclarece que Charcot foi a figura mais importante da transmissão
do conhecimento psiquiátrico do século XIX. Esse tinha um discurso crítico tradicional a
respeito da loucura3, diferentemente das concepções de Freud a respeito da loucura.

O ponto de perfeição, miraculosa em demasia, foi atingido quando as doentes


do serviço de Charcot, a pedido do poder-saber médico, se puseram a
reproduzir uma sintomatologia calcada na epilepsia, isto é, suscetível de
decifração, conhecida e reconhecida nos termos de uma doença orgânica
(FOUCAULT, 2001, p. 123).

Por meio dessa observação, Freud impulsionado a buscar novas concepções e a


compreender a psicose por outro viés diferente da psiquiatria, iniciou seus estudos sobre
a psicose com base na psicanálise4. De tal modo, a psicanálise assim como a psicologia,
desenvolveram papéis importantes e fundamentais para a mudança dos paradigmas do
imaginário da doença mental do século XX. Vale ressaltar que os escritos e trabalhos de
Freud estavam em sua grande maioria focados na compreensão da neurose. Embora a
psicose tenha chamado sua atenção, tanto que escreveu e desenvolveu vários estudos a
respeito do assunto, a psicose não foi o cerne de seu trabalho, como foi e tem sido para
outros psicanalistas.
Lopes (2001) aponta que antes da criação da psicanálise ainda não havia uma
definição do que era psicose, pois as opiniões eram divergentes sobre o assunto. A partir
de então iniciou novos estudos que ocasionaram em descobertas que assinalavam uma
nova visão do regime criado a respeito do delírio, rompendo inteiramente com a tradição
psiquiátrica. Então a psiquiatria incorpora o discurso da teoria das ciências psicológicas
e passou a ter uma definição mais elaborada sobre esse fenômeno.
O termo psicose é utilizado para conceituar as formas mais acentuadas de falta de
organização psíquica, que inclui: pensamento desorganizado e/ou paranoide, acentuada
inquietude psicomotora, sensações de angústia intensa e opressão, além de muitas vezes
insônia severa. Tais períodos de crises, quando mais intensos, podem ocorrer alucinações
ou delírios, como também uma falta de percepção ou discernimentos que permita
reconhecer o caráter estranho do comportamento. A característica principal do sujeito

