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Talvez voce seja uma das poucas pessoas a saber que este € 0 Ano Vinicius de Moraes — uma homenagem da Prefeitura do Rio de Janeiro a um de nossos melhores ¢ mais populares poetas. Este € também 0 ano do Jubileu de Prata de ELE ELA, uma revista nascida sob 0 signo do prazer hé 25 anos. ‘Nada mais natural, portanto, que continuemos nossa série das melhores matérias publicadas por nossa revista com uma entrevista genial, publicada no niimero 119 de ELE ELA (marco de 1979), feita pelo saudoso companheiro ex-diretor da revista, Narceu de Almeida Filho, com o poetinha Vinicius. Casado pela nona vez, com Gilda, feliz da vida, cheio de projetos, Vinicius de Moraes contou a Narceu tudo na entrevista, com seu jeito descontraido, simples, cheio de diminutivos (um uisquinho, um ‘camaradinha, um papinho), seu amor ao prazer. Era um dos 1n0ss0s, 0 poeta, compositor e diplomata nascido em 19 de outubro de 1913. Pena que nos tenha deixado um ano depois desse papinho, em julho de 1980. Pena que Narceu de Almeida nao esteja mais entre nds, também, ‘Mas vamos matar a saudade? VINCILS DE MORAES A HORA DO DEVE E DO HAVER Vinicius de Moraescasou-senovamente (pela nona vez), cortou os cabelos, raspou a barba, abandonou o famoso boné, anda vestido com elegancia classica, emagreceu varios quilos, abandonou (pelo menos temporariamente) os shows e excursdes musicaise afirma que agoravaisededicara completar dois livros de poesia: Roteiro Litico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro, Onde Nasceu, Vive em Transito e Morre de Amores o Poeta Vinicius de Moraes, iniciado ha 25 anos, e O Deve 0 Haver, concebido por volta de 1960. Mas seu principal plano, no momento, “6 fazer essa moga feliz”, sua mulher Gilda, a quem conheceu na Europa, onde elaestudava. Eles esto vivendo provisori- amente numa das trés casas conjugadas que o poeta possui numa tranqiila rua da Gavea. Vestido de camiseta e bermuda brancas, com uma aparéncia surpreenden- temente saudével, tranqiiilo, paciente, Vi- nicius senta-se numa poltrona para nossa Tonga e descontraida conversa Entrovista a NARCEU DE ALMEIDA FILHO — Vinicius, voc# andou meio desa- vista profissional, o ano foi étimo, Deve e o Haver. E uma prestacdo parecido ultimamente, vigjando mui- ainda que tenha me deixado um pou- _geral de contas, do que foi feito, do to, Como vocé esté agora? “Eu estou bem, de um modo eral. Tenho uns problemas de dieta, trabalhar? para regularizar 0 metabolismo do ‘meu agicar, que é um pouco alto, ‘um més em Punta del Este, dar uma descansada ¢ terminar meus livros de co de lingua de fora... Mas tudo bem. — agora vo’ entra em férias para que deixou de ser feito, ‘— Esses dois livros que voce val pu blicar serdo, em termos de poesia, a — E, férias para ver se escrevo um sua palavra final? pouco. Esses livros esto realmente ‘Agora vou tirar umas férias e passar muito atrasados, = Quais so 0s livros? — Si dois livros, Umdelesoque guma coisa a dizer, tera de ser uma — Eu considero esses dois livros uma espécie de limpeza geral da casa, sabe. Depois disso, se ainda tiver al= poesia, que estéo parados ha quatro venho escrevendo sobre 0 Rio de Ja- coisa realmente nova. Do contrario, Anos por causa dese negécio de neiro, Hé uns 25 anos que trabalho eu paro de escrever, Para mim nio € Shows, Foramquatro anosde pauleira _nesse livro. © outro so os poemas mais fundamental escrever, O que foi © tempo todo, muita viagem, prin: escritos de 1960 paraca, porque nesse dito foi dito, e é, digamos, o meu re- palmente no Brasil e na Argentina, tempo todo eu no publiquei nada de _cado de poeta. Nao sei se terei ainda nas também na Europa. No ano re. poesia, a nao ser algumas edigdes es- algo de importante a dizer. E se néo frasado estivemos na Itélia e de novo _peciais que fiznaBahia, naeditorado _tiver, prefiro nao dizer. Escrever por ‘no Olympia, em Paris. Agora fizemos Calazans Neto. Uma delas € a His- _escrever, simplesmente, € uma coisa ‘mais ou menos o mesmo roteiro e in- tria Natural de Pablo Neruda, que que ndo farei em hipstese alguma cluimos Londres, onde eu nio havia fiz quando ele morreu. Agora vou — Voeé tem algum método de tra- trabalhado ainda, Pera mim foi uma reunir esses poemas escritos a