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FACULDADE DE DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO SUL

CURSO DE PSICOLOGIA
DISCIPLINA DE ESTÁGIO BÁSICO
DE ACOLHIMENTO E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO


DE ACOLHIMENTO E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

ALUNA: Carla Benigna Bicca Del Valle


SUPERVISORA ACADÊMICA: FERNANDA PERRENOUD RAABE WORTMANN
SUPERVISOR LOCAL: ANTONIO ALVES SOUZA

PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 2020


FACULDADE DE DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE PSICOLOGIA
ESTÁGIO BÁSICO DE ACOLHIMENTO E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO


DE ACOLHIMENTO E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Relatório de Estágio apresentado ao curso de


Psicologia da FADERGS como requisito parcial
para obtenção de aprovação na Disciplina de
Estágio Básico
de Acolhimento e Avaliação Psicológica

ALUNA: CARLA BENIGNA BICCA DEL VALLE

SUPERVISORA ACADÊMICA: FERNANDA PERRENOUD RAABE WORTMANN


CRP: 07/11003

SUPERVISORA LOCAL: ANTONIO ALVES SOUZA


CRP: 07/05186

PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 2020

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SUMÁRIO

Introdução ………………………………………………………………………. 3
1. Apresentação do Local .......................................................................................... 6
2. Aspectos Reflexivos da vivência no Estágio ........................................................ 8
3. Processos de Atendimento no Local do Estágio ..................................................12
4. Instrumentos e Recursos da Avaliação Psicológica ............................................ 15
1. Compreensão Teórico Prática ............................................................................. 22
2. Referências Bibliográficas................................................................................... 29

2
INTRODUÇÃO

O consumo de drogas data de tempos antigos e está associado a questões culturais,


religiosas, econômicas, políticas e sociais. Em todas as sociedades e épocas, o consumo de
drogas lícitas e ilícitas esteve presente, por diversos motivos e independente das
consequências que trazia. Nas últimas décadas, no entanto, as questões referentes ao uso de
drogas têm se caracterizado como um grande e sério problema de saúde pública, tanto no
Brasil quanto no mundo.
O Relatório Mundial de Drogas das Nações Unidas de 2019 aponta estimativas –
referentes a 2017 – que representam um aumento no número de indivíduos que sofrem de
transtorno por uso de drogas. O relatório também estima o número de usuários de opioides em
53 milhões – 56% acima das estimativas para 2016. O documento aponta ainda que os
opioides foram responsáveis por dois terços das 585 mil mortes de pessoas que faleceram
como resultado do uso de drogas em 2017. Globalmente, 11 milhões de pessoas injetaram
drogas em 2017, dos quais 1,4 milhões vivem com HIV e 5,5 milhões, com hepatite C.
Em 2017, estima-se que 271 milhões de pessoas – ou 5,5% da população mundial
entre 15 e 64 anos – usaram drogas no ano anterior. Embora essa estimativa seja semelhante à
de 2016, uma visão de longo prazo revela que o número de pessoas que usam drogas
aumentou 30% na comparação com 2009. O relatório revela ainda que a droga mais usada no
mundo continua sendo a cannabis – cerca de 188 milhões de pessoas usaram esta droga em
2017.
Diversas pesquisas ressaltam o fato de que não existe um padrão de consumo de
drogas isento de riscos. Mesmo que as consequências levem um tempo para serem percebidas,
qualquer exposição às drogas pode levar a alterações do metabolismo e funcionamento de
nossos órgãos.
A dependência química é resultado de uma reunião de múltiplos fatores, biológicos,
psicológicos e sociais. Pensar e realizar projetos ou políticas voltadas para esta questão
implica no conhecimento especializado e que considere a complexidade da questão. Ao
levantar o tema do uso, abuso e dependência de drogas, o objetivo é ampliar a visão sobre este
assunto e promover reflexão quanto aos aspectos diversos que envolvem o cuidado,
tratamento e mesmo a motivação do sujeito para tal tratamento.

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A Política Nacional sobre Drogas, por meio do Decreto 9761/2019, estabelece junto
com as demais legislações, a regulamentação sobre o funcionamento e fiscalização das
Comunidades Terapêuticas, prevendo o fortalecimento desta modalidade de tratamento como
parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
As Comunidades Terapêuticas começaram a ser instituídas no século XX por
iniciativas realizadas em diversos países do mundo e em momentos diferentes. As iniciativas
que continuam a influenciar a concepção de trabalho atual são as realizadas na Inglaterra por
Maxwell Jones e nos EUA por diferentes grupos.
A evolução das Comunidades no mundo tem sua origem na década de 1940, com a
popularização de seus tratamentos psiquiátricos, avançando na década de 1960 para
tratamento de dependência química, influenciadas pelos modelos Minnesota e Synanon.
Ambos tinham como pilares a disciplina, o trabalho e aconselhamento confrontativo ou
“terapia do ataque”. Na década de 1970, ocorreu uma diversificação dos usuários das CTs,
passando a incluir o acolhimento de usuários de anfetaminas, maconha, sedativos, e outros
alucinógenos e não apenas usuários de heroína. A partir de 1980 a maioria dos usuários
passou a ser de dependentes de crack e cocaína.
No final dos anos 80, surge um novo paradigma: CTs baseadas em evidências,
utilizando abordagens psicossociais, técnicas terapêuticas baseadas em teorias consolidadas
como a prevenção à recaída, terapia motivacional, treinamento de habilidades sociais, entre
outras.
Nesse sentido, o modelo de Comunidades Terapêuticas brasileiras passa a ser um
equipamento que oferece acolhimento social e prioriza a garantia de direitos e o respeito à
autonomia dos sujeitos na reconstrução da vida, por meio da redução dos riscos e danos
relacionados ao consumo de drogas.
Embora, hoje, no Brasil, existam políticas públicas para nortear as diretrizes básicas
das CTs, ainda temos muitas organizações que se denominam CTs, mas na verdade são
apenas espaços de moradia, sem qualquer plano eficaz de tratamento. Atualmente as
Comunidades Terapêuticas devem se pautar em três regulamentações principais: a Resolução
RDC 29/2011, da ANVISA, que dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o
funcionamento das instituições que atendem as pessoas com transtornos decorrentes do uso,
abuso ou dependência de substâncias psicoativas; o Marco Regulatório Resolução CONAD
01/2015, que regulamenta as entidades caracterizadas como CTs; e a Nova Lei Nacional de
Drogas PLC 37.