3
Loucura e psicose serão utilizadas no texto como sinônimo de acordo como os autores citados utilizam a
terminologia.
4
Para alguns autores a Psicanálise foi criada aproximadamente no ano de1896 por seu precursor Sigmund
Freud. O momento inicial das investigações que levaram ao desenvolvimento da Psicanálise foi quando
Freud começa seus questionamentos em relação à histeria, como alguma coisa que vai além de causas
orgânicas (LAPLANCHE & PONTALIS, 2008). Entretanto, tal ano não é consenso entre os estudiosos da
Psicanálise.
psicótico é “[...] sua incapacidade de adaptação social, pela perturbação em sua faculdade
de comunicação, por sua falta de consciência da enfermidade, pela alteração no contato
com a realidade e pelas profundas irregularidades de seu Ego” (MAUER e RESNIZKY,
1987, p.51).
O compêndio de psiquiatria define a psicose como um termo utilizado para
descrever o comportamento de uma pessoa em determinado momento da vida, ou um
transtorno mental no qual, em alguma circunstância do seu curso, o sujeito apresenta
comprometimento na consciência da realidade. Para tal, o sujeito psicótico é aquele que
apresenta uma ampla desordem da percepção da realidade e pensamentos, sendo distinta
a percepção da maioria das pessoas (KAPLAN, SADOCK e GREBB, 2003).
A psicanálise na sua tentativa de entender a psicose objetivou fazer distinções,
dentre as quais separar a neurose e psicose conceitualmente. Buscou definir diferentes
estruturas como a paranoia e esquizofrenia, por um curso, e, por outro, a melancolia e
mania. É por meio da inquietação elementar “[...] da relação libidinal com a realidade que
a teoria psicanalítica vê o denominador comum das psicoses, onde a maioria dos sintomas
manifestos (particularmente construção delirante) são tentativas secundárias de
reestruturação do laço objetal” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2008, p.390).
Sigmund Freud foi um dos principais autores a realizar uma diferenciação entre a
neurose e psicose, deste modo, para falar dessa distinção é necessário trazê-lo a discussão.
A princípio, ainda dentro da primeira tópica da teoria do aparelho psíquico e dos
instintos, Freud a partir da análise do Caso Schreber (1911/1996), considerou a psicose
como uma enfermidade narcisística, por aversão as neuroses transferências.
Nessa perspectiva, a psicose seria então um transtorno primário da relação
libidinal. A energia psíquica afastaria do mundo dos objetos e se acumularia no Ego,
produzindo um acréscimo da libido narcisística e, depois, apareceriam às tentativas de
reconexão com os objetos.
Freud (1911/1996) ressaltava que existiria um equilíbrio entre a libido do Ego e a
libido do objeto, ou seja, quanto mais aumenta uma, mais enfraquece a outra. Sendo assim
a libido objetal diminui quando aumenta a libido do ego e vice e versa, numa série
complementar.
Na psicose, a investidura libidinal que se dirige para os objetos é retirada, pois o
Ego perde o interesse por tudo que o cerca. O mundo se torna, então, aos olhos do sujeito,
vazio e sem significado, e podem aparecer os sentimentos de desrealização e a vivência
do fim do mundo. O sujeito se sente perplexo e abandonado em um mundo sem sentido
e pode tomar a sua própria pessoa como objeto de amor (narcisismo). Em termos
energéticos, significa que a libido pode investir tanto no ego, como num objeto exterior
(FREUD, 1911/1996).
Todo o interesse e a preocupação do sujeito estão centrados sobre si mesmo. Pode
aparecer o sentimento de megalomania dado por presunção do Ego, ou, em sua ausência,
fenômenos hipocondríacos. A última etapa seria a restitutiva. O sujeito tenta reconectar-
se com o mundo, restaurar o laço com o objeto. É o momento de aparição dos sintomas
(delírio e alucinações), que deverão ser entendidos como a maneira que encontrou o
sujeito de recuperar e reorganizar esse mundo perdido (FREUD, 1911/1996).
Freud, em seu texto Neurose e Psicose (1923/1996), afirma que a partir de algum
tempo de estudo, conseguiu novas informações para realizar uma diferenciação entre a
neurose e a psicose, elementos importantes para a contestação genética entre a neurose e
psicose, pois “[...] a neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que
a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o
mundo externo” (FREUD, 1923/1996, p.167).
Para Freud, tanto a neurose quanto a psicose surgem a partir de conflitos que
desenvolve o Ego com suas instâncias dominantes. O conflito “[...] consiste em uma
frustração, em uma não realização, de um daqueles desejos de infância que nunca são
vencidos e que estão tão profundamente enraizados em nossa organização
filogeneticamente determinada” (FREUD, 1923/1996, p.169).
Na neurose, o Ego tentaria conter o Id, como um acordo entre a defesa e a pulsão.
Desse modo, na neurose o conflito se estabelece entre o Ego e o Id. O Ego se nega a
aceitar uma poderosa tendência instintiva do Id e, obedecendo às exigências da realidade,
ou seja, do superego, a reprime. O reprimido se rebela e busca de todas as maneiras, uma
satisfação substitutiva. Pode então aparecer o sintoma, como uma solução transacional,
que se impõe ao Ego. Não significa que o sujeito não conhece a realidade exterior, mas
cria ao lado dela uma realidade fantasiada (FREUD, 1923/1996).
Na psicose, o inconsciente se mostra “a céu aberto”, e o Id não protesta, ele
simplesmente “quer”. O conflito se coloca entre o Ego e a realidade. O Ego se afasta da
realidade convencional e cria uma nova realidade livrando dos motivos de desgosto que
a anterior apresentava. Os sintomas que surgirão deverão ser compreendidos como
elementos restitutivos.
Em outras formas de psicose, como as esquizofrenias ocorrem
[...] uma perda de toda participação no mundo externo. Com referência a
gênese dos delírios, inúmeras análises nos ensinaram que o delírio se encontra
aplicado como um remendo no lugar em que originalmente uma fenda
apareceu na relação do ego com o mundo externo. Se essa precondição de um
conflito com o mundo externo não nos é muito mais observável do que
atualmente acontece, isso se deve ao fato de que, no quadro clínico da psicose,
as manifestações do processo patogênico são amiúde recobertas por
manifestações de uma tentativa de cura ou reconstrução (FREUD, 1923/1996,
p.169).

