O Amarelo desapareceu do Arco-Íris. As cores procuraram ajuda junto do Rio-dos-Soluços e da Águia-Sorridente, mas sem sucesso. O Laranja encontrou uma mensagem do Amarelo indicando que estava perto de uma galinha. As cores elaboraram um plano para procurar o Amarelo nos galinheiros da região, dividindo a tarefa em etapas.
O Amarelo desapareceu do Arco-Íris. As cores procuraram ajuda junto do Rio-dos-Soluços e da Águia-Sorridente, mas sem sucesso. O Laranja encontrou uma mensagem do Amarelo indicando que estava perto de uma galinha. As cores elaboraram um plano para procurar o Amarelo nos galinheiros da região, dividindo a tarefa em etapas.
O Amarelo desapareceu do Arco-Íris. As cores procuraram ajuda junto do Rio-dos-Soluços e da Águia-Sorridente, mas sem sucesso. O Laranja encontrou uma mensagem do Amarelo indicando que estava perto de uma galinha. As cores elaboraram um plano para procurar o Amarelo nos galinheiros da região, dividindo a tarefa em etapas.
Eu sou o tio Jarbinhas, pelo menos é assim que todos me chamam,
e hoje vou contar-vos uma história tão antiga que só a Pedra-do-Lagarto, a fiel guardiã das estórias e dos acontecimentos importantes do bosque, conhece. Por isso, meninos e meninas, muita atenção que a estória vai começar. O Sol voltava sempre ao bosque. Vestido de laranja ou de uma mistura apetitosa de tons; o grande círculo rodopiava, rodopiava, rodopiava até ficar tonto, enquanto cumprimentava os amigos. Neste bosque também vivem as cores do Arco-Íris. O Vermelho, rápido e decidido, é o mais velho; seguido do Laranja, rechonchudo e muito sábio; do Amarelo, um pouco tímido, mas sempre pronto para se meter em trapalhadas; do Verde, curioso e irrequieto sempre à espreita de uma aventura; do Azul, brincalhão e distraído; do Anil, sempre muito preguiçoso (dizem as más-línguas que já nasceu cansado) e, por último, mas os últimos são os primeiros, do forte e corajoso Violeta. Sete amigos. Todos, quando juntos, formam o Arco-Íris. A verdade verdadinha é que quando o tempo ainda andava de calções, que é como quem diz, há muito, muito tempo atrás, a calma habitual do bosque foi sacudida por um grito assustado: – O Amarelo desapareceu, o Amarelo desapareceu… O Vermelho deu o alarme e a notícia espalhou-se rapidamente. Num abrir e fechar de olhos, as cores do Arco-Íris estavam reunidas e não queriam acreditar no que ouviam. Não, não podia ser verdade! O Amarelo não podia ter desaparecido, por certo tinha saído para passear e estava apenas atrasado; logo, logo estaria de regresso ao aconchego do Arco-Íris. Mas esta certeza foi perdendo força, à medida que o tempo passava e o nervoso das cores aumentava. “Talvez o Amarelo tenha mesmo desaparecido!”, pensavam algumas cores com os seus botões, porque não tinham coragem para o dizer em voz alta. O Anil não aguentou a espera e começou a choramingar: – Nunca mais vou ver o Amarelo! – disse num tom mimalho. O Laranja deu-lhe um abraço para o confortar mas, como era muito forte e redondo, ia esmagando o amigo. – Talvez o Amarelo tenha sido raptado – sugeriu o Verde, sempre desejoso de aventura e perigo. – Sim, deve ter sido isso. Rápido, temos de o salvar! – O Amarelo deve estar sozinho e muito triste. – Por certo, obrigaram-no a beber um líquido horrível para mudar de cor e não o reconhecermos. Falavam todos ao mesmo tempo; todos queriam ajudar; todos queriam rever o Amarelo, mas no meio daquela confusão ninguém se entendia. Como costumava dizer a Pedra-do-Lagarto: “Há um lugar para cada coisa e cada coisa deve estar no seu lugar”, mas poucos entendiam os seus sábios conselhos. – Calma, calma – recomendou o Vermelho tentando sossegar os amigos –, o Amarelo deve estar por perto, alguém quer vir procurá-lo comigo? A ideia do Vermelho foi bem acolhida e as cores começaram a procurar o Amarelo por todo o lado. Vasculharam atrás das pedras, nas poças do caminho, nas bolas de sabão, confirmaram se estaria a brincar com as flores ou a tirar uma soneca junto dos pachorrentos lagartos. Passado algum tempo regressaram de braços e ânimo caídos. Nenhuma tinha encontrado qualquer pista. O Amarelo tinha sumido sem deixar rasto. O que lhe teria acontecido? Esta era a pergunta que todo o bosque tinha na ponta da língua, embora ninguém falasse abertamente do assunto. O silêncio triste foi interrompido pelo Azul: – Sozinhos não conseguiremos resolver este problema. Para o encontrarmos precisamos de ajuda. – Sim, mas ajuda de quem? – perguntou o Violeta num tom aflito. – Acho que devíamos ficar aqui sossegadinhos à espera. É muito mais seguro e muito mais descansado – respondeu o Anil, no meio de um prolongado bocejo. – Não! Podemos pedir ajuda ao Rio-dos-Soluços, ele saberá o que fazer – decidido, o Verde não esperou pela resposta dos amigos e correu pelo vale tateando o som da água. As cores seguiram-no sem hesitar e chegaram muito rapidamente à margem do rio, mas, agora que ali estavam, não sabiam bem o que dizer. Envergonhadas, davam pequenas cotoveladinhas umas nas outras para que alguma decidisse falar. Finalmente, o valente Verde quebrou o silêncio: – Olá, Rio-dos-Soluços. Bom-dia. – O que é que se passa aqui? – perguntou o Rio-dos- -Soluços com uma voz grossa. – Sou o Verde do Arco-Íris e queria falar