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Destaca-se que as entidades assim reguladas devem se caracterizar pela adesão e
permanência voluntárias dos internos, propiciar um ambiente residencial propício à formação
de vínculos, através da convivência e apresentar um programa estruturado de tratamento.
Devem, ainda, propiciar atividades terapêuticas e promover o desenvolvimento pessoal dos
acolhidos.
O uso abusivo de substâncias psicoativas é hoje um problema de saúde que envolve
ações multiprofissionais para compreensão, avaliação e tratamento dos casos. As atividades
sugeridas nas diretrizes propostas são validadas em sólido embasamento científico, na medida
que incentivam a prática de atividades físicas e desportivas, atividades lúdico-terapêuticas,
atividades que promovam o conhecimento sobre o transtorno por uso de substâncias, o que
pode ser estendido para as práticas de prevenção à recaída e participação da família no
tratamento. Assim, segundo o pesquisador De Leon (1994) – um dos teóricos mais
conhecidos na área de estudos sobre Comunidades Terapêuticas-, a CT se faz tanto pelo
contexto em que ocorre a mudança quanto pelo método que a facilita. A premissa
fundamental, segundo De Leon, é que os indivíduos realmente irão mudar caso participem
plenamente de todos os papéis e atividades em comunidade (LEON, 2009).
Diversos fatores podem contribuir para a criação de um ambiente terapêutico e
educativo onde ocorra interação de seus integrantes, considerando-se que todas as relações
são potencialmente terapêuticas: Experiência e valores; Instrumentos terapêuticos; Idade e
número de acolhidos; Habilidades socioemocionais e prevenção à recaída; Incentivo e
espiritualização; Número e qualificação da equipe transdisciplinar; Classe econômica;
Organização e regras; Incentivo à educação e/ou capacitação profissional; Divisão de tarefas;
Administração de autoridade; e, Classe socioeconômica e grau de vulnerabilidade.
Desse modo, alinhadas à concepção de De Leon, as diretrizes propostas pelo
NIDA/NIH (National Institute on Drug Abuse) dos EUA e pela Organização Britânica TCTC
(The Consortium of Therapeutic Communities) propõem que o ambiente das CTs deva ser
planejado adequadamente, preconizando relações sociais e estrutura de atividades diárias
propositalmente delineadas para ajudar na saúde e garantir o bem-estar dos acolhidos.
Tais unidades de tratamento devem assegurar a presença física e permanente de
profissionais de saúde e pessoal técnico devidamente habilitado e com formação adequada,
em número necessário ao desenvolvimento das atividades.

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1. APRESENTAÇÃO DO LOCAL

O Centro de Recuperação Renascendo é uma instituição privada para tratamento de


dependência química e alcoolismo, fundada por um codependente (familiar de dependente
químico), em 2017. As mensalidades variam de R $1.000,00 a R $1.800,00 reais e a
instituição conta ainda com algumas vagas sociais. Atende somente o público masculino, com
faixa etária entre 18 e 60 anos de idade. É composto por duas unidades, 1 e 2, localizadas na
Av. Delmar Rocha Barbosa nº 171 e Av. Edu Las Casas nº 279, respectivamente, ambas no
Bairro Rubem Berta, em Porto Alegre (RS).
A Unidade 1 conta, atualmente, com 30 internos, na sua maioria jovens de 19 a 30
anos, e capacidade total para 37. Está instalada em imóvel residencial com três andares e
quatro quartos coletivos com banheiros. Possui Secretaria e sala de atendimento, sala comum
pequena, cozinha, refeitório, despensa e pátio médio. Os quartos são com beliches e cada
interno tem direito a um pequeno armário para objetos pessoais. Esta unidade é também
chamada Unidade de Triagem por ser a porta de acesso à instituição.
A Unidade 2 conta com 27 internos, com idades que variam entre 20 e 60 anos. Está
instalada em imóvel residencial novo, com dois andares, quatro quartos com beliches, dois no
andar superior e dois no térreo, possui sala, três banheiros, cozinha, refeitório, sala de
enfermagem, sala para atendimentos psicológicos e pátio médio. Nesta unidade ficam
internados os pacientes com maior comprometimento mental e com faixa etária mais alta,
bem como aqueles em fase final de tratamento.
O ingresso na instituição é realizado na unidade 1 através da família, sozinho
(espontâneo) ou através da equipe técnica (resgate). A equipe é formada por um psiquiatra,
Dr. Marcos Paulo Betinardi, um psicólogo, Sr. Antonio Alves Souza, Responsável Técnico do
CT Renascendo e Supervisor dos Estágios (que atende duas vezes por semana no local), dois
Coordenadores, quatro monitores, vinte e oito estagiários de Psicologia, da FADERGS,
divididos entre as duas unidades. A administração é composta pela Diretora Samara Gabe,
proprietária, o Gestor Tiago Haas Reichert, a secretária Daiani e diversos voluntários e
parceiros. A equipe de monitoria tem, além dos monitores que fazem escala 7/7 (sete dias no
CT e sete dias em casa), os R1, que são internos já desintoxicados e estáveis, que auxiliam nas
atividades de coordenação das tarefas. Também são formadas equipes para a realização dos
serviços da casa, chamadas Box: da cozinha, limpeza de áreas comuns internas, limpeza de
banheiros e manutenção do pátio.

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As medicações utilizadas são retiradas via farmácia Distrital - SUS (90%) ou
custeadas pelos familiares (10%). Não trabalham com medicação injetável pois o centro não
conta com serviço de Enfermagem/Técnico de Enfermagem. O Centro Renascendo tem bom
acesso a UBS local, que presta atendimento aos internos sempre que necessário, disponibiliza
pessoal para vacinação contra gripe e material para tratamento de ISTs (Infecções
Sexualmente Transmissíveis).
Internos precisam de autorização familiar para sair, recebem a primeira visita a partir
dos 30 (trinta) dias de internação e, a partir daí, têm direito a telefonemas ou vídeo chamadas
a cada 15 dias e visita mensal agendada. As visitas e telefonemas são sempre monitorados.
Seguem um Plano de Atendimento Individual, com programa de 9 (nove) meses para a
recuperação, dividido em 3 etapas:

● Adaptação/Desintoxicação (1-3 meses)