Em seu texto A perda da realidade na neurose e na psicose (1924/1996), Freud


assinala que ao “nascer” uma psicose, ocorre alguma coisa equivalente ao processo de
uma neurose, ainda que essa distinção se encontre nas instâncias da mente. Igualmente,
podemos esperar que, também na psicose, duas etapas podem ser descobertas, das quais
a primeira envolveria o Ego para longe da realidade, enquanto a segunda arriscaria
consertar o dano causado e restaurar as relações do sujeito com a realidade por meio do
id. Assim ocorrendo, temos duas etapas, sendo a segunda com o objetivo de reparação.
A neurose e a psicose obedecem ao desejo de poder do id, que não se deixará
determinar pela realidade. Nesse sentido, tanto a neurose quanto a psicose são a
demonstração de uma rebelião por parte do id contra o mundo externo, ou seja, são
incapazes de habituarem-se às cobranças da realidade.
A diferenciação de ambas se encontra no desfecho final: “na neurose, um
fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na psicose, a fuga
inicial é sucedida por uma fase ativa de remodelamento; na neurose, a obediência inicial
é sucedida por uma tentativa adiada de fuga” (FREUD, 1924/1996, p.207). Ou podemos
defini-las de outra forma: “a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose
a repudia e tenta substitui-la” (FREUD, 1924/1996, p.207).
Para Ferraz (2000), o surgimento da psicanálise foi um marco importante para
desmistificar o discurso que reservavam para a loucura, o da “desrazão” e, por isso, a
loucura deveria permanecer ao lado da exclusão. Assim, “Foi a psicanálise, tomada aqui
na sua radicalidade, que permitiu formular uma crítica da razão delirante, modo pelo qual
a loucura se constituíra sob o olhar da psiquiatria do século XIX” (FERRAZ, 2000, p.90).
Além da psicanálise, um movimento que não podemos deixar de mencionar que
foi importante para desenvolver um novo olhar no trato com a psicose foi o denominado
‘antipsiquiatria’, o qual contribuiu para combater o conceito organicista da psicose, que
afirmava que seu desenvolvimento estava apenas ligado ao campo de afecção do cérebro,
ignorando as questões do contexto familiar e social. A antipsiquiatria teve como seus
representantes principais: David Cooper, Thomaz Szasz e Ronald Laing (FERRAZ,
2000).
Laing (1978) foi um dos grandes nomes a frente de denúncias aos erros graves
que empreendiam aos sujeitos psicóticos e é por isso que damos um destaque a ele nessa
discussão. Afirmava que ao dizer que alguém é louco, pode ser que seja real e até acredita
que esse sujeito pode ser um desequilibrado, um perigo para a sociedade, por isso exige
atenção e cuidado em um lugar adequado para tratamento. E acrescenta: “Ao mesmo
tempo, estou cônscio de que em minha opinião, existem outras pessoas consideradas
sadias, cuja mente é radicalmente doentia, podendo também constituir um perigo para si
mesmas e para os outros, e a quem a sociedade não considera psicopatas e destinadas a
um hospício” (LAING, 1978, p.27).
Laing (1978) defendia a ideia de que é necessário compreender a pessoa psicótica.
Ele chama ‘compreensão’ de arte, pois acredita que a compreensão está no campo do belo
e da comunicação, realizado a partir da percepção, das emoções e das ideias, com o
objetivo de estimular as instâncias da consciência e dando um significado único e
diferente para cada ação de compreender, o que permite conhecer o ser humano para além
da doença. Os aspectos que observamos na pessoa, como expressão da sua maneira de
estar no mundo, facilita também a compreensão da doença. “Creio estar claro que por
compreender não me refiro a um processo puramente intelectual. Por compreender
entenda-se amar” (LAING, 1978, p.35).
O necessário é perceber como sente a pessoa psicótica e por isso amá-la, e é
impossível amar alguém ignorando quem ela é. Do mesmo modo não podemos amar
“sinais de esquizofrenia”, pois “[...] ninguém sofre de esquizofrenia. A pessoa é
esquizofrênica. O esquizofrênico precisa ser conhecido sem ser destruído. E terá que
descobrir que isso é possível. Tanto o ódio como o amor do terapeuta são, portanto,
relevantes no mais alto grau” (LAING, 1978, p.35).
As ideias de Laing, como todo o posicionamento do movimento de antipsiquiatria,
resultou em um impacto político, ético e cultural que culminaram no surgimento do
movimento antimanicomial, um processo de reivindicações organizado para a
transformação dos serviços psiquiátricos, a partir de uma série de eventos políticos em
prol dos direitos humanos dos usuários do sistema de saúde mental, que resultou,
sobretudo, em uma maior discussão e reflexão da condição psicótica.