contigo, isto é, se não te incomodares… – a voz irregular denunciou o nervosismo da cor. – Olá, hipps, porque é que, hipps, estás a interromper, hipps, o meu descanso? – respondeu o rio no meio de muitos soluços. Não havia dúvida: o nome daquele rio só poderia ser Rio-dos-Soluços. – Desculpa, Rio, mas temos um problema. O nosso amigo Amarelo desapareceu sem deixar rasto. Conheces o Amarelo? Sabes onde ele está? Podes ajudar-nos a encontrá-lo? – perguntou o Azul sem parar para respirar. – Olha, Rio-dos-Soluços, sabes para onde foi o Amarelo? – o Laranja estava tão preocupado que não conseguiu parar aquela pergunta precipitada. Ignorando aquela agitação preocupada, o rio respondeu com uma pergunta, desta vez sem soluçar: – Porque é que querem encontrar o Amarelo? – Ora, porque ele é nosso amigo e está perdido – respondeu o Verde sem hesitar. – Sabes, Rio, somos as sete cores do Arco-Íris, e todas somos importantes. Não podemos deixar o Amarelo para trás – explicou o Violeta com convicção. – Muito bem, muito bem, hipps – o Rio-dos-Soluços fez uma pausa para refletir, e continuou. – Digo-vos apenas que há um caminho, hipps, há sempre um caminho, hipps. Quem não desistir, há de conseguir, hipps. Podem ter momentos difíceis, mas nunca se esqueçam disto, e agora boa viagem, hipps. Espero que a planifiquem bem, hipps. Até à próxima, adeus, adeus. Hipps! O Rio-dos-Soluços despediu-se aos solavancos ao longo do vale, deixando atrás de si um rasto molhado e as cores com um ar espantado. Em silêncio, todos tentavam entender a complicada mensagem. – Grande ajuda nos deu o Rio-dos-Soluços... Eu não entendi nada – disse o Azul sem disfarçar o seu aborrecimento. O irrequieto esquilo Sarabico que acompanhava as cores para todo o lado confirmou o desconforto do amigo, agitando nervosamente a cauda peluda. – Eu bem vos disse que devíamos ter ficado a descansar, em vez de partirmos para atalhos e trabalhos… – concluiu o Anil, sempre a arfar de cansaço. – Planificar?! O que será “planificar”? – perguntou curioso o Vermelho. Como ninguém conhecia a resposta, as cores afastaram-se em silêncio e, no caminho, só se ouviram os resmungos do Anil e os gemidos das pedrinhas que, aqui e ali, eram pontapeadas por alguma cor para espantar o seu aborrecimento. – Planificar quer dizer pensarmos bem antes de fazermos alguma coisa. Pensarmos quando, como e com que materiais vamos fazer o que queremos – uma águia majestosa, com um sorriso rasgado, interrompeu os cinzentos pensamentos das cores do Arco-Íris. – Por exemplo, lá nas alturas, quando eu vejo um apetitoso coelho correr entre as árvores, planeio o meu ataque, apanho uma corrente de ar favorável e desço com velocidade, caçando-o em movimento. Nunca gasto energia voando à toa para lá e para cá; este é o segredo da minha eficácia como caçadora. Mas, afinal, digam-me lá porque estão todos tão cabisbaixos? – Estamos tristes. O Amarelo desapareceu. Águia- -Sorridente, sabes para onde foi o nosso amigo? – perguntou o Azul com o olhar a rastejar no chão. – Tenho pena, mas não posso ajudar-vos. Nos meus voos nunca vi o Amarelo, e agora não posso procurá-lo, estou ocupada com a alimentação dos meus filhotes. Mas espero que tenham um bom plano para encontrar o vosso amigo. Boa viagem – desejou-lhes a Águia- -Sorridente antes de se afastar nos braços do vento. – E agora, o que vamos fazer? – perguntou, sem esperar resposta, o Violeta. As cores do Arco-Íris estavam um pouco desmaiadas, não sabiam por onde começar e sentaram-se a descansar. – Olhem, olhem o que eu encontrei – gritava contente o Laranja, levantando bem no ar um pequeno papel amarelo dobrado em forma de galinha. – É uma mensagem do Amarelo. Ele está sempre a dobrar folhas de papel em formas de animais – gritou o Verde de entusiasmo. – Mas qual será o significado desta mensagem? – perguntou o Vermelho, sempre muito realista. – Galinha, galinha, deixa ver… o Amarelo estará com medo? – perguntou o Violeta pouco convencido. – Quando é que voltamos para casa? Estou exausto – queixou-se o Anil que se cansava até a pestanejar. – Não, com medo não! Acho que o Amarelo quer dizer-nos que está perto de uma galinha. Deve ser essa a mensagem – sugeriu o Azul, animado com a ideia. – Então, vamos! – disseram várias cores ao mesmo tempo, prontas para partir. – Mas vamos para onde? – perguntou o Vermelho, tentando colocar alguma ordem naquele entusiasmo desnorteado. – Antes de partirmos, temos de elaborar um plano – disse o Violeta. – Sim, temos de pensar bem no que vamos fazer e no que precisamos de preparar antes de partir, como nos ensinou a Águia-Sorridente – acrescentou o Verde. Fizeram uma roda e juntaram as cabeças no centro, como fazem as cores antes de tomar decisões e, depois de muito falar, distribuíram tarefas: umas cores foram procurar informações sobre galinhas e galinheiros das redondezas, enquanto outras prepararam as mochilas e os farnéis para a viagem. Atarefadas, as cores sorriam de contentamento: estavam a planificar. Não havia tempo a perder, o Arco-Íris não podia apresentar-se no bosque sem o Amarelo, e, logo, logo todos dariam pela falta. Recolhidas as informações sobre os galinheiros mais próximos e preparados os farnéis, as cores puseram pés ao caminho. O objetivo