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Processo Penal......................................................................................................................... 85
Normas que aumentam prazo de procedimento prescricional ............................................. 87
Crimes Públicos, Semipúblicos, Particulares ......................................................................... 89
A aplicação retroativa de lei penal mais favorável (retroatividade in melius) ......................... 90
LEIS TEMPORÁRIAS E DE EMERGÊNCIA ................................................................................... 93
LEI PENAL INCONSTITUCIONAL E PROBLEMA DA SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO ................... 94
CRIMES PERMANENTES ........................................................................................................... 96
CRIMES PARA CONTRAORDENAÇÕES ...................................................................................... 97
CRIMES DE PERIGO ABSTRATOS E DE PERIGO CONCRETO ...................................................... 98
APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO................................................................................................... 116
Princípio da Territorialidade ................................................................................................... 117
Princípio da defesa dos interesses nacionais .......................................................................... 119
Princípio da Universalidade da aplicação da lei penal portuguesa .......................................... 120
Princípio da Nacionalidade ..................................................................................................... 121
Restrições à aplicação da lei penal portuguesa por força da aplicação mais favorável do direito
estrangeiro (art. 6º/2 CP) ....................................................................................................... 124
A aplicabilidade da lei penal portuguesa e o princípio non bis in idem ................................... 125
Cooperação Judiciária Internacional ....................................................................................... 128
EXTRADIÇÃO ...................................................................................................................... 128
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU ................................................................................ 130
ÂMBITO DE VALIDADE DA LEI PENAL QUANTO ÀS PESSOAS .................................................. 137
Sistemática do Código Penal ...................................................................................................... 143
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Figueiredo Dias: Direito Penal é ramo ou parte integrante do Direito Público – o particular está
submetido ao ius puniendi de que o Estado está dotado.1
➢ Pelo relevo prático e especificidade de elaboração teórica (há dignidade da matéria penal),
o Direito Penal autonomizou-se historicamente e passou a ser disciplina inteiramente
própria.
1
Daí que o Direito Penal tenha uma estreita conexão o direito constitucional com a teoria do Estado.
2
Figueiredo Dias:
• Direito Penal Subjetivo – ius puniendi – resulta da soberana competência do Estado em considerar como
crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhe sanções específicas.
• Direito Penal Objetivo – ius poenale – é a definição formal, que é a expressão ou emanação do poder
punitivo do Estado.
3
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Então,
Para se definir materialmente um crime é preciso:
1. Fundamento normativo aceitável pelo Direito, através da relação dos factos e não por
mera descrição formal – necessidade de uma razão universalizável no âmbito do sistema
jurídico
2. Razão normativa que abarque o plano objetivo do facto, bem como o seu plano
subjetivo
3. Descoberta de quais os factos que podem, de acordo com os critérios do sistema
jurídico, justificar as sanções criminais
A qualificação dum facto como crime, para ser válida e normativa, tem de passar pelo crivo da
relação entre o Estado e os cidadãos4 e tem de respeitar os princípios constitucionais.
Por que devem os cidadãos submeter-se ao Estado e aceitar ser punidos? Quando é que é
racional as pessoas submeterem-se a restrições das suas liberdades pelo Estado?
Hobbes: pessimista que acreditava que a necessidade do Estado advinha da péssima natureza
humana e, portanto, tratar-se-ia dum pacto de submissão para garantir a proteção e a
representação de todos os cidadãos.
3
Princípios e fundamentos do sistema jurídico-penal
4
Tendo em conta aquilo que se entende como restrição legítima pelo Estado de direitos fundamentais –
pena estatal.
4
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Locke: pensador liberal da tradição liberal individualista em que vê o Estado como o guardião
dos direitos individuais, sendo esse o fundamento do poder.
• Associação livre entre Estados e cidadãos – Estado oferece proteção, mediante
consentimento6 (de Homens que são livres, iguais e independentes no Estado
Natureza7), e é instrumento para a realização plena dos direitos e liberdades individuais,
pois no Estado Natureza estão sujeitos à invasão de outros (e assim preservam a
propriedade, que de outra forma era incerta).
o Crime é uma ofensa a direitos, que justifica, pela sua gravidade, a restrição dos
direitos fundamentais.
Rosseau: pensador democrático que vê a Associação dos indivíduos no Estado como aquilo
que permite o seu desenvolvimento através da vontade coletiva, que permite a realização da
igualdade – o Homem só se conserva se se unir a outros, de forma a “encontrar forma de
associação que defenda e proteja os bens de cada associado e pela qual, cada um, unindo-se a
todos, não obedeça senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente”.
• O interesse coletivo é condição de realização dos indivíduos.
o União à vontade coletiva garante os interesses individuais (ganha o equivalente
a tudo o que tinha), que ganham mais força num coletivo (que é uma forma de
realização do indivíduo).
• Homem perde a liberdade natural mas ganha a liberdade civil (delimitada pela liberdade
geral) e garante a propriedade de tudo o que possui – contrato social produz corpo
moral e coletivo.
o Crime é ofensa à vontade coletiva, da qual depende a igualdade dos direitos e
o desenvolvimento individual.8
Kant: vê o interesse individual como racional e não como psicológico em que a Moralidade é a
pedra angular da Racionalidade.
o É a racionalidade do ser humano, como ser moral, que legitima qualquer
restrição da liberdade e nunca a produção de felicidade
• Restrição do livre arbítrio de cada um justifica-se na medida da articulação da
liberdade de cada um com a liberdade dos outros.9
o Paradoxo: Aquele que rouba viola a propriedade alheia, mas rouba-se a si
mesmo. Quando furtou quis ser proprietário do furtado, portanto, tem
interesse que as leis da propriedade sejam respeitadas. Mas viola-as porque
furtou.
5
Que pode ser tanto um indivíduo como uma assembleia.
6
Princípio da sociedade política depende do consenso dos indivíduos que decidiram associar-se
7
Homens abandonam o Estado Natureza entregando todo o poder à comunidade para esta cumprir os
fins para os quais se uniram em sociedade.
8
Pensamento que dá aso a que se qualifique como crime aquilo que é a vontade da maioria.
9
A autonomia da vontade é o princípio único de todas as leis morais e de todos os deveres que estão em
conformidade com elas.
5
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MFP: as respostas até Kant são modelos normativos que partem da racionalidade, mas
desprezam a racionalidade imediata e a história – o contrato social não é histórico e sim uma
experiência de pensamento.
➢ Os filósofos contemporâneos repensam a pergunta numa outra lógica.
Rawls: não coloca a questão em modos idealistas, como Kant. Não fala de contrato social nem
de Estado de natureza. – ideia de um consenso original cujo o objeto são os princípios de justiça
para a estrutura básica da sociedade.
• Fala numa experiência de pensamento da posição original11 e do conceito do “véu de
ignorância” – é essa racionalidade de interesses, considerando o que existe
historicamente no momento, apenas abstraindo de quem se é (partes mutuamente
desinteressadas), que permite escolher os (2) princípios de justiça, numa escolha
racional que justifica a subordinação ao Estado.
o Princípio da liberdade – o máximo de direitos a cada um para todos termos o
máximo de direitos;
o Princípio da diferença – as diferenças entre as pessoas são legítimas, mas na
redistribuição de riqueza só se justificam quando redundem em benefício dos
mais fracos12
• Justificação das restrições na liberdade de direitos baseiam-se em princípios de justiça
que permitem organizar mais racionalmente a sociedade – o que justifica a
subordinação do cidadão ao Estado é a escolha voluntária com base nos princípios de
justiça.
o Penas são admissíveis quando são beneficiam os mais fracos, promovendo a
liberdade e a segurança.
Martha Nussbaum: aceita em parte Rawls e faz uma capabilities approach. São as capacidades
humanas que determinam qual a escolha justa.
• Partilha ideias do contratualismo de Rawls mas aponta-lhe 3 problemas: pessoas com
dificuldade e deficiência, nacionalidade, outras espécies.
10
Direito é coerção no sentido que o comportamento criminoso é restrição à liberdade, pelo que é
necessário essa coerção para restituir essa liberdade.
11
Em que estavam pessoas livres e racionais
12
Sem isto há arbitrariedade na distribuição
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
o Rawls pensa no ser humano sempre como racional e escolhe os princípios para
os seres racionais – o que pode ser injusto para os seres não racionais.
• Só há uma restrição racional de direitos se a contrapartida for o florescimento das
capacidades de cada ser humano, de forma a viver a vida dignamente.
o A racionalidade da subjugação de alguém ao Estado é o florescimento das
capacidades humanas e a possibilidade de se ter uma vida digna.
o Somos diferentes e temos capacidades diferentes – essa diferença tem de ser
reconhecida e tem de haver um consenso (pós esse reconhecimento) para que
a vida de todos floresça.
o Capacidades humanas são os critérios de escolha justa e cabe ao Estado o
desenvolvimento destas capacidades individuais, que são as fontes dos
princípios políticos subjacentes ao Estado.
• Princípios de justiça mais diversificados e inclusivos – redefine o contrato social e inclui
as pessoas com menos capacidades e os próprios animais – em que a restrição de
direitos através das penas deve ancorar na realização de interesses tidos como
fundamentais.
o Gravidade das penas não se define pela tradição ou moral dominante nem pela
vontade da maioria. É necessária uma relação com os fins do Estado e os seus
princípios de justiça.
• O direito penal que protege as capacidades não é retributivo, mas sim reintegrativo,
justificado pelo melhor desenvolvimento, tanto da personalidade das potencias vítimas
como dos próprios agentes.
• Só é criminoso o comportamento que mereça uma pena (apena à discussão da
legitimidade constitucional).
• Deve estudar-se quais as condições necessárias para se dar as melhores condições.
MFP critica: até agora só tirámos conclusões normativas, em que pensamos em modelos
normativos que pressupõem a total liberdade dos agentes e a não existência de um modo social
de produção de fenómenos.
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O Código Penal não tem uma definição de crime – tem é definições de crimes/dos concretos
factos tidos como crime (art. 131º e ss.)
Criminologia
Estudos não jurídicos sobre o crime e sim como fenómenos sociais ou psico-sociais.
➢ Ciência de base descritiva e não normativa – não pretende mostrar nem o que deve ser
crime nem como se deve responder com justiça ao crime, mas pretende apenas
compreendê-lo e explica-lo.
o Criminologia não visa resolver o problema social do crime (isso cabe ao Direito
Penal), visa explicar o fenómeno do crime – o que é útil para o Direito penal
delimitar o que pode ser ou não crime.
O Crime
1. Deficiência do Indivíduo?
Perspetiva do crime como fenómeno individual, identificável objetivamente13.
Escola Positiva
• Cesare Lombroso: olha para o crime como facto empírico e natural. Assume que há
criminosos natos. É determinista e com visão não jurídica do crime.
vs. Escola Clássica
• Francesco Carrara: ideia de contrato social em que as pessoas eram livres, pelo que a
prática de um crime era relacionada com a liberdade de decisão. Baseava-se num
modelo de racionalidade da filosofia política.
Lombroso
Fundou a antropologia criminal e pôs em causa a Escola Clássica.
O estudo da fisiognomia levou a concluir que havia características físicas que levavam a ser-se
criminoso.
➢ Traços no rosto e no crânio. Ex: orelhas grandes, lábios saídos, ter tatuagens
➢ Explica o criminoso nato pela evolução psicobiológica.
o Conceção do Atavismo em que os criminosos são sujeitos atávicos = menos
desenvolvidos na escala evolutiva
Metodologia positivista (de Comte) em que se estuda o crime (facto natural) como qualquer
outro facto empiricamente estudado.
13
Alteração dum padrão de comportamento tido como normal.
8
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Ferri, sucessor de Lombroso já dava alguma relevância aos fenómenos sociológicos e afirmava
que “é o método experimental que constitui a chave do conhecimento. Tudo é governado pelos
factos”
Críticas a Lombroso:
• Comparação de crânios só entre condenados e nunca comparou com não criminosos
• Preconceitos da época
• Numa primeira fase desconsidera os fatores sociais subjacentes à prática de crimes
• Goring14 estudou 3 mil condenados e não chegou aos mesmos resultados que Lombroso.
Em Portugal:
• Muitos adeptos influenciados pela obra L’Uomo Deliquente (1876) – escola de
criminologia pujante em Portugal e com metodologia lombrosiana – Júlio de Matos,
Miguel Bombarda, Mendes Correia15.
• Mas também teve críticos, no Congresso de Paris.
• Egas Moniz também estudou este assunto na aplicação das lobotomias “para
interromper circuitos fixos que dão às pessoas as ideias fixas” – grande repercursão
internacional (principalmente nos EUA)
A escola positiva despolitizou a pena (da aceção clássica) pois é encarada como um tratamento
e já não se funda no poder do Estado e sim na ciência.
14
Médico inglês
15
Muito importante no início do séc. XX e afasta-se de Lombroso ao reconhecer o papel da educação e
do meio como grandes influências.
➢ Apesar de na fase final Lombroso já o admitir
9
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Grandes críticas a esta corrente são a afirmação da dicotomia mente//cérebro; o facto de não
ser apenas com base numa atividade neurológica que se pode atribuir significado às interações
sociais e comportamentos.
Teorias Psicodinâmicas
Problemas na infância e crime está relacionado com a fraqueza do ego (Freud).
• Génese do crime tem a ver com a relação das conceções pessoais básicas em que o
sentimento de culpa é motivo – condenação exterior é aliviadora da autocondenação
interior
• Alexander/Staub: certos agentes do crime procuram-no para serem punidos,
libertando-se assim dos seus desejos mais interditos.
• Eysenk: herança genética condiciona diferenças do funcionamento do sistema nervoso
– 3 características combinadas (extroversão, neurotismo, psicotismo) levam a menor
controlo do comportamento
o Continua a ter um pendor determinístico
Teorias Comportamentais/Behaveouristas
Explica o comportamento na relação com o meio.
• Eysenk: As dimensões de personalidade teriam variações de intensidade e articulação
nos indivíduos levando a estímulos sociais serem entendidos de forma diferentes e
havendo menos controlo do comportamento.
• Bandura: comportamento gera o ambiente e o comportamento reage ao ambiente.
• Taylor/Walton: o que define a personalidade é o desempenho individual do
empreendimento que fazemos de criar uma auto-conceção própria – “forma
significativa de um ator tentar construir e desenvolver a sua própria auto-conceção”.
Teorias Cognitivas
• Piaget/Kohlberg: comportamentos antissociais estariam relacionados com a
incapacidade de atingir os estádios superiores dos níveis de desenvolvimento moral16
da personalidade – prática do crime está associada aqueles que ainda não passaram da
primeira fase.
o Gillian critica e fala numa ética de cuidados e não de uma abstrata escolha de
princípios morais.
• Gottfredson/ Hirschi: crime relaciona-se com a impulsividade e falta de autocontrole,
associada à incapacidade de diferir a gratificação almejada pela ação.
o Incapacidade de pensar a gratificação a longo prazo, beneficiando a atisfação
pessoal que o momento presente lhes proporciona – o prazer do imediato é
mais valorizado que as consequências dos atos, a longo prazo.
16
Pré-convencional – resposta automática a estímulos; Convencional – comportamento de acordo com
as regras mas apenas porque são regras (aceitam o Direito por motivos de benefício/aproveitamento
pessoal); Pós-convencional – comportamento e decisões baseadas em princípios abstratos de justiça.
10
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Teorias da Personalidade
Análise da personalidade orienta-se por modelos baseados no processamento da informação
social pelos indivíduos, que permitem compreender que os indivíduos agressivos desenvolvem
perceções limitadas das situações e das soluções para os problemas que lhes são colocados nos
conflitos interpessoais, não conseguindo alcançar técnicas alternativas à violência para resolver
tais conflitos.
➢ Psicologismo é menos determinante e a psicologia criminal aproxima-se do indivíduo
2. Deficiência da Socialização?
Perspetiva do crime como fenómeno social, identificável objetivamente17.
Crime é expressão de uma deficiência na socialização – não parte das características dos
indivíduos mas sim do contexto social.
A. Durkheim: crime é facto social e é analisado como função social e não como mera projeção
da experiência subjetiva
• Normal – exprime o funcionamento normal das sociedades;
• Funcional/Útil – permite sinalizar quais as regras dominantes e necessárias – um crime
é um desvio à regra que permite manter acesa a regra (se não houvesse crime as pessoas
não sabiam que havia regra).18
17
Alteração dum padrão de comportamento tido como normal. Combinação do modelo de
desenvolvimento moral com o modelo de informação social permite desenhar técnicas de intervenção
que procuram alterar os critérios de decisão, sem o apego a modelos deterministas.
18
Harmoniza-se com S. Paulo que dizia que era a lei a criadora do pecado
11
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Tem origem histórica no positivismo científico e olha para o crime de forma cínica e abstraindo
da questão moral.
➢ Insere-se numa linha de funcionalismo em que o delinquente tem papel fundamental
na sociedade.
Construção de si mesmo é determinada não pela sociedade, mas pela interação da pessoa com
a sociedade.
• Realidade social está em construção e não é objetiva a 100% - é sempre simbólica e
representativa da interação social com os indivíduos.
• Pessoas agem com base nos significados dados às coisas e a interpretação desses
significados depende da situação social do indivíduo.
Crime explica-se pela intensidade, frequência e precocidade de certos contactos sociais – não
se explica pela expressão de necessidades, valores, nem pelo meio social, nem por deficiências
do indivíduo.
• Vem estabelecer uma teoria da determinação do comportamento criminoso em 9
aspetos:
1. Comportamento criminoso é aprendido;
19
Primórdios da Escola de Chicago
12
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Demonstrou, com um estudo sobre os White Collar Crimes20, que o comportamento anti-social
não se restringe às classes mais baixas, nem se determina pela pobreza, tem sim a ver com
padrões comportamentais desenvolvidos pelos grupos sociais. O essencial do processo de
aprendizagem é semelhante seja qual for o tipo de criminalidade.
20
Cunhou a expressão e viu estes ilícitos como verdadeiros crimes (que muitas vezes não era assim
tratados, sendo julgados no âmbito administrativo e não penal). Encara-os como a desorganização da
sociedade – em que a lei pressiona numa direção e as regras do negócio noutra.
21
No pólo oposto de Lombroso
13
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F. Conclusão:
A Sociologia Criminal, a partir de Mead, começou a conceber o crime como expressão de
processos sociais de comunicação, em que são transmitidas racionalidades conformadoras dos
comportamentos criminosos, que demonstram que o crime é uma resposta ou a solução de
um tipo de conflitos ou problemas de interação entre o agente e o meio, previsível e
reconfigurável até certo ponto.
A. Merton
Pensa num paradigma de capitalismo e do ideal americano.23
Explica o crime pelo desfasamento entre as metas sociais gerais e as vias para as alcançar.
• Causa do comportamento criminoso seria a distorção referida entre a promoção de
valores como a ascensão social e a efetiva escassez de meios legítimos para a atingir –
esse desfasamento geraria indiferença aos valores e mecanismos de adaptação
individual.
22
Durkheim: exprime a indiferença relativamente às regras vigentes numa certa sociedade.
23
Merton enquadra-se noutra escola de Chicago em que vê o crime como interação com a estrutura social.
14
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Comportamento desviante tinha função latente (não manifesta) mas não era indispensável ou
útil24 - natureza do comportamento desviante permitia conceber alternativas de adaptação, ou
mesmo uma modificação das condições estruturais no sentido de adequar os fins culturais e os
meios institucionais.
Sublinha os padrões sociais de cada tipo de adaptação e não os modos psicológicos da referida
adaptação – tenta explicar o crime de forma macro, como modelo explicativo genérico.
Críticas a Merton:
• Não explica o porquê de situações idênticas em termos sociais conduzirem a desfechos
distintos;
• Não valoriza os aspetos individuais-psicológicos;
• Permite manipulações funcionais (através de uma política do empobrecimento como
ideal cultural – propõe-se redução das expetativas. Ex: se estão no bairro de lata não
podem esperar a vir ser licenciado);
• Não cumpre explicar a criminalidade dos ricos e poderosos.
24
Como sugeria o funcionalismo puro de inspiração em Durkheim.
15
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Mas,
Não explica o sentido e função social do comportamento delinquente e da sua génese e
preocupa-se com os processos de seleção social desses comportamentos e a arbitrariedade
dos mesmos.
Labelling approach veio reconhecer que o crime seria expressão de um processo subjetivo-
social de estigmatização dos delinquentes e de seleção de verdadeiras carreiras criminosas.25
• Becker: déviance não é qualidade interna dos factos sociais, mas antes o produto dos
grupos sociais que criam as regras cuja violação a suscita e que aplicam com sucesso
(estigmatização) a qualificação de déviant aos que violam as normas.
o O que se tem de estudar não são as causas do crime, mas sim como é que certos
grupos sociais atribuem a característica de se ser criminoso (ou desviante).26
o É pura criação social.
• Lemert: fenómenos de déviance secundária são efeitos do processo de estigmatização.
o Papéis desencadeados pela atribuição primária do comportamento criminoso,
como uma resposta ou modo de lidar com a própria estigmatização.
o A partir de crimes sem gravidade, há depois comportamentos criminalizáveis
para evitar a punição por esses crimes. Ex: crime sem vítimas do consumo de
droga – para se drogar muitas vezes roubam. A partir da 1ª estigmatização gera-
se um comportamento pior, criando mais crime. (Schur)
• Goffman – construção de si mesmo em interação com os outros como um processo
dramatúrgico – as pessoas apresentam-se aos outros baseados em normas, mitos,
valores, desempenhando uma performance e extraindo um efeito.
A seleção dos criminosos não é controlável racionalmente – o que se é visto como crime no
criminoso depende dos grupos sociais que o apontam.27
25
Através de grupos que apontam X ou Y como criminoso.
26
O que distingue o criminoso do homem normal é ser rotulado como delinquente – grupos sociais
elaboram as regras que caracterizam os comportamentos como criminosos.
27
Estudo alemão dos anos 80 demonstrou que nos tribunais urbanos o homicídio era tido em conta de
forma mais leve, quando nos tribunais rurais o consideravam mais doloso – factos idênticos, mas
valorizados diferentemente porque há uma projeção nos mesmos de uma certa pré-compreensão.
16
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Conclusões da Criminologia
Criminologia utiliza uma noção pré-legal de crime.
➢ Tem empreendido tentativas para atingir um conceito material com alguma
objetividade que revelam uma noção operatória de crime, que engloba sempre a
violação de regras ou de valores tidos como essenciais, pressupondo sempre um
contexto de normatividade social e antinormatividade, bem como uma problemática
de motivibilidade por valores.
Contributo para o conceito material de crime: de que modo pode o Direito Penal relacionar as
suas soluções com os conhecimentos da Criminologia?
• Interpelação epistemológica, relacionada com as condições críticas da definição social
do crime como objeto de pensamento – o que deve ser considerado crime
legitimamente não pode ser um tema que se abstraia das condicionantes socio-
psicológicas em que se produz a definição socialmente vigente.
• Tem de se filtrar por critérios de justiça e oportunidade social28
28
Os comportamentos têm de se filtrar para a criminalização de condutas. Comportamentos em que não
haja grande margem de opção não devem ser tão criminalizados. Ao não fazer diferenciação o legislador
está a ser arbitrário. Deve desenhar-se os crimes dependendo do comportamento. Realidade empírica
deve valer na determinação do que é crime.
17
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Art. 40º CP
→ Ponto de partida e chegada para a pergunta de qual a finalidade da aplicação de uma
pena.
Teorias Monistas
Perspetiva monista em que há só uma finalidade das penas
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
derramado não caia sobre o povo que se decidiu pela não punição, porque então
seria considerado comparticipante nesta violação pública da justiça”
• A negação do direito alheio é sempre uma negação do Direito geral, o que abrange os
direitos dos próprios criminosos – crime era a negação da universalidade da lei,
Hegel: crime é negação do direito; pena é a negação da negação – servia para anular o crime e
revalidar a vinculatividade do Direito.
• A pena é mal necessário “porque” se praticou o crime.
• O crime permite revelar o Direito, pois quando se viola o Direito isso demonstra que ele
existe – havendo contradição com a Ordem Jurídica a pena vem reafirmá-la.
o Aplica-se a pena porque tem de ser afirmar a norma jurídica.
o A pena é negação do crime, constituindo uma reafirmação dialética do Direito.
o A pena é inerente ao conceito de crime, faz parte dele num sentido lógico.
• Pena é modo de honrar o criminoso e não como um instrumento ao serviço da
sociedade, através do qual a dignidade do criminoso como pessoa possa ser prejudicada.
• Não há um entendimento moral da pena, a qual deve pertencer exclusivamente à
racionalidade do Estado – objetividade do Direito, a partir das características da
generalidade e abstração da norma;
o A pena, tal como o crime, não vale em função do merecimento da vontade
nem dos autores do crime nem de quem impõe a pena, mas enquanto afirma
ou nega o Direito num plano das ideias e num plano meramente lógico.