A CONDIÇÃO PSICÓTICA
São muitos os trabalhos científicos que relatam a vivência na psicose e o
tratamento de pacientes psicóticos fundamentados pelo olhar de especialistas no assunto
(SAGGESE, 2001; CAVALCANTI, 2007; GUTMAN, 2009; BRIETZKE, 2011). Porém,
ainda são pouco exploradas as produções científicas com relatos de pessoas que passaram
por essa condição e descreveram suas histórias de vida, principalmente, como definem a
psicose por meio de suas próprias experiências. Por isso, de forma concisa,
apresentaremos pequenos fragmentos da fala e alguns detalhes da história de vida de
pessoas, conhecidas no campo literário, que escreveram como é viver com a psicose.

Há trinta anos isso aconteceu, três anos entre os loucos. Disseram que era uma
depressão nervosa, era esse o termo. A coisa parecia grave, sem dúvida uma
tara, foram discretos. Os especialistas deram o nome: esquizofrenia. [...]
Sei que podemos nos acostumar com tudo. Os animais também o fazem, mas
o homem o faz muito melhor: porque ele é superior. Quando nasci, alguém
me deu um presente curioso; uma pedra no meu embornal. Dura, angulosa e
cortante, lá estava ela, sempre contra o meu flanco, ferindo-o todas as vezes
que eu dava um passo. Tentei dar-lhe a forma mais conveniente, poli-la e
desgastá-la, os companheiros com quem eu cruzava também tentaram ajudar-
me, mas como moldar o sílex! Nada adiantou, e continuei a matar-me sem
nunca me habituar [...] (BRESSON, 1993, p.247/248).

A narrativa citada acima foi retirada do livro de Emmanuel Bresson, intitulado O


menino que perdeu sua morte, por meio do qual escreve a história de sua própria
esquizofrenia, como também a história de todo desamparo humano. O autor define a
doença como “ausência de nome”, “ausência de rosto”, pois não consegue ver o que tanto
lhe atormenta. Cita que aos sete anos já tinha a sensação de estar perdido.
No seu livro menciona seus companheiros internos desde a infância. Auto
observava-se como um sujeito dejeto e morto, um estranho para si mesmo. Narra haver
um sonho principiante que já dava aviso da esquizofrenia. Este sonho ocorreu quando
tinha seis anos de idade e se repetiu ainda por muitos anos. Logo veio o diagnóstico,
emitido pelos psiquiatras que Bresson apelida de “bois”, cujo termo passou a denominá-
los até mesmo quando adulto. “O sonho faz parte da loucura, a embriaguez igualmente, e
também a loucura faz parte da vida do homem” (BRESSON, 1993, p.251).
Bresson (1993) adverte que seu objetivo de escrever um livro não foi contar sua
história de forma mais ou menos divertida ou curiosa, mas de descrever uma anomalia
que muito lhe incomoda a fim de esclarecer algumas regiões obscuras da condição
humana, tal como nossas limitações, que muitos ainda não têm consciência.
Outro livro que revela a vida de um sujeito psicótico é o Diário do Hospício (1993)
escrito por Lima Barreto. O diário congrega as impressões de Lima Barreto sobre os dois
meses que passou no Hospício Nacional dos Alienados no Rio de Janeiro, entre dezembro
de 1919 e fevereiro de 1920, como também sua trajetória de vida.
Lima Barreto se tornou conhecido por meio de suas obras e pela compreensão de
suas ideias. A origem de seus delírios foi decorrente do choque entre o seu “eu” e o
mundo, ou como diz o autor, pelo desejo de ser e a percepção da falta de possibilidade de
alcançar seus ideais. “De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao
álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida
material, há seis anos, me assoberbam, de quando em quando sinais de loucura, delírio”
(BARRETO, 1993, p.23).
No decurso da vida de Lima Barreto é possível encontrar alguns períodos de
fracasso em suas lutas, que muito decepcionaram o escritor. No entanto, suas obras foram
para além do seu tempo, superando as derrotas, como também a pobreza e a loucura. No
entanto, foi reconhecido como escritor somente após a morte. Em vida, vivia sem dinheiro
e amedrontado com uma possível demissão ou, de ser transferido para um trabalho
inferior, pois não possuía formação em uma área específica, uma vez que não conseguiu
concluir seus estudos (BARRETO, 1993).
Não se atentava para sua aparência. “Não me preocupava com meu corpo. Deixava
crescer o cabelo, a barba, não me banhava a miúdo. Todo dinheiro que apanhava bebia.
Delirava de desesperança; eu não obteria nada” (BARRETO, 1993, p.37). Menciona que
muitas coisas em sua vida deixaram de ser importantes, uma vez que não conseguia ter
paz nem mesmo em sua casa, pois era um lugar triste, onde o pai delirava, queixava-se e
resmungava. O que Barreto mais lamentava era a falta de recurso financeiro para arcar
com o tratamento do pai, uma realidade que o deixava muito triste. O pai também foi
considerado psicótico pela medicina da época.
Relata que certo dia sua alucinação foi tão forte que resolveram levá-lo à casa de
um parente para se recuperar. No entanto, chegando ao destino mandaram-no para um
hospital. “Assim não foi no hospital central, nem na Santa Casa, de Ouro Fino, onde as
visões continuaram, foi no hospital por mais vinte e quatro horas e, em Ouro Fino,
unicamente na noite da entrada” (p.38).
Questionava-se o tempo todo: “O que há em mim, meu Deus? Loucura? Quem
sabe lá?”. Sobre a loucura Barreto descreve:
Mergulhado no meio de quase duas dezenas de loucos, não se tem
absolutamente uma impressão geral dela. Há como em todas as manifestações
da natureza, indivíduos, casos individuais, mas não há ou não se percebe entre
eles uma relação de parentesco muito forte. Não há espécies, não há raças de
loucos; há loucos só. Há os que deliram; há os que se concentram num
mutismo absoluto. Há também os que a moléstia mental faz perder a fala ou
quase isso (BARRETO, 1993, p.39).

