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Gálatas: uma introdução

Leandro Lima
Instituto Reformado de São Paulo
IRSP

Introdução
Qual é o assunto principal de Gálatas? Dentro do ambiente de estudos teológicos, Gálatas,
geralmente, é associada a ideia da defesa de Paulo da salvação pela graça, contrária a ideia de
salvação pela lei ou pelas obras. De certa maneira, a Reforma Protestante contribuiu para a
compreensão geral de que este seria o tema central da epístola. Os reformadores lutaram contra o
conceito católico-romano de salvação pelas obras. Nesta empreitada, muitas vezes, Gálatas foi uma
das grandes armas utilizadas para demonstrar que a salvação é pela graça e não pela lei. 1

Por mais valiosa que tenha sido a reforma neste sentido, é possível que os autores
2

posteriores ficaram à sombra oriunda deste debate. Influenciados pela definição adotada durante o
século XVI, leram Gálatas à luz dela.
No entanto, esta atribuição da centralidade da salvação pela Fé versus salvação pela Lei,
como se essas duas propostas estivessem sendo expostas dentro da igreja naqueles dias, não faz
justiça à carta, ao texto e, principalmente, à disputa original por trás deste livro. Para a compreensão
da temática da epístola é necessário estuda-la com as lentes do primeiro século, não com a
perspectiva do século XVI ou do século XXI. O leitor da epístola deve a analisar da perspectiva
dos cristãos da Galácia, região do Império Romano, que viveram um grande conflito de posições
que deu origem à necessidade de Paulo escrever a carta. Assim, a princípio, destaca-se que o ponto
principal da carta não é a discussão se a salvação é pela graça ou se a salvação é pela lei, havia

1
Ver a longa e excelente exposição de Calvino sobre a justificação pela fé em: Institutas, III, 11-19.
Especificamente sobre a carta aos Gálatas, Calvino refuta a ideia de que Paulo esteja apenas criticando as cerimônias
judaicas na carta, ao mesmo tempo em que reconhece que Paulo está usando o fator cerimônias, porém entende que
Paulo discute as cerimônias judaicas porque “a clareza do evangelho era obscurecida por aquelas sombras judaicas”
(Edição Clássica, III,19,3).
2
Provavelmente, o mais importante comentário escrito por Lutero foi sobre Gálatas, o qual se tornou o mais
influente comentário da Reforma (Charles B. Cousar, Galatians, Interpretation, a Bible Commentary for Teaching and
Preaching (Atlanta, GA: John Knox Press, 1982), 1. Lutero disse que escreveu o comentário não para trazer novas
instruções, mas para lembrar do risco sempre existente de que “Satanás tire de nós a pura doutrina da fé e traga para
dentro da igreja novamente a doutrina das obras e das tradições dos homens”. Martin Luther, Commentary on Galatians
(Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc., 1997), 21.
certo consenso de que a salvação era pela graça. A questão crucial era: qual é o papel da Lei na
salvação pela graça?
Autoria
Gálatas é uma das quatro epístolas (Romanos, 1 e 2Coríntios, Gálatas) mais atestadas como
sendo de autoria paulina. Mesmo os críticos tendem a reconhecer o apóstolo com sendo o autor. O
primeiro a reconhecer tal inferência, até onde se sabe, foi Marcião (140 d. C). Ele era um
antissemita, o que o conduziu a considerar o Antigo Testamento como não sendo inspirado por
Deus. Em sua definição de um cânon bíblico com os livros que ele acreditava suportarem a ideia
da inspiração divina, incluiu a Epístola aos Gálatas. No entendimento dele, por ser uma epístola
que combate o judaísmo, Gálatas era inspirada. Apesar de suas intenções erradas, ao excluir o
Antigo Testamento do cânon e incluir Gálatas supondo que tal epístola é antissemita, destaca-se
que ele defendeu a autoria paulina de Gálatas. Assim, entre os estudiosos, mesmo aqueles com
inclinações erradas como Marcião, há uma certa unanimidade a respeito do autor da epístola como
sendo o apóstolo Paulo. 3