estava longe e tinham de o dividir em pequenas etapas. – Para chegar ao topo de uma árvore, é preciso começar a trepar, mas subindo um ramo de cada vez, era o que nos ensinava o meu avô – disse o Sarabico aos amigos, contente com o exemplo. As cores subiram por caminhos íngremes, saltaram poças, nadaram atrás dos peixes no rio e comeram mel servido pelas diligentes abelhas. Muitas curvas depois da partida pararam para descansar e beber água fresquinha numa fonte. No chão, o olhar atento do Violeta detetou um exército de formigas muito ordenadinho e chamou os amigos. O Vermelho aproximou os olhos do chão, e dirigiu-se à formiga que comandava aquela multidão de patinhas. – Olá, Formiga-General – a formiga parou, levantou as antenas e tossiu com um ar importante, parecia ter gostado da formalidade do cumprimento. – Desculpa a interrupção. Estamos à procura do nosso amigo Amarelo que desapareceu sem deixar rasto. Nos vossos passeios pelo bosque, por acaso não o viram, não? A Formiga-General deu “alto” às tropas e respondeu indignada: – Ilustre Vermelho, nós não passeamos. Nós deslocamo-nos no terreno – se fosse possível o Vermelho teria corado. – Como ia dizendo, somos um exército organizado e instruído na antiga tradição PLEA – o Vermelho fez um ar de espanto, felizmente a formiga não reparou. – Antes de agir, antes de fazermos qualquer coisa, planificamos (PLEA). Como nos ensinaram as nossas avós formigas, em primeiro lugar estabelecemos um plano para as nossas deslocações no terreno, o que quer dizer pensar antes… – Isso da planificação deve ser mesmo importante, em tão pouco tempo já ouvimos falar dela duas vezes – comentaram as cores em voz baixa para que a formiga não escutasse. – Como estava a dizer – continuou a formiga com um tom militar –, para planificar, primeiro fazemos uma lista daquilo que precisamos de saber e de fazer para que tudo corra bem. Depois, para evitarmos problemas, distribuímos o tempo total pelas tarefas – impressionadas, as cores acenaram positivamente com a cabeça (elas perdiam tempo em cada esquina!). Segue-se a segunda fase: a execução (PLEA), que quer dizer pensar durante. Quando nos deslocamos, eu coordeno as tropas para que tudo corra de acordo com o previsto. A Formiga-General falava com muita segurança e desembaraço, dava gosto ouvi-la. As cores uniram as cabeças para não perderem nenhuma das suas palavras, até o Sarabico assistiu quietinho, espreitando pelo anel que sobrou no meio das cabeças das cores, o que para um esquilo irrequieto é uma grande façanha. Entusiasmada com o interesse das cores, a Formiga -General, tossicou novamente e continuou: – Cada uma das nossas caminhadas envolve a deslocação de muitos meios e esforços, temos de carregar muito alimento para as nossas enormes despensas, respeitando os prazos previstos. Não nos podemos enganar no caminho, nem desperdiçar energia a andar para cá e para lá; por isso confirmo constantemente o nosso rumo. No exército das formigas chamamos a esta operação ‘monitorizar’, que quer dizer confirmar se está tudo a correr como previsto – as cores estavam pasmadas com tanta sabedoria. – Por fim, entramos na terceira e última fase: a avaliação (PLEA), que quer dizer pensar depois. Quando terminamos uma etapa temos de avaliar se cumprimos o que tínhamos previsto, se carregámos alimento suficiente, se nos atrasámos, se nos afastámos do caminho da despensa… O ciclo PLEA completa-se, estão a entender? – Estamos. Muito obrigado pela brilhante explicação sobre o ciclo PLEA, mas estamos mesmo muito preocupados. Por acaso não viste o Amarelo? – perguntou o Verde, já um pouco cansado de tanta explicação com tão pouca ação. – Não, não o vi, sinto muito – respondeu a Formiga- -General, agora num tom mais humilde. – Mas posso dizer-vos que o segredo de um qualquer final feliz é um início bem pensado, um meio bem executado e um fim bem avaliado. Adeus, adeus, boa viagem, amigas cores. As cores despediram-se das organizadas formigas um pouco desconsoladas com o resultado final, mas a verdade é que tinham aprendido muitas coisas novas. Quem diria que uma formiga tão pequena lhes podia ensinar tanto. – Afinal, aprender está à distância de um querer – concluíram entre todas. – E, como diz o Pássaro-Professor: de asas fechadas ninguém aprende a voar – juntou o Violeta. – É verdade, mas depois de todo este esforço intelectual, podíamos aproveitar para descansar um bocadinho… – queixou-se o Anil no meio de um enorme bocejo. – Nãooo! – gritaram todos em simultâneo, rindo-se de seguida. Pensativas, as cores continuaram o caminho. Muitos passos depois, o Laranja começou a trautear uma canção. Os irmãos juntaram-se à cantoria e o ambiente animou com o acompanhamento musical dos passarinhos. Cada cor escolhia uma canção e todos cantavam. Quando alguém se esquecia da letra, inventava uma outra, ou substituía-a por “lá, lá, lá”. Todos se riram muito, foi divertido. Ainda não tinham terminado a primeira rodada de canções quando encontraram um pântano de areias movediças. – E agora, o que fazemos? – perguntou o Violeta sem esconder o medo que sentia crescer no seu interior. – Agora continuamos, porque para a frente é que é o caminho – respondeu o Verde sempre a transbordar esperança. As