● Modificação Comportamental e emocional (3-6 meses)
● Reinserção Social (6-9 meses) - nesta etapa, no sexto, oitavo e nono mês podem
realizar visitas aos familiares com duração de 5 dias, autorizadas mediante avaliação
da evolução no tratamento e consentimento dos familiares.
O CT Renascendo, embora seja uma empresa privada, é equiparada às Comunidades
Terapêuticas - CTs para fins de legislação e fiscalização da ANVISA e Secretaria da Saúde.
Seu funcionamento é semelhante às CTs, baseado na convivência dos pares e utiliza o método
dos 12 Passos, do NA (Narcóticos Anônimos) do início ao fim do tratamento.
Com a criação do Núcleo de Psicologia, composto pelos estagiários do Centro
Universitário FADERGS, sob a Supervisão do psicólogo Antonio Alves Souza, em 2020/1, o
Renascendo passou a contar com maior número de atividades e ampliação dos atendimentos
psicoterápicos, ampliando seu Projeto Terapêutico e proporcionando tratamento mais
completo aos seus pacientes. A linha seguida pela instituição é a TCC - Terapia Cognitivo
Comportamental, aliada a Prevenção de Recaída e Treino de Habilidades.
Neste semestre de 2020, a instituição deu início ao Projeto Famílias Renascendo, que
visa maior aproximação com os familiares e maior apoio dos mesmos ao processo de
recuperação dos internos. O suporte às famílias conta com acolhimentos pelo Núcleo de
Psicologia, relatórios de evolução em dias de visita, envio de fotos e áudios. O Projeto
Famílias Renascendo visa maior aproximação dos familiares e participação efetiva no
tratamento, buscando uma melhoria no processo de reinserção dos pacientes.

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2. ASPECTOS REFLEXIVOS DA VIVÊNCIA NO ESTÁGIO

Conheci o Centro de Recuperação Renascendo em 2019/2, durante a realização da


disciplina PISC - Programa de Integração Saúde Comunidade, com a professora Camila Utz
Pessota. Por intermédio de uma colega do curso de Enfermagem, tive acesso ao local, onde
participei do Projeto de Intervenção Interprofissional com 11 colegas de diversos cursos. Na
ocasião trouxemos a proposta de criação de hortas, modelo para pequenos espaços, baseado
em Cartilha da Embrapa, nos dividimos entre as unidades 1 e 2, e criamos junto com os
internos as hortas. Como resultado deste trabalho me aproximei do Gestor Tiago e da
Proprietária Samara Gabe.
Os colegas dos demais cursos não se interessaram por fornecer uma devolutiva ao
local após o encerramento da intervenção, então, eu e a colega da psicologia, Palloma Pauli,
escrevemos um pequeno relatório de agradecimento pela oportunidade e pela acolhida que
tivemos, onde sugerimos a implantação de um trabalho que buscasse a redução do uso do
tabaco pelos internos (cada um recebe 20 cigarros/dia), a adesão ao Programa Antitabagismo
do SUS e um possível convênio com universidades para criação de vagas de estágio, visto que
identificamos a necessidade de melhoria no tratamento oferecido e o excesso de tempo ocioso
que os meninos tinham devido à falta de atividades e pessoal para realizá-las.
Em dezembro/2019, recebi uma ligação do gestor me perguntando sobre os convênios
de estágio e sobre interesse em realizar a implantação do projeto antitabaco. Fiz contato com a
Coordenadora do curso de Psicologia, prof. Yáskara Palma, que me deu as orientações para
dar início ao processo de convênio. Providenciamos a documentação necessária e, em
janeiro/2020, iniciamos processo seletivo para preenchimento de vagas de estágio básico.
Foram selecionados oito colegas de psicologia e, a pedido da coordenadora, incluímos mais
duas colegas do estágio específico III, que precisavam concluir o curso e tinham tido seu local
de estágio fechado.
Iniciamos as atividades de estágio e, em 16 de março, com o início do isolamento
imposto pela Pandemia de COVID-19, fomos obrigados a nos afastar do Renascendo. Neste
período, fiquei em contato com a administração e seguimos planejando melhorias para nosso
retorno e colaborando de forma remota com a confecção de materiais. No dia 15 de junho,
com a liberação pela FADERGS e pelas autoridades estaduais e municipais, retornei ao
Renascendo, com apenas 2 colegas de estágio básico (Igor e Palloma) e uma colega do
específico (Angélica). Nos revezamos entre as unidades 1 e 2, durante dois dias por semana, e
concluímos o primeiro semestre de estágios no local.

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Pensando, agora, nestes momentos, posso sentir a alegria que vivi em poder retornar,
apesar da pandemia, embora com medo de toda situação. Tomamos todos os cuidados e
seguimos os protocolos recomendados para evitar colocar em risco os meninos internados e
também a nós mesmos e nossas famílias.
Quanto aprendizado e quantas oportunidades! Vivemos momentos muito especiais e
começamos a nos encantar por este público-alvo e os desafios de um tratamento, naquele
momento, tão pouco efetivo. Fomos muito bem recebidos por todos, passamos a fazer parte
da “família Renascendo”.
Chegamos a julho/2020, todas as questões da pandemia muito presentes, muita
incerteza sobre retorno às aulas presenciais e aos locais de estágio. O gestor do CT
Renascendo me convidou para organizarmos a seleção de estagiários para o segundo
semestre. Fiz contato com a Coordenação do curso de Psicologia, novamente, para solicitar
autorização para abrir seleção no Renascendo, agora também para estágios específicos, graças
a ótima experiência com a colega Angélica, no semestre anterior. Fomos autorizados e chamei
alguns colegas para juntos, organizarmos o novo processo seletivo.
Foram mais momentos de aprendizado, de organização, de estudo, para que a seleção
fosse a mais isenta possível e oferecesse oportunidade real de estágio para tantos colegas em
busca de um local. Muitas planilhas, turnos e horários a serem definidos, atividades
planejadas, muitas reuniões, foi preciso uma reorganização geral para acolher os 28 colegas
que foram selecionados. Fui convidada pela administração e supervisor para auxiliar na
organização e me tornei uma espécie de monitora dos estagiários. Fizemos uma semana de
integração/familiarização para quem estava chegando, tour pelas unidades, apresentação do
projeto terapêutico do local, planejamento de atividades, etc..
Iniciamos as atividades em 24 de agosto, parece que foi ontem…. Agora, chegando ao
final de mais um semestre, olho para trás e fico impressionada com tantas mudanças, tantas
conquistas, tantas batalhas para defender aquilo que acreditamos, muitas horas de negociação
e diplomacia, tudo em busca de melhorias na qualidade de vida e humanização do tratamento.
Lutar dia a dia para derrubar os estigmas, para fazer crer na recuperação quem já não tem
mais forças para lutar, defender o espaço da psicologia e zelar pelos direitos daqueles
pacientes sobrecarregados de culpa e rótulos.
Em meio a tudo isso, descobrir que sou capaz de assumir as lideranças que conquistei,
enfrentar meus medos e inseguranças, aprender a falar em público, refletir e planejar cada
passo com responsabilidade, perceber que fiz a escolha certa quando decidi voltar aos estudos
e que amo Psicologia! Amo gente!