Pena surge como entidade independente de fins – construções que vêm as penas como fins em
si mesmos e que não visam alcançar finalidades extrínsecas.
➢ Pena é justo equivalente do facto que se cometeu e da culpa do agente
Estas teorias vêm criar o conceito de que tem de haver culpa para haver pena – esse apelo à
ideia de culpa cabe no art. 40º/2.
Críticas
1. Teoria parte de uma ideia de responsabilidade individual baseada no liberum arbitrium
indiferentiae que o conhecimento científico não permite comprovar – somente é
aceitável presumir que as pessoas são livres na medida em que a sociedade e o Direito
reconhecem a responsabilidade individual.
2. Pressuposto da retribuição é a culpa ética, surgindo como sua consequência
necessária. Não cabe ao Estado, num contexto de EDD, promover uma ética ou moral
em si mesmas, mas apenas, quando muito, na medida indispensável à preservação das
condições sociais de existência.
3. Retribuição conflitua com art. 18º/2 CRP – princípio da necessidade da pena que
postula que a pena só pode ser aplicada quando for necessária para a preservação da
sociedade.
4. Confusão concetual entre retribuição e reafirmação do Direito.29
5. Não pode ser considerada uma teoria dos fins das penas, pois a pena é considerada
como entidade independente de fins.
29
Não estando a reafirmação do Direito, em causa, se for articulada com um princípio liberal da
necessidade da pena, de adequação e proporcionalidade ao facto da mesma.
19
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
6. Não cabe na letra do art. 40º/1 em que a finalidade não é retributiva e aplica-se uma
pena “para que”.
Prevenção Geral
FD: Pena é instrumento de política criminal que visa atuar psiquicamente sobre a generalidade
das pessoas/comunidade, afastando-as da prática de crimes através da ameaça penal
estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade da sua execução.
Prevenção geral positiva/Integração: pena existe para levar os cidadãos a confiar nas normas
gerais.
• Penas têm de demonstrar que a Ordem Jurídica é inquebrável.
• Penas visam conferir confiança à comunidade, para que as pessoas possam confiar no
Direito Penal.
Art. 40º/1 CP visa a proteção de bens jurídicos – promove uma atuação preventiva e liga
umbilicalmente à preservação dos bens.
Críticas
1. Configurar como a pena a partir de orientações pragmáticas e numa lógica de eficiência
viola a Dignidade da Pessoa Humana, que é tida como mero instrumento.
➢ A pessoa não é, em caso algum, um meio ao serviço de fins sociais.
2. Não se consegue justificar a atribuição da pena ao criminoso por algo que ele tenha feito
e com base na medida da gravidade do facto – a pena deixaria de poder ser vista como
consequência do crime.
3. Tendência para penas mais severas e longas, pois nunca se sabe qual o quantum de
pena que vai intimidar os sujeitos.
4. Baseia-se numa lógica de psicologia de multidões e de expetativas sociais.
20
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Prevenção Especial
Pena surge como instrumento de prevenção individual – atuação sobre o agente que prevaricou
e focada nesse indivíduo. Intervenção sobre o cidadão delinquente, através da coação
psicológica, inibindo-o da prática de crimes ou eliminando nele a disposição para delinquir.
➢ Ideia da prevenção da reincidência.
Platão -> Protágoras: exemplo de racionalidade e de prevenção especial – toda a virtude se ensina e se
aprende.
• A punição deve ser para ensinar.
• Não se deve acrescentar um mal ao mal, deve querer produzir-se um bem.
o Pena retributiva visa produzir no futuro um mal e não um bem.
o Ao mal do ilícito junta-se o mal da pena.
o Deve é reabilitar-se para que no futuro haja um bem
• “Ninguém pune o delinquente só pela simples razão de que cometeu uma injustiça, a não ser
aquele que, como um animal irracional, se procura vingar; aquele que pretende punir de modo
racional não castiga por causa do ilícito já cometido – não faz com que o que esteja feito deixe
de estar – mas em vista do futuro, para que daí em diante o delinquente não volte a cometer
injustiças e também não os outros, que veem como ele é punido”
Kraus influencia este pensamento, bem como a Escola Correcionista, perfilhada por Levy
Maria Jordão.
➢ Todos os homens são suscetíveis de serem corrigidos e é isso que se devia fazer aos
delinquentes.
Críticas
1. A prevenção especial negativa viola a dignidade da pessoa humana e a
autodeterminação do indivíduo.
2. Quer a negativa quer a preventiva, a prevenção nunca pode ser tomada como a única
finalidade da pena, pois ela teria de ser prolongada até se ter a certeza que o agente
não cometeria novos crimes – levava ao instituto da pena absolutamente
indeterminada30
30
Não as do art. 83º e ss. CP – que são penas relativamente indeterminadas, mas, em que sabemos que
a pena vai acabar.
21
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
3. Crimes muito graves poderiam ficar impunes se não existisse perigo de reincidência e
crimes menos graves poderiam justificar a prisão perpétua ou a morte.
4. Investigação empírica não permite apoiar em dados absolutamente seguros a prognose
sobre a delinquência futura31
Howard Zehr – ideia que a pena deve ter finalidades específicas de reparação
Braithwaue também adere a esta tese, influenciado por vir de Estados retributivos – o Estado
apropriou-se do crime e devolver-se o crime às pessoas.
Ideia de mediador penal – deve recentrar-se a noção de pena na vítima; noção de concertação
e reparação da vítima e do opressor
➢ Finalidade da pena pode ser a de operar a possível concertação entre o agente e a
vítima através da reparação dos danos – não apenas necessariamente patrimoniais,
mas também morais – causados pelo crime.
➢ Há diálogo entre a vítima, opressor e a comunidade afetada, numa lógica de
participação.
➢ Prática do crime gera práticas de responsabilização e reparação.
31
MFP: E, aliás, a pena é criminógena, de modo que as próprias condenações aumentam as probabilidades
de reincidência.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Teorias Mistas
São teorias eclética ou unificadoras.
Dizem-nos que não pode haver um único fim da pena – já desde a obra de Beccaria que a isso
se apela: que defende que a pena só é legítima se for necessária (para o bem da sociedade).
➢ MFP: o “para que” pode ser resposta ao “porque” nos fins das penas
Teoria da prevenção especial não é idónea para fundamentar o direito penal, porque não pode
delimitar os seus pressupostos e consequências, porque não explica a punibilidade de crimes
sem perigo de repetição e porque a ideia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se
legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de
considerações.
Teoria da prevenção geral encontra-se exposta a objeções semelhantes às outras duas: não
pode fundamentar o poder punitivo do Estado nos seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas
consequências; é político-criminalmente discutível e carece de legitimação que esteja em
consonância com os fundamentos do ordenamento jurídico.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Tem que se procurar a justificação para a aplicação de penas no que legitima o Estado a punir
os seus cidadãos – direito penal tem o fim de garantir a todos os cidadãos uma vida em comum
livre de perigos e isso resulta do dever que incumbe ao Estado de garantir a segurança dos seus
membros.
• Direito penal tem que assegurar os bens jurídicos, punindo a sua violação.
MFP: teorias não podem ser casadas, pois os seus princípios são logicamente incompatíveis –
na lógica exclusiva de cada uma das teorias não há compatibilidade.
• Nenhuma são compatíveis com a CRP e não são compatíveis entre si.
O ponto de partida da discussão tem de ser a realidade da pena e não aquilo que ela idealmente
deveria ser
• Qual a solução, à luz da CRP, para os fins das penas?
Claus Roxin
Pena tem finalidades preventivas e serve fins racionais – garante as funções de existência.
Divide a conceção em 2 momentos:
• Plano abstrato – pena serve fins de prevenção geral e visa a tutela de bens jurídicos
• Plano concreto de aplicação – prevenção geral e prevenção especial; lógica de evitar a
reincidência mas também atendendo à culpa
Medida da culpa não é dada por ponto exato da escala penal e tem de haver pena com base
numa moldura de culpa.
• Os limites de prevenção geral mínima têm de ser satisfeitos.
o O fim da prevenção geral da punição apenas se pode conseguir na culpa
individual.
• Na execução específica da pena atende-se a critérios de prevenção especial positiva.
24
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Aplicação da pena serve para a proteção subsidiária e preventiva, tanto geral como individual,
de bens jurídicos e de prestações estatais, através de um processo que salvaguarde a autonomia
da personalidade e que, ao impor a pena, esteja limitado pela medida da culpa.
Faria Costa
Teoria neoretributiva
• Culpa é fundamento da pena, num encontro entre Direito Penal e Filosofia .
• Retribuição é expressão das ideias de responsabilidade e igualdade.
• Pena não deve ser valorada como um mal, pois ela retrata a pluralidade axiológica
positivamente relevante.
• “a pena a aplicar tem que ser envolvida pelo olhar que quer ver o pretérito” – vê o facto
criminoso na contextualização com o seu passado e é por isso que se aplica pena.
Sousa e Brito
Pena retributiva é a que mais serve para finalidades de prevenção especial – que deve ter
primazia sobre a prevenção geral.
• Medir a pena pela culpa pode ser incompatível com exigências de prevenção especial.
• A medida da culpa nunca pode ser ultrapassada.
Pena visa retribuir a culpa e é atribuída em função da culpa (art. 71º/1), mas a culpa sendo
fundamento ou pressuposto essencial, e por isso limite da pena, só é retribuída na medida
necessária à proteção dos bens jurídicos.
• É impossível obedecer à proibição de a pena ultrapassar a medida da culpa – ou ao
comando equivalente de a manter dentro da medida da culpa – sem medir a pena pela
culpa.
o Medir a pena pela culpa é o conteúdo essencial da ideia de retribuição.
Todo o direito penal não é mais do que um elaborado sistema de escolher a culpa que se pune e
de medir a pena pela culpa.
Nem a teoria da prevenção especial nem a da prevenção geral determinam a escolha e a medida
das prestações de prevenção especial devidas pelo criminoso em termos idênticos entre si ou
idênticos com a determinação que resulta da reparação da culpa no direito penal de Estado de
Direito. Por outro lado, só estes últimos respeitam o princípio constitucional da culpa.
As teorias da pena como prevenção de crimes futuros não podem recuperar o conceito de pena
como “expressão de um juízo de valor moral de quem pune”, de que fala von Lisxt. Não pode
recuperar um autêntico juízo de desvalor ético do julgador, mas apenas os juízos morais de
desvalor da maioria da comunidade como elementos de facto que contribuem positivamente
para a prevenção geral.
25
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Caráter jurídico da reparação da culpa pela pena e a sua fundamentação ética pressupõe o
postulado da liberdade humana.
Pelo art. 40º/2 e pelos comandos constitucionais, a reparação da culpa é o único dos fins de
pena que é específico da pena.
• Pena retributiva é a que melhor serve as exigências de prevenção especial – a prevenção
especial é que dá conteúdo material à reparação da culpa, de acordo com o seu
fundamento racional.
Figueiredo Dias
Natureza exclusivamente preventiva das finalidades da pena
Finalidade visada pela pena é a da tutela necessária dos bem jurídico-penais no caso concreto.
• Não numa perspetiva retrospetiva, face a um crime já verificado, mas com um
significado prospetivo, pela necessidade da tutela da confiança e expetativas da
comunidade na manutenção da vigência da norma violada.
Existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias, não
podendo ser excedida (princípio da necessidade) por considerações de qualquer tipo,
nomeadamente exigências de prevenção especial.
• Essa medida ótima não fornece ao juiz um quantum exato da pena.
• Abaixo do ponto ótimo ideal existirão outros em que aquela tutela é ainda efetiva e
consistente.
o Isto até se alcançar um limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico,
abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem
se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
Prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção dentro da qual atuam
considerações de prevenção especial, que determinam a medida concreta da pena.
Função da culpa no sistema punitivo reside numa incondicional proibição do excesso – a culpa
não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite
inultrapassável.
• Estabelece um máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da
dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos
quadros próprios dum EDD.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Crítica MFP:
• Razões de ordem sistemática – art. 71º CP; não se pode dizer que a culpa não
fundamenta, embora isso não signifique que se ceda às teorias retributivas
• Razões e ordem constitucional – art. 1º CRP e DPH
32
CP democrático que sucedeu a um CP do séc. XIX – que sobreviveu a vários regimes – código de Melo
Freire e de grande pendor liberal.
Este CP de 1982 é inspirado no projeto de Eduardo Correia, cujo teor era muito revolucionário para a
época, tendo um espírito de prevenção especial, humanismo e etc.
Figueiredo Dias transpôs algumas ideias para o CP 1982
33
Art. 40º CP foi introduzido com a revisão de 1995 como norma orientadora quanto às penas, numa fase
em que se pretendeu ultrapassar as rotinas judiciais retributivas.
27
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
CP estabelece que a culpa do agente é o critério fundamental da medida da pena, que justifica
a sua variação entre o máximo e o mínimo (art. 71º CP), o que coloca logo a objeção do critério
da medida judicial da pena poder ser de natureza diversa do fundamento legal da punição.
Questiona-se também como é que a culpabilidade do agente, que é um elemento do conceito
de crime e um pressuposto essencial de toda a atribuição de responsabilidade (nullum crimen
sine culpa), patente na teoria geral do crime (art. 3º/2, 17º, 35º, 37º), pode ser reduzida a
critério restritivo, acessório, de uma responsabilidade baseada na prevenção geral positiva
(proteção de bens jurídicos e promoção da segurança geral) coadjuvada pela prevenção
especial.
Princípio da culpa é expressão de uma consideração plena da igual dignidade da pessoa bem
como da igual consideração dos interesses de todos e da justa oportunidade de cada pessoa
de orientar o seu comportamento pelas normas penais – art. 1º, 13º e 27º CRP
• Dimensão que nada tem a ver com a ideia de retribuição, mas sim com a ideia de uma
relação punitiva justa a partir de comportamentos que só são verdadeiramente dignos
28
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
No art. 40º, não cabe só uma perspetiva de satisfação do interesse geral da comunidade ou
mesmo de uma necessidade objetiva de proteger bens, mas, cabe também a consideração de
um certo nível de desvalor da ação e de uma exigibilidade média de um outro comportamento
a quem viola uma norma.
• Exigibilidade ética de certos comportamentos não é algo posterior às decisões
legislativas de incriminação, mas a própria consideração da atribuição de uma censura
pessoal, que é condição da legitimidade constitucional da incriminação de certos
comportamentos, ou da sua negação, num plano abstrato-normativo.
Prevenção geral e especial são admissíveis desde que atendendo à medida da culpa.
• Culpa condiciona critérios de necessidade de pena, de merecimento devido à conduta
do agente.
o Nunca é retributiva
29
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Tem-se apoiado uma conceção de bem jurídico não apenas política mas com uma normatividade
científica – situa-se na estrutura social, independentemente da instância política ou da decisão
política, os critérios que tornam necessária (tendo em conta a continuidade da estrutural
social) a incriminação de determinadas condutas e a proteção de certos bens.
30
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Toda a conduta desviada em relação à norma surge como uma frustração das expetativas de
comportamento asseguradas juridicamente.
➢ Conduta desviante desempenha funções positivas e é útil como fator de afirmação da
ordem vigente.
Jakobs – ponto de vista de que o Direito Penal deve manter padrões de ação que organizam
as expetativas sociais sobre o comportamento alheio.
• Função de estabilização contrafática das expetativas geradas pela violação de uma
norma incriminadora.
• Crime é dano social objetivo sendo o pretexto de afirmação de modelos de ação.
• Direito Penal tem função ideal/simbólica de controlo social – protege a vigência da
norma
34
Do conjunto das relações sociais que se organizam em diversos níveis autónomos – de acordo com as
respetivas funções, progressivamente diferenciadas e em que as condutas humanas se interligam, sendo
a sociedade a última função social concebível.
31
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
como teoria, não exclui a discussão sobre o objeto da infração criminal e apenas reduz
a fundamentação da validade a uma adequação das decisões legislativas a uma ideia de
funcionalidade sistémica, racionalizando através desse parâmetro a avaliação crítica.
Fundamentação do Direito Penal com os fins do Estado, bens coletivos, utilidade social e bem
estar geral
Visão democrática em que o Direito Penal é delimitado pelo interesse político e pela
necessidade de utilização dos seus instrumentos sancionatórios em cada momento histórico.
• Não há limites constitucionais para o âmbito das normas incriminadoras – modelo
expansionista que ancora o Direito Penal na pertença a uma comunidade e na
responsabilidade coletiva
32
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Pondera-se o peso do risco e perigo para os bens jurídicos, em detrimento, por vezes,
dos direitos imediatos, em sociedades que procuram a previsibilidade e a segurança
como bem.
• Segurança como valor objetivo, e por vezes simbólico, passa a ser condição
fundamental da intervenção penal.
33
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
BEM JURÍDICO
Abertura da ciência jurídico-penal a uma perspetiva específica de legitimação foi historicamente
veiculada pelo conceito de bem jurídico.35
➢ MFP: Conceito que não nasceu no séc. XIX na Alemanha como os alemães afirmam. É
muito mais antigo e a ideia de bem é essencial no direito medieval e tem gestação já no
direito romano e grego.
➢ Maior parte dos autores simplifica a investigação dizendo que a ideia de bem jurídico
vem de Birnbaum.
Conceito de bem jurídico tem vários significados para a delimitação do conceito material de
crime e para a função e legitimação do Direito Penal:
• Ideia de bem jurídico tem expressado relação do objeto de proteção da norma com um
interesse individual ou com um interesse coletivo assumido pelo EDD como condição
essencial de incriminação
• Ideia de bem jurídico sugere uma necessidade intersubjetiva que carece de ser
protegida
• Ideia de bem jurídico convoca a ideia de lesão e de dano objetivo ou objetivamente
representado e não uma função meramente simbólica de um interesse protegido pelas
normas
• Ideia de bem jurídico apela a uma lógica de eficácia direta na proteção e prevenção e
não se basta com efeito reflexo e antecipado das normas incriminadoras relativamente
a potenciais lesões.
• Ideia de bem jurídico questiona normas incriminadoras que apenas preveem violações
de deveres de comportamento sem uma real conexão empírica com eventuais danos.
35
MFP: Conceito de bem jurídico teve grande importância pois incutiu no Direito Penal um elemento de
objetividade e controlo sobre as normas incriminadoras.
34
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Roxin
Defende acerrimamente o papel do bem jurídico, numa aceção personalista, como limite de
intervenção penal, admitindo uma extensão no que diz respeito à preservação do interesse vital de
gerações futuras e no que se refere à proteção da biodiversidade 36 – é possível um conceito de bem
jurídico entendido como parâmetro crítico da legislação
Bens jurídicos = todos os bens que correspondem às condições e finalidades necessárias ao livre
desenvolvimento do indivíduo, à realização dos seus direitos fundamentais e ao funcionamento
de um sistema estatal construído em torno dessa finalidade.
• Teoria do bem jurídico enquanto garantia de liberdade leva à ilegitimidade da
incriminação quando se incrimina comportamentos que não ponham em causa nem o
livre desenvolvimento do indivíduo, nem as condições sociais necessárias a esse
desenvolvimento.
o Frister: Um comportamento que não ponha em causa de modo algum as
possibilidades de desenvolvimento de outros não deve ser valorado como ilícito
penal.
Há quem critique o conceito de bem jurídico por ser demasiado vago, o que limitaria as suas
potencialidades. Tese de que o bem jurídico carece de qualquer significado prático essencial
esta errada, vejamos exemplos:
1. Punição de atos homossexuais entre adultos – é evidente que essa conduta, quando
consentida e tendo lugar na esfera privada, não afeta a liberdade de desenvolvimento
de ninguém nem perturba de nenhuma forma a liberdade de convivência entre as
pessoas – um conceito de bem jurídico leva a que não se puna estes comportamentos
(que eram punidas até 1969 na Alemanha).
2. Punição por ter posse de estupefacientes para consumo próprio – não há qualquer
dano para outros, sendo a descriminalização uma representação da conceção de bem
jurídico como parâmetro crítico da legislação.
3. Doação de órgãos inter vivos – não se vislumbra qualquer ofensividade para outrem e
cumpre fins socialmente úteis, pelo que a criminalização carece de uma legitimação
conferida pela proteção de bens jurídicos.
4. Incesto entre irmãos – o Direito Alemão pune esta conduta, mas, também nesta
situação, em que os irmãos atuam livres de coação e de modo consentido, sendo
plenamente responsáveis.
• Está ausente qualquer dano para o desenvolvimento da personalidade, de
modo que o princípio da proteção de bens jurídicos demanda a impunidade
desta conduta.
• TC Alemão tomou posição e considerou que a conduta era punível pois os fins
prosseguidos por uma norma penal não podem deduzir-se a partir da teoria
jurídico-penal do bem jurídico.
• No entanto, incorre num discurso contraditório e procura fundamentar a sua
decisão na proteção de bens jurídicos protegidos pela incriminação (família,
autonomia sexual, saúde genética e etc.)
36
Casos de crimes contra o meio ambiente que Roxin entende como proteção das gerações futuras.
➢ MFP: responsabilidade pessoa-mundo que tem de ser considerado uma vez que parte da
conceção do direito penal do dano
35
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
É necessário recorrer-se aos Três Degraus da Proteção de Bens Jurídicos: toda a norma penal
de legitimidade questionável deve
1) atender ao que deve ser protegido,
2) a quem deve proteger-se,
3) contra o que deve ser protegido.
Só depois desta análise se pode concluir quanto à capacidade de uma conduta incriminada
pôr em causa o livre desenvolvimento do indivíduo ou as condições necessárias a esse
desenvolvimento.
37
Juiz Nussberger: faz sentido o holocausto na Alemanha, pois está no âmbito espacial do país e no âmbito
temporal (está na memória das pessoas).
38
Em Portugal: o art. 240º/2/b CP não pune propriamente a negação e tem de haver dolo específico ->
intenção do discurso do agente encorajar atos discriminatórios.
➢ MFP: exercício de um direito (DLG) como liberdade de expressão nunca pode ser objeto de tutela
penal. Mas quando isso extravasa a liberdade e for um dano na memória, pela DPH já pode vir a
ser punido.
36
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Função liberal da ideia de bem jurídico consiste precisamente também em proteger a minoria
contra o domínio da maioria.
➢ Opinião pública sobre a aprovação ou reprovação de determinadas condutas não
ofensivas de bens jurídicos é mutável e suscetível de manipulação.
➢ Não pode ser esse o fundamento de uma política jurídico-penal que se pretenda
racional.
Roxin concorda com a seguinte afirmação: “os defensores de um conceito de bem jurídico crítico
da legislação dirigem-se (…) antes de mais ao legislador e indicam orientações político-criminais
sem pretenderem que as suas propostas (…) alcancem em todos os casos um sentido-
constitucionalmente vinculante”.
Conclusões de Roxin:
i. A pertença da conduta ao núcleo duro da esfera privada da pessoa pressupõe, em
primeiro lugar, a falta de uma lesão de bens jurídicos alheios39;
ii. A inconstitucionalidade de uma criminalização de condutas que não ofendem
bens jurídicos também pode depreender-se de princípios constitucionais distintos
39
Ideia ancorada no Harm Principle.
➢ Bem jurídico apela à necessidade de as normas penais terem um referente relacional (inter-individual ou
indíviduo-comunidade), um valor constitutivo da realidade social (que veio a ser concretizado por Feinberg
como o “harm to others”) que é afetado negativamente.
37
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Figueiredo Dias
Bem jurídico = expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou
integração de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso
juridicamente reconhecido como valioso.
➢ Tarefa do direito penal é a preservação das condições fundamentais da mais livre
realização possível da personalidade de cada homem na comunidade
Não consistindo o bem jurídico um conceito fechado e apto à subsunção, bem se compreende
que, apesar de toda a evolução e progresso verificados, continuem hoje a discutir-se várias
questões relativas à sua concreta verificação, como a de saber se protegem autênticos bens
jurídicos algumas incriminações.
40
Ligação do conceito de bem jurídico ao contrato social ainda está em vigor.
41
Interesse intersubjetivo, histórica e culturalmente concretizado (algo com a qualidade de bom,
materializado num valor mantendo um referente concreto)
38
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Pedra de toque não é o bem jurídico, mas sim qual o fundamento do poder punitivo do Estado,
à luz dos vetores.
• Conceito material de crime prende-se com a ideia de saber qual a legitimidade de se
incriminar certa conduta.
o Roxin e FD: partem do conceito de bem jurídico e de qual o interesse que está
a ser protegido ao criminalizar determinada conduta.
o MFP: há vários patamares. Não basta haver um bem jurídico e temos de
perceber se essa incriminação é válida consoante os princípios jurídico-
constitucionais.