Lima Barreto5 faleceu em Novembro de 1922, na “Vila Quilombo”, vítima de


ataque cardíaco, em razão do alcoolismo.
Outra personagem muito importante para nossa história foi à escritora e jornalista
Maura Lopes Cançado, que escreveu seu livro Hospício é Deus (1979), enquanto estava
internada no Hospital Psiquiátrico Gustavo Riedel, no Engenho de Dentro, de onde narrou
sua experiência no hospital.
Maura tinha esquizofrenia e esteve internada várias vezes durante sua vida, tendo
matado uma paciente numa dessas situações. Foi considerada inimputável e foi
condenada a viver em um hospital de custódia. Como faltavam hospitais adequados para
esse tipo de internamento, a escritora findou vivendo entre prisões.
A escritora relata, assim como Bresson, que era possível visualizar os sinais de
loucura ainda na infância. “Não creio ter sido uma criança normal, embora não
despertasse suspeitas. Encaravam-me como uma menina caprichosa, mas a verdade é que
já era uma candidata aos hospícios onde vim parar” (CANÇADO, 1979, p. 17).
Relata em seu diário suas recordações, fantasias e sonhos, relembra o passado e
indaga o presente, e descreve situações vivenciadas no hospital psiquiátrico. Muitas das
colegas de quarto do hospital são citadas e que juntas viveram os horrores e problemas
do local em que se encontrava. Um dos exemplos desses relatos se encontra em Cartas6
que Maura escrevia para a amiga Vera Brant7 durante período de internação. Em um dos
trechos, Maura relata:

[...] como pode existir pessoa tão incapaz de viver, como eu? Escrevi um
conto, não sei se você o leu (saiu publicado no Correio da Manhã), “Colisão

5
Deixou dezessete livros escritos, dentre os mais importantes: “Diário do hospício” aqui contemplado, que
combina memória e reflexões acerca da vida em um manicômio e “O cemitério dos vivos” que é um projeto
inacabado de romance idealizado também durante a permanência no hospício. Atualmente Lima Barreto é
considerado um dos mais importantes literários brasileiros.
6
Disponível em: <http://verabrant.com.br/1/principal.htm>. Acessado em 20 de novembro de 2015.
7
Vera Brant e Maura se tornaram amigas durante o período em que trabalharam no Ministério da Educação,
uma pessoa com quem Maura posteriormente trocou cartas durante internações.
ou Espelho Morto”. Nele eu consigo falar de minha visão do mundo e na
dificuldade em nele existir. É para mim meu melhor conto. Há uma passagem
em que falo de minha companheira de quarto, estudante de geologia. Ela joga
pedras sobre minha cama, pedras colhidas por ela, diariamente, nas praias.
Estas pedras já me tomavam a metade do leito, ‘pedras personalíssimas, quase
vivas, que já me tomam a metade do leito. Encolho-me sob os cobertores, as
pedras ocupando sempre mais espaço, sentindo-me impossibilitada de
argumentar com as pedras, eu que sou destituída de qualquer senso de
organização [...] (MAURA LOPES CANÇADO PARA VERA –
20/08/1967).