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Foram muitos desafios, momentos de me questionar sobre meu lugar no Renascendo,
sobre ética, lutar por justiça e respeito às diferenças, questionar e apontar novos modos de
manejo, sem violência, sem castigos e humilhações. No início, muitas vezes me senti
assustada com as demandas do local, insegura com a variedade de situações encontradas,
precisando achar o equilíbrio entre as funções de estagiária e todas as outras que foram
surgindo, além de também achar espaço para ser mulher, esposa e mãe.
Quantas experiências positivas, assistir aos colegas tomando posse dos seus lugares e
criando atividades maravilhosas, colocando em prática os estudos. Ver aqueles meninos sem
esperança se apropriarem dos conhecimentos que levamos, melhorarem sua autoestima.
Vê-los sentirem-se acolhidos e aceitos, sem julgamentos, e receber feedbacks sobre a
diferença no processo de recuperação com a chegada da equipe de psicologia.
Poder desfrutar de autonomia para pensar projetos, como o do grupo de apoio às
famílias; poder ter voz e dar voz aos meus colegas de caminhada acadêmica; ver o brilho nos
olhos de cada um ao realizar suas tarefas diárias; sentir que desenvolvemos um sentimento de
equipe e de pertencimento, ver nosso trabalho ser reconhecido por todos e poder fazer a
diferença na vida de tantos que passam pelo Renascendo, faz com que finalizemos este
semestre com sensação de dever cumprido e com um enorme sentimento de “tem muito mais
a se fazer”!
Por todas estas narrativas, escolhi o poema a seguir como uma representação das
vivências do estágio no Renascendo e que, ao meu olhar, também fala um pouco do que
entendo por psicologia. Esta maravilhosa ciência de relacionamentos, de trocas, de cuidados,
de entregas e de partilhas!

SOU FEITA DE RETALHOS


(Cris Pizzimenti)

“Sou feita de retalhos.


Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.
Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu
sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior…
Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…
Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

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E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se
tornando parte da gente também.

E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados…


Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.
Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me
permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim.
Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser
parte das suas histórias.
E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de
‘nós’”.

Termino este semestre acrescida dos pedacinhos de cada um que encontrei, cada
colega com quem planejei atividades, troquei feedbacks, compartilhei experiências; cada
paciente que me confiou sua história de vida, suas dores e seus amores; cada familiar que
dividiu comigo suas angústias e esperanças durante os acolhimentos; cada integrante da
equipe Renascendo que me acolheu e me permitiu conhecer um pouco mais do funcionamento
local. Da mesma forma, espero ter deixado em cada um deles um pedacinho de mim, da
minha esperança, da minha certeza de que sempre tem algo a ser aprendido, mesmo nas
dificuldades e tristezas, que o passado é passado, o presente é para recomeçar sempre e o
futuro poder ser melhor e possível!

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3. PROCESSOS DE ATENDIMENTO NO LOCAL DE ESTÁGIO

O Centro de Recuperação Renascendo, desde que o Núcleo de Psicologia foi criado,


passou e vem passando por diversas mudanças, das mais administrativas até aquelas mais
voltadas ao seu Projeto Terapêutico. Durante o primeiro semestre deste ano, a estagiária pode
auxiliar e participar, por conta de um curso de monitoria em comunidades terapêuticas
concluído em 2019 e dos conhecimentos administrativos adquiridos em experiências
profissionais anteriores, da organização de alguns itens importantes para a adequação do CT
às legislações vigentes e visando a obtenção dos Alvarás da Saúde. Também, em virtude do
convênio com a FADERGS, foram tomadas medidas para ajustes às determinações do
Conselho Federal de Psicologia (CFP) e ao Código de Ética do Profissional Psicólogo.
Foram criadas e organizadas algumas rotinas, como as de novas internações, de
contato com as famílias, agendas de atendimentos clínicos, entre outras. Também, foram
organizadas as pastas de cada paciente, com as documentações previstas em lei; foram
separados em novas pastas e gavetas com chave, os prontuários da psicologia e da psiquiatria.
Quando iniciado este semestre, a unidade 1, onde a estagiária está lotada, tinha muitas
reclamações dos internos quanto à humilhações, castigos e até contenções desnecessárias ou
realizadas de forma inadequada. Com a presença dos estagiários no CT abriu-se um canal de
escuta qualificada aos internos e aos colaboradores, que contribuiu para maior transparência
nos processos internos. Houve momentos de disputa e embates entre o olhar e foco no
tratamento humanizado e respeitoso com aquele “velho e ultrapassado” modelo de sofrimento
para aprendizado, disseminado por alguns monitores da unidade. E, não foi diferente na
Unidade 2, onde os colegas também enfrentaram suas batalhas e foram ocupando seus
espaços. Como resultado desses embates, tivemos uma renovação no quadro de monitores,
dispensando aqueles que não atuavam dentro da visão humanizada que era desejada.
Até este semestre, o atendimento psiquiátrico, feito presencialmente uma vez por mês
e acompanhado via whatsapp de contato com a administração, com o objetivo de estabilizar
os pacientes por meio de medicação, não tinha nenhum olhar da psicologia sobre as evoluções
dos internos. Buscou-se, com a anuência do Supervisor, realizar uma reunião entre
administração, núcleo de psicologia e o psiquiatra Dr. Marcos onde ficou definido que os
colegas que realizam atendimento clínico individual poderiam relatar, via planilha criada para
este fim, qualquer situação ou estado verificado em seus pacientes. A finalidade é somar
como equipe e contribuir com o olhar sobre o paciente, auxiliando o psiquiatra na tomada de
decisões e escolhas medicamentosas mais apropriadas.