Data e destinatários
Em Gálatas 1.1, estão registrados os destinatários da epístola: “as igrejas da Galácia”.
Assim, o primeiro destaque é que a carta foi escrita para um grupo de igrejas, diferente de outras
epístolas paulinas que foram destinadas a apenas uma igreja ou, às vezes, a apenas um indivíduo.
Se for tomado o nome “gálatas, ou Galácia”, não se tem muitas informações sobre eles,
exceto que era uma região que parece ter sido unida à Frígia. Em Atos 16, durante a segunda viagem
missionária de Paulo, antes de entrar na Macedônia, Lucas diz que Paulo e seus companheiros
percorreram a região “frígio-gálata” (At 16.6). Na volta, no final da segunda viagem, Paulo retorna
à mesma região “da Galácia e Frígia, confirmando todos os discípulos” (At 18.23).
Uma dúvida vinculada a região da Galácia que surge é se Paulo escreveu esta carta para os
habitantes do norte ou para os habitantes do sul da região. Há estudiosos que defendem a primeira 4

situação e outros a segunda. 5

3
Para uma análise da história do reconhecimento de Gálatas como sendo paulina, bem como os principais
argumentos a favor ver: William Hendriksen, Gálatas, 2a edição., Comentário do Novo Testamento (São Paulo, SP:
Editora Cultura Cristã, 2009), 32-34.
4
Entre eles: J.B. Lightfoot, The Epistle of St. Paul to the Galatians, Grand Rapids, [sem data], p. 1–35.
5
Entre eles: W. M. Ramsay, The Church in the Roman Empire, Londres, 1893, p 3–112.
No norte ficavam as cidades de Pessino, Ancira, Távio e arredores. No sul as cidades de
Antioquia (Pisídia), Icônio, Listra, Derbe e proximidades? Devido à região norte ter sido conhecida
por Paulo, provavelmente, apenas na terceira viagem missionária, há poucos elementos para
defender tal região como destinatária da epístola. Mas, se ele escreveu para o sul (Icônio, Listra e
Derbe), então escreveu para os seus primeiros discípulos, conforme registro de Atos 13. As três
cidades da região são de grande relevância no ministério de Paulo.
Sobre os habitantes da região, é interessante que Paulo não diz que os evangelizou na
segunda viagem, mas sim, que os confirmou (At 18.23). A evangelização foi durante a primeira
passagem de Paulo como apóstolo pela região. Esta confirmação ou conforto é uma evidência que
ele escreveu para as igrejas que plantou na sua primeira viagem missionária.
Nesta região, em Listra, aconteceu um fato marcante, onde Paulo enfrentou uma das
situações mais drásticas de seu ministério. Na cidade ele foi apedrejado. Os judeus o perseguiram
por toda região da Galácia do sul, começando em Icônio e o seguindo até Listra. Ali, reuniram uma
multidão e o apedrejaram, largando-o fora da cidade como estando morto. O relato de Atos fala
que ele se recuperou e então foi à Derbe (At 14.19-22).
Quando escreveu às igrejas da região da Galácia, suas últimas palavras antes da bênção, são
muito interessantes: [...] ninguém me moleste, trago no corpo as marcas de Jesus (Gl 6.17). Sobre
isso, o catolicismo desenvolveu um ensinamento que pessoas tidas por muito santas carregavam as
marcas de Cristo no seu corpo, se referindo aos ferimentos da coroa de espinhos ou pregos da
crucificação. No entanto, não parece ter sido isto o que Paulo afirmou. O que ele disse pode ser
parafraseado da seguinte forma: “Eu levei pedradas por Cristo e vocês sabem disso muito bem”.
É um fato que Paulo aparece como extremamente enérgico nesta carta, algumas vezes
parece inclusive irado. Ele escreve coisas muito fortes, como por exemplo: “se alguém vos prega
evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema” (Gl 1.19). “Ó gálatas insensatos!
Quem vos fascinou a vós outros” (Gl 3.1). “Tomara até se mutilassem os que vos incitam à
rebeldia” (Gl 5.12). Porém, a ira de Paulo não parece ser uma ira em defesa própria, mas sim em
defesa do Evangelho que estava sendo deturpado. Assim, ele não poupa esforços e retórica para
convencer os seus leitores de tal erro. Afinal, eram seus primeiros discípulos, os primeiros frutos
de seu ministério apostólico. Porém, estavam se desviando, perdendo os verdadeiros fundamentos
da fé ao seguirem doutrinas de aventureiros enganadores.
Se identificadas as destinatárias como as igrejas das cidades da Galácia do sul, isto também
auxilia a saber a data da escrita. Ela poderia ter sido escrita em qualquer momento após o final da
viagem relatada em Atos 13:4–14:26.6 Provavelmente, Paulo escreveu esta carta entre os anos 50
e 53 d.C., no final ou durante a segunda viagem missionária, após o concílio de Jerusalém. 7

Assim, Gálatas, provavelmente, é a mais antiga carta paulina do Novo Testamento.