areias borbulhavam soltando uns ploc assustadores e as cores olhavam com receio aquela ameaçadora pasta castanha. Antes de avançar, as cores decidiram preparar um plano: definiram o objetivo, observaram bem o local, pensaram nos recursos que tinham, mas também no que precisavam para ultrapassar aquele perigoso obstáculo. Aquela era uma magnífica oportunidade para aplicar o que tinham aprendido com a Águia -Sorridente e com a Formiga-General. Depois de estabelecido o plano, as cores escutaram um suave murmúrio: “não se esqueçam, há um caminho, hipps, há sempre um caminho, hipps. Quem não desistir, há de conseguir”, sorriram e agradeceram a confiança do Rio-dos -Soluços. Todas sentiram crescer dentro de si a certeza de que em breve estariam do outro lado sãs e salvas. Para cumprirem o plano, as cores puseram em marcha a seguinte estratégia: o Laranja colocou o Violeta às cavalitas, que carregou o Azul nas suas e assim por diante. Num instante, sem brigas nem quezílias, as cores estavam todas encavalitadas umas em cima das outras e, como se fossem uma, dobraram-se para alcançar um ramo espetado que atravessava quase todo o pântano. As cores empoleiradas pareciam uma trupe de circo, desviando-se para a frente ou para trás ao som de um “ohhhhh” arrastado, que acompanhava o desequilíbrio daquele tronco colorido. No meio da confusão, a irrequieta e peluda cauda do Sarabico fez espirrar o Violeta perturbando a manobra colorida. Quando tudo parecia perdido, num movimento acrobático, o Anil conseguiu segurar o ramo e evitar uma desgraça. As cores puxaram o ramo com força prendendo-o na margem e respiraram de alívio. Esticado, o ramo serviria de ponte sobre as horríveis areias movediças. – Uff, por fim conseguimos – suspiraram de alívio o Azul e o Violeta, os responsáveis por monitorizar os passos daquela arriscada estratégia. O ar encheu-se de sorrisos e gritinhos de vitória. Mas eis senão quando, o Laranja, o último a fazer a travessia, deu um passo em falso e caiu desamparado no pastoso pântano desejoso por engolir alguma coisa. Em pânico, o Laranja tentou resistir esbracejando, mas a força das areias movediças era muito grande, e a cor estava a diluir-se no castanho. As outras cores ficaram muito aflitas vendo o amigo desaparecer entre as areias, mas não perderam a calma. Sem hesitar, o Vermelho amarrou-se com força ao tronco da árvore e ofereceu a mão ao Verde iniciando um forte cordão que as outras cores completaram. Puxando ao mesmo tempo, as cores conseguiram tirar o Laranja daquela lama perigosa, antes que fosse tarde de mais. Não foi fácil, mas o esforço empenhado de todos conseguiu salvá-lo. – Quando todos ajudam, tudo é muito mais fácil – disseram animados e, relembrando o sábio conselho do Rio- dos-Soluços, concluíram em uníssono. – Quem não desistir, há de conseguir. E, sem combinar, deram um soluço gigante, soltando uma gargalhada no final. Já em chão firme, abraçaram- -se com alegria. No final de mais um pedaço de aventura estavam todos muito cansados, mas mais perto do Amarelo, e isso era o mais importante. Na manhã seguinte, o Sol escondeu-se e o dia acordou triste; a ausência do Arco-Íris estava a esvaziar a alegria do bosque. O Azul esticava as pernas, ali perto, quando encontrou no chão a segunda mensagem do Amarelo, mais um papel amarelo dobrado em forma de galinha. Gritou de alegria e foi seguido pelos amigos. Estavam na direção certa. De mochila às costas, as cores partiram para mais uma caminhada com a alegria renovada. Perto daquele local, empoleirado numa pedra, o Violeta encontrou uma nova mensagem do Amarelo, mais uma galinha dobrada em papel da sua cor. Todos ficaram muito contentes com a nova mensagem do Amarelo. – Esta galinha é mais pequenina do que a anterior – disse o Anil, sempre atento aos pormenores. – Que tal vai a vossa busca? – interrompeu a Águia- Sorridente que aterrou sem que ninguém desse por isso. – Ainda não encontrámos o Amarelo, mas temos tido algumas aventuras incríveis – respondeu o Verde entusiasmado. – Sim, tenho assistido a algumas lá do alto. A propósito, têm conseguido executar o vosso plano? Que tal vai o vosso PLEA? – as perguntas da águia deixaram as cores admiradas. – Águia-Sorridente, também conheces o PLEA? – o Violeta não conseguiu esconder o seu espanto. – Sim, o PLEA pertence à real tradição das águias. Fui ensinado pela minha avó que tinha aprendido com a sua: o segredo de um final feliz está num início bem pensado, num meio bem executado e num fim bem avaliado – concluiu com voz solene a imponente águia. – Fico contente por saber que estão na pista certa. Boa viagem, só vim dizer-vos que tenham cuidado, muito cuidado. O perigo espreita no vosso caminho. Adeus, amigas cores. O aviso misterioso da Águia-Sorridente preocupou um pouco as cores, mas o caminho para o galinheiro estava traçado e era preciso continuar em frente. Vigilantes, o Azul e o Violeta monitorizavam os avanços, assegurando-se de que o plano era executado tal como o previsto. – Que é, que é, que quanto mais cresce, menos se vê? Uma voz estranha obrigou as cores a pararem a sua marcha. Olharam para um lado e para o outro procurando o dono daquela pergunta, mas em vão. – Estou aqui em cima – conduziu-os a voz. As cores olharam