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O funcionamento interno das unidades obedece a um Cronograma de atividades
programadas, onde constam detalhados todos os momentos diários do CT. Ao longo do dia,
existem horários determinados para atividades em grupo, tanto da monitoria (manhãs e noites)
como do Núcleo de Psicologia (tardes). As reuniões conduzidas pela monitoria são as de
espiritualidade, 12 Passos, Reunião de metas e Regras de moradia, entre outras, sempre com
temas voltados ao tratamento e a melhor adesão ao mesmo. Às tardes, das 15 às 16:30h, de
segundas a sextas, e das 15:30 às 16:30h, nos sábados e domingos, temos as atividades
grupais da psicologia. Cada dia da semana tem um foco de assunto e os estagiários ficam
livres para planejar as reuniões, que são conduzidas por um dos colegas e acompanhadas
pelos demais presentes no dia. Foram criados grupos de whatsapp para cada dia, utilizados
para escolha dos temas, organização de materiais e planejamento das atividades.
Os assuntos estão assim distribuídos ao longo das semanas:
● Segunda é dia de Reunião dos Sentimentos, onde todos os internos participam e
devem dizer seu sentimento com relação a casa ou ao tratamento (Ótimo, Bom,
Regular ou Ruim) e comentar as razões. Cada um tem 4 minutos para sua fala e recebe
um “retorno” de quem conduz a reunião, que são os estagiários, onde um é o
responsável por anotar o sentimento externado e um resumo das falas de cada um. As
anotações ficam arquivadas na Secretaria e servem de apoio para as anotações das
evoluções do paciente;
● Terça é o dia da Psicoeducação sobre o uso e abuso de álcool e outras substâncias,
morbidades psiquiátricas, medicação, o tratamento, a internação e vários outros temas
de igual importância;
● Quarta o assunto é Família e relacionamentos, Comunicação não violenta;
● Quinta é dia de psicoeducação sobre TCC, Treino de Habilidades Sociais e Prevenção
à recaída;
● Sexta é dedicada ao Projeto de Vida, construção das metas e objetivos para a pós
internação; encerramento do grupo com Mindfulness no pátio;
● Sábado e Domingo são dedicados à autoestima e autocuidado; também pode ser dia de
Cinema, com filmes ou documentários.
Além destas atividades, foi criado o Clube do Livro, para incentivo à leitura, visto que
o Renascendo conta com uma boa coleção de livros doados em campanha de arrecadação; No
início das atividades de sexta-feira, eles podem partilhar com o grupo a leitura que fizeram ou
estão fazendo, mencionar um resumo ou trecho marcante.

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Todos os dias, temos estagiários dos específicos, que têm seus pacientes, repassados
pelo supervisor, e que cumprem suas agendas de atendimento individual antes e após as
atividades grupais. Os prontuários ficam em arquivo separado e os estagiários têm acesso
liberado a eles, fazem as evoluções dos atendimentos e demais registros.
Como atividades mais específicas do estágio básico de acolhimento e avaliação
psicológica, os estagiários ficam disponíveis para realizar o acolhimento dos recém-chegados
e dos familiares, dão suporte aos momentos de visita, que por vezes podem ser bem tensos.
Também realizam anamnese inicial com os internos e entrevista com os familiares, visando
conhecimento mais completo da história de vida de cada um. Os estagiários têm liberdade
para utilizar instrumentos e técnicas de avaliação psicológica, desde que identificada a
necessidade e obtido o consentimento do paciente.
Todas as quintas, na unidade 1, e sextas, na unidade 2, das 14 às 15h, acontecem as
Reuniões de Supervisão, alternadas entre básicos e específicos. Momento de trazer dúvidas,
falar de casos clínicos e evolução de tratamento; também, momento de estudo sobre temas
pertinentes trazidos de pesquisas em literatura especializada pelo supervisor local.
Além das reuniões de supervisão, os estagiários se reúnem antes das atividades grupais
para conversar sobre o andamento do estágio, acompanhamento dos pacientes, intercorrências
da noite anterior ou do dia e após as atividades em grupo são analisados os acontecimentos
durante a condução da atividade proposta e momentos de feedback.

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4. INSTRUMENTOS E RECURSOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Este relatório tem como objetivo identificar métodos e instrumentos mais adequados
para avaliação psicológica no contexto e público-alvo do Centro de Recuperação Renascendo.
Os internos do Renascendo são do sexo masculino, possuem idades que variam de 18 a 60
anos e idade média estimada de 35 anos, a faixa etária com mais prevalência no local é de 18
a 30 anos, com média escolaridade, idade média inicial de uso aos 13 anos e droga de maior
prevalência neste início o álcool, seguido pela maconha. A cocaína e o crack são as drogas
mais usadas e as maiores responsáveis pelo diagnóstico de transtorno por uso de substâncias,
seguidas pelo álcool. O consumo precoce das drogas, lícitas ou ilícitas, parece ser responsável
pelo abandono dos estudos.
Em relação ao número de internações, os dados impressionam, já que a grande maioria
já tem mais de 15 internações, seguidos pelos que têm de 2 a 6 internações. São raros os casos
de primeira internação, sendo que dos 30 internos atualmente, na unidade 1, somente 2
declararam ser a primeira vez.
Continuando a exposição de levantamento feito junto aos prontuários do local, fica
evidente a presença de morbidades psiquiátricas, sendo mais presentes a esquizofrenia, a
depressão, a bipolaridade e ansiedade. O TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade) é um diagnóstico presente na história pregressa de quase a totalidade dos
internos.
A avaliação psicológica é um processo que permite a compreensão dos fenômenos
psicológicos através de procedimentos diagnósticos e prognósticos. Também se define como
um conjunto de práticas investigativas com finalidade de responder alguma questão-problema
(Alchieri e Cruz, 2003).
A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de investigação, no
qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão
mais apropriada do psicólogo. Mais especialmente, a avaliação psicológica refere-se à coleta e
interpretação de dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis,
entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica. Compete ao psicólogo
planejar e realizar o processo avaliativo com base em aspectos técnicos e teóricos. A escolha
do número de sessões para a sua realização, das questões a serem respondidas, bem como de
quais instrumentos/técnicas de avaliação devem ser utilizados será baseada nos seguintes
elementos: 1. contexto no qual a avaliação psicológica se insere; 2. propósitos da avaliação
psicológica; 3. construtos psicológicos a serem investigados; 4. adequação das características