Contexto histórico
Ao recordar a decisão do Concílio é possível lembrar que foi favorável a Paulo. Porém, esta
mesma decisão parece ter sido rejeitada por grande parte dos gálatas. Por isso, Paulo teve que
escrever uma carta explicando que eles estavam enganados nesta contrariedade, sendo suas
decisões influenciadas por um grupo que defendia os mesmos erros. Para entender este contexto
da epístola é necessário entender quais foram as decisões tomadas pelo concílio de Jerusalém e
quais os motivos que levaram à sua convocação.
O capítulo 15 de Atos é o melhor texto para esta tarefa e também para contextualizar a
epístola aos gálatas. Nele, é registrado um conflito dentro da igreja. Um grupo seguindo Paulo e
outro grupo seguindo alguns convertidos judeus, vindos do farisaísmo. A diferença entre Paulo e
este grupo é que o apóstolo passou por uma mudança radical na sua vida, estes não. Eles defendiam

6
F. F. Bruce, The Epistle to the Galatians: a commentary on the Greek text, New International Greek
Testament Commentary (Grand Rapids, MI: W.B. Eerdmans Pub. Co., 1982), 43.
7
Ver argumentos em: William Hendriksen, Gálatas, org. Cláudio Antônio Batista Marra, trad. Valter
Graciano Martins, 2a edição., Comentário do Novo Testamento (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2009), 26.
a salvação acompanhada da circuncisão. Estes homens saíram de Jerusalém e foram atrás de Paulo
até a Galácia, de certa forma “re-evangelizando” os lugares por onde Paulo passou, como que para
corrigir os supostos erros de Paulo, acusando-o de não pregar o evangelho verdadeiro.
É notório o fato de que o Evangelho começou em Jerusalém e então alcançou Antioquia,
sendo esta a primeira grande cidade fora da Judeia com um grande número de crentes. Isso
conduziu Barnabé a buscar a ajuda de Paulo em Tarso.
Durante um ano, Paulo e Barnabé instruíram as pessoas em Antioquia, onde pela primeira
vez os fiéis receberam o nome de “cristãos” (At 11.26). Até então, os seguidores de Jesus eram
conhecidos mais como uma seita judaica (talvez como os saduceus, fariseus e essênios). Neste
momento em Antioquia, rompe-se, pelo menos em termos iniciais, a ideia dos cristãos como sendo
judeus. Isso gerou ciúmes de uma parte dos cristãos oriundos do judaísmo que não queriam tal
dissociação. Talvez, suas intenções até mesmo fossem boas, pois poderiam pensar que o judaísmo
só seria transformado a partir de dentro. Porém, esses homens se mostrariam apegados a princípios
errados, com um falso entendimento do papel da Lei. Tal evento, ou seja, a distinção mais clara
entre judaísmo e cristianismo marca também o início da perseguição judaica aos cristãos na Ásia
Menor.
Após esse evento, Paulo e Barnabé são separados para levar o Evangelho para o norte, em
direção à região da Galácia. Neste tempo, Paulo já compreendia que os cristãos não deveriam se
submeter ao que chamou de “obras da lei” (este termo é muito importante em Gálatas, porém muito
mal compreendido). Com a ênfase sobre este ensino, muitas pessoas se converteram pela pregação
de Paulo, o que levou os judaizantes a acusarem o apóstolo de pregar um evangelho “fácil”. 8

Os cristãos judeus, que adotaram uma postura judaizante e que seguiram Paulo, defendiam
três aspectos da lei: a circuncisão, o guardar do calendário judaico e a dieta judaica. Podemos
encontrar na carta menções a esses três elementos, sendo que, obviamente, circuncisão é o mais
mencionado dos três. O calendário judaico é mencionado como algo que já devia ter sido
abandonado em Gálatas 4.10-11: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. 11 Receio de vós tenha