para cima e encontraram uma árvore enorme com uma pala negra no centro do tronco. – És uma Árvore-Pirata? – perguntou o Violeta sem papas na língua. – Não. Sim. Quer dizer… tenho de usar esta pala, porque há quem não respeite a natureza e use facas para deixar mensagens de gosto duvidoso, não sei se me entendem? Uso uma pala para tapar o pedaço que me arrancaram brutalmente e esconder um pouco a minha vergonha – explicou a Árvore-Pirata, num tom perturbado. – Estamos à procura do Amarelo, a cor que falta no arco-íris, por acaso não a viste? – perguntou o Vermelho que gostava pouco de perder tempo e oportunidades. – Eu sei, eu sei, todos no bosque estão a par da vossa desgraça. Aliás, eu tenho algures nos meus ramos uma mensagem… – a Árvore-Pirata não conseguiu terminar a frase. – É mais uma mensagem do Amarelo. Por favor, diz- -nos onde está – pediu o Verde a transbordar de energia. – Eu digo-vos onde está a mensagem, mas antes temos de jogar às adivinhas. Têm de ganhar o direito à mensagem – a cara de desagrado das cores não incomodou a Árvore-Pirata. – Podem começar por responder à adivinha, depois veremos o que acontece, he, he, he – a Árvore-Pirata acabou a frase com uma risadinha provocativa e irritante. As cores reuniram-se para conversar, como as cores costumam fazer nos momentos importantes, juntando as cabeças no centro. – Esta árvore tem um aspeto e uns modos muito estranhos, não confio nela – suspirou o Vermelho, como se estivesse a falar para si próprio. – Sim, não podemos confiar nela, acho que devemos continuar o caminho – continuou o Azul. – E se a mensagem for importante? Não podemos avançar sem saber o que contém. O conteúdo pode obrigar-nos a mudar o plano – disse o prudente Violeta e os irmãos aceitaram as suas razões. Contrariadas, as cores concordaram em responder a três adivinhas em troca da mensagem, e a Árvore -Pirata repetiu a primeira: – Que é que é que quanto mais cresce menos se vê? O Violeta sabia a resposta, mas como era ponderado não quis responder sem consultar os irmãos. Depois de terem concordado com a sua resposta, disse convicto: – É a escuridão. – Muito bem, muito bem – o tom da Árvore-Pirata era irónico, não parecia muito contente com a resposta do Violeta, e, sem parar para respirar, apresentou-lhes uma nova adivinha. – Que é que é que sempre cai, mas nunca se magoa? – A minha amiga chuva – explodiu o Verde que não se conseguia controlar como o irmão. As cores começaram a bater palmas nervosas, só faltava uma adivinha para conseguirem a mensagem do Amarelo. – Vamos lá ver se sabem esta: que é que é que bebe pelos pés? – A Árvore-Pirata parecia irritada com o sucesso das cores, e não o escondia. As cores olharam umas para as outras procurando alguma pista, mas os encolheres de ombros e os abanos de cabeça negativos indicavam que nenhuma delas conhecia a resposta. – Assim não vamos conseguir ver a mensagem, vai correr tudo mal… Eu bem sabia que não devíamos ter partido – suspirou o Anil, sempre pessimista. – Não, não podemos desistir! Temos de tentar. Temos de pensar numa solução – respondeu-lhe o Verde que nunca se rendia. Para compreender melhor o problema, o Azul desenhou-o no chão, tinha aprendido que os esquemas são amigos das soluções. Riscou um traço horizontal para representar a terra, uns pés por cima e umas gotas por debaixo, e perguntou em voz alta como se falasse para si próprio: – Quem pode beber pelos pés? Um animal? Os demais responderam negando com a cabeça. – Eu não conheço nenhum, e as pedras não bebem – disse o Vermelho. Calmamente, o Laranja que olhava pausadamente para o esquema pegou no pequeno pau e completou o desenho do amigo. – Claro, claro! – exclamaram todos enquanto se abraçavam. – As plantas. As plantas alimentam-se pelos seus pés, mais propriamente pela raiz – respondeu o Laranja, olhando a Árvore-Pirata nos olhos, que é como quem diz, no tronco. Os ramos da Árvore-Pirata estremeceram de raiva, há quem fique aborrecido com o sucesso dos outros, mas a resposta estava certa. – Como já respondemos às adivinhas, podes dar-nos a mensagem – pediu delicadamente o Vermelho quando tudo acalmou um pouco. Mas a árvore não respondeu, estava demasiado irritada com a alegria que transpirava no ar. As outras cores insistiram no pedido, mas receberam apenas sorrisos irónicos como resposta até que, sem que a árvore o esperasse, o Verde retirou-lhe a venda do tronco. – Devolve-me já a minha pala, não quero que ninguém veja a minha vergonha – gritou desesperada a árvore. De facto, o espetáculo não era agradável de se ver. O tronco tinha bem no centro um buraco fundo, feito com uma faca maldosa ou um machado desastrado. Talvez a Árvore-Pirata estivesse zangada com o mundo e quisesse vingar-se do mal que lhe tinham feito. Talvez; mas se assim era, não curava a ferida e amealhava novos problemas. Para reaver a pala, a Árvore-Pirata foi obrigada a confessar que não tinha a mensagem. Para a conseguir, as cores teriam de passar pelo estreito tronco oco que dormia a uns passos dali: a mensagem estava escondida no seu interior. As cores ficaram paralisadas com o que ouviram. Porque teria mentido a Árvore- Pirata? Porque diria agora a verdade? Como podemos confiar em quem mente, em quem não cumpre o