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dos instrumentos/técnicas aos indivíduos avaliados; 5. condições técnicas, metodológicas e
operacionais do instrumento de avaliação (CFP, 2013).
O processo de avaliação psicológica apresenta alguns passos essenciais para que seja
possível alcançar os resultados esperados, a saber:
• levantamento dos objetivos da avaliação e particularidades do indivíduo ou grupo a
ser avaliado. Tal processo permite a escolha dos instrumentos/estratégias mais adequados para
a realização da avaliação psicológica;
• coleta de informações pelos meios escolhidos (entrevistas, dinâmicas, observações e
testes projetivos e/ou psicométricos etc.). É importante salientar que a integração dessas
informações deve ser suficientemente ampla para dar conta dos objetivos pretendidos pelo
processo de avaliação. Não é recomendada a utilização de uma só técnica ou um só
instrumento para a avaliação;
• integração das informações e desenvolvimento das hipóteses iniciais. Diante dessas,
o psicólogo pode constatar a necessidade de utilizar outros instrumentos/estratégias de modo a
refinar ou elaborar novas hipóteses;
• indicação das respostas à situação que motivou o processo de avaliação e
comunicação cuidadosa dos resultados, com atenção aos procedimentos éticos implícitos e
considerando as eventuais limitações da avaliação. Nesse processo, os procedimentos variam
de acordo com o contexto e propósito da avaliação. (CFP, 2013)
Vista a complexidade e responsabilidade envolvidas no processo de avaliação
psicológica cabe, neste momento, alguns recortes sobre as patologias objeto de tratamento no
CT Renascendo e as morbidades existentes.
De acordo com Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V),
os Transtornos Relacionados a Substâncias abrangem 10 classes distintas de drogas: álcool,
cafeína, Cannabis, alucinógenos, inalantes, opioides, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos,
estimulantes (anfetaminas, cocaína e outros), tabaco e outras. Todas as drogas que são
consumidas em excesso têm em comum a ativação direta do sistema de recompensa do
cérebro, o qual está envolvido no reforço de comportamentos e na produção de memórias. Tal
ativação é intensa a ponto de fazer atividades normais serem negligenciadas. Em vez de
atingir a ativação do sistema de recompensa por meio de comportamentos adaptativos, as
drogas de abuso ativam diretamente as vias de recompensa. Indivíduos com baixo nível de
autocontrole, o que pode ser reflexo de deficiências nos mecanismos cerebrais de inibição,
podem ser particularmente predispostos a desenvolver transtornos por uso de substância,
sugerindo que, no caso de determinadas pessoas, a origem dos transtornos por uso de

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substância pode ser observada em seus comportamentos muito antes do início do uso atual de
substância propriamente dito (DSM-V, p.481).
Os transtornos relacionados a substâncias dividem-se, conforme o DSM-V, em dois
grupos: transtornos por uso de substância e transtornos induzidos por substâncias. As
condições a seguir podem ser classificadas como induzidas por substância: intoxicação,
abstinência e outros transtornos mentais induzidos por substância/medicamento (transtornos
psicóticos, transtorno bipolar, e transtornos relacionados, transtornos depressivos, transtornos
de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e relacionados, transtornos do sono,
disfunções sexuais, delirium e transtornos neurocognitivos) (DSM-V, p.481).
A característica essencial de um Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) consiste na
presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos
indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à
substância. Uma característica importante dos TUS é uma alteração básica nos circuitos
cerebrais que pode persistir após a desintoxicação, especialmente em indivíduos com
transtornos graves. Os efeitos comportamentais dessas alterações podem ser exibidos nas
recaídas constantes e na fissura intensa por drogas quando são expostos a estímulos
relacionados a elas (DSM-V, p.483).
Os pacientes com Transtorno Bipolar, vivenciam prejuízo significativo no
funcionamento profissional, familiar e social. Os pacientes com sintomas depressivos
persistentes, muitas vezes têm comprometimento cognitivo, o que afeta fortemente o
funcionamento profissional e social. A principal característica desse Transtorno, é a
desregulação extrema do afeto ou estados de humor que oscilam entre o extremamente baixo
(depressão), ao extremamente alto (mania), variando em intensidade, duração e frequência
(DSM-V).
De modo semelhante ao Transtorno Depressivo, apesar da variação no humor ser um
aspecto marcante no Transtorno Bipolar, existem muitos outros aspectos que devem ser
considerados. Segundo o DSM-5 (2014) existe uma lista de sintomas que, combinados à
elevação do humor ou irritabilidade, caracterizam um Episódio de Mania ou Episódio
Hipomaníaco. Os quadros de depressão do Transtorno, também chamados de Episódio
Depressivo Maior, são caracterizados pelo humor deprimido ou perda de interesse/prazer por
quase todas as atividades durante pelo menos duas semanas.
A esquizofrenia é uma doença mental grave, que tem como característica
predominante sintomas positivos de alucinações, delírios e transtornos do pensamento. Os
sintomas negativos também costumam estar presentes e refletem uma redução ou perda do

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funcionamento normal, incluindo restrições na gama ou na intensidade das emoções, na
fluência e na produtividade do pensamento, da linguagem e no desencadeador do
comportamento (BARLOW, 2016).
Segundo HUTZ (2016), o psicodiagnóstico é um procedimento científico de
investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes com o
propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas, visando um diagnóstico
psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz de uma orientação teórica que
subsidia a compreensão da situação avaliada, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e
encaminhamentos.
Trazendo para a prática do estágio em processos de acolhimento e avaliação
psicológica, pode-se perceber no dia a dia da internação, o quão decisivo para a qualidade da
relação terapêutica que se estabelecerá é um acolhimento bem feito, que dê conta de acalmar
os primeiros sentimentos, muitas vezes confusos pela reclusão ao ambiente do CT. Começa,
neste contato inicial, o desenrolar de muitos anos de sofrimento que permitirão a formulação
clínica do caso. A seguir uma Entrevista Inicial com a finalidade de colher dados gerais sobre
o paciente e suas questões. Após o período de desintoxicação (aproximadamente 90 dias),
devem ser realizadas mais algumas entrevistas e uma Anamnese completa. Como fontes
complementares de informação, entrevistas com familiares mostram-se de grande
importância.
Num segundo momento, a escolha dos instrumentos e técnicas a serem utilizados é de
suma importância e considerando os transtornos e comorbidades presentes no local, os
instrumentos mais apropriados são: escalas de humor (escala Baptista de Depressão);
Genograma Familiar.
A Resolução 002/2003 diz que o psicólogo deve utilizar somente os testes avaliados
pelo CFP como favoráveis para uso (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2003). Portanto,
é importante que conheça essa lista e a consulte com frequência, já que é atualizada
periodicamente, para que possa atuar de forma legal. Nela também constam os testes que são
ou não de uso exclusivo do psicólogo (Hutz, Bandeira, & Trentini, 2015).