▪ Se não passar no crivo dos princípios é materialmente inconstitucional
logo não corresponde a um crime, no seu conceito material.43
O que justifica a inclusão de certas situações no Direito Penal é a subordinação a uma lógica de
estrita necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da aplicação de penas
públicas (art. 18º/2 CRP).
➢ Onde não haja uma afetação pelo comportamento do membro da tripulação de bens
jurídicos essenciais, numa dimensão social externa, mas se atinja apenas a dimensão
jurídica interna da relação juslaboral, não se justificará a intervenção do direito penal.
42
Conceito é útil mas por vezes é redutor e não vai englobar realidades que são muito intersubjetivas –
caso das “mentiras de Auschwitz” em que se pode admitir que não há bem jurídico, mas sendo discurso
discriminatório e ofensivo para a memória, pelo facto histórico em causa, pode ter alguma dignidade
penal. Crimes contra a memória dos mortos põe em causa o valor da vida da pessoa e dos seus
descendentes, que é tutelado pela DPH.
43
Desrespeitando um dos princípios constitucionais,a norma é materialmente inconstitucional, pois são
estes princípios que têm de ser tidos em conta quando se define algo como crime.
39
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
➢ Limita a intervenção da norma incriminadora aos casos em que não é possível, através
de outros meios jurídicos, obter os fins pretendidos pelo legislador.44
➢ Roxin: A pena, como a mais grave das sanções, só deve ser convocada quando outros
meios menos gravosos se mostrem insuficientes – deve efetuar-se uma pesquisa
interdisciplinar e institucional sobre quais os meios jurídicos que possibilitam uma tutela
eficiente socialmente desejada de bens jurídicos45.
Princípio da Necessidade da Pena – art. 18º/2 CRP – incriminação só será legítima quando ela
for necessária para a proteção de bens jurídicos.
➢ Neste caso não há nenhuma incriminação pois a deserção do pescador não põe em
causa nenhum bem jurídico (no sentido de por em causa a segurança) – Direito Penal
não tutela afetação de bens jurídicos numa lógica interna e sim numa lógica genérica.
➢ MFP: Não podem ser tuteladas pelo Direito Penal condutas que embora possam afetar
bens necessários à preservação da sociedade não carecem de cominação penal porque
tais bens são protegidos eficazmente (ou mais eficazmente) de outra forma
o Sousa e Brito: sanções penais só se justificam quando forem necessárias, i.e.,
indispensáveis tanto na sua existência como na sua medida, à conservação e à
paz da sociedade civil.
➢ Envolve também o princípio da proporcionalidade stricto sensu e adequação
➢ Direito penal é inquestionavelmente um “direito de proteção de bens jurídicos” e o
recorte do respetivo âmbito material, i.e., a delimitação dos comportamentos sociais
que devem ter-se por merecedores de uma reação criminal há-se assentar no princípio
da necessidade.
44
Recurso à criminalização de comportamentos e à previsão de penas deve ser um recurso de ultima ratio,
a evitar sempre que permaneçam incertezas quanto à necessidade da intervenção penal, sempre
subsidiária e fragmentária, tal sucede pelo mesmo fundamento que justifica os limites constitucionais ao
modo da incriminação.
45
Direito penal tem apenas uma função de proteção subsidiária de bens jurídicos, como complemento
indispensável da ideia de proteção de bens jurídicos.
46
Figueiredo Dias: não é crime qualquer atividade sexual, (qualquer que seja a espécie) praticada por
adultos, em privado, e com consentimento e se é função do direito penal proteger bens jurídicos
fundamentais da comunidade e só eles, decorre daí o mandamento de banir do seu âmbito todas e
quaisquer "excrescências moralistas" e permitir que ele se concentre, tanto quanto possível, no seu
núcleo essencial. A este propósito se falará, então, com propriedade de exigência de destruição, no seio
do direito penal, de todo o dogmatismo moral; da exigência de que se não punam condutas que, embora
moralmente censuráveis, ou não põem em causa os restantes membros da comunidade, ou cuja punição
acarretaria para esta maiores prejuízos do que vantagens, ou que encerram questões moralmente muito
discutíveis e cuja valoração não é feita no mesmo sentido pela generalidade dos membros da
comunidade".
40
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Art. 175º da versão primitiva CP 1982 era inconstitucional por confundir moral com direito e
por violar o princípio da igualdade (art. 13º CRP)47.
➢ Do confronto dos artigos 174° e 175º do CP resultava que as duas incriminações têm em
vista a tutela do mesmo bem jurídico – a autodeterminação sexual do menor entre 14 e
16 anos de idade, através da punição de atos sexuais de relevo suscetíveis de afetar o
livre desenvolvimento da sua personalidade em matéria sexual.
MFP: as normas penais que apenas expressam e/ou validam considerações morais48 de uma
sociedade não podem ser tuteladas pelo Direito Penal – não basta o mero desvalor moral para
que o comportamento seja incriminado.
➢ Roxin sustenta que a proteção de normas éticas só se justificaria, no EDD, para evitar
efeitos danosos para a sociedade. Problema da necessidade de proteção devido à
importância para a sociedade do efeito visado antecede, ou substitui mesmo, uma
discussão abstrata sobre se as próprias normas éticas são bens jurídicos.
47
Este regime ofende a proibição de discriminação em razão da orientação sexual que emana do princípio
da igualdade dos cidadãos perante a lei, tal como consagrado no artigo 13° da Constituição da República
Portuguesa.
48
O mesmo caso para o Material Pornográfico com Representação Realística de Menor
• Punido pelo art. 176º/4 CP
• Doutrina divide-se:
o Pedro Vaz Pata – faz sentido esta norma porque facilita assédio de menores para
atividade sexual;
o Outra doutrina – não faz sentido esta norma pois são imagens virtuais. Não há
verdadeiramente tutela de bem jurídico, porque não há menor estar-se-ia a tutelar uma
moral social.
41
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
49
Quando se percebe que o comportamento não é axiologicamente neutro.
42
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
MFP: Expansão do Direito Penal para domínios inovadores abrangeu novos valores e suscitou
interrogações sobre a relação desses novos valores sociais e o poder punitivo do Estado.
➢ Conceito material de crime esta ao serviço da fiscalização da constitucionalidade das
normas incriminadoras e conduz-nos a uma lógica de controlo das reformas penais
quando pretendem inovar, por razões meramente políticas, ou até ideológicas na
definição de crimes
Todavia, nem por isso chegará a concluir-se que, em Estado de direito, é isenta de vínculos constitucionais
a definição legislativa de medidas de política criminal. Nenhum poder o é; e muito menos o será o poder
de definir novos crimes e de prever novas penas, o qual, pela sua especial natureza, não dispensará
naturalmente a condição de poder constitucionalmente vinculado. Assim, e não obstante a larga margem
conformadora que, neste domínio, deve ser reconhecida ao legislador, haverá sempre que concluir que a
Constituição surge como o horizonte no qual há de inspirar-se, e por onde há de pautar-se, qualquer
programa de política criminal.
43
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Conclusão
Constitui expressão dos princípios constitucionais de Direito Penal, agrupando as características
que uma conduta tem de possuir, em nome desses princípios, para poder ser qualificada como
criminosa.
• Incriminação tem de ser indispensável para a defesa de bens jurídicos essenciais
(princípio da necessidade), a conduta incriminada deve possuir ressonância
ética negativa (princípio da culpa) e a criminalização, sempre resultante de lei
formal, deve reunir o consenso da comunidade (princípio da legalidade).
50
MFP: relação dos animais com o art. 1º CRP está na ideia de DPH, que não é na ideia da pessoa humana
como recetor de benesses – é a pessoa como centro de direitos mas também com a imputação de deveres.
Da DPH não se pode alhear os deveres de respeito pelos outros e pelos outros seres vivos – é fundamental
nesta ideia de igual DPH. Visão antropocêntrica mas não egoísta nem individualista, pois DPH tem também
subjacente a responsabilidade.
51
Legitimação da pena pelo art. 18º/2 CRP
44
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Dignidade punitiva tem dimensão positiva: incriminação tem de se dirigir à proteção de bens
jurídicos essenciais, respeitantes às condições de liberdade da pessoa e funcionamento do EDD
Dignidade punitiva tem dimensão negativa: incriminação não pode ser, ela própria, um modo
de coartar um direito fundamental
➢ Requer sempre uma demonstração empírica, a partir do funcionamento da sociedade,
da necessidade da incriminação para resolver um problema de desproteção de direitos
ou bens essenciais, exigindo sempre um processo argumentativo que demonstre a
pertinência de qualquer nova incriminação.
Não há direito do Estado de punir, há um poder do Estado de punir, justificado pela estrita
necessidade e profundamente limitado.
45
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
1. PRINCÍPIO DA CULPA
Não é objeto de uma formulação legal tão nítida como o da legalidade.
➢ Decorre da DPH e do direito à liberdade (art. 1º e 27º CRP).
➢ No CP é expressamente indicado como fator de determinação da medida da pena (art.
40º/2, 71º e 72º).
Ideia de censurabilidade de alguém por um facto por ela praticado.
Doutrina tem entendido um significado triplo para este princípio:
A. Como fundamento da pena – não tem aceitação unânime e há autores que dizem que não é
racional que um desvalor ético-social derivado da prática de certos comportamentos tenha função
de legitimar a realização dos fins do Estado, como a proteção de bens jurídicos ou a efetivação de
prestações sociais.
• MFP: além do Direito Penal ser legítimo porque as suas normas realizam os objetivos
da sociedade, é também legitimado por ter comandos e proibições que conduzam à
aplicação e realização de ideias culturais de justiça que enformam as expectativas
dominantes na sociedade.
o É neste segundo aspeto que o princípio da culpa ainda tem lugar como
fundamento do Direito Penal. Pena não serve apenas para proteger bens jurídicos
52
MFP: que é um ramo do Direito Público caracterizado pelo princípio da subordinação e não o da
igualdade entre os sujeitos da relação jurídica. O objeto do Direito Penal é a relação jurídica punitiva, pela
qual os indivíduos que praticam certos factos ficam sujeitos à aplicação de uma pena pelo Estado.
Mas tem princípios próprios pois a especificidade da função punitiva implica a atribuição de
garantias especiais aos destinatários das normas penais, tanto ao nível substantivo como no plano processual
(art. 32º CRP)
46
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
mas também para realizar uma ideia de justiça que está culturalmente enraizada
e isso não pode estar desligado do conceito de culpa. 53.
Ultrapassa o papel restritivo considerando que a democracia exige a igual consideração pelos
interesses e a subjetividade de cada um – suum cuique tribuere (a cada um o que lhe é devido,
aquilo de que é merecedor, na base da justa oportunidade de participar no todo, na comunidade,
na sociedade política).
Culpa tem de estar aferida por descrição de conduta e com base num facto suscetível de ser
provado em Tribunal. Articula-se com o Princípio da Legalidade.
53
Há autores (como Figueiredo Dias) que entendem que o único fundamento da pena é a ideia de
prevenção da violação de bens jurídicos, impedindo que, no futuro, esses bens jurídicos sejam violados.
A Prof. Fernanda Palma, por sua vez, considera que o fundamento da pena não são só as
necessidades preventivas e a ideia de culpa, porque a pena tem como fundamento não apenas a proteção de
bens jurídicos e as necessidades preventivas, mas, também, a necessidade de realização de uma ideia de
justiça culturalmente enraizada, que convoca a ideia de culpa. A realização de justiça implica que se dê
relevância como fundamento da pena à culpa que o agente manifestou no momento em que praticou o facto.
Essa ideia de realização de justiça não pode estar desligada do fundamento da pena. A culpa é, também,
um fundamento da pena.
47
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Surgiu como uma reação contra a utilização discricionária das penas pelo poder político
ao serviço de quaisquer fins, traduzindo historicamente a ideia de que a utilização pelo Estado de
meios penais deve ser limitada ou mesmo excecional.
Vindo de uma ideia primitiva de contrato social, hoje resta a aceitação de que o poder
político se justifica pelo serviço aos membros da sociedade – subordinação racional dos abstratos
fins políticos à realização da pessoa em sociedade.
Na discussão sobre a legitimidade da incriminação, o apelo ao princípio da necessidade
surge na discussão sobre:
54
Tem duas ideias principais:
Sempre que o legislador decide criminalizar um comportamento, tem sempre de fazer a mesma
pergunta: é mesmo necessário criminalizar? Há, no direito ou no ordenamento jurídico algum mecanismo
alternativo ao direito penal que tutele este bem jurídico de forma igualmente eficaz, mas menos gravosa para
o agressor? Se sim, a criminalização é ilegítima. Só se pode criminalizar se não houver no ordenamento
jurídico um meio igualmente eficaz e menos gravoso. Se não houver alternativa, o direito penal pode intervir
(art. 18º/2 CRP). O legislador está vinculado pelo princípio da necessidade quando opta por criminalizar um
dado comportamento.
Contudo, o juiz também está vinculado pelo princípio da necessidade. Deve fazer a mesma pergunta: é
mesmo necessário aplicar pena de prisão? Há alguma alternativa à pena de prisão que tutele de forma
igualmente eficaz o bem jurídico e seja menos gravoso? O juiz deve preferir sempre meios menos gravosos
para o arguido que permitem tutelar de forma eficaz o bem jurídico em causa. Só em última ratio profere o
encarceramento, medida essa que só é aplicada se não houver outras menos gravosas que tutelem de forma
eficaz o bem jurídico. Aqui também é a base constitucional o art. 18º/2 CRP.
48
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
4. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE
São emanações do Estado de Direito democrático e social.
Expressa a ideia de responsabilidade social pela delinquência e disposição de respeitar e
recuperar a pessoa do delinquente.
Justifica a rejeição de penas atentatórias do respeito pela pessoa humana como a pena de
morte, prisão perpétua, torturas e etc. (art. 24º/2, 25º/2 e 30º/1, 4 e 5 CRP).
Expressão da DPH – criminoso tem uma compressão dos seus direitos civis e políticos
mas não deixa de ser pessoa.
Apela ao princípio da sociabilidade, numa perspetiva de orientação do sistema penal não
contemplada pelos fins tradicionais da política criminal e que explicará que a lógica impiedosa e
vertical do sistema punitivo ceda a soluções que a flexibilizam por causa da noção de uma
supremacia social de certos interesses individuais aos quais outros interesses se deveriam
sacrificar.
Condiciona inevitavelmente a legitimação das normas incriminadoras em termos de
proporcionalidade e adequação de penas. Interferem na legitimação de normas
incriminadoras em que estejam em causa padrões mínimos de consideração pelos outros.
49
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5.
Princípio da Legalidade
Proposição jurídica fundamental do sistema penal, impregnadora até do conteúdo de outros
princípios
Segundo o princípio da legalidade, os tribunais estão vinculados a não aplicar sanções penais sem
lei anterior que as preveja (nulla poena sine lege) e a não aplicar as sanções penais previstas sem que se
realizem determinados pressupostos: a perpetração de uma determinada conduta considerada crime ou. No
caso das medidas de segurança, reveladora de perigosidade criminal – trata-se neste caso da máxima nullum
crimen sine lege (cf. 29º/1 e 3 CRP e 1º CP).
Esta subordinação do tribunal à lei significa, além disso, que a solução do caso concreto
está totalmente vinculada a um modelo legal -> a uma articulação já feita pelo legislador
entre um determinado caso, semelhante ao verificado em concreto, e uma solução para ele
prevista.
Assim, o princípio da legalidade não é somente a exigência de utilização de padrões
legais para a qualificação de um facto como merecedor de sanção e para a aplicação da sanção,
mas também a exigência de vinculação total do ato de aplicação de uma sanção, no caso
concreto, a uma decisão já tomada previamente, com um certo grau de concretização, pelo
legislador.
55
O que se proíbe no Direito Penal é a analogia incriminadora (aquela que agrava a
responsabilidade penal) – o que se proíbe é o aplicador criar novos sentidos de ilicitude e
desvalor – ele apenas pode verificar se os sentidos de ilicitude e desvalor que o legislador criou
se aplicam ao caso concreto.
50
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Fundamento para este princípio é o EDD, de forma a que haja garantias especiais de segurança,
certeza e confiança, isto para evitar a arbitrariedade na aplicação do Direito.
Relaciona-se com o EDD na vertente de que é o legislador que define o que são bens jurídicos
relevantes para a comunidade – definição do que viola bens importantes para a comunidade é
a própria comunidade a fazê-lo, através dos seus representantes.
Relaciona-se com o princípio da culpa no sentido de que a pessoa possa ser censurada pelo seu
comportamento. Mas, para tal, a pessoa tem de saber que esse comportamento é censurável, sendo
essa uma condição para a orientação da sua conduta.
➢ Matos Viana: esta ideia é ficcional pois 90% das pessoas nunca leu a lei penal e esta ideia
de ter condições para orientar o comportamento faz sentido mas é ilusória. O verdadeiro
fundamento é a segurança jurídica e a proteção contra o arbítrio.
51
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Este princípio só é afastado pelo art. 29º/2 CRP, que admite a legitimidade da punição, nos
limites da lei interna, das ações e omissões que no momento da sua prática sejam consideradas
criminosas segundo os princípios gerais do DIP comummente reconhecidos. Significa esta
exceção56 que o costume internacional também pode ser fonte de Direito Penal: a convicção
generalizada na sociedade internacional sobre o caráter criminoso de certas condutas é bastante
para que, nos limites da lei interna, uma conduta seja punida sem lei prévia à sua prática.
O fundamento da reserva da lei – a segurança democrática – não impede que uma tal exceção seja
legítima. À segurança como valor formal contrapõe-se uma segurança fundamentada no respeito pelos
valores humanos essenciais. Contudo, é de notar que aplicação do regime do art. 29º/2 CRP suscita
dificuldades: os princípios gerais do direito internacional não contêm, por definição, normas penais
completas e precisas, que, nomeadamente, cominem a penalidade aplicável ao crime. Esta lacuna deve ser
integrada através do recurso aos “limites da lei interna”.
Em primeiro lugar, só a lei pode, em princípio, ser fonte de Direito Penal, prevendo-
compreendidos e formulados a partir do
texto constitucional não explicitou são
Todos estes comandos e outros que o
56
FD não entende como exceção pois o próprio DIP reconhece o princípio da legalidade como princípio
geral do Direito Penal.
52
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Também é o princípio democrático que explica a máxima não há pena sem crime, na
medida em que se proíbe que os órgãos de aplicação do Direito estabeleçam em concreto
uma certa conexão entre crime e pena que não tenha sido definida pelos órgãos
legislativos.
Verificada a relação entre o fundamento constitucional do princípio da legalidade e o seu
âmbito, podem apontar-se as consequências deste princípio, através das seguintes máximas:
RESERVA DE LEI
nulum crimen, nulla poena sine lege scripta
Comando para o legislador, que tem de obedecer a certos critérios na elaboração das leis.
➢ O fundamento do princípio da legalidade impõe que as normas penais que ampliem a
incriminação, ao afetarem a segurança e as liberdades individuais, sejam aprovadas pelo
Parlamento ou, pelo menos, pelo Governo, mediante delegação de competência.
➢ Legislador tem de obedecer a um critério quanto às fontes – há casos que são reserva
da AR.
➢ Quando o Governo tem autorização não pode extravasar o âmbito dessa autorização,
tendo de haver concretas diretrizes para o Governo – não podem haver “cheques” em
branco pois isso violaria a separação de poderes – a autorização tem de ser explícita e
inequívoca, descrevendo o conteúdo.
Art. 165º/1/e CRP – âmbito de reserva são as normas penais: Penas + Medidas de Segurança
e respetivos pressupostos.
53
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
E quanto à DESCRIMINALIZAÇÃO?
A descriminalização de condutas também se enquadra na definição de crimes (a contrario).
A descriminalização é contemplada na reserva de lei – entendimento do TC de que se trata de
relevância social por isso deve haver expressão democrática.
MFP: se o Governo pudesse descriminalizara seu bel-prazer, então a definição de crime
ficaria nas mãos dele. A definição de crime abrange a definição pela positiva e pela negativa.
Da jurisprudência do TC resulta que descriminalização é da reserva devido à segurança jurídica
e separação de poderes.
Há atenuantes que, ao permitirem certas condutas, que em geral são proibidas, abrem uma
exceção, de modo que a sua previsão afeta as expectativas gerais e diminui a liberdade e a
segurança dos cidadãos. É o que acontecerá, p.e., se o legislador vier a alargar as situações em que as
escutas telefónicas são permitidas.
54
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
circunstâncias invocadas têm de ter um ponto de apoio legal – não significa que
haja taxatividade e esteja proibida a analogia.
Do respeito pela reserva de lei decorre o princípio da determinação das normas penais
incriminadoras, tanto no que respeita ao princípio primário como ao secundário.
➢ De acordo com este princípio, todos os pressupostos da incriminação e da
responsabilidade penal têm de estar descritos na lei, não sendo admitidas as leis penais
em branco.
Normas penais têm de ser descrições de figuras ou tipos, isto é, determinações do conteúdo
de certas imagens sociais relativamente concretas de comportamentos humanos, que prefigurem
com exatidão o âmbito do proibido e a respetiva consequência (sanção).
O princípio da determinação das normas penais implica o máximo preenchimento possível
das figuras (ou imagens dos factos proibidos) através de verdadeiros conceitos de espécie.
Este mesmo princípio justifica o desmembramento do ilícito criminal através das várias
figuras de infrações criminais, os chamados tipos legais de crime. A principal implicação desta
técnica legislativa é a tipicidade, categoria irrenunciável na determinação da responsabilidade
penal. Assim, nenhum comportamento humano pode ser considerado criminosos se não
corresponder a um tipo legal de crime, descrito com precisão por um preceito legal. A
tipicidade é exatamente essa exigência de adequação do facto a um tipo legal de crime. 58
A organização lógica das consequências da reserva de lei, em torno das ideias de
determinação da lei penal e de tipicidade, assenta, porém, numa relativa mitificação da separação
dos poderes e do princípio do controlo democrático. Pressupostos dessa mitificação são os
dogmas do juiz autómato e da natureza concetual dos tipos legais de crime.
Hoje em dia, juiz deve decidir se um certo facto corresponderá ao “tipo de ilícito”59 que
constitui a essência da norma incriminadora. Os conceitos típicos são, deste modo, funcionais
relativamente à imagem global da violação do Direito que se pretende retratar. Exemplo: no
conceito de veneno, relativamente ao homicídio qualificado (132º/i CP), deverão caber todas as substâncias
em mesmas não tóxicas, mas que surtam o mesmo efeito sobre o organismo humano, se forem ministradas
57
Outro princípio penal, decorrente do art. 29º CRP: nulla penna sine lege certa
58
O destinatário da norma tem de saber qual o comportamento que é proibido: o ilícito criminal tem de
estar demonstrado por vários tipos legais de crime (que precisamente têm de descrever quais os
comportamentos proibidos)
59
Tipo de ilícito é o conceito que exprime o objeto dos juízos de ilicitude e de culpa, a matéria da proibição
ou, em outros termos, o conjunto de elementos que constituem o comportamento proibido e cuja verificação
suscita o ilícito criminal.
55
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
em conjunto com outras, ou em certas quantidades, ou contra pessoas particularmente débeis (p.e., a
ministração de doses elevadas de açúcar em doentes diabéticos).
Em que medida é que uma norma penal que não define todo o seu conteúdo remetendo para uma
outra viola o princípio da reserva de lei?
A remissão de uma norma para outras não é, em si mesma, obstáculo ao respeito pelo
princípio da legalidade.
O que pode desrespeitar este princípio é o esvaziamento de conteúdo precetivo e a
atribuição da competência para definir o comportamento proibido a leis hierarquicamente
inferiores ou até aos atos administrativos.
Assim, importa distinguir, atendendo ao “critério do proibido”:
60
FD: parte sancionatória é que tem de estar sujeita a reserva de lei
61
Rui Patrício, em comentário ao TRE (17/4/01) que adota uma conceção restritiva = MFP, discorda desta
definição e adota conceção abrangente sendo norma em branco toda aquela em que a definição da “área de
proteção” é feita, total ou parcialmente, por norma diferente da norma que contém a ameaça penal.
56
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A distinção entre normas remissivas que violam a reserva de lei e as que são com ela
compatíveis depende, de saber se a função da norma penal é estabelecer direta e
materialmente a fronteira entre o proibido e o permitido ou apenas sinalizar que um certo
efeito material dependente da obediência à regulação legal devido à natureza ou grau de
risco da atividade é o conteúdo fundamental da proibição.62
Art. 277º CP é considerado, por alguns autores, como norma penal em branco e, devido a tal,
inconstitucional.