A trajetória de vida de Maura foi sempre marcada por dúvidas. Sua sanidade
mental foi contestada durante toda sua vida. Esteve cercada por muitas histórias de
irritação, fúria e extravagâncias. Ela afirmava que as coisas mais simples conseguiam
levá-la à sensação total de derrota (BRANT, 1967).
Relata também que considera qualquer ser, mesmo os inanimados, com mais
personalidade do que ela, até com capacidade de julgá-la melhor e com argumentos mais
convincentes. Conta que não acredita em sua identidade. Sempre sonha com muitas
confusões e que não consegue se comunicar com ninguém. As pessoas, as circunstâncias
e, até os objetos a apavoram e procura se salvar provando que ela era a autora de tal livro.
Naquela mesma carta, ainda diz:

[...] perdoe-me contar-lhe tudo isto. Mas eu morro se não falar com alguém.
Eu estou tão sozinha, tão desesperada, tenho tanto medo de mim mesma.
Porque não sei até onde sou capaz de destruir-me. O pior é que não ouso
muito. O Wassilly me disse uma vez: “Você não assume compromisso nem
com a loucura. Nunca ficará louca. Seria comprometer-se”. Creio ser verdade.
Se estou no hospício, me comporto como sã; se estou fora, esquizofrenizo-
me. (MAURA LOPES CANÇADO PARA VERA – 20/08/1967).

Maura também faz reflexões sobre seu estado de doente mental. Muitas vezes
aparece no livro relatos que assinalam sua vontade de fugir da realidade, não havendo
qualquer tentativa de mascarar esses e outros temores. Sobre o que lhe assusta na loucura,
diz: “O que me assombra na loucura é a distância, os loucos parecem eternos. Nem as
pirâmides do Egito, as múmias milenares, o mausoléu mais gigantesco e antigo, possuem
a marca de eternidade que ostenta a loucura” (CANÇADO, 1979, p. 26).
Em toda obra de Maura é possível verificar sua indignação a respeito das situações
extremas de humilhação e sofrimento vivenciados no hospício, condições desumanas de
maus tratos e violência, impostos às pessoas que deveriam estar naquele local para serem
tratadas. Uma obra rica de informações para aqueles que gostariam de entender como
funciona um hospício, bem como compreender o sujeito psicótico.
Um livro autobiográfico que também trata da psicose que não poderemos deixar
de mencionar é o de Daniel Paul Schreber que tem como título Memórias de um doente
dos nervos (1903/1984), que ficou conhecido, principalmente, a partir de Freud que
realizou uma análise do livro e resultou em sua obra intitulada Notas Psicanalíticas Sobre
Um Relato Autobiográfico de Um Caso de Paranóia (Dementia Paranoides) conhecido
como Caso Schreber (1911/1996).
Schreber foi internado pela primeira vez em dezembro de 1884 em uma clínica
para doenças nervosas de uma Universidade dirigida pelo Dr. Flechsig. “A primeira
doença decorreu sem qualquer incidente relativo ao domínio do sobrenatural. No
essencial, durante o tratamento, só tive impressões favoráveis do método terapêutico do
professor Flechsig” (SCHREBER, 1903/1984, p.44).
Durante as memórias faz breve referência a este episódio, mencionando uma crise
de hipocondria com ideias de emagrecimento. No entanto seu quadro era mais grave com
manifestações delirantes não sistematizadas e duas tentativas de suicídio.
Um dos motivos desencadeador da psicose teria sido a impossibilidade de não ter
filhos, como mencionou Schreber: “Depois da cura de minha primeira doença vivi oito
anos, no geral, bem felizes, ricos também de honrarias exteriores e apenas
passageiramente turvados pelas numerosas frustrações da esperança de ter filhos”
(SCHREBER, 1903/1984, p.45).
Schreber (1903/1984) descreve que ficou doente pela segunda vez por ocasião da
inusitada sobrecarga de trabalho que enfrentou quando assumiu o cargo de presidente da
Corte de Apelação de Dresden, que tinha sido então recentemente transmitido. “Foi assim
que já em algumas semanas fiquei intelectualmente estafado. O sono começou a faltar
justamente no momento em que eu poderia dizer que superava, no essencial, as
dificuldades de adaptação ao novo cargo, à casa nova [...]” (p.45).
A doença assumiu rapidamente um caráter ameaçador. Entregava-se a fantasias
místicas religiosas e afirmava que Deus falava com ele e que demônios e vampiros viviam
o zombando. Seus delírios e alucinações baseavam-se principalmente, na perseguição de
Deus para com ele e pelo desejo de ser transformado em mulher. A sua fala era marcada
por apontamentos que já não tinha mais estômago, pulmões, intestinos e acostumava, às
vezes, engolir parte de sua própria laringe com a comida, além de sofrer perseguições de
pássaros. O que acabaria com sua agonia seria o milagre divino (que viria por meio de
raios solares) de ser transformado em mulher e engravidar de Deus (SCHREBER,
1903/1984).
A partir do primeiro diagnóstico de demência paranoica, Schreber diz que
finalmente conseguiram enlouquecê-lo. Tem alucinações visuais e auditivas. Acredita
estar morto e em decomposição, sem condição de ser enterrado. Afirma sofrer de peste e
que seu pênis foi arrancado por uma ‘sonda de nervo’. Tenta se enforcar no quarto e
afogar-se na banheira (SCHREBER, 1903/1984).
Passou mais de treze anos da sua vida em sanatórios psiquiátricos, e um longo
período da velhice em casa, passeando e viajando, porém terminou seus dias delirando.
Tornou-se o louco mais famoso da história da psiquiatria e psicanálise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que a psicose caracteriza-se como um estado mental patológico,