8
No sentido de que, no entendimento daqueles homens, Paulo não impunha as exigências cerimoniais da lei,
como a circuncisão e a observância dos alimentos proibidos e isso facilitaria a entrada dos gentios, pois aquelas eram
realmente coisas difíceis de serem observadas. Porém, Paulo também foi acusado noutras ocasiões de pregar um
evangelho fácil, no sentido de que não exigia santidade. Do primeiro caso, Paulo não se defendeu, porém, do segundo,
ele se defendeu veementemente (Rm 3.8- 6.1-2).
eu trabalhado em vão para convosco”. E o assunto de alimentos puros e impuros está no centro da
discussão com Pedro em Gálatas 2.11-14.
Assim, quando Paulo falava que os gentios não deveriam se submeter as obras da lei,
provavelmente, ele tinha estes três aspectos da lei em mente, pois eles eram fundamentais para a
identificação de um indivíduo como sendo judeu no mundo gentio. Por este motivo, um grupo de
cristãos oriundos da seita dos fariseus começou a contradizer este ensino de Paulo, dizendo que os
judeus deveriam se circuncidar conforme a prescrição de Moisés, ou então, não poderiam ser salvos
(At 15.1). Tal discussão com Paulo e Barnabé foi muito intensa, o que levou a convocação de todas
as autoridades da igreja para discutir a situação sobre quem estava pregando o Evangelho
verdadeiro: Paulo ou os judaizantes. Assim, estabeleceu-se o primeiro concílio ou presbitério da
igreja. Na reunião em Jerusalém, em meio a discussão acalorada, duas pessoas se pronunciaram
favoravelmente a Paulo, foram elas: Pedro e Tiago. Pedro relatando a sua história entre os gentios.
Tiago, como pastor da igreja em Jerusalém. Este, mesmo tendo a fama de ser um judaizante, se
colocou na questão debatida de forma semelhante a Paulo e Barnabé, mostrando que, ou havia
mudado de posição, ou os judaizantes não haviam entendido a posição dele anteriormente.
Assim, definiu-se um contexto de unidade da igreja primitiva, com o envio de uma
declaração a todas as igrejas, inclusive às igrejas de Icônio, Listra e Derbe, sobre a decisão. Porém,
muitos crentes da Galácia não estavam convencidos de que Paulo estava certo. Por consequência,
não adotaram a decisão do concílio. Esta atitude deles demonstra como um ensino falso pode
produzir estragos. Por causa deste posicionamento, Paulo escreve a epístola para eles.
Entre os motivos da redação estão as acusações sofridas pelo apóstolo por parte dos
membros das igrejas da região. Se destacam entre elas: o não reconhecimento do seu apostolado,
ignorando seu encontro com Jesus no caminho de Damasco; que ele não havia sido enviado por
Deus, mas sim, pelos homens de Antioquia. Essa acusação dizia que ele não era enviado de
Jerusalém, como se seu envio fosse de “segunda mão”. Já, os judaizantes, provavelmente, o
acusavam de querer o dinheiro dos gálatas devido a afirmarem que o evangelho pregado pelo
apóstolo era “fácil”.
Sendo tais acusações tão graves e a influência dos judaizantes tão forte, Paulo chegou a
afirmar que receava que seu trabalho pelos gálatas tivesse sido em vão (Gl 4.11). Ele sinalizava
que os judaizantes queriam afastar as igrejas da Galácia do contato e liderança dele. O apóstolo
estava temeroso que isso poderia desviá-los do caminho da verdade, porém também demonstrava
esperança de que mudariam a forma de pensar, e que o indivíduo ou grupo que os estivesse
perturbando, receberia a condenação (Gl 5.7-9).