que promete? Todas estas perguntas passaram pelos lábios das cores, mas não encontraram resposta. As cores juntaram novamente as cabeças para avaliarem a situação e decidiram, depois de muito debater, que não lhes restava outra solução senão tentar encontrar a mensagem no interior do tronco. Aproximaram-se para uma primeira inspeção; a boca do tronco oco era larga e estava guardada por uma enorme aranha peluda. – E agora como vamos conseguir passar pela aranha? – perguntou o Azul. O Laranja encolheu-se com medo e afastou-se do tronco o mais que pôde. – Espero que todo este cansaço para encontrar o Amarelo valha a pena… – resmungou o Anil. – Temos de usar o PLEA, de certeza que encontramos uma solução – sugeriu o Violeta. Com o acordo de todos, o plano começou a ser elaborado. Definiram as características da situação: tronco largo e oco, lá dentro está a mensagem; e uma aranha grande e peluda guarda a entrada. Para entrar tinham de a distrair. – Mas como vamos distrair a aranha? – perguntaram as cores em simultâneo. Um silêncio perturbado tomou conta do ambiente. Ao longe, as cores conseguiram ouvir uma nova mensagem do Rio-dos-Soluços que os animava como só os amigos sabem fazer: “Há um caminho, hipps, há sempre um caminho, hipps. Quem não desistir, há de conseguir.” – Sim, e se distraíssemos a aranha com uma luz intensa ou um reflexo, enquanto um de nós entrava no tronco para procurar a mensagem? – sugeriu o Verde, terminando a ideia escondida na sua primeira pergunta. O plano foi aprovado com muitas palmas, agora só faltava levá-lo à prática. O Sol ajudou e as cores confundiram a aranha de tal maneira que o Violeta conseguiu entrar e sair com mais uma mensagem, sem que aquela carcaça peluda com patas pegajosas desse por isso. O Violeta juntou-se vitorioso aos irmãos que o receberam com abraços enquanto a aranha se tentava desembaraçar da intensa luz que a cegou. Desta vez a galinha de papel amarelo era claramente mais pequena do que a anterior, e o Azul, enchendo a boca com um sorriso malandro, perguntou: – Acham que o Amarelo está com falta de papel? – Engraçadinho, vê lá se te caem os dentinhos… – responderam vários. – É verdade que as galinhas de papel são cada vez mais pequeninas, o que quererá isso dizer? – perguntou o Vermelho quando o entusiasmo acalmou. – Está a dizer-nos que foi transformado num pintainho? Não! Isso não pode ser – perguntou e respondeu o Verde. Estavam todos muito cansados e, como não conseguiam chegar a conclusão alguma, decidiram descansar. Umas horas de sono depois, tudo ficaria mais claro. – Azul, acorda, acorda – disse o esquilo em voz baixa enquanto abanava o amigo. As cores dormiam sossegadamente, descansando das últimas emoções, mas o esquilo foi acordado por um gemido surdo e não mais pregou olho. Depois de alguns abanões vigorosos, o Azul, finalmente, abriu os olhos. O Sarabico contou-lhe que tinha acordado com um gemido suave. – Pode ser o Amarelo a pedir ajuda – pensou. Mas o Azul resmungou umas palavras incompreensíveis e virou-se para o outro lado, disposto a continuar a dormir. O Sarabico não desistiu e beliscou-o repetidas vezes, obrigando-o a acordar. Depois de uma breve conversa em surdina, decidiram partir sozinhos, sem avisar os amigos. Voltariam com o Amarelo e seriam famosos, pensaram os dois. A noite estava muito escura. A Lua tinha aproveitado para se esconder e desligou a iluminação no bosque. Sem outro guia, os dois amigos foram seguindo os pequenos ruídos às apalpadelas. Afastaram-se primeiro para a direita seguindo um caminho largo, mas escorregaram descuidadamente por uma pequena encosta, assustando um velho Mocho que os repreendeu severamente. Deram tantas voltas e reviravoltas às cegas que, quando pararam, não sabiam onde estavam, nem qual o caminho de volta. O medo começou a tomar conta do Azul, mas a cor tentou mostrar-se forte, mal sabia que o amigo estava concentrado no mesmo esforço. Os gemidos desconhecidos foram ganhando força e o ânimo dos dois cresceu. Chamando em voz alta, seguiram os sons devolvidos e conseguiram chegar. Foram recebidos com um canto agradecido, mas cansado. – Olá, passarinho. Estás ferido? – perguntou o Sarabico tentando iniciar a conversa. “Não, está apenas a testar o nosso sentido de orientação”, pensou o Azul para si próprio, um pouco aborrecido. Respondendo ao cumprimento simpático do esquilo, o passarinho começou a contar a sua aventura. – Sou uma Cotovia e pertenço ao Real Coro das Aves – a notícia não impressionou nenhum dos dois –, um magnífico coro que depois de amanhã vai atuar no mais importante casamento do bosque. Mas, como diz a minha avó, sou um passarinho muito cabeça no ar – o esquilo e a cor olharam um para o outro sem entender qual o problema. “Um passarinho deve ter a cabeça no ar, como poderia ser de outra forma”, pensaram com os seus botões, mas não disseram nada para não perturbar ainda mais a pequena ave. – Saí há uns dias de casa para chegar com tempo e poder ensaiar antes da grande festa, mas estava tão distraída com as minhas cantorias que nem vi onde bati. Agora estou aqui sozinha, e ferida numa asa. Só preciso de descansar, mas tenho medo de ficar aqui no chão sozinha. – Sozinha, não! – respondeu o Azul com cara de poucos