partir balho permanente, periédico, ou es- surpresa muito boa, porque 0 show de 1960. completar o livro, que tem reve somente quando baixa a ins- teve bastante sucesso, Do ponto de um titulo meio contabilistico — O pirat — E, eserevo somente quando coisa vem. Teve uma época da moci- dade, até af pelos 30 anos, em que eu escrevia muito, tinha necessidade, aquela compulsio de pegar o papel ¢ sentar para escrever. Até os 40 anos {oi mais ou menos assim. Depois co- megou a escassear, a rarear. E veio 0 periodo de masica popular, que foi muito importante para mim — Vocé ficou famoso como poeta _muito cedo, antes dos 20 anos, nao foi — Muito cedo, Meu primeiro livro, © Caminho para a Distancia, teve uma eritica étima. Eu tinka 19 anos quando o publiguei. Com 22 anos ga- hei o Prémio Nacional de Poesia — chamavasse Felipe de Oliveira e pre- miavar todas as artes literérias. Ga nhei-o em disputa com o Jorge ‘Amado, € por um focinho apenas de frente — Ofatodeterficado famoso muito cede foi bom ou ruim para yocé? = Para mim nao foi muito legal, nio, sabe. Me dev uma certasoberba, eu achava que era um poeta genial, essas coisas. Mas depois, uns dois ou trés eriticos me puseram no meu li tr, diceitinho. Um deles foi o Joo Ribeiro, com relagio a esse primeiro liveo. Ele fez:uma critica muito boa, mas também muito severa, como quem diz “Olha, menino, trabalhe ‘mais com o verso livre, 0s Seus sone~ tos nfo so muito bons.” Outro foi o Manuel Bandeira, que fez uma critica bastante severa, Finalmente, quando zanhei o Felipe de Oliveira, o Otévio ‘Tarquinio de Sousa escreveu também um rodapé muito bom, me colocando ‘em minha devida posigio. O Mario de Andrade, igualmente, me deu umas podadas muito bem dadas, Isso tudo me ajudow muito, — Na época voeé recebeu bem essas — Nio recebi muito bem, no. Re~ cebi mal, sabe. Porque, além do mais, havia todo o grupo do Oravio de Faria que me incensava. Para eles, era as- sim comose eu fosse 0 poeta que todo mundo esperava. Era 0 grupo da Fa- culdade de Direito, Essas coisas me subiram um pouco i cabeca. Mas com aquelas crticas, a propria vida, a ex- perigncia, com 0 conhecimento maior dessas pessoas, ai eu comecei a me situar. Processou-se também uma evolucdo politica muito grande. Eu tinha sido formado para ser um in- telectual de direita. Mas em 1942 aconteceu uma coisa muito impor- tante em minha vida, que foi a vinda “TINHA AQUELE DE CONFESSAR, AS CONFISSOES ERAM SEMPREAS _ MESMAS: ‘BATI TRES ESTA SEMANA, BATI QUATRO’...”” 40 Brasil do escritor americano Waldo Frank. (José Olympio ofereceut um coque- tel a ele ¢ todos 0s eseritores compare- ceram. Comegamos a conversat e, Id pelas tantas, ele me confessou que achava coquetel de intelectuais uma coisa chatissima e perguntou se nio po- diamos sai por al, Saimos, era dia de ‘Sto orge eeu levei o Waldo para ver as, putas do Mangue. Havia um delirio la, ele ficou impressionadissimo. Alids, a origem da minha Balada do Mangue foi esse dia. Depois euo levei a favela do Pinto, aquela que havia no Leblon, Hoje eu ndo faria mais uma coisa des- sas, ndo hid condigdes. Mas foi tudo bbem, ficamos ki numa tendinha, paga ‘mos umas cervejas para os erioulos e cles tocaram para nds. Ele achou tudo timo, queria mesmo era ver esses, ambientes e fugit das ceriménias oft- ciais. Daquiele foi para a Argentina, aca- bou se envolvendo em politica li — era um socialista, mas com uma ‘grande dose de filosofia hindu, bas- fante maluco. Era judeu, muito amigo do Hemingway e do Chaplin, Na Argentina, um grupo de fascistas aplicou-Ihe uma tremenda suera e ele ficou trés meses no hospital. Depois, voltou a0 Brasil e pediu a0 Aranha, 0 chanceler na época, que eu fosse indi- cado para acompanhé-lo na viagem que faria pelo interior do pais. Ew ainda nao era do Itamarati, mas 0 Aranha sabia que euia fazer o concur- so para ingressar na carreira diplomé- tica.e me designou para ciceronear 0 ‘Waldo. Para mim, a viagem foi mara- vilhosa, escutei hist6rias fantisticas dele, inclusive a de quando foi mar- tirizado pela Ku Klux Klan. Foi a pri- meira vez que andei armado em mi- tha vida, porque chegou a noticia de que uns tiras argentinos tinam vindo ‘mati-lo no Brasil, Até essa época vocé era bastante

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