• MFP: não entende assim. Pode ser norma formalmente penal em branco por ser
remissiva, mas, o que se pretende com este tipo de normas é que certas atividades
perigosas devem ver respeitadas as normas técnicas vigentes. O cerne do proibido é
o cumprimento de certas normas técnicas. São apenas normas remissivas que não são
inconstitucionais.
• Art. 277º CP não é norma penal em branco pois o proibido está explícito, que é a
violação da norma técnica. Não sendo a norma técnica que tem o conteúdo do
proibido.
TC: há casos em que a remissão não interfere com a previsibilidade e com a segurança
jurídicas, mas apenas cumpre o papel de orientar o intérprete segundo critérios objetivos quanto
à verificação do comportamento proibido.
Em suma, na fronteira da violação da reserva de lei encontra-se a garantia de que não
emana da norma regulamentar ou do ato da autoridade administrativa a diferenciação
entre o comportamento permitido e o proibido, mas antes da norma remissiva. Será esta a
linha de rumo na distinção entre as normas penais em branco, propriamente ditas,
62
Na norma penal em branco, o crime não é totalmente definido pela AR, o que viola o art. 165º CRP.
A norma penal em branco levanta também um problema quanto à tipicidade, uma vez que, de acordo com
o art. 29º/3 CRP, a definição do comportamento criminoso tem de ser expressa (certa, inteligível, precisa).
Quando há cisão pode estar em causa o caráter certo da lei, o que deixa o destinatário insuficientemente
orientado quanto ao comportamento que deve tomar.
A norma penal em branco será compatível com o princípio da legalidade se os critérios essenciais de
ilicitude estiverem na norma penal em branco e não na norma complementar. Aquilo que é a essência do
desvalor tem de estar na norma penal, de tal forma que a norma complementadora não venha criar
nenhum critério de ilicitude, vem apenas concretizar o critério que já constava da norma penal em
branco.
Assim, para a norma penal em branco não ser inconstitucional, têm de estar verificados três requisitos:
1º. Tem de estar claro qual é o bem jurídico protegido;
2º. Tem de estar claro qual é o desvalor da ação, ou seja, qual o comportamento que se pretende
proibir;
3º. Tem de estar claro qual é o desvalor do resultado, isto é, qual o resultado que se pretende evitar.
Se isto resultar da norma penal então temos uma norma penal em branco constitucional.
57
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
inconstitucionais, e as normas remissivas para normas técnicas que não violam a referida reserva
de certeza e de previsibilidade.
Se houver remissão para Regulamento da UE isso não viola a reserva de lei – há violação
quando se remete para decisão-quadro ou diretiva.
➢ Critério formal que tem de se atender também ao material, que estabelece a ilicitude.
58
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
63
A analogia em causa é a analogia legis, que consiste na aplicação de uma regra jurídica a um caso
concreto não regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial com os casos regulados.
64
FIGUEIREDO DIAS
A proibição da analogia pressupõe a resolução do problema dos limites da interpretação admissível em
Direito Penal. Está hoje afastada definitivamente a convicção de que o princípio da separação de poderes
conduziria logo à proibição de qualquer processo de interpretação jurídica. Hoje aceita-se, pelo contrário,
que praticamente todos os conceitos utilizados na lei são suscetíveis e carentes de interpretação: não
apenas os conceitos “normativos”, mas mesmo aqueles que à primeira vista se diria caraterizadamente
“descritivos” e por isso apreensíveis através dos sentidos. Deste modo se torna inarredável a questão de
saber o que pertence ainda à interpretação permitida e o que pertence já à analogia proibida em direito penal
pelo princípio da legalidade.
Decisivo será assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em
definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; por outro, que ela seja funcionalmente
justificada, adequada à função que o conceito assume no sistema.
65 Operação mediante a qual se retira uma norma do preceito da lei – nessa operação tem de se garantir
que não se ultrapassa o sentido que o legislador quis dar à norma
59
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
66
TAIPA DE CARVALHO
Exigência feita ao legislador que se reflete no corolário de lei estrita: a proibição de analogia.
O texto penal é constituído por um conjunto de palavras, e cada uma destas não tem um único significado,
mas sim uma pluralidade de significados. A determinação do sentido e alcance do texto legal, em que
se materializa na norma, depende da finalidade ou teleologia desta. Determinar qual a finalidade e quais
as condutas que são abrangidas pela norma é precisamente o objetivo e o objeto da interpretação jurídica.
No caso de evitar interpretações discricionárias, o art. 9º CC, indica os critérios da interpretação. De acordo
com este artigo, cujas disposições são validas não apenas para o direito civil, mas para todos os ramos do
Direito, incluindo o penal, o interprete-aplicador deve procurar descobrir o pensamento legislativo,
isto é, qual é a finalidade e o âmbito normativo da lei: as situações fácticas ou os casos concretos
abrangidos pela norma jurídica.
Desta forma, o interprete deve atender às circunstancias históricas em que a lei foi elaborada e também às
circunstancias atuais em que a lei é aplicada. Quando o interprete chegue à conclusão de que o caso concreto
a decidir não é abrangido por nenhuma das interpretações que o texto legal comporta, então estamos diante
de uma “lacuna da lei”.
Podemos então distinguir a interpretação da analogia, está no facto de a analogia se aplicar a uma norma
jurídica a uma situação ou conduta que não se encontra abrangida por nenhum dos possíveis sentidos do
texto legal, na interpretação mesmo que extensiva, a decisão jurídica é ainda a concretização de um sentido
normativo que o teor literário comporta.
É claro que na pratica é difícil distinguir a analogia da interpretação extensiva, esta é um processo
hermenêutico que consiste em alargar o sentido do texto legal com o objetivo de o coincidir com a
finalidade da norma jurídica, e utilizando ela os argumentos e igualdade e da maioria de razão
(argumentos ou processos lógico-metodológicos, que na sua opinião, parecem ser materialmente idênticos
aos procedimentos utilizados na analogia).
Quando se diz na interpretação extensiva, o caso decidindo não está abrangido pelo “teor literal” mas sim
pelo “espirito da lei” e, portanto, há que alargar o âmbito do texto legal, parece estar, implicitamente, a
dizer-se que o caso concreto vai ser decidido com base num sentido imputado à norma, sentido este que
exorbita do texto legal, isto é, que vai para além dos sentido literais possíveis.
As breves impressões e duvidas, que foram expostas, não significam que na sua opinião não se deva manter
uma proibição de analogia in malam partem. Entende que esta deriva de uma exigência e consequência da
ratio relativa ao principio da legalidade. Só que também lhe parece que por estas mesmas razoes também
deve ser proibida a chamada interpretação extensiva in malam partem.
O mesmo raciocínio aplica à chamada redução teleológica (ou interpretação restritiva) do teor literal das
causas de justificação nomeadamente das previstas no CP. É que também no processo interpretativo redutor
do âmbito do permitido pelo texto legal redunda na qualificação como não justificada (não exclui a ilicitude)
de uma situação que o teor literal considera como justificadora. Ou seja, a redução teleológica, com
fundamento na ideia que o legislador “disse” mais do que o que queria “dizer” acaba por, em nome do
“espirito da lei” mas contra a “letra da lei”, vir a qualificar como crime uma conduta que, segundo o texto
legal, estava justificada.
Esta autor reconhece o problema em relação às objeções metodológicas e as dificuldades de distinção entre
ambas, mas parece-lhe decisivo que a razão de certeza e segurança jurídica do cidadão frente ao poder
punitivo estadual proíbe a aplicação de analogia de uma norma penal a uma situação que não esteja
expressamente abrangida por um dos sentidos compatíveis com o texto penal. O objetivo da interpretação
é o apuramento da ratio da norma – interpretação teleológica.
O texto legal deve constituir um limite às conclusões interpretativas teleológicas, no sentido de impedir a
aplicação da norma a uma situação que não seja abrangida pela mesma, isto é, por um dos vários
significados que as palavras podem ter no texto legal. Poder-se-á dizer que ficam fora do âmbito jurídico-
penal situações tao ou mais graves do que as expressamente abrangidas pela norma, isto é, comportamentos
que, por identidade ou até por maioria de razão, também são abrangidos pela ratio da norma, e também
devem ser puníveis. Responde-se que assim é, e tem de ser, quer em nome da garantia politica do cidadão
60
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Distingue-se da analogia porque o caso real é meramente semelhante aos considerados pela
lei, sem, no entanto, ter sido pensado por ela. Assim, quando o legislador tenha apenas exprimido
imperfeitamente a intenção de regular o caso, haverá interpretação extensiva.
Todavia, a distinção entre analogia e interpretação extensiva concebida pela doutrina
tradicional assenta numa perspetiva da interpretação jurídica como subsunção.
A crítica aos pressupostos metodológicos do pensamento jurídico tem compreendido que a
distinção entre interpretação extensiva e analogia não permite traçar rigorosamente as fronteiras
da interpretação.
Na realidade, a própria interpretação extensiva, embora atribuível num plano lógico e
objetivo ao pensamento do legislador, pode não corresponder já a um entendimento juridicamente
aceitável e até previsível das palavras. E, por outro lado, não é de excluir que se ultrapasse o
pensamento do legislador, na sua formulação histórica, interpretando-se a norma de acordo com
um significado plausível e juridicamente válido das palavras. Finalmente, o conflito possível entre
os elementos de interpretação (literal, lógico, sistemático e histórico), torna pouco rigorosa a
categoria.
Posição MFP: a interpretação extensiva não tem, em si mesma, força suficiente para
resolver o problema da fronteira da interpretação permitida, devendo procurar-se um
critério fundamentado na racionalidade da proibição da analogia e desligado destas
categorias tradicionais.
O art. 1º/3 CP não proíbe expressamente a interpretação extensiva. E, por outro lado, não se
poderá inferir da proibição da analogia in malam partem pelo art. 1º/3 CP a permissão da
interpretação extensiva, através de um raciocínio a contrario sensu.
Aplicando os critérios tradicionais de interpretação jurídica, a proibição de interpretação
extensiva só pode ser retirada do art. 3º/1 CP por analogia com a proibição da própria analogia.
Porém, a norma que proíbe a analogia no Direito Penal circunscreve excecionalmente, no
conjunto da Ordem Jurídica, a atividade interpretativa: a analogia só é proibida, em geral, quanto
às normas excecionais, que podem, no entanto, ser objeto de interpretação extensiva (11º CC).
quer na linha do caráter fragmentário do direito penal. Por essas mesmas razões, que são especificidades
do direito penal e que estão relacionadas com a gravidade, natureza e finalidade das sanções criminais, é
que, contrariamente ao que se verifica noutros ramos, não existe no direito penal o que está previsto no art.
8º CC.
A proibição da aplicação analógica fundamenta-se na razão de garantia política do cidadão frente ao ius
puniendi estatal. E foi esta razão que leva à consagração esta proibição implicitamente no art. 29º/1 CP
quando declara “lei que declare punível por ação ou omissão), a proibição de analogia é explicita no art.
1º/3 CP.
Desta finalidade fundamentadora da proibição resulta da proibição que abrange a analogia in malam
partem, isto é, a analogia desfavorável ao agente, e não a analogia “in bonam partem”, ou seja, a favorável
ao agente. Deste modo, é proibida a analogia incriminatória e a agravante da responsabilidade penal, quer
estejam em causa normas da parte especial do CP ou normas constantes de leis penais extravagantes, que
descrevam tipos legais de crime, quer se trate de normas da parte geral do CP, quando a sua aplicação
analógica se traduza em fundamentação ou agravamento da punibilidade.
Estra proibição também abrange as normas extrapenais complementares das leis penais em branco, pois
que as razoes determinantes da proibição da analogia desfavorável assim o impõem. Estas normas
extrapenais, para as quais as leis penais em branco remetem, assumem, por força de tal remissão, natureza
penal enquanto integradoras da lei penal em branco.
61
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67
SOUSA E BRITO entende que a interpretação extensiva é inconstitucional, porque sustenta que entre o
sentido possível das palavras e o mínimo de correspondência verbal há ainda um espaço a ser
percorrido, incompatível com o fundamento de segurança jurídica do princípio da legalidade.
➢ Castanheira Neves nega que entre o sentido possível e o mínimo de correspondência haja sensível
diferença.
62
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A primeira perspetiva relativiza de tal forma essa pré-determinação semântica abstrata que
concebe que o texto jurídico deixou de ser, em absoluto, objeto da interpretação (esfuma-se o
elemento literal) para, em seu lugar, colocar a norma (a definir) do caso concreto, cuja descoberta
só é pré-determinada por um jogo de condições de validade (as condições legal, sistemática,
dogmática e institucional, como defende CASTANHEIRA NEVES).
CASTANHEIRA NEVES propõe quatro condições de validade como critério distintivo
entre a interpretação proibida e a permitida em Direito Penal:
1. Condição legal – necessidade de o concreto juízo incriminatório ter fundamento
efetivo numa norma penal positiva (ser secundum legem);
2. Determinação dogmática dos fins – necessidade de os tipos legais serem construídos
pelo legislador de tal modo que seja possível apreender o “núcleo axiológico-
normativo fundamentante”, com apreciável relevo para o bem jurídico tutelado, não
bastando uma “concetualização lógico-formal e genérico-abstrata”;
3. Adequação sistemática – o tipo legal deve suscitar no pensamento jurídico modelos
normativo-racionais de compreensão sistemática e a interpretação permitida terá de
referir-se a um desses modelos, pois só assim o juízo decisório será controlável pela
ciência do Direito e pelas instituições judiciais.
Exclui-se assim a incoerência sistemática, de modo que a interpretação adotada para
o caso possa ser generalizada relativamente a outros casos sem prejuízo para a
coerência do sistema.
Crítica de Fernanda Palma: a definição da adequação sistemática não é um
problema de conhecimento dos valores estáticos do sistema, mas depende
de redefinições atualistas, que só estão ao alcance das instâncias de
discussão pública e parlamentar.
E é discutível que a máxima segurança não dependa diretamente do modelo
de consenso democrático.
4. Garantia institucional (de cumprimento do nullum crimen) – a garantia
jurisprudencial da unidade do Direito, que, segundo CASTANHEIRA NEVES,
compete ao Supremo Tribunal de Justiça.
Crítica de Fernanda Palma: a unidade do Direito que CASTANHEIRA
NEVES atribui ao Supremo Tribunal de Justiça é uma tarefa só realizável
através de um juízo de constitucionalidade e consequentemente própria
do controlo de constitucionalidade efetuado, em última instância, pelo
Tribunal Constitucional.
→ Crítica feita por Fernanda Palma: esta perspetiva converte o controlo da reserva
de lei num controlo institucional-jurisprudencial da lei penal, ultrapassando a
racionalidade democrática que está na origem da proibição da analogia. Enquanto
apela à coerência sistemática e à unidade do Direito definida pela jurisprudência, o
autor remete a definição dos critérios de interpretação da lei penal para a decisão de
instâncias menos diretamente controladas pelos cidadãos.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Por outro lado, as duas últimas condições formuladas por CASTANHEIRA NEVES
(sistemática e institucional) referem o problema da interpretação proibida a uma questão mais
geral, autónoma da “proibição de analogia”: a mera inconstitucionalidade da interpretação de
determinada norma. Na verdade, a aplicação de uma norma por analogia não se pode confundir
com uma sua interpretação contrária à unidade material do Direito que resulta dos princípios
constitucionais.
A possibilidade de distinguir o sentido comunicado pelo legislador na norma do plano da sua
validade é uma garantia básica de segurança jurídica, pois subtrai o âmbito do proibido aos
possíveis subjetivismos valorativos.
Mas a crítica à solução proposta por CASTANHEIRA NEVES contém, implicitamente, uma
divergência quanto ao ser da interpretação jurídica.
A interpretação é entendida por CASTANHEIRA NEVES como “momento da concreta e
problemático-decisória realização do Direito”, o que implica uma redefinição do seu objeto
tradicional – o texto jurídico. O objeto da interpretação deixará de ser o texto, para se tornar os
critérios jurídicos, apreensíveis nos textos legais, da decisão dos casos concretos.
Haverá, consequentemente, uma total relativização dos momentos tradicionais da
investigação hermenêutica sobre o conteúdo dos textos normativos. A interpretação passa a
assumir-se, exclusivamente, como decisão dos casos pela aplicação de critérios jurídicos
emanados da norma e do sistema em que esta se insere. Esta norma, porém, não se confunde com
a sua expressão, o seu texto, mas é necessariamente a norma de decisão do caso concreto.
A supressão, na interpretação, de um momento determinante (ou pré-determinante) de
compreensão do significado do texto normativo enfraquece o processo logico de fundamentação
da decisão jurídica. O respeito pelas garantias dos destinatários das normas não dispensa aquele
momento. Não é, aliás, desejável encontrar a norma do caso sem investigar, previamente, a norma
de um conjunto de casos hipotéticos a que mais evidentemente se aplica a norma abstrata.
A descoberta do sentido literal e comunicacional do texto jurídico corresponde à obtenção
dessa regra válida para os casos hipotéticos imediatamente apreensíveis, que possibilita a
igualdade de soluções.
Posição de Fernanda Palma: a divergência com o modelo de interpretação jurídica que
CASTANHEIRA NEVES propõe não implica, no entanto, a aceitação do modelo positivista
subsuntivo tradicional, mas apenas uma perspetiva menos subjetivista e menos normativista
sobre o conteúdo do raciocínio fundamentador em que consiste a interpretação das normas
jurídicas. Tal raciocínio fundamentador da interpretação não prescindirá nunca da relevância
do texto jurídico como ente autonomamente significativo, devido ao valor comunicativo e de
garantia que ele confere.
A transposição desta análise para a da interpretação permitida em Direito Penal – onde mais
se repercute a temática das garantias – implica que o sentido possível das palavras no texto
jurídico seja necessariamente fundamento da decisão e critério jurídico inultrapassável da
norma do caso. Haverá, portanto, uma vinculação relativa ao texto, em si mesmo, na apreensão
da norma.
Assim, em conclusão, para:
→ CASTANHEIRA NEVES, as ideias jurídicas não são moldadas pelas palavras, mas
meramente indiciadas por elas;
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Contudo, note-se que se trata do sentido do texto, ou das palavras no texto jurídico, e não
das palavras isoladamente.
• O sentido possível do texto, como limite da interpretação permitida, é o sentido
comunicacional percetível do mesmo68, e não qualquer sentido lógico não sustentável
pela linguagem social, pelo menos na sua forma simbólica.
• O sentido possível do texto delimita-se ainda pela adequação do texto à essência do
proibido de acordo com as valorações do sistema que a norma diretamente exprime
ou pretende exprimir.
Em conclusão, o texto jurídico, cujo significado seja determinável pela linguagem comum,
torna-se, nessa perspetiva, a condição essencialmente pré-determinante da interpretação
permitida em Direito Penal, a que se adicionam, sem dúvida, ainda outras condições. Estas
outras condições contribuem para a fixação do sentido jurídico definitivo do texto, para a
delimitação da intenção normativa que ele objetivamente revela, mas não são elas que
constituem o texto ou o produzem.
→ É, todavia, possível que esse sentido normativo em que a norma revela a expressão
concretizada do sistema seja contrário às normas ou princípios constitucionais.
Nesse caso estaremos perante uma interpretação proibida com fundamento na
Constituição, e não perante a proibição da analogia do art. 1º Código Penal.
68
Interpretação permitida é aquela que se adequa ao sentido possível das palavras e onde se admite uma
interpretação do sentido essencial do ilícito (do proibido).
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Cabe no art. 1º/3, ou seja, isto é aplicação analógica desfavorável ao arguido. Tem um efeito
incriminador e, portanto, cabe no art. 1º/3. Não podemos aplicar analogicamente normas
incriminadoras, porque estamos a alargar, além do que a AR diz, a incriminação das pessoas, mas
quando estamos a reduzir as normas permissivas também estamos a alargar o âmbito de
incriminação. Assim, de acordo com a Prof. Fernanda Palma, a redução teleológica é proibida.
A redução teleológica de uma norma permissiva gera o alargamento da incriminação. Reduz-
se a letra de forma a encontrar o espírito.
Limites à analogia:
-Regras excecionais (art. 11º CC);
-As causas de exclusão de ilicitude não admitem analogia legis. O que tem de se fazer é
reconstruir com base nos princípios do sistema a norma que o legislador teria criado.
Outras normas
Causas de exclusão da responsabilidade (causas de justificação, causas de exclusão de culpa 69)
• Não estão abrangidas pelo art. 1º/3 CP
• Cavaleiro Ferreira: causas de justificação de Direito Geral. Mas também há causas de justificação
excecionais (ex: art. 187º CP – excecionalmente autorizada para obter a prova de facto a um elenco
taxativo de crimes) relativamente às quais não é concebível a analogia porque é uma intervenção
em direitos alheios.
• Analogia violaria as premissas da segurança jurídica porque viola os princípios do sistema.
Argumento constitucional com base na CRP (questão de haver restrição de Direitos Fundamentais
pela analogia).
Em princípio qualquer analogia está proibida, mas em relação à legitima defesa deve ponderar-se se não se
deve criar outra figura de uma outra legitima defesa com pressupostos diferentes, mas restritivos.
MFP: Art. 32º CP deve fazer-se interpretação restritiva (ou redução teleológica) sobre a necessidade do
meio – é mais restritiva que a interpretação comum da necessidade do meio. A legitima defesa requer que
seja meio menos gravoso para o agressor, sem alternativa de meios, sustenta a própria necessidade de defesa
em si. Não se veda uma interpretação algo restritiva, eventualmente redução teleológica, desde que seja a
interpretação que coloca os requisitos da causa de justificação de acordo com o seu princípio fundamentador
– questão de ratio legis.
69
Causas de justificação – legitima defesa, conflito deveres – há limitação de direitos; geralmente há
comportamento que preenche tipo legal de crime, mas, ao fazê-lo, está a proteger um outro bem jurídico
que é considerado prevalecente.
Causa de exclusão da responsabilidade – caso em que pessoa está em perigo (para a sua vida, integridade
física e etc.). Agente fica de tal maneira perturbado que não consegue reagir de outra forma do que lesar o
direito de outrem. Ex: alguém tem o filho raptado e assalta banco
Exclusão da culpa – não é problema de limitação de direitos mas menor censurabilidade da pessoa por ter
situações que impedia de se motivar ela norma
67
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§ PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Sistematização:
A Constituição contém também um conjunto de normas que delimitam a aplicação no
tempo das leis penais e fixam o âmbito da sua interpretação (art. 29º CRP):
68
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
iii) Art. 29º/4, impõe obrigatoriamente a retroactividade das leis penais mais
favoráveis ao agente;
iv) Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio de que
ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto
§ Decorrência do princípio da legalidade - Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”,
ou seja, princípio de que não há crime nem pena sem lei, extrai-se o seguinte:
Conceito: cisão entre a norma de comportamento e a norma que contém a ameaça penal;
✓ Típica cisão destas normas entre a norma de comportamento, com origem em regra
noutras leis e até noutros ordenamentos que não o penal e a norma que contém a ameaça
penal.
✓ A norma diferente da que contém a ameaça penal com: a determinação dos pressupostos
de aplicação da norma penal feita, total ou parcialmente por outra instância
normativa;
69
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Divergência:
1. Existem autores que numa perspetiva restritiva: consideram só caber com propriedade
a qualificação de norma penal em branco: aquela que remete para uma disposição de nível
inferior (ex: regulamento) – e não aquela que remete para um preceito contido na lei
penal;
➢ Posição defendida pelo Tribunal da Relação de Évora (14/4/2001), Prof. JORGE MIRANDA e
MIGUEL NUNO PEDROSA MALHADO.
2. Outros autores reservam a qualificação apenas para a norma penal que remete para
o ordenamento diferente do penal de nível igual ou inferior achando-se aí a norma
parte da norma de comportamento;
➢ Posição defendida pelo Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO:
- Pois nada na Constituição obriga à conexão da mesma lei ou no mesmo preceito legal, da
conduta proibida com a pena que lhe corresponde.
Prende-se com o facto do princípio da legalidade criminal exigir, além do mais, que a
matéria criminal seja da competência da AR, o que a propósito das normas penais em branco,
pode levantar problemas em virtude de neste caso, os critérios da incriminação serem vistos à luz
do ordenamento extra penal (máxime administrativo) onde tal competência reservada da AR raras
vezes se verifica.
Prof. FIGUEIREDO DIAS: contudo o Professor refere que é consittucional, basta que ele
seja válido por ter tido lugar, em virtude de uma autorização legal/legislativa por parte da AR.