amigos. – Fizemos todo este caminho às cegas para te ajudar. Com muito cuidado, os dois amigos pegaram na pequena Cotovia, que mal conseguiam ver no meio daquela escuridão, e deitaram-na numa cama de folhas macias, num galho elevado. A Cotovia agradeceu com um bonito canto, mas foi imediatamente repreendida por uma família de coelhos, que protestou contra o ruído noturno que incomodava o seu descanso. – Como eu ia dizendo – a Cotovia não se calava –, somos cinco cotovias no Real Coro das Aves, e já estamos a ensaiar a nossa peça há muito tempo. A peça é muito difícil, mas como diz o Pássaro-Maestro: “Quando alcançamos algo difícil, a alegria da conquista é maior.” A peça foi dividida em partes para ser mais fácil aprendê-la, e treinámos muito bem cada uma – o Azul e o Sarabico não pareciam muito interessados na conversa, mas isso não desanimou a pequena Cotovia. – O Pássaro-Maestro é muito exigente, nos ensaios está sempre a insistir na importância da colocação da voz, e com a sua batuta de carvalho controla as notas e o ritmo do nosso canto. “A harmonia é feita de pormenores. No canto e na vida, só os pormenores fazem a diferença”, está sempre a dizer-nos. Eu nem sempre estou atenta, e por isso os nossos ensaios duram eternidades… – E agora, o que fazemos? – perguntou o Azul, olhando para o esquilo. O encolher de ombros do Sarabico foi esclarecedor. A Cotovia, intuindo que os dois amigos a poderiam deixar ali sozinha, reiniciou a conversa, tentando entusiasmá-los. – Conhecem a noiva? – e sem esperar pela resposta o passarinho continuou. – É prima afastada de um rouxinol que vive perto, a dois galhos da minha avó. Diz-se que descende de uma família real que, em tempos idos, cantou e encantou reis e imperadores. Um rouxinol das melhores famílias, é o que vos digo. Se vissem a coleção de penas que a família guarda no ninho… é magnífica. Eu não posso… – a Cotovia foi interrompida bruscamente pela cauda do Sarabico que lhe tapou o bico. – Por favor, não fales tanto, deixa-nos pensar – pediu- -lhe bruscamente o Azul. – Não me deixem aqui sozinha, é só isso que vos peço – choramingou a Cotovia. O Azul acenou com a cabeça descansando a Cotovia. Não sabia como voltar, isso é que verdadeiramente o preocupava. Tinham de regressar ao local de partida, antes de nascer o Sol para que ninguém desse pela falta deles. E isso ia ser difícil… Entretanto, não muito longe dali, o Verde levantou-se para beber água e tropeçou na roupa solta do Azul. Preocupado, acordou as outras cores que protestaram muito, mas acabaram por abrir os olhos. Sarabico também não estava no seu lugar. Os desaparecimentos já começavam a ser uma fatalidade naquele grupo. “Para onde terão ido aqueles dois?”, “Como é que partiram, sem nos avisar?”, “Será que encontraram o Amarelo?”, as perguntas eram muitas e desorganizadas. – Talvez se tenham apenas afastado e não consigam encontrar o caminho de volta – sugeriu o Vermelho, apesar de pouco convencido com a ideia. Nós também devemos partir com um plano. Como está escuro, podemos substituir as pedras por pequenas tochas colocadas no chão ao longo do caminho. Assim, regressamos sem nos perdermos – propôs o Verde e todos concordaram. Prepararam os paus, fizeram uma fogueira e partiram. Como ninguém sabia onde estavam o Azul e o Sarabico, o Violeta pôs-se a gritar pelos dois. Ouviu muitos protestos zangados vindos das árvores, das plantas e dos pássaros ensonados. Mas a verdade é que a estratégia do Violeta resultou. Para evitar que todo o bosque acordasse estremunhado com tamanha gritaria, o velho Mocho que já tinha sido incomodado pelo desnorte do Azul e do Sarabico decidiu guiar o grupo pelo escuro da noite. Com a ajuda daquele Mocho-Resmungão, as cores encontraram sem dificuldade o Azul e o Sarabico que os receberam de cabeça baixa e vergonha levantada. O encontro não foi festejado. As cores estavam muito cansadas e um bocadinho zangadas com a imprudência daqueles dois. No arrastado e silencioso regresso, as cores foram seguindo as tochas que iluminavam o caminho e, pouco depois, estavam de volta sem mais sobressaltos. Mais uma vez, o plano do Laranja e do Verde tinha resultado. Cansadas, as cores deitaram-se rapidamente, e, quando se fez silêncio, o Azul e o Esquilo aproveitaram a oportunidade: – Desculpem as trapalhadas em que vos metemos. De noite ouvimos um barulho e pensámos que pudesse ser o Amarelo a pedir ajuda. Não avisámos ninguém porque queríamos ficar com os louros da descoberta, queríamos ser famosos. A voz do Azul era triste e arrependida. O esquilo Sarabico continuou: – Quando partimos, não pensámos no que nos poderia acontecer. Agora que tudo acabou, sabemos que errámos. Estamos arrependidos e um bocadinho envergonhados. Obrigado por terem ido à nossa procura, por não terem desistido. Para amenizar o pesado ambiente, a Cotovia encheu o ar com a sua voz bonita e todos adormeceram com o coração mais quentinho. Desta vez, nem o Anil se queixou. Todos podemos errar, o importante é conseguirmos reconhecer os nossos erros, pedirmos desculpa, e tentarmos não voltar a fazer. Como diz o avó do Sarabico: “muitas vezes, um pequeno tropeço pode evitar grandes quedas”. Deve ser verdade. Oxalá seja. O grupo foi acordado bem cedinho pela