Escala de Depressão

As escalas de avaliação são instrumentos de avaliação psicológica estandardizados,


que podem reunir em sua avaliação características gerais ou mais específicas do
comportamento, dependendo da finalidade da escala. Existiam diversos formatos de resposta

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aos itens, dentre os quais mais utilizados eram o dicotômico (Sim/Não ou
Concordo/Discordo), as escalas numéricas (1: Completamente em desacordo, 4:
Completamente de acordo) e atualmente as escalas utilizadas e autorizadas pelo Sistema de
Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), são do tipo Likert, com três ou mais níveis (de
Nunca a Muitas vezes). Também conhecidas como escalas referenciadas, com a apresentação
de uma definição associada a cada um dos níveis da escala. A escala Likert possibilita que a
resposta do sujeito possa ser traduzida mediante diferentes graus de intensidade (MAJOR E
SANTOS, 2013).
As escalas de “rastreamento” para a depressão são simples, rápidas e constituem uma
forma barata de detectar possíveis casos e, a partir daí, possibilitar intervenções adequadas, já
que o tratamento pode alterar bastante entre um paciente que apresenta pontuações mais altas
na categoria somática e outro que demonstra as mesmas pontuações na categoria cognitiva.
Entretanto, independentemente das várias medidas internacionais encontradas para avaliar
depressão, as escalas devem ser utilizadas com cautela, já que geralmente não levantam ou
avaliam informações suficientes para um diagnóstico, tais como duração dos sintomas,
critérios de exclusão ou diagnóstico diferencial, áreas mais comprometidas da vida, dentre
outras informações importantes (BAPTISTA, CARDOSO, GOMES 2012).

Escala Baptista

A escala Baptista foi desenvolvida por Makilim Nunes Baptista (2012), para rastrear a
depressão, sem a intenção de diagnosticar. Possui 45 itens, divididos em duas frases por item,
em formato Likert de quatro pontos. A pontuação varia de zero a três, com mínima de zero e a
máxima de 135. Em geral, o escore total da escala é entendido de forma que, quanto maior o
escore, maior a sintomatologia depressiva. Esta escala tem a possibilidade de ser utilizada em
uma ampla faixa etária, que varia de 17 a 81 anos de idade.
Esta escala foi formulada baseada em indicadores retirados do DSM e do CID-10,
Terapia Cognitiva da Depressão e Princípios do Comportamento, resultando inicialmente em
um instrumento de “screening” (rastreamento) para amostras psiquiátricas e não psiquiátricas
(COUTINHO, HAMDAN e BAPTISTA, 2016).
Os itens da escala Baptista foram distinguidos com base nas categorias
sintomatológicas como: humor, vegetativo ou somático, social, motor, sintomas cognitivos,
ansiedade e irritabilidade. A seguinte proporção de itens foi encontrada para a escala,
conforme o autor Baptista (2012): 33% sintomas cognitivos; 20% sintomas de humor; 18%

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social; 18% vegetativo; 4,5% de sintomas motores; 4,5% de irritabilidade; e 2% de ansiedade.
Os itens da escala são formulados por sentenças que dizem respeito a um descritor
sintomático da depressão. Cada item apresenta um par de frases, uma de cunho positivo e
outra de cunho negativo, são separadas por uma régua contendo quatro círculos, formando
uma escala Likert de quatro pontos (BIGHETTI, ALVES e BAPTISTA, 2014).
Ao participante, é requerido que ele opte por um dos círculos que melhor retrate ou se
aproxime da sua concordância com a frase positiva ou negativa apresentada. São observados
sintomas como: sentir-se sozinho, baixa autoestima, dificuldades para resolver problemas,
sentimento de incapacidade, percepção de apoio social, sensação de vazio, choro, sensação de
tristeza, sensação de prazer, anedonia, expectativas quanto ao futuro, percepção de
comportamentos diferentes dos habituais, dificuldade para fazer escolhas, sentimentos de
infelicidade, pensamentos negativos, alterações no sono, alterações nos hábitos alimentares,
sentimento de inutilidade, isolamento social, letargia, agitação, sentimento de angústia,
pensamentos de morte, ideação suicida, hipocondria, irritabilidade, sentimento de culpa,
desânimo, falta de libido e sensação de cansaço (BAPTISTA, CARDOSO E GOMES, 2012).
A inserção de frases extremas na escala propicia compreender a dicotomia de
determinados indicadores sintomatológicos da depressão, como agitação ou retardo
psicomotor, aumento ou diminuição de apetite, seguida de aumento ou diminuição
significativa de peso e insônia ou hipersonia; muitas vezes omitida em escalas autoaplicáveis
que avaliam a depressão. A Escala Baptista leva em consideração as variáveis da realidade
brasileira e os vários critérios de classificação do Transtorno Depressivo Maior no DSM-5.
Sua bateria avalia depressão e construtos a ela associados, como solidão, desamparo,
autoestima, autoconceito, desesperança e autoeficácia (BAPTISTA, GOMES E CARNEIRO,
2013).

Genograma Familiar

O genograma é a representação gráfica das relações familiares. Contém informações


sobre a estrutura, o funcionamento e a dinâmica de, ao menos, três gerações de um sistema
familiar. Utiliza o suporte gráfico para proporcionar uma modalidade narrativa sobre histórias
desse sistema. Essa narrativa ocorre por intermédio da linguagem verbal, ou, ainda, por
intermédio das linguagens analógica, metafórica e representativa, que facilitam a aproximação
às emoções e descobertas de novos significados. Seu uso no contexto avaliativo viabiliza o
delineamento das configurações das relações transgeracionais, auxilia na construção dos

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nexos mais representativos entre as distintas gerações e evidencia aspectos mais complexos
das relações atuais (Andolfi, 2003).
Autores como Guerín e Pendgast (1976), Montàgano e Pazzagli (1989), McGoldrick,
Gerson e Petry (2012) e Cerveny (2014) também se apropriaram da técnica e a aprimoraram.
Eles destacam a ideia de que a técnica do genograma permite o acesso à dinâmica familiar de
forma mais proeminente do que entrevistas centradas na realidade atual ou a livre narrativa
sobre a história familiar. O uso do genograma como técnica avaliativa e interventiva difere da
construção do genograma por parte do avaliador de forma breve, com o intuito de conhecer e
contextualizar a demanda trazida pela família. É construído em conjunto com o(s) paciente(s)
e facilita o acesso às memórias e aos relatos do mundo relacional. Inclui muitos dados, além
de nomes, idades e eventos importantes. Sua construção implica, necessariamente, o
aprofundamento das histórias e das relações estabelecidas com as famílias de origem. Para sua
construção, existem símbolos comumente utilizados que auxiliam na compreensão gráfica da
dinâmica familiar. Há símbolos que representam a estrutura, as informações sobre a família e
seus membros e suas relações emocionais.
A construção do genograma em famílias com história de abuso de substâncias também
exige cuidados especiais. Em primeiro lugar, não é produtivo trabalhar a história familiar
quando uma ou mais pessoas estiverem sob efeito de substância. Quando as histórias
começam a ser narradas, é inevitável a descrição de outras pessoas que também fizeram uso
de substâncias. Assim, o avaliador deve estar atento para não justificar o uso atual por um
padrão de uso repetido na família de origem. Quando esse padrão começa a ser sinalizado no
relato da família, o avaliador deve utilizar essa identificação para romper o padrão
disfuncional que vem definindo os relacionamentos interpessoais. A ruptura só poderá ser
estabelecida se o padrão relacional for identificado.