Propósito principal da carta


Gálatas é, provavelmente, a mais importante das cartas paulinas que nos ajudam a entender
melhor a igreja primitiva e o desenvolvimento doutrinário dela. Ou seja, diferente de Romanos e
Efésios que basicamente expõem doutrinas sem relacioná-las diretamente a uma época histórica ou
a um grupo pessoal, Gálatas é essencialmente pessoal (como também são as cartas aos coríntios,
mas noutro contexto).
Em Gálatas, Paulo revela muito de si mesmo como o faz nas cartas aos coríntios, porém, o
assunto de Gálatas é mais focado. Nas duas cartas aos coríntios, Paulo está resolvendo diversos
problemas genéricos dentro daquela igreja, muitos dos quais ele tomou conhecimento através de
amigos, ou de perguntas diretas dos próprios membros. Porém, a relação de Paulo com os coríntios
era menos pessoal do que a relação com os gálatas, ao menos num primeiro momento. Embora o
trabalho paulino em Corinto tenha sido excepcional, e ele se considere o pai espiritual deles (1Co
4.15), contudo reconhece que muitos outros trabalharam naquele campo. Porém, isso parece não
ter acontecido na região da Galácia. Paulo se considerava pai (ou mãe) espiritual deles: “meus
filhos, por quem, de novo, estou sofrendo as dores de parto, até que Cristo seja formado em vocês”
(Gl 4.19). Além disso, aqueles foram os “primeiros frutos” do trabalho missionário ordenado de
Paulo. Por esse motivo, Paulo está envolvido tão intensamente no assunto dessa carta.
O assunto na carta aos Gálatas, portanto, é mais focado do que nas cartas aos coríntios, pois
o que está em jogo é o próprio coração do Evangelho dentro do contexto da igreja primitiva e seu
reconhecimento disso. É o primeiro embate que o Evangelho sofreu em relação à falsos ensinos e
dilemas interpretativos. Então, há nessa carta os recursos mais preciosos para redescobrir o
Evangelho primitivo, o Evangelho puro, que foi pregado originalmente por Cristo e seus apóstolos.
Assim, o propósito principal de Paulo em escrever a epístola aos gálatas foi resgatar o
conteúdo da mensagem do Evangelho que estava sendo deturpado por um grupo de falsos
pregadores.
Conclusão
A Galácia foi o primeiro lugar que recebeu o Evangelho fora do ambiente judaico em
Jerusalém, a partir da missão fixada em Antioquia (At 13). A igreja saiu do ambiente judaico para
o ambiente gentio. Então: uma grande dúvida surgiu? E esses gentios que estão sendo recebidos,
batizados, como eles devem viver? Devem se submeter as regulamentações judaicas como
acontecia com os prosélitos judeus? Ou estão livres dessas coisas? Qual é o papel da Lei agora,
uma vez que a pregação diz que as pessoas são salvas pela fé, através da graça de Deus?
Um grupo de cristãos ainda fortemente apegado aos costumes judaicos entendeu que ao
menos três coisas deviam continuar sendo observadas pelos gentios, e parecem ter exigido de isso
de uma forma bem legalista. Nota-se uma coisa importante, o ponto não parece ser uma defesa da
salvação pela lei. Ao que parece, esse grupo de cristãos entendia, ou ao menos dizia entender, que
a salvação era pela graça em algum sentido, mas pensava que ao menos três coisas não deviam ser
abandonadas, ou seja, eram essenciais, condição sine qua non para a salvação. Então, o assunto de
Gálatas não é, como normalmente os evangélicos entendem, uma defesa da salvação pela graça
versus salvação pela lei. Antes disso, é um ataque ao legalismo seletivo. Aqueles cristãos judeus
não defendiam que toda a Lei devia ser guardada pelos cristãos gentios, mas apenas três coisas,
justamente as três que identificavam um judeu no mundo gentio: circuncisão (que aparece várias
vezes na carta), dias santos (Gl 4.10) e dieta judaica (Gl 2.12). Portanto, inconsistentemente, eles
não exigem que “toda a lei seja guardada” (Gl 5.3), mas insistem nessas três coisas. Paulo vê nisso
uma inconsistência total, e insiste que a salvação é “somente pela fé”, independente das “obras da
Lei” (Gl 2.16, 3:2,5,10). Essas “obras da Lei” eram, provavelmente, um termo técnico para
descrever as três coisas que identificavam o judeu no mundo gentílico.
Assim, qual o assunto central de Gálatas? Um grande alerta contra todas as formas de
legalismo seletivo. Um alerta sobre todas as possíveis contribuições que o homem pode dar à cruz.
Ao acrescentarem as recomendações extras, os gálatas estavam enfraquecendo o valor
autossuficiente da crucificação de Cristo. A Lei não é inimiga da Graça, o legalismo total ou
seletivo sim.

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