Águia-Sorridente. – Que tal vai o vosso objetivo? – perguntou a águia às ensonadas cores. – Ainda não encontrámos o Amarelo. Temos conseguido vencer os obstáculos, e alguns bem difíceis, mas… – o Vermelho não terminou. – Sim, ainda não o encontrámos e estamos muito cansados – interrompeu o Anil, sempre a bocejar. – Viram as três mensagens do Amarelo? – o tom comprometido da águia anunciava que sabia algo mais. – Sim, mas como sabes que são três? – perguntou o Verde. – Bem, a verdade é que tenho a última mensagem do Amarelo – os gritos das cores não a deixaram terminar. – Onde está o Amarelo? – perguntavam as cores todas ao mesmo tempo, dando saltinhos em redor da águia, que ficou um pouco tonta com tanta agitação. – Sim, quer dizer, eu sei e não sei onde está o Amarelo. Temos de nos despachar, depois explico, agora não temos tempo a perder – a Águia-Sorridente estava confusa, e o que dizia não fazia muito sentido. “Terá comido algum coelho estragado?”, pensou o Azul com os seus botões. No meio de alguma atrapalhação, a Águia-Sorridente disse-lhes que tinha descoberto o Amarelo escondido perto do acampamento das galinhas do Vale- das-Pedras-Soltas. Guardou segredo porque queria fazer-lhes uma surpresa, mas, entretanto, o Amarelo desapareceu novamente sem a avisar – os olhos semicerrados da Águia-Sorridente espelhavam a sua tristeza. – Não te aflijas, nós já estamos habituadas às gracinhas do Amarelo – descansou-a o Violeta. – Vamos. De que estamos à espera? – perguntou o Verde, já pronto para partir. – Calma, temos de pensar no PLEA – sugeriu o Violeta. Todos concordaram e começaram a elaborar um plano. As galinhas corriam à solta num pequeno espaço e, questionadas pelo minucioso Azul, responderam que não sabiam nada desse tal Amarelo. Levavam uma vida tranquila, longe das confusões e trapalhadas do centro do bosque. Bicavam migalhas no chão e aqueciam os ovos. O branco era a única cor na sua vida. – Logo agora que estávamos tão perto… – lamentou o Anil. As cores sentaram-se com o ânimo descolorido. Até a Águia-Sorridente perdeu o sorriso. Nervoso, para se distrair, o Violeta começou a assobiar uma canção. – É isso – exclamou o Anil, que também tinha boas ideias, quando não dormia em pé. Quando todos esperavam mais um lamento, o Anil surpreendeu- os: – Podias assobiar uma canção de que o Amarelo goste. Se ele estiver por perto, responde – pediu o Anil saboreando a sua sugestão. O Violeta acenou positivamente com a cabeça, e começou a assobiar enquanto se deslocava nas redondezas do acampamento das galinhas. As outras cores distribuíram-se em leque e varreram a área tentando escutar uma qualquer resposta com tom Amarelo. Podia estar ferido, ou ter caído num buraco fundo, era preciso ter cuidado. Desceram uma ravina, até que o atento Laranja ouviu um som abafado que espreitava através de uma apertada rede de espinhos. – O que estará por detrás dos espinhos? Um bicho terrível? – lamentou- se o Azul. – Não me digam que vai começar tudo outra vez – queixou-se o Laranja. – Ei! Não podemos deixar que o medo avance. Cortamos os espinhos e depois já se vê – sugeriu o Vermelho, logo apoiado pelo Violeta e pelo Verde, que colocaram mãos à obra para retirar os espinhos. As outras cores, até mesmo o Anil, espreitaram pelas frinchas da rocha procurando outra entrada, e chamaram insistentemente pelo Amarelo. Um pequeno gemido alertou o Azul. Sem pensar duas vezes, o Anil calou o medo e a preguiça que o paralisavam constantemente e atirou-se para o interior do buraco à procura do amigo. Tateando as paredes encontrou um pequeno ovo que tremia com piparotes e solavancos vindos do seu interior, como se algo estivesse preso e precisasse de ajuda para sair. Animado com a descoberta, o Anil puxou o ovo até à saída. O Violeta e o Verde pararam de cortar silvas, e todos juntos subiram o Anil e o ovo com cuidado. De mão em mão, o ovo foi inspecionado e muito agitado junto de vários ouvidos. Todos confirmaram que os gemidos vindos do interior eram cada vez mais leves. – Talvez esteja enjoado com tanto movimento – sugeriu o Azul, mas ninguém respondeu. As cores juntaram a cabeça, como costumam fazer antes de tomarem decisões, e saltaram ao mesmo tempo sobre o ovo que se partiu em pedaços. Debaixo das cascas brancas ouviram: – Ei! Tenham cuidado, sou eu, o Amarelo. Estou preso na gema do ovo. Ajudaram-no e abraçaram-se enquanto davam muitos saltinhos de alegria. Estavam finalmente juntos e saltaram pela ordem devida, Vermelho, Laranja, Amarelo, Verde, Azul, Anil e por último o Violeta, para o Arco-Íris que já tinha saudades de os ver todos seguidinhos. Partiram formando um arco magnífico e, a pouco e pouco, tudo voltou a ser como antes no bosque. O irrequieto Sarabico despediu-se dos amigos e partiu à procura de nozes e de tempos mais calmos, porque acompanhar as cores do Arco-Íris é muito divertido, mas muito desgastante. Como é que o Amarelo ficou preso na gema do ovo? Esse episódio terá de ficar para uma outra vez. Afinal, estamos no Bosque-sem-Fim. Agora, adeus, adeus, ou como dizem os pássaros e as cores do arco-íris: “Vitória, vitória, acabou-se a estória. A lição que ouvi vou tentar aplicar. A lição que aprendi vou tentar recordar. Vitória, vitória, adeus linda estória.