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Entenda melhor - Bioética personalista

Perguntas e respostas

1- O que é Bioética personalista?

Quando a gente fala de uma Bioética personalista, estamos falando de um modelo de


Bioética que tem como fundamento o reconhecimento da pessoa humana em todas as
suas dimensões, do reconhecimento da pessoa como unidade de corpo e espírito. A
partir desse modelo que considera a pessoa no seu todo com todas as suas dimensões,
com a sua identidade, isto é, ela é única, e ao mesmo tempo apresenta as dimensões
biológica, física, uma dimensão psicológica, uma dimensão espiritual, uma dimensão
moral, ou social, como queiram chamar, nós podemos fundamentar todo um debate
bioético que tem que considerar todos esses elementos dessa realidade chamada pessoa.
Por exemplo, agora se está falando de anencefalia, de aborto, fala-se da questão do
doente terminal que pede uma eutanásia. Nós não podemos reduzir essas situações do
aborto, da eutanásia, enfim de todos esses grandes temas de debate sobre ética, bioética,
a um dos componentes da pessoa, no seu aspecto psicológico, no seu aspecto biológico.
A abordagem que é verdadeira, a abordagem que é adequada, é aquela que considera a
pessoa como um todo. É isso que a Bioética personalista propõe como ferramenta para
fazer esse debate bioético.

2- Qual é, então, o sentido da vida humana?

No nosso entorno, a mentalidade geral, a mentalidade comum, no sentido do que a


mídia quer difundir, fala muito de um individualismo. Então há a hegemonia de uma
autonomia que é um subjetivismo centrado só na pessoa. Ou fala muito do hedonismo,
que é a busca desenfreada pelo prazer, não pela felicidade, mas pelo prazer. Ou do
utilitarismo, a relação do custo-benefício. Essas mentalidades que estão no nosso
entorno acabam por reduzir, por exemplo, o conceito de qualidade de vida, este conceito
que em hipótese alguma pode ser, como eu dizia, reduzido à questão do estar bem
fisicamente apenas. Eu, em uma outra matéria que a ZENIT publicou por ocasião da
Semana Santa, às vésperas da morte do Papa João Paulo II, dizia que ele era o exemplo
vivo de como a vida tem um sentido mesmo na precariedade da situação física de um
idoso gravemente doente. A vida tem um significado independentemente dessas
circunstâncias como, por exemplo, o comprometimento do físico. E é justamente nessa
linha que uma Bioética personalista, ao pôr em pauta a pessoa na sua totalidade, ajuda-
nos a ter uma visão muito mais abrangente, muito mais realista, eu diria muito mais
verdadeira, de como enfrentar essas situações que são dramáticas, da doença, do
sofrimento, às vezes até da perda de sentido, que precisa ser retomado para que, ao se
retomar o sentido da vida, possa-se achar, nas diferentes circunstâncias em que a vida se
apresenta, o significado e o valor daquele momento.

3- Há um limite da liberdade?

Claro que a liberdade é um bem a ser tutelado. O desejo de felicidade é um desejo a ser
tutelado. Mas devemos cuidar para isso seja colocado no justo limite. Não podemos
pautar a nossa vida só pela questão da liberdade, alias porque não se deve falar de
liberdade sem se falar de responsabilidade. Conseqüentemente, não dá para jogar só
para a pessoa a decisão. Ela tem responsabilidades. A mesma coisa com relação à
questão do prazer. É um desejo de todos e é justo buscar uma felicidade que passe
também por situações prazerosas, mas é possível viver em paz em uma situação de
sofrimento. Parecem paradoxais essas duas palavras. Mas quantas pessoas a gente não
conhece que vivem a expressão do sofrimento, de uma doença, e que a gente vê em paz,
não atormentadas. Até sofrendo fisicamente, mas em paz. Em nós temos de buscar um
equilíbrio entre esses diferentes desejos, o de felicidade, de liberdade, de forma que a
gente possa viver a vida no todo, em plenitude.

4- E o conceito de qualidade de vida?

O conceito de qualidade de vida, no linguajar comum, na mentalidade geral, é muitas


vezes reduzido à questão da saúde física. Então, quando estou com um corpo sarado,
como se diz, eu estou com qualidade de vida. Quando eu posso produzir, quando eu
posso fazer as minhas atividades com autonomia, na linguagem que está por aí, eu tenho
qualidade de vida. Quando eu não posso mais isso, eu não teria mais qualidade de vida.
Isso é um engano, isso é uma falha, uma falácia. Eu posso ter qualidade de vida limitado
fisicamente. E quantos, quantas pessoas com deficiência, quer seja a deficiência física,
quer seja um outro tipo de deficiência, olhando para elas nós vemos que elas vivem com
qualidade. É porque nós estamos olhando para ela não no aspecto em que ela está
limitada, mas estamos olhando para ela no seu todo, na sua pessoa, e aí a gente
consegue descobrir algo de verdade, algo de bonito, algo de felicidade que essa pessoa
vive, mesmo vivendo uma situação com algum tipo de limite.

5- Então a realização humana não depende apenas de algum número de fatores


que dariam um certo grau de “perfeição” à pessoa ...

A realização humana não só não depende disso, como o sentido da vida não depende
disso. Como eu já disse, o exemplo que nós tivemos nesse início de ano foi do Papa
João Paulo II. Naquela janela, poucos dias antes de morrer, sem conseguir falar,
limitado pela sua idade, pela sua doença, por todos os comprometimentos do que ele se
encontrava fisicamente, ela estava dizendo para nós: a vida tem um sentido até o último
momento, e eu ainda tenho alguma coisa para falar para vocês. Ele não conseguiu soltar
palavras, mas o que ele estava dizendo para todos os que estavam na mesma situação
que ele era: a vida tem um significado. Era um gesto de esperança. Um gesto pró-vida.
Um testemunho pela vida.

As perguntas e respostas acima resultam da entrevista feita pelo periódico ZENIT, e


publicada pelo mesmo em 08/07/2005, ao Professor Dalton Luis de Paula Ramos, livre-
docente de Bioética na USP (Universidade de São Paulo), integrante do grupo que
assessora a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para temas de Bioética,
membro correspondente da Pontifícia Academia para a Vida, e integrante do núcleo Fé
e Cultura da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

http://www.defesadavida.com

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