70
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
i) Certa;
ii) Precisa;
iii) Determinável;
Esta questão pode redundar também num ferimento do princípio da culpa, pois não
orientará suficientemente os destinatários das normas quanto às condutas que são efetivamente
proibidas – o agente “médio” precisa de conhecer a proibição legal PARA ACEDER À
CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE, da sua conduta, consciência que constitui o primeiro pilar
sobre o qual assenta o juízo de culpa;
71
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
§ Jurisprudência
1. Acórdão TC n.º 427/95 de 6 de Julho de 1995 | Acórdão dos Aditivos:
Questões: O Tribunal Constitucional não julga inconstitucional a norma constante do
art. 4/1 DL n.º 192/89 de 8 de junho, relativa aos aditivos alimentares por se considerar
que a remissão em causa apenas executa o conteúdo da norma remissiva, NÃO
FORMULANDO um critério autónomo de ilicitude.
Esta norma suscita a violação do princípio da legalidade (art. 29.º /1 CRP e art.
165/1/c) CRP):
3. A norma do art. 4/1.º remete por razões técnicas compreensíveis para uma
portaria, A CONCRETRIZAÇÃO dos critérios de admissibilidade de aditivos
alimentares. MAS não é na portaria que está previsto o conteúdo da permissão e
muito menos da proibição que aquela delimita. – Consiste apenas na
aplicação de conhecimentos técnicos mutáveis.
- Este acórdão, embora partindo da questão da reserva de lei dá um suporte importante
para a compreensão das discussão em torno das normas penais em branco: considerando
admissível a remissão em matéria penal, quando a remissão é feita para instâncias
normativas que não estabeleceram nenhum critério autónomo de ilicitude, apenas
concretizando o critério legal através da aplicação de conhecimentos técnicos.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
✓ Diz-se que o Direito penal não tem lacunas, por isso diz-se que tem carácter
fragmentário, é uma ordem jurídica completa ou fechada. Trata-se, pois, de uma
proibição de integração da lei penal.
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✓ O DIREITO PENAL não é uma caixa de onde o juiz tira a norma e aplica no caso
concreto, é mais como uma bússola que vai orientar o aplicador da norma em cada
caso concreto. (Brito Neves <3).
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JOSÉ SOUSA E BRITO: entende que a interpretação extensiva é inconstitucional pois sustenta que entre o
sentido possível das palavras e o mínimo de correspondência legal há ainda um espaço a ser percorrido
incompatível com o fundamento de segurança jurídica.
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3) Outros ainda – FREDERICO DA COSTA PINTO – entende que no âmbito das normas
favoráveis a analogia está de todo excluída. Em certos casos pode-se admitir a
interpretação extensiva de normas favoráveis, mas não é possível o recurso à analogia no
âmbito de normas favoráveis.
SISTEMATIZAÇÃO:
As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o agente,
uma posição mais benéfica porque:
76
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§ Quanto à analogia:
Normas incriminadoras
77
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Permite-se a analogia;
Proíbe-se a interpretação e a integração de lacunas;
78
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A) Condição Legal;
- Entendeu que a fronteira entre interpretação proibida e permitida passaria por saber
se o resultado da interpretação se equiparia a uma opção normativa entre outras
concebíveis em face ao sistema legal. Como refere o Acórdão citado o critério de
diferenciação depende da possibilidade de uma ponderação constitutiva de soluções
jurídicas pelo intérprete com implicação na configuração das consequências do crime,
que compete ao legislador tomar e não ao interprete.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A redução teleológica exclui o Âmbito da lei casos em que a sua letra abrangeria, por tais
casos não deverem ser abrangidos pelos fins essenciais que a lei prossegue: embora que
ainda pudessem ser referidos ao pensamento do legislador:
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
É assim porque:
Segurança jurídica;
Garantia do princípio da culpa.
Aquilo que consigo controlar é o comportamento; o resultado é aleatório. Não é possível
controlar o resultado. Portanto, é no momento em que se atua que se tem condições para
confrontar o comportamento criminoso com a lei no momento em que atuam, porque o
resultado não depende do criminoso. Entretanto a lei pode já ter mudado várias vezes. Para
evitar a aleatoriedade da verificação do resultado e garantir a segurança jurídica e a garantia do
principio da culpa, o que releva é sempre o momento em que o agente atua, não o momento do
resultado.
Contudo, é complicado, porque:
Há crimes que são permanentes (quando durante certo tempo se realiza uma
conduta criminosa), que estão permanentemente a ser executados ou
consumados, entrando várias leis em vigor durante essa conduta. São um estado
71
Não confundir cumprimento integral da pena e trânsito em julgado. Trânsito em julgado acontece antes
de começar a cumprir a pena. Transitou em julgado, começa a cumprir-se a pena. Só no fim do
cumprimento da pena temos o termo final que nos interessa.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
de ilicitude que permanece por decisão constante do arguido (ex: condução sobre
o efeito de álcool entre as 23h e as 2h e a lei muda às 24h). O momento da conduta
é das 23h às 2h. Em todo este momento o agente realizou a conduta considerada
criminosa. Temos um crime permanente. V. art. 119º do CP.
A aplicação do critério a vários casos práticos pode revelar-se difícil. Em todos estes
casos temos de aplicar o critério do art. 3º do CP.
Determinado o momento da pratica do facto, que é o momento em que o agente atuou, é preciso
ver qual é a lei aplicável. A maior parte das vezes, o que acontece é o seguinte: há o facto, no dia 10, está
em vigor a lei 1, um ano depois há o julgamento e continua em vigor a lei 1. Contudo, pode acontecer várias
coisas:
• O facto é de homicídio, disparou a arma dia 10 e é punido com 8 a 16 anos. No dia 15 entra
em vigor a lei 2, que aumenta o homicídio para 20 anos. No dia 20, o juiz tem de decidir se
aplica a lei um ou a lei 2. Neste caso, o que temos de dizer é que existe um principio
fundamental no nosso ordenamento: o principio da irretroatividade desfavorável da lei penal.
Qualquer lei posterior ao momento da pratica do facto, se for desfavorável (e aqui é, porque
aumenta a pena, não se aplica retroativamente, ou seja, aplicar a lei posterior a um facto
anterior).
• Nestes casos, o que se aplica é a lei do momento da prática do facto. Está previsto no art. 1º/1
e 2º/1 CP – em principio aplica-se a lei do momento da pratica do facto, o que significa que
leis penais desfavoráveis não se podem aplicar retroativamente. A retroatividade
favorável é resgatada pelo 2º/2 e o 2º/4 CP e 29º/4 CRP. É assim devido à segurança
jurídica – para impedir que a pessoa pudesse ser alvo de um poder arbitrário do Estado;
a pessoa não pode depender do bom ou mau humor do decisor político – e ao princípio da
culpa – posso ser censurado por, tendo condições para conhecer a lei e puder confrontar o meu
crime com a lei, mas não posso ser censurado por um alei que só entrou em vigor depois da
prática do meu facto. conhecendo esta lei, sabendo o que esta lei punia e proibia, ainda assim
ter decidido violar essa lei.
No entanto, pode acontecer que a pena posterior diminua. Neste caso, aplica-se a lei 2, porque existe um
principio de retroação de lei posterior mais favorável. O que se aplica é a lei 2.
Há um erro muito comum que é o de dizer que se aplica a lei 2 porque é a lei mais favorável. É
absurdo dizer que se aplica uma lei porque ela é a mais favorável. O que existe é o principio da
aplicação retroativa da lei penal posterior mais favorável. Quando uma lei posterior for mais
favorável, ela aplica-se retroativamente. Mas não basta ser mais favorável (art. 2º/2 – situação de
descriminalização - e 2º/4 – o crime continua a existir, mas é atenuado).
Qual é o fundamento? O fundamento aqui é principio da necessidade e da igualdade. Da
necessidade, a partir de hoje 5 anos é suficiente para proteger aquela situação. A partir deste
momento, mais nenhum tribunal pode aplicar uma pena que seja superior a 5 anos, devido ao art.
18º/2 CRP. Estes 5 anos passam a valer para todos os factos posteriores e, retroativamente,
aplicam-se aos factos anteriores. O principio da igualdade, porque, no caso em que a lei 2
descriminalizava o que antes era crime, se a lei 2 não se aplicasse retroativamente e o senhor x
não fosse libertado, ele, atras das grades, ia estar a ver as outras pessoas a fazer aquilo que ele fez
82
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
e a não serem punidas. Isto em termos de igualdade introduzia uma perturbação inaceitável no
sistema.
A aplicação da lei penal no tempo: a proibição da retroatividade in pejus
O princípio geral da não retroatividade das leis assume no Direito Penal a natureza de
uma proibição constitucional de retroatividade das normas penais que criem ou agravem a
responsabilidade penal.
Os fundamentos de tal proibição são:
As incriminações;
As agravações da responsabilidade criminal;
As penas;
Os pressupostos das medidas de segurança;
As medidas de segurança;
Todas as normas processuais que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias.
Figueiredo Dias: A proibição de retroatividade funciona apenas a favor do agente, não contra
ele. Por isso, a proibição vale relativamente a todos os elementos de punibilidade, à limitação de
causas de justificação, de exclusão ou de diminuição da culpa e às consequências jurídicas do
crime (penas, medidas de segurança, consequências penais).
•
Assim, se a lei em causa for anterior à produção do resultado típico, mas posterior à
prática da ação prevista, já haverá retroatividade.
• A retroatividade pressupõe que a lei penal se pretende referir, segundo a
interpretação jurídica, a certos factos anteriores.
PEDRO CAEIRO
Irretroatividade da lei penal não é um princípio geral: é um regime particular a que estão sujeitas
as normas de certo conteúdo (desfavoráveis ao agente).
83
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• A eficácia de qualquer lei está sujeita ao princípio segundo o qual uma lei não pode
aplicar-se a factos que com ela não se acham em contacto.
• Princípio da não-transconexão – apreciação de factos de acordo com as regras que
valiam no momento da produção dos mesmos – é princípio geral de direito e só cede
perante casos excecionais, em homenagem a outros valores que o legislador
constitucional decidiu sobrepor-lhe.
o Isto leva a que no Direito Penal haja uma proibição da retroatividade in pejus e
imposição de retroatividade in melius.
• A este princípio geral, acresce o princípio da legalidade, que proíbe a aplicação retroativa
de lei penal desfavorável.
Terceiro princípio que regula a eficácia temporal da lei penal é o princípio do tratamento mais
favorável do agente, que tem como corolário principal a imposição de aplicação retroativa
da lei mais favorável – art. 29º/4 CRP e 2º/2 e 4 CP – é pedra angular de todo o sistema
MEDIDAS DE SEGURANÇA
Art. 29º/1 e 3 CRP + art. 2º CP – não traz dificuldades nenhumas quanto à conclusão que
tanto as medidas de segurança como os seus pressupostos (factos típicos de que decorre o indício
da perigosidade do agente) também estão sujeitas à proibição da retroatividade.
O fundamento da proibição de retroatividade não é essencialmente a culpa, mas sim a
segurança dos destinatários do Direito, própria de um Estado de Direito democrático. Quer a
alteração agravante de uma medida de segurança, quer a sua criação, afetam a segurança, na
medida em que permitam uma intervenção sem controlo do poder punitivo na liberdade dos
cidadãos.
72
FD: Também relativamente às medidas de segurança se fazem sentir exigências de proteção dos
direitos, liberdades e garantias das pessoas atingidas que substancialmente se identificam com as que se
fazem sentir ao nível das penas.
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Processo Penal
FD: princípio jurídico-constitucional da legalidade estende-se a toda a repressão penal e
abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal
➢ Princípios reguladores da aplicação da lei penal no tempo e as formas da sua articulação
valem para toda a lei penal, independentemente da sua natureza substantiva ou
processual.
Mas,
Do art. 5º/1 CPP, resulta a aplicabilidade imediata da nova lei processual nova.
O art.5º/2 limita a aplicabilidade imediata, relativamente “aos processos iniciados
anteriormente à sua vigência”, nos casos de “agravamento sensível da situação processual do
arguido” e de “quebra de harmonia e unidade de vários atos do processo”.
Há, assim, limites à aplicabilidade imediata resultantes diretamente do princípio
constitucional da proibição da retroatividade e do próprio subprincípio contido no art. 5º/2.
73
Critérios legais de aferição da perigosidade do agente são os que se aplicam no momento do
julgamento.
Preenchimento deste pressuposto interpreta-se em dois sentidos: pressuposto-facto (prática de tipos
criminais – proibição de retroatividade); critérios de atribuição da perigosidade (que pode ser alterado
pela lei nova, sendo ela que, estando em vigor no momento do julgamento é a que se aplica)
85
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
na sua fase processual. São normas que, embora não afetando a existência da relação jurídica
punitiva nem a modificando substancialmente, atingem a possibilidade de o comportamento do
arguido realizar os direitos que lhe são reconhecidas no processo penal, como por exemplo o
direito de defesa.
PEDRO CAEIRO
Taipa de Carvalho distingue:
• Normas processuais penais materiais (abrangida pela proibição de retroatividade in
pejus e pela imposição da retroatividade in melius pois incidem sobre a responsabilidade
penal do arguido);
• Normas processuais penais formais (não abrangidas por esses princípios pois são
apenas formalidades técnicas de procedimento criminal e não contendem diretamente
com a responsabilidade do agente nem com a sua posição processual).
Se a lei processual em vigor no momento da prática do ato processual é diversa da que vigorava
no momento do tempus delicti, a sua aplicação ao ato processual presente coenvolve sempre, em
qualquer caso, uma eficácia retroativa imprópria, porquanto toma para a produção dos efeitos
presentes a que tende um facto que ocorreu antes da sua entrada em vigor.
Cada ato processual deve obedecer à lei que vigora no momento da ação, apenas não é assim
se a eficácia retroativa imprópria que lhes inere ofender as garantias que a proibição da
retroatividade in pejus visa assegurar.
Com a distinção de Taipa de Carvalho, permite chegar-se à conclusão que a fonte normativa da
lei (material ou processual) é relativamente indiferente para o problema da aplicação da lei
penal no tempo, sendo verdadeiramente decisivo o seu conteúdo.
Pode levar à conclusão de que são normas processuais materiais todas aquelas que contendam
com as garantias subjacentes à proibição da retroatividade in pejus e normas processuais formais
as restantes.
Não é necessário invocar o princípio do tratamento mais favorável para justificar a aplicação
imediata da norma processual penal que se mostre concretamente mais favorável: tal solução
decorre imediatamente da regra de conflitos lex posterior derrogat priori
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Prescrição
Extinção da responsabilidade criminal pelo decurso do tempo, a contar desde o momento da
prática do facto. A partir do momento da prática do facto, começa a correr o prazo da prescrição.
Findo esse prazo, a responsabilidade extingue-se, e o arguido já não pode ser punido
criminalmente. Enquanto não haja transito em julgado, a questão da prescrição é sempre
relevante.
O que acontece quando há uma alteração das leis prescricionais?
A prescrição tem por vantagens:
1) As penas visam também, pelo menos também, prosseguir finalidades preventivas, de
ressocialização e de restabelecimento da confiança da comunidade. 20 ou 30 anos depois,
que finalidades preventivas é que uma pena pode ter? Nenhumas. 20 anos depois a
pessoa já é completamente diferente. A vida já deu tantas voltas que já não há ali, por
referencia ao momento da pratica do facto, qualquer finalidade preventiva. De prevenção
geral ainda menos, 20 ou 30 anos depois, já não faz grande sentido. O restabelecimento
da confiança da comunidade, 20 ou 30 anos depois, é caricato. O prazo prescricional é
uma emanação da ideia que só se pune para prosseguir determinados objetivos gerais e
especiais. É uma questao de necessidade punitiva que justifica o regime da prescriçao
(18º/2).
2) Há também um problema de fiabilidade da prova. 20 anos depois, as testemunhas já não
se lembram; tem uma ideia daquilo que se lembravam. É um tiro no escuro, é também
uma razão de fidgnidade da prova que justifica o regime da prescrição.
Normalmente, entende-se que a prescrição é processual-material. Tem relevância material,
relevância substantiva, penal, porque influi diretamente na situação de responsabilidade do
agente, logo, à questão da prescrição podem aplicar-se as regras gerais do 29º/4 CRP e 1º e 2º CP.
74
E pode ser da pena (completo o procedimento criminal, agente condenado e na fase de execução da
pena mas agente foge e interrompe-se a execução da pena – se em determinado tempo não for possível
fazer o agente cumprir pena, pode haver uma prescrição de executar a pena).
75
São mais difíceis os casos em que as leis prescricionais se confrontam com processos pendentes e dão
uma folga ao Estado para ele continuar a prosseguir a ação penal. O Estado altera os prazos prescricionais
que se aplicariam aos processos pendentes. Também aqui não há como ultrapassar o argumento de que o
Estado tem de se vincular ao direito que cria e não pode interferir em casos já conhecidos criando
legislação que se vai aplicar para compensar os efeitos de alguma inércia. Não é aceitável, para Fernanda
Palma, por razões de confiança e segurança. Estas leis estão sujeitas à proibição da retroatividade.
87
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Uma lei posterior não pode ter como efeito o ressuscitar de uma responsabilidade penal que
já se extingui.
Caso 1: L1 diz que a prescrição é 5 anos; o facto é depois da entrada em vigor da L1; 3 anos
depois, surge uma L2 que reduz o prazo de prescrição para 3 anos. Aplica-se a L2 (aplicação
retroativa da lei penal posterior mais favorável – art. 2º/4 CP. O facto continua a ser relevante
para a L1 e L2, mas deixa de ser punido pelo decurso do prazo prescricional). Porque a prescrição
é um problema de necessidade punitiva, ou seja, quando o legislador na L2 baixa o prazo de
prescrição o, diz que não é necessário perseguir o arguido durante mais tempo.
Caso 2: L1 falava em 10 anos; o facto foi praticado; passado 5 anos, surge uma L2 (antes do
decurso do prazo de prescrição) que passa para 15 anos.
• O TEDH diz que a pessoa não tem o direito à prescrição76, não tem a expectativa do
seu crime prescrever. Esta pessoa não pode ser protegida face a uma lei posterior
desfavorável. A jurisprudência do TEDH e dos tribunais alemães é no sentido de que
leis prescricionais posteriores desfavoráveis aplicam-se desde que, entretanto, o
prazo prescricional ainda não tenha decorrido. Se entrar em vigor durante o decurso
do prazo, como a pessoa não tem expectativa legitima a que o seu crime prescreva,
aplica-se a L2. O TEDH diz que esta solução não viola a Carta dos Direitos
Humanos.
o Sendo leis processuais, são de aplicação imediata pelo que o arguido não
tem direito a que se aplique a lei processual x ou y.
▪ Tem muitos argumentos contra – MFP:
1. Argumento formal – quem trata dos prazos de prescrição é
o CP e não o CPP, portanto, pela inserção sistemática ela
tem uma natureza substantiva e não processual
2. É causa de extinção da responsabilidade criminal – pelo
que tem natureza paralela aos critérios de determinação da
responsabilidade criminal
3. Manipulação da prescrição através da Lei permitia ao
Estado utilizar este instituto para compensar inércia e
deficiências da sua própria atuação, permitindo a
continuação da prossecução criminal a determinados
agentes por motivações políticas (é perigoso, numa lógica
de EDD)77.
76
MFP: Leis prescricionais não têm a ver diretamente com direitos do arguido – o arguido não tem direito
à prescrição. Estas leis têm a ver com interesses do Estado e da forma como ele se organiza.
77
MFP: A possibilidade de um Estado manter acesa a chama quanto a factos que deixou em banho maria
por algum tempo é perigosa. O Estado tem de ter alguma imparcialidade, tem de vincular-se ao direito
anterior, em relação a matéria que afete direitos. Não pode aplicar imediatamente alterações de critérios
nesta natureza que permitem a manipulação da incriminação.
88
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Não há um direito do autor do facto criminoso a não ser submetido a processo penal;
no entanto, a aplicação imediata da lei, se não tiver sido deduzida queixa antes de
ela ter entrado em vigor, não garantiria suficientemente o princípio da objetividade
e vinculação do Estado ao seu Direito.
• A solução deste tipo de casos deve ser, diferentemente, a aplicação pura e simples
da lei antiga.
De público a semi-público
A situação inversa, em que o crime é convertido de público em semi-público (ou até
particular), não se equaciona juridicamente nos mesmos termos.
78
Os crimes públicos – competência do ministério público para iniciar a ação penal. Ex: homicídio.
Os crimes semi-públicos – competência ministério público para iniciativa de ação penal depende de
uma queixa do ofendido (e, uma vez feita a queixa, o ministério público pode iniciar a ação penal.) Ex:
ofensas corporais simples alguns crimes sexuais (são muito graves mas continuam semi-públicos devido
ao assegurar a privacidade da vítima e etc.).
Os crimes particulares – além da queixa, tem de haver uma atuação particular. Quem tem a iniciativa e
dirige a ação penal é o ofendido. São crimes menos graves e associados à privacidade do próprio
ofendido.
79
O direito de queixa é influenciado pelo princípio vitimológico, segundo o qual compete ao Direito
assegurar a reparação dos danos do crime sofridos pela vítima em toda a sua dimensão jurídica,
nomeadamente através da utilização do processo penal. Este princípio pressupõe que a proteção penal de
um bem de que alguém é titular, embora relevante para toda a sociedade, deve ser deixado à
disponibilidade do ofendido, em situações em que o valor da disponibilidade pelo seu titular seja
prevalecente.
80
Que até nem se poderia invocar quando não existisse ainda processo, pois o direito de queixa tem uma
valia extra-processual e até extrapenal. A função do direito de queixa não justifica a referência das normas
89
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A natureza do direito de queixa também não permite referir integralmente as normas que o
regulam ao princípio da retroatividade in melius, consagrado no art. 29º/4 CRP e 2º/4 CP81.
→ Prof. Fernanda Palma: a aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável impõe
que se determine em concreto o regime mais favorável82 para o arguido, isto é, que
se considere qual seria a medida da pena mais favorável, em face de todas as causas
de justificação, desculpa, atenuação, agravação e procedibilidade de uma
determinada lei. Uma lei posterior que agrave a medida legal da pena poderá, ainda
assim, permitir a aplicação de uma pena inferior ao agente e deverá, nesse caso, ser
aplicada retroativamente.
que o regulam à ratio legis do art. 5º/1 – a adaptação do processo a soluções novas mais eficientes,
instrumental da realização da justiça.
81
Taipa de Carvalho, diferentemente, resolve estes casos apenas com base no art. 29º/4 CRP. Resta saber,
todavia, se, ao fazê-lo, o autor pretende um arquivamento puro e simples dos processos ou se admite uma
solução semelhante à proposta pela Prof. Fernanda Palma.
82
FD: O juízo complexivo de maior ou menor favor não deve resultar apenas, em princípio, da
contemplação isolada de um elemento do tipo legal ou da sanção, mas da totalidade do regime a que o
caso se submete. Como seguro é que o sopeso da gravidade dos dois regimes não pode fazer-se só na
consideração abstrata da lei, mas tem de ser feito depois de conexionada aquela consideração com as
circunstâncias concretas do caso.
90
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
→ Prof. Fernanda Palma: embora numa aparente e estrita lógica formal se pudesse
concluir que a diferença qualitativa do ilícito penal relativamente ao de mera
ordenação social impediria uma verdadeira sucessão de leis no tempo, uma vez que
os critérios valorativos de um ilícito de outra natureza suscitaram um facto jurídico
novo e diferente, tal construção desconheceria que o sentido do apelo à autonomia
qualitativa do ilícito é apenas evitar a plena utilização dos custos e vantagens dos
critérios de responsabilização penal e do respetivo processo e permitir a introdução
de critérios de aferição da responsabilidade justificados por objetivos sociais menos
centrais e mais instrumentais.
É incorreto, deste modo, defender a extinção em absoluto da responsabilidade
jurídica em tais situações, quando não existir uma explícita e coerente vontade
legislativa de toda a responsabilidade pelos factos passados.
Por outro lado, nestas situações existe um comportamento humano referente
essencialmente idêntico, que assegura a unidade do facto e a continuidade
normativa.
83
O concurso ideal de infrações verifica-se sempre que a mesma conduta (pelo menos em sentido
naturalístico) lesa vários bens jurídicos (concurso heterogéneo) ou o mesmo bem diversas vezes (concurso
homogéneo).
91
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Por todas estas razões se impõe uma única solução jurídica para estes casos: a
atribuição de oportunidade de exercício do direito de queixa. O seu fundamento não decorre
direta e exclusivamente do art. 29º/4 CRP, mas sim dos princípios jurídicos que a este subjazem
(igualdade e necessidade da pena), articuladamente com a proteção da confiança emanada do
92
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
→ Prof. Fernanda Palma: uma tal doutrina explica melhor a solução legal para as
leis de emergência do que para as leis temporárias. É, na verdade, discutível que
a intenção manifestada pelo legislador quanto à vigência temporária de uma lei baste
para legitimar a ultra-atividade da lei e a não aplicação do princípio da retroatividade
in melius. O tempo seria, no caso de tais leis, um elemento típico essencialmente
constitutivo do ilícito penal que orientaria as expectativas dos destinatários para a
ultra-atividade antecipadamente.