evidenciado por períodos de descontrole, de desorganização psíquica, de desordem da
percepção da realidade e pensamentos, da oscilação no humor e de estados agressivos. É
um quadro de doença mental em que o indivíduo apresenta dificuldade de se relacionar,
instituindo ideias imaginárias em seu contato social.
Em relação a distinção entre psicose e neurose, pode-se dizer que a primeira seria
uma enfermidade narcisística, por aversão as neuroses de transferências, sendo portanto,
o desenlace de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o mundo externo,
repudiando a realidade e tentando substitui-la. A neurose seria o resultado de um conflito
entre o ego e o id e no que concerne à realidade, ela não a repudia, apenas a ignora.
Portanto, tanto a neurose quanto a psicose, por serem impossibilitadas de acomodarem às
cobranças da vida real, caracterizam-se como sendo a manifestação de uma revolta do id
contra o mundo exterior.
Neste sentido, no que diz respeito a condição psicótica, podemos observar que as
pessoas apresentadas neste estudo, e que escreveram suas autobiografias, possuem em
comum a busca incansável de compreender a psicose, enfatizam a importância e a
necessidade de escrever, como também o desejo de levar suas histórias de vida para a
literatura.
Todos os sujeitos que se dispuseram a falar do seu estado mental, tem em comum
o objetivo de contar a sua história de forma hilária e até mesmo curiosa, brincando com
aquilo que foge ao controle. Apesar da forma descontraída com que se veem nota-se que
ao descreverem as anomalias, sentem-se incomodados, e mesmo que de modo
inconsciente, muito contribuem para esclarecer algumas regiões obscuras da condição
humana, tal como nossas limitações, que muitos ainda não têm consciência.
Outra questão proeminente na fala desses indivíduos diz respeito ao tempo em
que a “loucura” começou a dar sinais de que viria à tona, a infância.
Ainda que consigam descrever suas vivências a partir de uma ótica clara e até
mesmo engraçada, nota-se que há grande sofrimento por não terem controle sobre o seu
comportamento e pensamento. Chegam a se comparar a seres inanimados, e portanto, se
consideram sem personalidade, sem identidade.
Diante dessas questões podemos perceber a importância de se registrar e
documentar essas histórias de vida, as quais além de serem significativas, podem servir
como fonte precisa de dados para uma melhor compreensão da doença mental.

REFERÊNCIAS
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