A exceção ao princípio da retroatividade in melius determinada pelo caráter temporário das
leis não é, todavia, uma restrição, constitucionalmente indiscutível, em face do art. 29º/4 CRP. O
caráter temporário que não esteja associado a uma excecionalidade historicamente objetiva da
situação típica prevista pelo legislador não se subtrai pela sua própria natureza aos princípios da
necessidade da pena e da igualdade, que delimitam o conteúdo do art. 29º/4 CRP. O art. 2º/3 CP
não pode ultrapassar aqueles princípios constitucionais apenas apoiado na prevalência da intenção
legislativa quanto ao caráter temporário de uma lei.
Assim como o legislador ordinário não pode legitimamente decretar que a retroatividade in
melius não se aplica quando descriminaliza, também a atribuição de caráter temporário a uma lei,
em situações em que subsista uma verdadeira sucessão de leis, tem de ser disciplinada pelos
princípios da igualdade e da necessidade da pena.
Por outro lado, em situações de sucessão de leis de emergência, a aplicação retroativa da lei
mais favorável deve impor-se sempre que persista como elemento constante do tipo incriminador
a mesma situação de excecionalidade. Fora desses casos, porém, a sucessão de leis de emergência
cabe na previsão do art. 2º/3 CP.
84
Faz-se uma lei penal para casos de emergência (ex: incêndios, catástrofes e etc.) em que se incorpora a
própria situação de emergência (é elemento específico do tipo incriminador).
Passando a crise de emergência ela caduca, pois o elemento da factualidade que ela prevê já não se
verifica pois não tem nenhuma justificação numa situação fáctica.
E se só depois de caducada a lei é que se julga o arguido? As leis são diferentes. Não há sucessão de leis.
A lei que caducou ainda está em vigor para o passado, ela é ultra-ativa. Ela tem de ser aplicada.
93
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
FD: Leis temporárias são aquelas que, a priori, são editadas pelo legislador para um tempo
determinado.
➢ A razão que justifica o afastamento da aplicação da lei mais favorável reside em que
a modificação legal se operou em função não de uma alteração da conceção
legislativa – esta é sempre a mesma – mas unicamente de uma alteração das
circunstâncias fácticas que deram base à lei. Não existem por isso aqui expectativas
que mereçam ser tuteladas, enquanto, por outro lado, razões de prevenção geral
positiva persistem.
Taipa de Carvalho: A lei penal temporária é a lei penal que, visando prevenir a prática de
determinadas condutas numa situação de emergência ou de anormalidade social, se destina a
vigorar apenas durante essa situação de emergência, pré-determinando ela própria a data de
cessação da sua vigência.
A especialidade do regime da lei temporária reside no facto da sua aplicabilidade a todas as
condutas nela previstas e praticadas durante a sua vigência, independentemente de, no momento
do julgamento, a lei temporária já não estar em vigor.
A razão subjacente à aplicação retroativa da lei penal favorável está na alteração da conceção
político-criminal do legislador; já, diferentemente, no caso das leis temporárias, não se verifica
esta alteração da conceção político-criminal, mas apenas uma alteração da situação fáctica, isto é,
da situação social. logo, o regime das leis temporárias não constitui uma exceção ao regime da
normal sucessão de leis penais. No caso das leis temporárias, a valoração jurídico-penal das
condutas, praticadas durante a vigência da lei temporária, mantém-se e, por isso, se compreende,
político-criminalmente e jurídico-constitucionalmente, que, apesar de a lei já não estar em vigor
(porque o facto deixou, por força da normalização da situação social, de revestir o perigo que
tinha para os respetivos bens jurídico-penais), que a conduta, praticada durante a vigência da lei
temporária, deve e continue a ser punível.
Segundo a primeira posição85, a lei penal inconstitucional é inválida e, por isso, não pode
produzir quaisquer efeitos.
85
Cf. Rui Pereira.
94
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Como nestes casos pode ter havido um erro sobre a ilicitude do facto, se o agente
agiu durante a vigência da norma inconstitucional, esse erro excluirá em princípio a
culpabilidade do agente ao abrigo do art. 17º CP. Aplica-se também a parte geral do
CP.
• Se já tiver sido aplicado a lei mais favorável, nos termos do art. 282º/1 CRP,
preserva-se o caso julgado. A única exceção a esta preservação do caso julgado
está prevista no nº3, precisamente para situações diferentes das que se analisam em
que a lei penal inconstitucional aplicável for menos favorável, situação em que se
levantará o caso julgado para repristinar a lei penal revogada mais favorável, de
acordo com a regra geral estabelecida no art. 282º/1 CRP.86
• Esta solução tem dois problemas, segundo o Prof João Matos Viana:
o Não abrange as situações em que a pessoa conhece que aquilo é
inconstitucional. Neste caso, se a pessoa souber, não pode beneficiar do art.
17º do CP. Esta solução justificaria que alguém pudesse ser preso pelo
simples facto de tendo conhecimentos jurídicos, saber…;
o Nas situações em que a lei penal favorável é atenuadora, não pode aplicar-
se o art. 17º, porque aqui ele tem consciência de ilicitude, mas é punido com
uma pena mais alta. Rui pereira defende-se que se aplicam as limitações de
pena (art. 70 e ss). A aplicação da primeira lei não pode exceder o limite da
inconstitucional.
A posição contrária87 defende que não se poderá interpretar rigidamente o art. 282º em
conjugação com outros critérios constitucionais como o do art. 29º/4 CRP, ou do princípio
do Estado de Direito assente na confiança.
• Defende, então, que, neste caso difícil, a lei penal posterior inconstitucional deve
ser aplicada, porque foi ela que orientou o comportamento do agente e o Estado
vinculou através dela o comportamento dos destinatários.
• O fundamento para esta solução é:
o Por um lado, uma prevalência do princípio da igualdade subjacente ao art.
29º/4 CRP ou, como parece preferível, do princípio do Estado de Direito,
como expressão de vinculação do Estado ao Direito que cria perante os
destinatários. E ainda a prevalência do valor constitucional do princípio do
Estado de Direito e da sua expressão de confiança perante os destinatários
das normas penais;
o Por outro, sempre se poderá argumentar que existe, no art. 282º CRP, uma
lacuna, na medida em que, configurando a não salvaguarda do caso julgado
86
CRP resolve só em parte – art. 282º – em geral, ressalvam-se os casos julgados e a invalidade faz-se
sentir apenas desde a entrada em vigor dessa lei (aos casos julgados aplica-se a lei inconstitucional).
• Art. 282º/3 – para o Direito Penal, não funciona a salvaguarda do caso julgado e sim se o
conteúdo das leis penais tem conteúdo mais favorável ou não.
• Estão dois valores constitucionais em causa: o do caso julgado (estabilidade confiança nos
próprios Tribunais e etc.) vs. Aplicação de lei mais favorável.
o Se não se repristinasse, podia haver condenação com base num crime que era
inconstitucional – valor da liberdade e afetação mínima da liberdade por parte das
normas penais é o que justifica este regime (princípios vários espalhados por institutos
do Direito Penal).
o Relativiza-se a estabilidade do caso julgado.
• Se já se aplicou a lei mais favorável: preserva-se caso julgado pelo art. 282º/1.
• Se ainda não se aplicou, não se preserva o caso julgado.
87
Cf. Jorge Miranda.
95
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
CRIMES PERMANENTES
Não estão referidos no CP. Um crime permanente é um crime em que se verifica a
manutenção de um Estado de ilicitude por decisão do arguido. Exemplo: o sequestro. Em todo
o tempo que mantiver o Estado de detenção de uma pessoa, há crime de sequestro. Exemplo 2:
há crime em todo o momento em que há condução no crime sob o efeito de álcool.
O critério de aplicação da lei no tempo nos crimes permanentes é este: aplica-se a lei nova,
o juízo mais atual sobre a necessidade punitiva, quando, após a sua entrada em vigor, todos
88
Cf. Prof. Figueiredo Dias.
96
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
os seus pressupostos estejam preenchidos, de tal forma que não seja necessário ir ao passado
buscar factos. Caso contrário, aplica-se a lei antiga.
Isto vale essencialmente para quando a lei mais recente é desfavorável. Quando a lei mais
recente é desfavorável, temos de exigir que todos os seus pressupostos estão preenchidos na
entrada em vigor porque não podemos ir ao passado buscar coisas. Tudo tem de estar preenchido
após a sua entrada em vigor.
Se, ao invés de ser um crime qualificado, tivesse havido uma diminuição de pena, ou seja,
se fosse favorável, nesses casos, quando o novo juízo é mais favorável, aí aplica-se sempre
(retroatividade in mellium). Aplica-se a nova.
PEDRO CAEIRO
A articulação do princípio da não-transconexão com as regras da proibição da retroatividade in
pejus e da imposição da retroatividade in melius na aplicação da lei a factos duradouros.
➢ Quando os factos se produzem no domínio de mais de uma lei – havendo conflito de leis.
Sucessão de leis ocorre durante a prática do crime (tempus delicti) – factos partilhados, entre
leis que se sucederam
Aplica-se lei nova, tendo em conta que a realização do facto persiste após a sua entrada em
vigor. Exceção se houver violação da proibição da retroatividade in pejus (ofendendo as garantias
de segurança que essa proibição visa proteger).
1. Se lei nova vier cominar moldura penal mais grave para o facto -> aplica-se lei nova,
e não viola proibição da retroatividade in pejus, apesar de todo o facto ser apreciado à luz
de lei nova, pois os pressupostos do facto realizam-se (também) integralmente no domínio
da lei nova. Ex: sequestro na sequência de uma lei antiga e de uma nova
3. Se lei nova for mais favorável ao agente -> aplica-se lei nova, ao abrigo da proibição
da retroatividade in pejus e da imposição da retroatividade in melius
o futuro e, portanto, pelo art. 2º/2, há uma descriminalização e não se aplica L1 e pelo regime das
contraordenações e coimas, não se aplica L2.
Figueiredo Dias e Prof. Regente (posição maioritária): a L2 aplica-se porque há uma
continuidade entre estes dois ilícitos e é mais favorável, logo, aplica-se a lei posterior mais
favorável. FD fala, ainda, num argumento de igualdade. A ideia de que L2 vem descriminalizar é
artificial: L2 vem apenas atenuar a necessidade punitiva, ou seja, não vem dizer, como diz o 2º/2,
que não é necessário punir; vem dizer, como diz o 2º/4, que é necessário punir menos (basta
contraordenação). Há uma certa continuação da necessidade punitiva, embora mais baixa, que
justifica que se aplica o 2º/4, sendo A julgado pela L2, aplicando o regime das contraordenações.
O Prof. Taipa de Carvalho descriminaliza a situação de A (1,2). O que vem a seguir é
apanhado com 1,1 era sempre punido a título de contraordenação. Isto não pode ser, para FD,
porque viola o princípio da igualdade.
De abstrato a concreto
Passa a exigir-se a prova de perigo concreto. Há situação mais restritiva e tem efeito atenuante.
Passar a ser crime concreto é mais exigente quanto à incriminação – é mais favorável ao
arguido. Solução que na prática se pode quase reconduzir a uma descriminalização – efeito
descriminalizador.
Aqueles que realizaram condutas que eram perigo abstrato na vigência da L1 deve ser arquivado
pois não se provou o crime concreto da L2 que agora vigora.
MFP: não discorda em absoluto. Discorda nos casos em que era crime de perigo abstrato, não
sendo necessário recolher prova, mas de facto recolheu-se essa prova e verificou-se que houve
perigo concreto e podem considerar-se esses factos para a aplicação da L2. Estando recolhida a
prova relativamente ao perigo concreto da L2, no perigo abstrato está contido os pressupostos do
perigo concreto – quem proíbe o mais proíbe o menos. Se a matéria de facto era pertinente à luz
do perigo abstrato, ela continua a ser suficientemente pertinente à luz do perigo concreto.
98
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
MFP: quando a lei antiga é lei de crime abstrato e a nova é lei de crime perigo concreto, nas
situações em que agente criou perigo concreto ao abrigo da lei antiga, aplica-se a lei nova. A
exceção é se moldura penal da lei nova for agravada, aí aplica-se a lei antiga.
L1 diz que quem produzir produtos impróprios para consumo, a L1 tinha apenas dois elementos
constitutivo (produção; produtos impróprios). A produz produtos impróprios para consumo (crime de
perigo abstrato – o simplesmente produzir produtos impróprios, em abstrato, é perigo; não tem de se provar
que houve perigo). L2 introduz um novo elemento: quem produzir produtos impróprios e causar perigo
para a vida humana. O julgamento é depois da entrada em vigor da L2. O facto concreto preenchia as duas
leis.
Taipa de Carvalho: não há uma verdadeira sucessão de leis no tempo. A L1 não se aplica porque a
L2 tem um efeito descriminalizador em relação a estes comportamentos: não é necessário punir a produção
de produtos impróprios para ser crime; tem de haver perigo para a vida humana. É preciso que haja mais
qualquer coisa. Há uma situação de descriminalização dos comportamentos da L1. A L1 não se pode aplicar
pelo (2º/2). A L2 também não se pode aplicar, porque estaríamos a aplicar retroativamente com eficácia
criadora de responsabilidade criminal. Não se pode aplicar L1, logo, não há crime; quando se aplica a L2,
aplica-se retroativamente e com um efeito desfavorável. Pelo 1º/1 e pelo 2º/1 não se pode aplicar L2, porque
seria eficácia retroativa de lei desfavorável.
Sempre que se introduz um novo elemento especial, ou seja, que fosse verdadeiramente novo, que não
estivesse já contido nos elementos anteriores (se fosse meramente especificador, a solução era a de
aplicação de lei posterior mais favorável). A diferença entre elemento especial e especificador é a de que o
especial é verdadeiramente novo, não contido nos elementos anteriores; para elementos meramente
especificadores, que só concretizam o elemento que já existia, se for meramente especificador, aplicam-se
as regras gerais (lei do momento da pratica do facto, a não ser que a posterior seja mais favoravel).
Prof. Fernanda Palma: o perigo para a vida não é um elemento verdadeiramente novo (perigo
concreto), porque já está incluído no perigo abstrato.
Há uma continuidade normativa entre L1 e L2, o perigo concreto já esta incluído no perigo abstrato.
Assim, aplicam-se as regras gerais: aplica-se a lei do momento da pratica do facto, a não ser que a posterior
seja mais favorável, caso em que se aplica a posterior.
Problema desta tese: um crime de perigo concreto nunca é mais favorável. Por isso, na verdade, o que
MFP aplica L1, ou seja, aplica um comportamento que hoje já não é crime. Na prática, o que iria acontecer
era aplicar um crime que simplesmente já não existe.
99
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
O tempus delicti – art. 3.º CP: temos de determinar qual o momento importante para ver
qual a lei a aplicar ser violar o princípio da não retroatividade desfavorável;
Para tal temos de fazer uma distinção entre crime instantâneo e crime duradouro;
✓ Art. 2/2.º CP
✓ Art. 2/4.º CP
✓ Problema da delimitação da sucessão de leis no tempo;
✓ Justificação deste regime tendo em conta o princípio da necessidade da pena
e o princípio da culpa.
100
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO;
A lei penal desfavorável não pode aplicar-se a factos praticados antes da sua entrada em
vigor (isto também se compreende com o princípio da culpa) .
Certo: mas os factos previstos e descritos na lei criminal são validades complexas: o
preceito primário decompõe-se em vários elementos de entre os quais se destaca a conduta
e o resultado.
89
O Prof. MATOS VIANA o ano passado referiu que a Prof. FERNANDA PALMA gosta muito desta matéria, para
além de que costuma sair, tanto que sai no nosso teste.
101
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Por outro lado sabe-se que a conduta e o resultado podem ocorrer por vezes em
momentos muito distantes entre si, sendo é possível neste tempo intermédio entre a conduta
e o resultado, que entre uma lei que criminalize o facto, ou que agrave a
responsabilidade penal do agente do facto praticado.
§ RAZÕES ESSENCIAIS:
É o caso dos:
✓ Crimes duradouros;
✓ Crimes Continuados;
✓ Crimes por omissão; 90
90
Aqui o momento determinante para este efeito é o momento em que o agente se coloca no estado de
inimputabilidade e não no momento posterior em que ele já pratica o facto punível – depois explico isto
melhor, porque é difícil perceber isto.
102
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
O raciocínio é este:
Conclusão: se a Lei Nova (LN) mais grave entra em vigor antes do momento da dose
mortal – aplicar-se-á esta lei ao agente, se entrar posteriormente, não poderá ser aplicada, sendo
assim aplicável a Lei Antiga (LA).
Não haveria problema se a Lei Nova fosse favorável quer porque despenalizava, quer
porque diminuía a responsabilidade penal: neste caso o art. 2/2.º e 2/4.º CP referem que há lugar
à aplicação da LN porque é mais favorável.
103
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
i) Deve se aplicar a LA, a não ser que a totalidade dos pressupostos se tenham
verificado na vigência desta:
1. LA
Sequestro qualificado: art. 2. A LN agrava a moldura penal que agora é de 4 a 10 anos o crime
158/2/a) do CP – o agente é LN de sequestro qualificado.
punido com pena de 2 a 10 anos Aqui não preenche o pressuposto de ser + de dois dias, se
se a privação de liberdade durar aplicarmos a lei nova há retroatividade da lei desfavorável.
+ de dois dias.
91
Segundo o Prof. Taipa de Carvalho.
104
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Se a lei posterior (LN) suprimir uma norma incriminadora, será injusto que agentes de
factos idênticos recebam tratamento radicalmente diferente (punição e não punição) conforme tais
factos sejam perpetuados antes ou depois da revogação da norma, e também não será necessário
na perspetiva da prevenção geral um tratamento diferenciado.
A lógica que subjaz o art. 2/2.º CP impõe assim que a revogação da norma incriminadora
tenha como consequência a extinção da pnea ou do procedimento criminal sem quaisquer
limitações.
O art. 29/4.º CRP: parece sugerir que a aplicação retroativa da lei penal + favorável
se poderia reter perante trânsito em julgado – na medida em que se refere a “leis de conteúdo mais
favorável ao arguido”, uma restrição pelo trânsito em julgado não se adequa no fundamento do
princípio da retroatividade mais favorável.
Não seria razoável supor que a estabilidade e a segurança se realizariam num Estado de
Direito Democrático em contradição com a igualdade e sem apoio no princípio da necessidade
da pena (art. 18/2.º CRP).
O texto constitucional não apoia qualquer restrição da garantia emanada no art. 2.º
CP – preceito em que o princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável se consagra de
modo mais amplo.
105
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
O art. 282/3.º CRP: também não se refere expressamente ao “caso julgado” o que
demonstra que o conceito de arguido utilizado, tanto no art. 282/3 da CRP como no art. 29/4.º
CRP não impõe uma restrição do princípio do caso julgado.
Deste modo o atual art. 2/4.º CP partindo do princípio geral da aplicabilidade da lei mais
favorável – prevê a cessação da condenação e todos os seus efeitos, logo que a parte da pena que
se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista em lei posterior: esta adaptação da
posição do condenado far-se-á nos termos do art. 371.º - A – CPP.
Vamos simplificar:
LA | Crime LN | Contraordenação
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Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Para o Prof. TAIPA DE CARVALHO neste caso não há uma verdadeira sucessão de leis no
tempo, porque o crime e a contraordenação têm regimes, sanções, e objeto de juízo
completamente diferentes, e as consequências são muito diversas porque neste caso se seguirmos
a posição do Prof. FIGUEIREDO DIAS diríamos que estávamos perante uma atenuação da pena,
portanto aplicávamos o art. 2/4.º CP, porque o FD não têm como o TC o pressuposto da sucessão
das leis no tempo, ora a solução que o Taipa de Carvalho encontra é aplicar o 2/2.º do CP, há uma
descriminalização. 92
92
(depois também explico melhor isto, não se assustem).
107
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Resolução:
L1 L2 Resultado
Isto é uma rasteira: porque estamos perante um crime instantâneo – consumam-se num dado
ponto específico/exato no tempo – o crime não deixa de ser instantâneo pelo facto de o resultado
do facto só se dar tanto tempo depois. Não nos podemos esquecer que o momento relevante é a
prática do facto, da conduta, previsto no art. 3.º CP sendo irrelevante o momento do resultado.
Portanto aplicar-se-á a L1 – não se aplica o art. 140/2.º CP que entra em vigor passado uma
semana da prática do ato, e como sabemos existe a proibição da retroatividade desfavorável – a
contrario art. 2/1.º CP.
b) Abel provocou o aborto durante a vigência do art. 140/2.º CP mas enquanto está a
ser julgado entra em vigor uma norma que despenaliza o aborto.
Resolução: Aplicação do art. 2/2.º CP: neste caso a lei penal posterior suprimiu uma norma
incriminadora, será injusto para os agentes de factos idênticos recebam tratamento radicalmente
diferente (punição e não punição) conforme os factos perpetuados antes da revogação da norma,
e também não será necessário na preceptiva da prevenção geral um tratamento diferenciado.
Portanto o art. 2/2.º CP impõe assim que a revogação da norma incriminadora tenha como
consequência a extinção da pena ou do procedimento criminal sem quaisquer limitações.
108
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
c) Abel está a cumprir pena de prisão a que foi condenado em virtude do seu crime –
quando entra em vigor a mesma norma despenalizadora.
R: Aplicação do art. 2/2/2ª do CP: houve condenação, foi transitada em julgado, cessam a
execução e os seus efeitos penais – então Abel pdoerá sair em liberdade: a lógica do art. 2/2.º do
CP impõe assim a revogação da norma incriminadora tenha como consequência a extinção da
pena.
d) Abel foi condenado em 2 anos e 6 meses de prisão e já cumpriu 2 anos de pena. Entra
em vigor uma norma que alterando o art. 140/2.º CP – fixa a pena máxima para o
crime em questão em 2 anos.
R: O TC entendeu antes da revisão de 2007 do CP que o art. 2/4.º CP que restringia a aplicação
da lei penal mais favorável pelo “trânsito em julgado” era inconstitucional desencadeando a
alteração legal daquele preceito – no sentido de não se manter essa restrição;
Deste modo o atual art. 2/4.º CP partindo do princípio geral da aplicabilidade da lei mais
favorável – prevê a cessação da condenação e de todos os seus efeitos, logo que “parte da pena
que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior” – Essa
adaptação da posição do condenado far-se-á nos termos do art. 371.º-A CCP (Código do
Processo Penal) :
Artigo371.º-A
Abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável
Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em
vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja
aplicado o novo regime.
R: Aplicação do art. 2/4.º CP: Abel cumprirá mais 1 ano e meio de prisão.
109
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
✓ LEIS INTERMÉDIAS;
✓ LEIS TEMPORÁRIAS OU DE EMERGÊNCIA;
✓ PROBLEMA DAS NORMAS INCONSTITUCIONAIS;
✓ PROBLEMA DA PRESCRIÇÃO;
IMAGINEM QUE:
A) D foi apanhado a conduzir sem carta por uma brigada de trânsito em 1994;
B) A lei à data do momento da prática do facto era L1 que criminalizava a condução
sem carta tida pelo CP de 1982.
C) Passou a contraordenação em 1995; (L2)
D) Foi criminalizado em 1999 e julgado em 1999 (L3)
110
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
RESOLUÇÃO:
1. Esta questão prende-se com a aplicação da lei intermédia mais favorável; (L2)
2. A LEI 1 E 3 não podem ser aplicadas, L1 porque operou a L2 e como não há uma sucessão
de leis no tempo (Taipa de Carvalho), aplica-se o art. 2/2.º CP, há uma descriminalização
da conduta (o Prof. FD aplica o art. 2/4.º CP).
3. A L3 também não pode ser aplicada, porque violaria a proibição da retroatividade
desfavorável nos termos do art. 29/1 e 4.º CRP e art. 1/1 e 2/1.º CP.
4. A L2 (contraordenação) poderia ser aplicada a um facto que era crime ao tempo em
que o agente atuou?
ii) PROF. FERNANDA PALMA + FIGUEIREDO DIAS: esta posição não é plausível
porque:
a) Haveria sempre a alguém a invocar a inconstitucionalidade da norma
transitória;
b) Não faz sentido invocar o princípio da legalidade das contraordenações na
medida em que a sanção da contraordenação não viola nenhuma expetativa
jurídica;
c) Há sucessão de leis penais: devendo aplicar-se o regime mais favorável ao
agente: art. 2/4.º do CP e art. 3/2.º do RGIMOS;
d) O Direito Penal e de Mera Ordenação Social são ramos do Direito
Sancionatório Público que asseguram as mesmas exigências de prevenção
geral;
As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio” à partida, o seu prazo de vigência;
são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado período de tempo pré-fixado.
São leis temporárias que caducam com o “terminus” da vigência que pré-fixaram.
111
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
As leis de emergência são as leis que face a determinado circunstancialismo anomal vêm
penalizar, criminalizar determinadas condutas que até aí não eram consideradas crime, ou
vêm efectivamente agravar a responsabilidade penal por determinado facto que até aí já era
crime, mas em que esse agravamento se deve tão só a situações ou circunstâncias anormais que
reclamam a situação de emergência.
Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso praticado
durante o período de vigência de uma lei de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em vigor por já
ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido pelo facto que praticou durante
esse período em que a lei estava efectivamente em vigor
Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira sucessão de
leis no tempo, porque:
1. A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei para que se
possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é só uma, sendo que faz
sentido falar em sucessão de leis penais no tempo e em retroactividade ou
irretroactividade quando estão em causa mais do que uma lei, pelo menos duas leis.
2. Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, de onde também não faz
sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é sempre a mesma.
2. RUI PEREIRA;
- A solução tem de caber no art. 282/1.º CR porque a lei é declarada inconstitucional e não se
pode invocar o art. 29/4.º CRP porque esta se refere a sucessão de leis inválidas (e não apenas a
uma lei).
- Rui Pereira: entende que os agentes praticaram o facto porque confiaram que a lei emitida era
uma lei válida, não devendo ser penalizados, devendo considerar-se que há exclusão da
responsabilidade por erro sobre a ilicitude do facto, nos termos do art. 17.º CP.
A) O art. 2.º da CRP vincula o Estado às leis que elabora se a pessoa ainda não foi punida
porque praticou um ato antes da lei ser inconstitucional, ou ainda não foi julgado, seria incorreto
que não se estender-se o art. 29/4.º CRP.
B) O Professor sustenta uma dupla analogia por razões de igualdade e segurança jurídica,
integrando-se estes nos casos do art. 29/4.º CRP e art. 282/1.º CRP, o fundamento +e também o
princípio da confiança, e o art. 2.º da CRO que obriga o legislador a ser objetivo imparcial
estabelecendo uma relação de confiança com os destinatários da lei.
113
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
C) E se não for uma descriminalização? Se a lei inconstitucional for mais favorável e estipular
uma redução da pena, não obstante o trânsito em julgado da decisão é aplicável o requerimento
do condenado, nos termos do art. 371.º A do CPP, implicando a reabertura de audiência para a
aplicação da lei concretamente + favorável;
§ Problema da prescrição;
Momento da prática
do facto – art. 3.º CP
Resolução:
1. O PROF. TAIPA DE CARVALHO, diz que o agente neste caso não deve ser punido por
nenhuma das duas leis, porque para aplicar a L2, tínhamos de vir ao passado buscar um
114
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
2. O Prof. Taipa de Carvalho refere que não há uma sucessão de leis penais, mas cautela:
SÓ NÃO HÁ SUCESSÃO DE LEIS PENAIS: se o elemento introduzido pela L2 for
verdadeiramente novo, se for um elemento que apenas concretiza ou especializa,
então já há sucessão de leis no tempo, logo não há desresponsabilização para o
agente.
3. O PROF. TAIPA DE CARVALHO refere que o arguido não pode ser julgado ao abrigo da
L1 porque o juízo de necessidade punitiva associado ao mesmo já se encontra
desatualizado não sendo suficiente.
4. A PROFESSORA FERNANDA PALMA: refere que há uma sucessão de leis penais porque
o crime de perigo abstrato aborda por si só, o crime de perigo concreto, ou seja, não há
elemento novo.
CRIME DE PERIGO
ABSTRATO;
CRIME DE
PERIGO
CONCRETO
115
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
93
Tal natureza universal da lei penal é o embrião de um Direito Internacional Penal, do qual se distingue o
chamado Direito Penal Internacional, que corresponde ao âmbito de validade especial do Direito Penal
Português fora do território do Estado.
94
Outros ramos do direito são muito diferentes.
Direito Penal, referindo-se à proteção dos bens essenciais da pessoa e atendendo aos valores que justificam
o próprio Estado, não pode ser radicalmente diverso de países que assentam no EDD. Há uma espécie de
natureza internacional que pode estar associada à filosofa do cosmopolitismo, pelo título de bens e valores
que prossegue.
Sustenta o princípio de reconhecimento mútuo na UE.
116
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Princípio da Territorialidade
O princípio-base no nosso sistema é o princípio da territorialidade95, uma vez que o
território é um elemento do Estado.
Assim, o princípio geral da aplicação do Direito Penal português no espaço é o princípio
da territorialidade da prática do facto (art. 4º CP). Segundo este princípio, o Estado aplica o
seu direito penal a todos os fatos penalmente relevantes que tenham ocorrido no seu
território, com indiferença por quem ou contra quem foram tais factos cometidos.
A aplicação da lei penal portuguesa por força da territorialidade depende do que se entenda
por território português e do que se considere praticar um facto em território português.
➢ Território português é o espaço definido como tal pela CRP, no art. 5º/1 e 2, e
pela lei, incluindo o espaço terrestre, marítimo e aéreo.
➢ Critério do Pavilhão96 – art. 4º/b – alargamento do princípio da territorialidade.
95
Figueiredo Dias: é o princípio basilar de aplicação da lei penal no espaço, devido a uma dupla ordem de
motivos:
1. Razões de índole interna (razões próprias de direito penal e de política criminal);
• É na sede do delito que mais vivamente se fazem sentir as necessidades de punição e de
cumprimento das suas finalidades, nomeadamente de prevenção positiva.
• É a comunidade onde o facto teve lugar que viu a sua paz jurídica por ele perturbada e
que exige por isso que a sua confiança no ordenamento jurídico e as suas expectativas na
vigência da norma sejam estabilizadas através da punição.
• A estas razões, acresce que o lugar do facto é também aquele onde melhor se pode
investigá-lo e fazer a sua prova e onde, por conseguinte, existem mais fundadas
expectativas de que possa obter-se uma decisão judicial justa.
2. Razões de índole externa (razões de direito internacional e de política estadual).
• O princípio da nacionalidade como base do sistema de aplicação da lei penal no espaço é
a via que facilita em maior medida a harmonia internacional, o respeito pela não
ingerência em assuntos de um Estado estrangeiro.
• Se a aplicação espacial da lei penal nacional é rigorosamente demarcada pelas fronteiras
de cada Estado, e se a generalidade dos Estados aceita este princípio, está então
descoberto o melhor caminho para que não se gerem conflitos internacionais (positivos
ou negativos) de competência interestadual.
96
FD: O critério do pavilhão justifica-se pela consideração tradicional de que aqueles navios e aeronaves
são ainda, se não facticamente, ao menos para efeitos normativos, “território português”. Parece, todavia,
dever entender-se que, sempre que o navio ou aeronave estejam surtos em porto ou aeroporto de país
diferente do do pavilhão, isso não retira competência à lei do lugar em nome do princípio base da
territorialidade, o que só favorecerá a necessidade eventualmente imperiosa, de intervenção imediata de
autoridades policias ou mesmo judiciárias. Quando tal sucede dar-se-á, no máximo, um conflito positivo
de competências.
97
Inês Ferreira Leite: no caso de conflitos plurilocalizados, deve dar-se prevalência ao local onde se tenha
praticado a maior parte do crime
117
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Os critérios dos arts. 2º e 3º do CP, derivados diretamente do art. 29º/1 CRP, aplicam-se,
assim, independentemente do princípio da ubiquidade que apenas pretende estabelecer o âmbito
de validade espacial da lei penal portuguesa.
A aplicação da lei penal portuguesa nos termos dos arts. 4º e 7º do CP não dispensa a
observância de todos os princípios a que a mesma se subordina (aplicação no tempo,
proibição da analogia, etc.).
Deve entender-se, igualmente, que o art. 7º se basta com a tentativa inacabada, mas não já
com a prática de atos preparatórios98 não puníveis (arts. 21º e 22º CP), para a definição do lugar
da prática do facto.
Quanto ao caso de tentativa, dispõe o nº2 do art. 7º CP. Como a doutrina penal tem
entendido que a tentativa é um crime de perigo concreto99 que os crimes de perigo concreto são
crimes de resultado, tem todo o sentido que caiba no art. 7º CP a mera possibilidade da ocorrência
do resultado no nosso território, isto é, o perigo concreto de uma tal ocorrência, quando toda a
ação criminosa se desenrola no estrangeiro.
Questão que subsiste é a de saber se a mera ocorrência do dano (lesão do bem jurídico) sem
que o resultado típico se verifique em Portugal permite considerar praticado em território
português o facto.
Exemplo:
Se alguém proferir no estrangeiro difamação perante terceiro contra pessoa vivendo em Portugal,
poder-se-á afirmar que o facto foi praticado em Portugal, considerando que apenas a lesão da honra
se conexiona com uma pessoa vivendo em território português e o resultado típico se verificou no
estrangeiro?
98
Com exceção dos atos preparatórios realizados num contexto de comparticipação criminosa, como
sucede, por exemplo, na cumplicidade.
99
O perigo, nos crimes de perigo concreto, é um elemento integrante da factualidade típica, algo que
ultrapassa a ação típica e que se imputa objetivamente àquela, significando um acontecimento relevante
para o Direito para além da ação típica. O perigo afronta assim a Ordem Jurídica e põe em causa a segurança
dos bens e a confiança no Direito, clamando pela soberania punitiva do Estado, do mesmo modo que a ação
ou o resultado.
118
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Neste caso, o art. 7º só poderia abranger o dano através de uma analogia incriminadora
proibida pelo art. 1º/3 CP? A resposta será negativa, na medida em que o dano nunca é uma lesão
ideal do bem jurídico totalmente desligada de um certo evento contraponível e imputável à ação
típica. Embora esse evento não seja necessário para a tipicidade, porque o resultado típico pode
corresponder a uma fase menos concretizada e avançada da lesão do bem jurídico, todo o dano
pressupõe, nos crimes de resultado, uma manutenção do resultado típico ou a sua intensificação.
Apesar de bastar para a definição do local da prática do crime a realização do resultado típico,
esse primeiro momento (ou esse momento mínimo) não afasta a conexão com a ordem jurídica
portuguesa, quando apenas se relacione com ela a perduração do mesmo resultado. Será isso
mesmo que aconteceria nos casos de injúria. Deste modo, naqueles tipos legais de crimes em que
a tipicidade se consuma com um resultado anterior à lesão efetiva do bem jurídico (por exemplo,
nos casos dos arts. 256º e 262º do CP), a produção do dano (prejuízo de uma pessoa ou do Estado)
é elemento de conexão especial com a lei portuguesa, pressupondo uma intensificação ou um
desenvolvimento do evento típico.
Finalmente, a Revisão de 1998, previu exatamente uma alteração muito significativa nos
casos em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver
produzido em território nacional. Também aí, nos casos de crimes de resultado cortado ou parcial
ou naqueles em que se prevê uma espécie de consumação antecipada, de natureza formal, e
existirá uma outra consumação material se determina a aplicação da lei portuguesa. Exemplos
desses casos são os crimes de perigo comum (arts. 272º e ss) ou os crimes de falsificação (arts. 255º e ss).
Em vários desses crimes, também o resultado material que não é já necessário para a consumação continua
a ser relevante para a determinação do lugar da prática do crime.
119
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
100
FD: O princípio da universalidade visa permitir a aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos
no estrangeiro que atentam contra bens jurídicos carecidos de proteção internacional ou que, de todo o
modo, o Estado português se obrigou internacionalmente a proteger. Por isso o princípio deve valer
independentemente da sedes delicti e da nacionalidade do agente. Do que se trata é do reconhecimento do
caráter supranacional de certos bens jurídicos e que por conseguinte apelam para a sua proteção a nível
mundial.
120
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Princípio da Nacionalidade
Princípio segundo o qual o Estado pune todos os factos penalmente relevantes praticados
pelos seus nacionais, com indiferença pelo lugar onde eles foram praticados e por aquelas
pessoas contra quem o foram.
➢ FD: O princípio da nacionalidade surge como princípio da personalidade ativa: o
agente é um português.
➢ Fala-se, todavia, hoje, também, de um princípio da personalidade passiva, para
efeitos de aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no estrangeiro por
estrangeiros contra portugueses.
Consagrado no art. 5º/1 e) CP.
• A lei penal aplica-se a factos praticados fora do território nacional por portugueses
(princípio da nacionalidade ativa) ou por estrangeiros contra portugueses (princípio
da nacionalidade passiva), desde que certos requisitos (art. 5º/1 e i, ii e iii) se
verifiquem.101
101
FD: Análise do art. 5º/1/e CP
i. Agentes encontrados em Portugal
• Esta condição explica-se:
o Quanto ao princípio da personalidade ativa, por ser nela que se
concretiza a razão que lhe dá fundamento: a não extradição de
nacionais;
o Quanto ao princípio da personalidade passiva, por nele se tratar de
uma extensão do princípio da nacionalidade justificada por razões de
índole muito especial.
ii. Que o facto seja também punível pela legislação do lugar em que tiver sido praticado
• Esta é a condição materialmente mais importante de aplicação do princípio da
nacionalidade e que mais claramente o converte em princípio subsidiário.
• Não é em regra razoável estar a submeter ao poder punitivo alguém que
praticou o facto num lugar onde ele não é considerado penalmente relevante
e onde, por isso, não se fazem sentir quaisquer exigências preventivas. Pelo
menos no que tange o princípio da personalidade ativa. Já considerando o
fundamento da personalidade passiva, a exigência torna-se menos clara, uma
vez que o que aí está em causa é um propósito de proteção de interesses
especificamente nacionais.
iii. Que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser concedida. É
um requisito negativo. Quem não extradita, julga.
• Trata-se aqui claramente de uma reafirmação da conceção do legislador
segundo a qual o princípio da territorialidade deve não apenas no conspecto
nacional, mas internacional, constituir o princípio-base, e o princípio da
nacionalidade o complemento. Se a extradição fosse jurídica e facticamente
possível, ela deveria ser concedida e o princípio pessoal deveria regredir.
.
121
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Requisitos cumulativos do art. 5º/1/e com expressão de punibilidade. Estes requisitos limitam
o âmbito de influência do poder punitivo do Estado português com um duplo fundamento:
Art. 5º/1/b CP ainda alarga o poder punitivo do Estado português às situações em que
portugueses cometam factos no estrangeiro contra portugueses, sem que o requisito da
punibilidade pela legislação do lugar se verifique, desde que tais agentes vivam habitualmente
em Portugal ao tempo da prática desses factos e aqui sejam encontrados.
Esta última manifestação da nacionalidade reporta-se a situações em que os
agentes praticam os factos no estrangeiro para se subtraírem
propositadamente ao poder punitivo do Estado português, sem que, no entanto,
estejam determinados pela irrelevância penal das suas condutas, não tendo
cabimento assegurar expectativas ou proteger a igualdade na proteção jurídica entre
esses agentes e os estrangeiros.
A necessidade político-criminal justifica-se nestes casos enquanto se
sancionam portugueses que mantêm um dever de fidelidade à lei portuguesa devido
a um vínculo ativo de cidadania, na medida em que vivem habitualmente em
território português.
Nestes casos, as condições do art. 5º/1/e não são exigidas, porque há
verdadeiramente um interesse em aplicar ao agente a lei penal portuguesa e não
apenas em suprir lacunas de punibilidade.
Pode questionar-se quais os contornos concetuais e o âmbito da exigência de punição no
lugar em que os factos tiverem sido praticados. É exigida uma punibilidade em abstrato (as meras
tipicidade e ilicitude) ou em concreto a inexistência de causas de exclusão da culpa ou da
punibilidade reportas à pessoa do agente?
122
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
→ Prof. Maria Fernanda Palma: a melhor interpretação do art. 5º/1/e/ii CP, imporá que a
lei penal portuguesa seja aplicável, por força do princípio da nacionalidade conjugado
com o da aplicação da lei penal estrangeira mais favorável, somente nos casos em que o
facto seja em concreto punível no país estrangeiro.
o A circunstância do art. 6º/1 CP impor a aplicação da lei penal estrangeira
mais favorável nos casos em que o agente foi julgado no estrangeiro (e se
subtraiu à condenação) ou não foi julgado no estrangeiro impõe, por maioria
de razão, que onde o agente nem pudesse ter sido julgado no estrangeiro (por
força de uma condição de procedibilidade) ou em que, se fosse julgado
nunca poderia ter sido condenado (em virtude de causa de exclusão de culpa,
por exemplo), nem sequer deva ser submetido à aplicabilidade da lei penal
portuguesa.
Historicamente, o art. 5º/1/b CP tinha como objetivo contemplar crimes como a bigamia e
o aborto. Pergunta-se, hoje, se este último crime pode ser entendido como crime contra
portugueses, sem o recurso a analogia, no caso do aborto consentido previsto no art.140º/2 CP, já
que o feto parece não ser, no sentido normal das palavras, um cidadão português.
Ora, apesar de o aborto consentido proibido ter como objeto da ação típica o próprio feto e
o bem jurídico ser a vida intra-uterina, são ainda os interesses da sociedade portuguesa como um
todo, como em qualquer outro crime, que são afetados. A vida intra-uterina de “futuro cidadão
português” é assim um bem jurídico cuja tutela penal se tem que justificar por um interesse
objetivo da sociedade.
Não há, portanto, neste caso, qualquer necessidade de recorrer à analogia, entre o
conceito de feto e o de cidadão português, na medida em que é possível através de
interpretação sistematicamente justificada referir o sujeito passivo do crime a toda a
sociedade, isto é, a todos os portugueses.
Por outro lado, em inúmeras outras infrações, há uma mera titularidade coletiva do bem
jurídico a justificar a incriminação, como acontece nos crimes contra a vida em sociedade ou
contra o Estados (arts. 247º-307º e 308º-385º CP).
Segundo esta argumentação não estaríamos, assim, perante qualquer analogia proibida.
Todavia, não podemos esquecer que o art. 5º/1, al. b CP é um paralelo da al. e) na alínea e
nesta última alínea pensamos em portugueses como pessoas jurídicas. Assim, o elemento
sistemático impede entender o sentido das palavras em termos meramente semânticos.
Assim, sendo a norma sistematicamente mais próxima o art. 5º, al. e), aparentemente referida
à direta proteção pessoal dos portugueses, na perspetiva da nacionalidade passiva, e não aos
interesses coletivos dos portugueses e sendo simultaneamente a alínea b) moldada pelo sentido
da alínea e), como uma sua extensão, o elemento sistemático da interpretação de uma norma
123
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
124
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Resulta assim do próprio art. 6º/1 e 2, que as situações contempladas naquele outro
preceito não deveriam ser incluídas.
• Na verdade, o art. 6º pressupõe que o facto seja punível em país estrangeiro,
enquanto a alínea a) ou b) do art. 5º/1 se baseiam, exatamente, em o facto não ser
punível no território em que é praticado nem em abstrato nem em concreto102 ou ser
menos gravemente punível.
Também a circunstância de o art. 5º/1/e ii, ter sido interpretado com referência ao princípio
da aplicação da lei penal mais favorável, fazendo uma interpretação da punibilidade pela
legislação estrangeira no sentido de punibilidade em concreto, não contende com a referida
subtração da alínea b) do art. 5º/1 CP ao mesmo princípio, pois os casos previstos neste último
preceito nunca são, por natureza, comparáveis (em termos de igualdade e necessidade) aos factos
semelhantes cometidos por estrangeiros no respetivo país.
A subtração ao princípio da lei mais favorável também se prevê, nos casos de terrorismo (art. 8º/2,
relativamente aos crimes de organização terrorista e de terrorismo previstos nos arts. 2º e 4º da Lei nº
52/2003) e nos crimes de violação do Direito Internacional Humanitário previstos na Lei nº 31/2004, nos
termos do art. 5º/2 CP. Dada a gravidade dos crimes e o facto de o Estado Português se assumir como
representante da comunidade internacional de modo proativo e não meramente para cobrir lacunas de
punibilidade, não se justifica a aplicação da lei estrangeira mais favorável.
102
Punição em concreto significa punibilidade efetiva do facto, consideradas todas as circunstâncias da sua
ocorrência e até mesmo os aspetos relacionados com a culpa do autor.
103
Sobre esta questão, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem, todavia, apenas o âmbito literal da
proibição constitucional, distinguindo o duplo julgamento da dupla penalização e concluindo que, embora
só o primeiro seja vedado expressamente pela CRP, o segundo é abrangido pelas finalidades da proibição
constitucional. Ora, essas finalidades não podem ser totalmente esclarecidas apenas pelo sentido histórico
125
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
A resposta a tal questão, no puro plano da constitucionalidade, impõe o reconhecimento de
que o princípio non bis in idem é a expressão da garantia de que a perseguição criminal
mediante o processo penal não é instrumento de arbitrariedade do poder punitivo, utilizável
renovadamente e sem limites, mas é antes um modo controlável e garantido de aplicação
do Direito Penal.
Assim, tanto a repetição do julgamento pelo mesmo crime, de que se foi absolvido ou
condenado a certa pena, como a repetição da punição do agente já condenado e punido
constituem claras negações do valor geral do processo penal e do direito do arguido a que o
Estado se vincule ao desfecho do processo penal que desencadeou.
Esta lógica fundamentadora não restringe a aplicação do princípio aos julgamentos
realizados por tribunais portugueses. Por outro lado, o poder punitivo do Estado português terá
que se justificar pela estrita necessidade de intervir (julgar e punir), nos termos do art. 18º/2 CRP.
De um modo geral, a necessidade de intervenção do poder punitivo quando uma pessoa for
julgada e absolvida no estrangeiro ou já aí cumpriu a pena, não existe. Apenas quando a
intervenção penal se justifica pela proteção de interesses nacionais é legítima a renovada
intervenção punitiva do Estado português.
O princípio non bis in idem surge, deste modo, como uma emanação de duas ideias
fundamentais: a vinculação do poder punitivo do Estado de Direito pelo desfecho do processo
penal e o próprio princípio da necessidade da intervenção penal.
➢ Prof. Maria Fernanda Palma: este horizonte valorativo do princípio non bis in
idem assegura-lhe universalidade, mas pressupõe, igualmente, uma harmonização
dos direitos que não existe na comunidade internacional.
O sentido da expressão “julgado pelo mesmo crime”104, no art. 29º/5 CRP, é conferido
essencialmente pelos conceitos de processo penal e de julgamento na ordem jurídica portuguesa,
de modo que um “julgamento” sem quaisquer garantias de independência e imparcialidade
do tribunal não pode em rigor impor a aplicação do princípio non bis in idem.105
do princípio (dimensão de defesa contra o Estado e de obrigação do Estado à definição no caso julgado
material), mas terão de ser compreendidas na conexão desta proibição constitucional com a ideia de Estado
de Direito (princípio de limitação do poder do Estado pelo seu Direito – objetividade e confiança) e com o
princípio da necessidade da intervenção penal.
104
O que se entende por “o mesmo crime” não é fácil de compreender – são os mesmos factos sociais mas
com diferente nomem iuris? São somente o cartão de identidade do crime?
Ex: certos Estados não têm figura de violência doméstica, mas têm as ofensas corporais. Alguém que já foi
julgado por ofensas corporais pode depois em Portugal ser julgado por violência doméstica?
MFP: se o que fosse decisivo fosse apenas o nomen iuris ou a perspetiva do legislador nacional, podia-se
incorrer em duplicações, que do ponto de vista das garantias podiam ser muito restritivas da liberdade dos
destinatários e da segurança jurídica. O nomem iuris não é significativo. O que é significativo é que a
significação social e cultural dos factos sejam valorados/contemplados de forma essencialmente
idêntica nos diferentes Estados e o bem jurídico, aquilo que está protegido, é essencialmente idêntico.
O que dita é o significado pré-social do facto e o conteúdo do bem jurídico protegido pelas normas.
105
Quando não há convenção entre Estados, os Tribunais portugueses não fazem cumprir sentenças
estrangeiras de forma imediata e direta, porque poderão não respeitar as CRP e as garantias
processuais penais. Tem que haver alguma forma de se reconhecer as sentenças estrangeiras.
➢ Lei 144/99 dá solução.
o Art. 95º e 100º - permite executar em Portugal as sentenças estrangeiras nas condições
da lei
o Não se pode dizer que há violação do non bis inidem quando a lei nacional instaura um
procedimento que é de verificação de garantias – não há novo julgamento, há só
126
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Uma resposta mais radical, considera o art. 6º/1 CP, in fine, incompatível com o art.
29º/5 CRP, na medida em que em caso de subtração ao cumprimento da pena se
viesse renovar, em Portugal, o julgamento pelo mesmo crime.
A inconstitucionalidade dessa parte final do art. 6º/1 CP seria sempre evitada,
todavia, pela interpretação do preceito no sentido de que o novo julgamento (pelo
qual nunca seria aplicável lei penal menos favorável a que fundamentou a
condenação) se limitaria a rever e confirmar a sentença estrangeira à luz da lei penal
mais favorável, nos termos preconizados pelo CPP.
Porém, a proteção mais absoluta do non bis in idem em situações em que não haveria qualquer
acordo internacional sobre a eficácia das sentenças estrangeiras não é exigível pela CRP, desde
que o novo julgamento preconizado esteja contido nos seus resultados pelo princípio do
“desconto”, isto é, desde que a pena já cumprida seja efetivamente descontada na condenação
(art. 82º CP). Deste modo, o princípio non bis in idem atinge em absoluto um efeito impeditivo
de dupla punição, mas não um efeito impeditivo de repetição do julgamento realizado em país
estrangeiro.
O art. 6º/2 CP estabelece ainda um sistema de conversão da pena aplicável naquela pena que
lhe corresponder no sistema português ou que a lei portuguesa previr para o facto. Tal sistema
refere-se não só à aplicação do Direito Penal estrangeiro em sentença proferida por tribunais
portugueses como também à revisão e à confirmação de sentença penal estrangeira pelos tribunais
portugueses.
127
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
106
Relaciona Estados que são parceiros no plano internacional e articulam-se as soberanias punitivas,
submetendo-os a alguns critérios.
107
A configuração concreta de um processo justo e equitativo não tem de ser moldada á imagem e
semelhança da CRP, mas apesar de estruturas processuais diversas oferecidas pelo Direito estrangeiro, têm
de estar asseguradas as garantias essenciais de um processo penal de Estado de Direito como resultam desde
logo das fontes internacionais, tais como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (arts. 5º, 6º e 7º,
sobretudo) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 8º a 11º, fundamentalmente).
108
critério é muito importante porque há total coerência com a CRP e na cooperação judiciária internacional
com a posição de Portugal quanto à pena de morte.
128
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
o
Garantias diplomáticas nunca serão admitida.
o
O Estado requisitante tem de, de acordo com a sua ordem jurídica, vincular-
se juridicamente que, para aquele caso em concreto não haverá pena de
morte – não basta uma vinculação politica ou diplomática, tem que
haver uma alteração da ordem jurídica daquele Estado concreto para
que, naquele caso, não se aplique a pena de morte.
o Art. 6º/f Lei 144/99 não corresponde exatamente à CRP mas é lugar paralelo.
3. PRINCÍPIO DA RESTRIÇÃO DA EXTRADIÇÃO POR CRIMES A QUE
CORRESPONDA “SEGUNDO O DIREITO DO ESTADO REQUISITANTE PENA OU
MEDIDA DE SEGURANÇA PRIVATIVA OU RESTRITIVA DA LIBERDADE COM
CARÁTER PERPÉTUO OU DE DURAÇÃO INDEFINIDA” (art. 33º/4 CRP e 6º/1, al f da
Lei 144/99).
• Não se trata, é certo, de uma mera garantia diplomática ad hoc, mas de uma
vinculação com juridicidade, embora apenas no plano internacional110. Sobretudo
após 2004, tornou-se claro que as garantias estão associadas a uma convenção
internacional e não serão apenas um plus relativamente a uma convenção em matéria
de extradição. A interpretação de que seriam bastantes garantias diplomáticas
concretas ad hoc não resulta da norma constitucional.
• Deste modo, o sentido do texto corresponde a uma exigência de um acordo entre o
Estado português e o outro Estado em matéria de extradição, não necessariamente
109
Acórdão do TC foi muito discutido se já não se estaria a violar os limites materiais de revisão.
Acórdão diz que, diferente do que pretendia o provedor de justiça, não é inconstitucional o art. 6º/2/a Lei
144/98 – possibilidades de cooperação aí previstas
• MFP: deve ser entendido para não violar a CRP (art. 33º/6), no sentido de que há vinculação
jurídica dos Tribunais ex-ante, antes de ser concedida a extradição. Tem que haver alteração
jurídica interna, de modo vinculativo e irreversível para os Tribunais.
• Imprecisão do conselheiro Cardoso da Costa é em relação à prisão perpétua ou penas de caráter
indefinido – ainda tem de existir vinculação jurídica, não necessariamente de direito interno,
mas tem de haver uma vinculação ao nível do DIP, através de convenção que vincule o Estado
Português.
o Não é um acordo de extradição, é necessário uma convenção que contenha como objeto
as garantias (de DIP) de respeito e de não aplicação da pena perpétua – são garantia
jurídicas e não apenas políticas.
Grande tema de discussão do acórdão: desligar a pena de morte da pena de prisão perpétua não viola os
limites materiais de revisão da CRP?
• Não ultrapassa os limites do art. 33º/4 CRP pois ainda há garantias de DIP que têm de existir.
110
Cf. o Acórdão do TC nº1/2001 e nº348/2005.
129
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Para além destes princípios de matriz constitucional, a LEI Nº 144/99 estabelece critérios
gerais relativos à cooperação judiciária internacional em matéria penal, aplicáveis tanto à
extradição passiva (o Estado português é solicitado) como à extradição ativa (o Estado português
é requisitante), tais como a reciprocidade e a especialidade. Por outro lado, a lei também prevê,
para além dos requisitos gerais da extradição, requisitos concretos de inadmissibilidade da
extradição e outras razões apenas invocáveis facultativamente pelo Estado português.
• A reciprocidade está prevista no art. 4º como critério geral, embora não obste, no
caso de não se verificar, à cooperação se razões de política criminal várias o
aconselharem, tais como a prevenção geral, a prevenção especial e a própria proteção
de cidadãos portugueses.
• A especialidade prevista no art. 16º é uma garantia e uma condição da validade da
extradição.
Finalmente, para além dos requisitos gerais negativos constitucionais relativos à extradição
passiva, que a lei igualmente formula e densifica nos arts. 6º e 32º, prevê ainda a lei outros
requisitos tais como o facto ter sido cometido em território português (art. 32º/1 a), o facto de
o crime ser da competência do tribunal requisitante e ser punível pela lei portuguesa e pela
lei do Estado requisitante com pena não inferior a um ano de prisão (art. 31º/2) ou o crime
não ter uma determina natureza como, para além da já referida natureza política, a natureza
militar (art. 7º/1 b).
Note-se que a interpretação das garantias exigíveis para a extradição referidas no art. 6º/2 b,
foi objeto de fiscalização de constitucionalidade pelo Ac. do TC nº 1/2001, o qual embora apenas
tivesse tido como objeto a norma relativa à pena de morte prevista no art. 6º/2 a, acabou por
analisar ainda a própria al. b, referindo a sua compatibilidade com a CRP.
Outra causa de inadmissibilidade da extradição é a extinção da responsabilidade penal do
extraditando por extinção do procedimento criminal em Portugal ou noutro Estado em que
tenha sido instaurado o procedimento criminal pelo mesmo facto (art. 8º). Trata-se de uma
ausência de fundamento e de verificação do fim da extradição, a que se refere o art. 31º e em geral
uma decorrência do princípio non bis in idem, previsto no art. 29º/5 CRP.
A Lei nº 144/99 prevê ainda situações de recusa facultativa de extradição, como a reduzida
importância da infração (art. 10º), outros critérios atinentes de política criminal (art. 18º) ou ainda,
os casos de cidadãos nacionais em que, sendo possível a extradição, nos termos de convenção
internacional, de certos crimes como o de terrorismo ou de criminalidade organizada, o Estado
Português decida não o fazer, o que resulta do art. 32º/2 da Lei nº 144/99, que prevê a
admissibilidade da extradição nesses casos, mas não a sua obrigatoriedade.
130
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Mas já não é bem assim, devido ao Mandado de Detenção Europeu (Lei 65/2003).
• Art. 13º tem condições que não são tão rigorosas e exigentes como as do art. 33º/4
Art. 11º estabelece as causas de recusa obrigatória – não têm nenhuma flexibilização
131
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• MFP: a nossa lei não viola a Decisão-Quadro, embora a nossa lei tenha
transformado o “pode” numa restrição. Nossa lei dá uma decisão no âmbito
possível da Decisão-Quadro que é mais restrita, mas também mais garantística,
mas nada disso viola a Decisão-Quadro.
2. MFP: O art. 2º/3 parece ter, de ponto de vista sistemático, alguma superioridade –
mas isso é apenas formalmente.
• Dizer que este artigo é compatível com Decisão-Quadro e está mais de acordo
com a CRP leva a que se faça interpretação abrogante do art. 12º (porque se
está a ler “deve” onde está escrito “pode”) que é justificada pelo princípio da
necessidade da pena, maior proteção do direito à liberdade e outros valores
constitucionais.
• Esta ab-rogação não é contraditória com os princípios da lei penal. Mas levanta,
na mesma, problemas. Se não se poder entregar, terá de se julgar. Mas é
possível julgar? Art. 6º CP resolve se é possível julgar. Que lei se aplica? A lei
estrangeira não é mais favorável e na lei portuguesa não é crime, logo, pelo
princípio da legalidade, não é possível punir. Se for contraordenação ainda pode
dar resposta punitiva, mas se não, não pode responder.
111
Helena Morão: art. 12º é disparate e configura um erro de transposição da decisão-quadro, pois teriam
de ser expostos quais os motivos desta alteração
112
Extradição é somente entre Portugal e Estados não-membros da UE
132
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
CASOS PRÁTICOS
A, português, e B, francesa, na Arábia Saudita, têm uma relação extra-matrimonial. Depois, entretanto, há um saudita
e uma saudita e a relação matrimonial violada tinha sido a dos sauditas. Estes factos consubstanciavam o crime de
violação do crime matrimonial. Fogem os dois para Portugal e agora a Arábia Saudita pede a extradição destas duas
pessoas.
Art. 7º CP – o lugar da prática do facto é a Arábia Saudita. Portugal não é territorialmente competente, mas temos
de aferir se PT pode julgar ou não nos termos do art. 5º.
Quanto ao A, temos de aferir se se aplica o art. 5º/e i está verificado; ii – exigir-se que seja punido na prática do
facto – está verificado; o iii não está cumprido – constitua crime
33º/3 CRP e 32º/2 Lei da extradição – não se extraditam nacionais a não ser que se verifiquem os requisitos.
Dupla incriminação (art. 31º da lei da extradição; art. 2º, mas o nº2 tem exceções à dupla incriminação – porque
é que é assim? Por causa do princípio do mútuo reconhecimento; a lista não tem tipos penais, há varias alíneas que são
genéricas, dizem respeito a um certo tipo de atividade criminosa, não é propriamente um crime; causa facultativa de
recusa da entrega quando não esteja fora dos casos do 2º/2 da dupla incriminação, ou seja, quando não haja dupla
incriminação e não haja os requisitos da dupla incriminação, PT pode recusar a entrega. Há uma discussão a este
propósito que tem a ver com isto. Se não há dupla incriminação e não há estes requisitos, quem leia o 2º/3, parece que
PT não pode entregar. Parece que está a ser taxativo, vinculativo. Mas quando vamos ao 12º/a, o dever transforma-se
numa faculdade, porque a recusa nesse art. é facultativa. Há aqui uma discussão de saber como se deve interpretar isto:
é o 2º/3 que tem de ser interpretado no sentido de que é uma mera faculdade, ou é o 12º/a que tem de ser interpretado
no sentido que onde diz pode deve ser deve. JMV: neste caso, a decisão quadro quis dar liberdade ao julgador para
recusar ou executar o mandato. Seria abusivo admitir que o pode do art. 12º/a se transformasse num deve e, portanto,
a solução mais correta é admitir que neste caso é um caso de recusa facultativa – e 12º/a da lei do mandado de detenção
europeu).
133
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
2º- A resolução de um caso prático relativa à aplicação da lei no espaço terá de atender a
duas situações:
europeu.
que o critério da tomada de decisão se justifica através dos fins das penas,
nomeadamente através da prevenção especial. ( Por exemplo A é luso-americano,
ele pode extinguir a nacionalidade americana antes da tomada de decisão sobre a
extradição, o legislador entendeu que este motivo , o momento importante é da
tomada de decisão e não da prática do facto). O art. 5/1/e) CP é uma norma
incriminadora, sendo que o art. 32/6º não o é, dái o critério ser diferente.
2. A Residência – veja-se o critério do art. 5/1/b do CP.
3. Onde o individuo se encontra no momento | - art. 5/1/c) d) + e) (i) + f) do CP.
4. Há ou não pedido de extradição? Se sim, porque crime e qual a pena? É
importante para fazer cumprir o requisito do art. 31/2 da Lei da Extradição – está
plasmado neste o artigo o critério da dupla incriminação: significa que só é
admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime , ainda que tentando,
punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente. – Tem de haver
coincidência entre o crime em Portugal e o Estado requerente. E a pena não pode
ser inferior a 1 ano.
O art. 32/2º da Lei da Extradição tem de ser interligado com o art. 33/3 do CRP.
Quid iuris quando um pedido de cooperação incide sobre uma pena de morte ou perpétua?
✓ O art. 6/2 vem nos dizer que se o Estado que formula o pedido tiver previamente
comutado a pena de morte ou outra de que possa resultar de lesão irreversível
da integridade da pessoa ou tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida
à pena, pode então considerar-se que nestes casos em que o Estado requerente
afasta a execução destas penas e promove garantias jurídicas de não as executar,
não há objeção à cooperação.
Relativamente à pena perpétua: art. 6/2/b) interligado com o art. 6/3 da Lei da
extradição.
135
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
1. Art. 2/1 + art. 2/3 – critério da dupla incriminação – a pena tem de ser superior a
12 meses.
2. Art. 2/2 – neste caso não se controla o critério da dupla incriminação- basta que
o crime seja reconhecido no Estado emissor – há uma atenuação da dupla
incriminação, isto deve-se pois neste tipo de crimes os Estados Membros
entendem que não é necessária a verificação do critério da dupla incriminação,
partem do princípio que o outro Estado-membro tem estes crimes tipificados no
seu ordenamento jurídico.
3. Atenção ao art. 11º ( causas de recusa da extradição obrigatória ) Neste caso
Portugal tem mesmo de recusar a extradição.
4. O art. 12º diz respeito a causas de recusa facultativas
5. No art. 13º - Portugal tem de entregar o individuo – mas com uma garantia ( esta
garantia é sempre jurídica) : ou seja quando estão em causa penas perpétuas.
136
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Imunidades são dadas devido a serem pessoas com uma certa categoria funcional
Houve uma evolução histórica:
→ A fragmentação do Parlamento, no seio do qual a luta entre maioria e oposição assume o
protagonismo, gerando a necessidade de proteger os deputados contra a própria maioria
parlamentar, representativa do poder executivo;
→ A autonomia do poder judicial em face do poder executivo, a par de uma desvinculação da
interpretação e aplicação do Direito de uma estrita vinculação à letra da lei;
→ A distribuição dos poderes democráticos representativos pelo Parlamento e por órgãos
executivos eleitos (como o Presidente da República, nos sistemas presidenciais e
semipresidenciais) retirando aos deputados o exclusivo da representação parlamentar.
Que funções e valores justificam hoje as imunidades? Que sentido tem proteger os deputados,
como titulares do poder legislativo, dos restantes poderes e da própria sociedade?
É pertinente manter a liberdade de discurso, enquanto tal, como fundamento de uma absoluta
irresponsabilidade, tendo em conta a natureza cada vez mais complexa da atividade parlamentar e
os efeitos discriminatórios de certas intervenções?
A tradicional inviolabilidade que ultrapassa a liberdade de voto e opinião, abrangendo outras
condutas de deputados suscetíveis de responsabilidade criminal tem ainda justificação, à luz da
independência do poder judicial?
Que papel pode assumir, legitimamente, o Parlamento no seu autogoverno, autorizando a sujeição
a processo dos deputados suspeitos de crimes?
Relativamente a outros titulares de cargos públicos tais como os membros do Governo ou o
Presidente da República como se fundamental as imunidades?
113
O levantamento das imunidades ser pelo Parlamento e não pelos Tribunais é uma preservação do
Parlamento face ao poder judicial.
138
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
português, embora a sua intensidade se justifique historicamente pela mitificação do poder do monarca
como poder supremo.
• A questão que se coloca é saber o que se deve entender por crimes praticados no
exercício de funções. 115
• Numa interpretação sistemática, restritiva, tratar-se-ia apenas dos crimes de
responsabilidade política a que se refere a Lei nº34/87, de 16 de julho, para onde
remete o art. 117º CRP
• No entanto, existem outros crimes nomeadamente contra o Estado (arts. 308º e ss)
ou contra a humanidade que pressupõem o abuso ou desvio dos poderes e que terão
de se enquadrar em função da ratio legis no âmbito dos crimes no exercício de
funções.
• A conexão com o exercício de funções deve ser entendida num sentido material,
abrangendo tanto o exercício de atividades próprias das funções como outras
ações ou omissões que tenham o exercício de funções como causa ou
finalidade.116 Assim, por exemplo, um homicídio para ocultar um erro político ou um facto
da vida privada que poria em causa a posição do Presidente, não deixaria de poder ser
entendido como um crime cometido no exercício de funções.
Por outro lado, a suspensão do procedimento criminal relativamente a crimes fora do
exercício de funções não deveria poder afetar os prazos prescricionais previstos no CP, embora
tal situação não esteja prevista nem para determinar o início do prazo do procedimento criminal
nem como causa de interrupção da prescrição. Apenas a referência no art. 120º/1 a) CP ao
impedimento legal do início do procedimento criminal como causa de suspensão permite regular
sem violação do princípio da legalidade a adequação do regime constitucional ao legal.
No que se refere ao PM e aos membros do Governo, a CRP prevê no art. 196º um regime
semelhante ao dos Deputados no que se refere à efetivação da responsabilidade criminal,
não reproduzindo obviamente a irresponsabilidade dos Deputados quanto às suas opiniões
e votos prevista no art. 157º/1 CRP.
114
JOMI: Crimes de Responsabilidade
115
MFP: ainda há um excesso de imunidade no caso do PR. Mas, como em Portugal nunca houve
problemas, não é facto problemático.
116
Alguns destes crimes, que não são crimes no exercício de funções, exercidos tipicamente a partir das
funções, se forem motivados pelo exercício das funções ou orientados para certa área dessas funções, a
CRP não impede essa interpretação extensiva.
139
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As imunidades diplomáticas
As imunidades diplomáticas distinguem-se das imunidades políticas (que, como o
próprio nome indica, são de caráter político e tem origem em posições funcionais ocupadas por
uma certa categoria de pessoas), com razões históricas na defesa da soberania dos Estados e
na proteção da representação dos Estados fora do seu território, na proteção das relações
diplomáticas necessária à boa articulação entre Estados soberanos nas suas relações
internacionais.
De um modo mais absoluto ou mais restrito, está em causa a proteção da soberania do
Estado e a perspetiva de que um Estado não poderá exercer jurisdição sobre outro nem pôr em
causa o exercício das funções próprias de um outro Estado.
A primeira fonte jurídica positiva de Direito Internacional destas imunidades relativamente
aos diplomatas é a CONVENÇÃO DE VIENA, de 18 de abril de 1961, aprovada pelo Estado
Português em 27 de março de 1968.
Nela se consagra a inviolabilidade da pessoa do agente diplomático, membros da família
que com ele vivam e pessoal técnico e administrativo da missão (art. 37º) relativamente a
detenção ou prisão, bem como da sua residência e locais de missão (arts. 29º e 30º e a própria
imunidade relativamente à jurisdição penal, civil e administrativa do Estado acreditador (arts.
31º e 37º). No entanto, esta imunidade não é absoluta, na medida em que o Estado acreditante
pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus representantes e outros beneficiários da
imunidade. Por outro lado, os familiares e membros do pessoal administrativo e técnico não
140
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
• Com efeito, desde logo a Convenção de Viena não se refere aos Chefes de Estado,
os quais se identificam de um modo mais pleno com o exercício da soberania
estatal. Quanto aos chefes de Estado, existem outros instrumentos jurídicos de
Direito Internacional, tais como a Convenção de Nova York de 1969 ou a Convenção
das Nações Unidas sobre a Prevenção e Repressão de Crimes contra Pessoas
gozando de Proteção Internacional de 1973.
• Mas, independentemente dessa questão concreta, o caso Pinochet suscita
efetivamente a questão da existência no próprio Direito Internacional de princípios
conflituantes. Por um lado, a proteção dos representantes de um Estado fora do seu
território como emanação do respeito pela soberania desse Estado e, por outro, a
limitação da conceção tradicional de soberania pelos princípios internacionais do
Direito Humanitário.
Com efeito, várias convenções internacionais preservam das imunidades diplomáticas os
crimes contra a humanidade tais como a Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio de 1948, a Convenção Internacional de 1973 sobre a Eliminação e Repressão do Crime
de Apartheid, bem como a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos
Crimes contra a Humanidade de 1968. e uma conceção contemporânea de soberania não pode
deixar de fazer prevalecer a responsabilidade perante a comunidade internacional de quem pratica
crimes de tal natureza sobre uma visão nacionalista de soberania. A própria soberania só pode ser
justificada enquanto contribui para a repressão de tais crimes.
Assim, a perspetiva de que a Convenção de Viena e outras convenções que visam a proteção
de agentes diplomáticos representativos de um Estado são as únicas fontes jurídicas de Direito
Internacional Penal não é decisiva à luz do conjunto dos princípios do Direito Internacional Penal.
117
A consequência prática de uma tal diferenciação é a de que a imunidade ratione personae deverá cessar
quando as funções em causa deixem de ser desempenhadas, diferentemente dos casos em que as imunidades
sejam rationae materiae.
141
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
142
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
I – Parte Geral
Metanormas118
Normas que esclarecem como as normas da parte especial serão aplicadas – conjunto de normas
que esclarecem em que medida as normas da parte especial estão disciplinadas.
Ex: art. 15º é essencial para se aplicar o art. 137º; art. 26º é essencial para se aplicar o art. 131º;
art. 22º é essencial para o art. 217º
II – Parte Especial
Cujo critério de sistematização é segundo o Critério do Bem Jurídico – os crimes estão
organizados pelo bem jurídico que tutelam.
• A vida é o valor supremo pois é o primeiro crime que aparece. No 1º CP, de 1852, o
primeiro crime era o lesa-majestade – diz muto sobre a sociedade em questão
Acessórias
• Tem que se cumprir o art. 30º/4 CRP – não pode haver aplicação automática das
penas. Elas são aplicadas numa lógica de ser cumulativa face à pena principal. A pena
acessória é aplicada cumulativamente à pena principal e tem que haver
fundamentação nessa pena principal para se aplicar a acessória. Art. 66º, 68º. Art. 69º
CP – aparentemente viola o art. 30º/4 CRP pois parece que há efeito direito na
aplicação desta pena, mas, TC já veio dizer que não é inconstitucional pois é pena
118
Normas referentes a normas.
143
Sebenta Penal I – DNB + CC 2017/2018
Substitutivas
• Não funcionam cumulativamente.
• Art. 43º
• Juiz aplica pena de prisão (principal) e entende que as finalidades da pena de prisão se
satisfazem com outras medidas.
• Art. 50º = pena suspensa na sua execução (art. 51º e 52º CP). Sendo revogada cumpre
a principal. Apenas se aplica como pena substitutiva da pena principal.
• Art. 56º: só se aplica a suspensão se não for condenado em tempo superior a 5 anos
(art. 52º)
• Em agosto de 2017 revogaram-se 2 penas substitutivas: prisão dias livres e regime
semi-detenção.119
• Existe pena substitutiva que só vale para a pena principal de multa: art. 60º
• Estas penas servem para a pequena e média criminalidade. Podem ser revogadas e só
são aplicadas quando o juiz achar que cumpre a finalidade da pena.
Medidas de Segurança
Quanto às sanções criminais, o sistema é dualista: Penas + Medidas de Segurança120
Se não tiver capacidade de culpa, pode aplicar-se uma medida de segurança, que não é
automática e é aplicada após juízo de perigosidade do agente.
Pode complementar a pena, atendendo à perigosidade do agente. Fundamento não é só a
perigosidade mas é resultado de facto ilícito típico praticado pelo agente.
Art. 91º CP – legitimação das medidas de segurança é a necessidade de defesa social e defesa
do interesse comunitário preponderante.
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https://www.publico.pt/2017/08/21/sociedade/opiniao/o-fim-da-prisao-aos-finsdesemana-e-outras-
alteracoes-nas-penas-de-substituicao-1781724
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O que fundamenta a pena é a realização de crimes pelo agente; o que fundamenta as medidas de
segurança é a perigosidade do agente.
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