21
5. COMPREENSÃO TEÓRICO-PRÁTICA

O Centro Renascendo não tinha como prática, até a criação do Núcleo de Psicologia, a
realização de Avaliação Psicológica com uso de instrumentos. As internações eram seguidas
por um momento de acolhimento geral por parte da monitoria e um atendimento pelo
psicólogo local, restrito aos dias em que atende no local (quintas na unidade 1 e sextas na
unidade 2), o que causava certo desconforto nos recém-chegados, por gerar um sentimento de
insegurança sobre sua situação no local. Além disso, o psicólogo local, realiza os
atendimentos individuais com periodicidade quinzenal, devido ao elevado número de
pacientes e sua reduzida permanência no local.
A partir da chegada dos estagiários que integram o recém criado Núcleo de Psicologia
do CT, passaram a existir, com frequência diária, tanto os atendimentos individuais como as
práticas grupais em psicoterapia. Os acolhimentos passaram a ocorrer de forma sistematizada
já no momento da chegada ao local e não se limitam ao recém-chegado, sendo estendidos aos
familiares responsáveis pela internação.
Nesse contexto fica clara a importância da atuação da equipe de estagiários no cuidado
aos indivíduos e seus familiares, especialmente num momento de alto nível de estressores
envolvidos. Kondo et al (2010) contribuem ao afirmar que o acolhimento aos usuários de
drogas e famílias necessita ser realizado, acompanhado de escuta terapêutica, com segurança,
respeito e qualidade, elementos esses importantes para a adesão ao tratamento.
Segundo Souza (2017), o acolhimento necessariamente precisa de um comportamento
e uma postura ética que acarrete na escuta qualificada da pessoa e suas demandas, deve haver
um reconhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento.
O processo de acolhimento é muito mais do que receber, ouvir a demanda e fazer o
melhor encaminhamento ao acolhido, visto desta forma, parece algo mecânico, que facilmente
pode se tornar um procedimento rotineiro. Acolher para Gomes (2009, apud NEUMANN e
ZORDAN, 2011 p. 499) “prevê o deslocamento do foco de atenção do entrevistador,
transferindo-o da priorização do saber técnico para o olhar sobre o sujeito e o seu sofrimento”,
para isso o profissional precisar ser dinâmico, ter a capacidade de lidar com a diversidade
tanto de demandas quanto de pessoas que buscam o serviço e, sobretudo estar disposto a
escutar.
Considerando o público envolvido e a linha teórica seguida pelo CT Renascendo, a
Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), faz-se necessário atentar para uma das
características fundamentais da TCC que é o fato de basear-se em uma formulação clínica dos

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problemas do paciente. Assim, lançando mão de entrevistas e instrumentos de avaliação,
buscar-se-á constituir a história do paciente e suas dificuldades atuais, o que permitirá que o
mesmo possa expandir suas estratégias para lidar com os problemas apresentados em sua
busca por ajuda psicológica (Beck, 1997). Para que se alcance os objetivos traçados em busca
da compreensão do caso, torna-se primordial o estabelecimento de uma boa relação
terapêutica, baseada em uma escuta empática e interessada das questões trazidas por este
cliente.
A terapia cognitiva de Beck caracteriza-se por ser uma abordagem
psicoterapêutica estruturada, que envolve a participação ativa entre o terapeuta e o cliente,
voltada para o presente, que se pauta no Modelo Cognitivo e na utilização de técnicas
específicas, cognitivas e comportamentais, que visam à modificação dos padrões de
pensamentos e crenças que causam e/ou mantém o sofrimento emocional e/ou distúrbios
psicológicos no indivíduo. Fundamenta-se no pressuposto de que as emoções,
comportamentos e reações fisiológicas estão diretamente ligados à forma como o indivíduo
avalia suas experiências no mundo (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979).
Novamente, cabe a ressalva, de que com a chegada do grupo de estagiários ao
Renascendo, agora falando dos que realizam estágios específicos, os atendimentos individuais
passaram a ocorrer duas vezes por semana, sessões de 40 minutos em média, com momento
de supervisão nas quintas e sextas, o que elevou sobremaneira a efetividade dos atendimentos
e estabelecimento de relações terapêuticas mais efetivas.
A partir do estabelecimento desta relação, busca-se a colaboração e participação ativa
do cliente e do terapeuta na busca por soluções para os problemas abordados, através de metas
voltadas para o aqui-e-agora e para a identificação, avaliação e modificação de pensamentos e
crenças disfuncionais. Para atingir tais objetivos são utilizadas técnicas
cognitivo-comportamentais, como o registro de pensamentos, o questionamento socrático e os
experimentos comportamentais (Greenberger & Padesky, 1999).
Quanto à formulação, Beck e Alford (2000) apontam para a importância desta na
terapia como sendo a base para, compreendendo os conceitos pessoais que são ativados em
determinadas situações que levam o indivíduo a se comportar de maneira mal adaptativa ou
disfuncional, fornecer estratégias para corrigir esses conceitos. Sem esta formulação o
trabalho terapêutico torna-se vago e impreciso, sem saber exatamente para que e para onde se
direcionar. Freeman (1998) chega mesmo a afirmar que a habilidade mais importante do
psicoterapeuta é a capacidade para desenvolver conceituações de tratamento, uma vez que,

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mesmo com a utilização de técnicas e instrumentos de terapia cognitiva, sem a formulação o
objetivo se perde.
Havendo uma boa compreensão do fenômeno que está sendo apresentado, torna-se
muito mais fácil o planejamento de estratégias para atingir determinados objetivos. Em outras
palavras, somente através do desenvolvimento de uma boa formulação da situação ou
problemas trazidos para terapia, é que se podem planejar procedimentos efetivos para alcançar
as mudanças desejadas e, conseqüentemente, ficará mais fácil avaliar se um determinado tipo
de intervenção psicológica é uma terapêutica realmente eficaz ou não.
Para chegar ao desenvolvimento da formulação de caso, faz-se necessária a coleta de
dados, que deve iniciar com uma série de entrevistas. Segundo Beck (1997) e Freeman
(1998), o terapeuta deve procurar formas de, durante as entrevistas iniciais, poder ir
identificando ou, pelo menos, levantando hipóteses.
A formulação pode ser utilizada, entre outras coisas, para assegurar colaboração,
selecionar pontos de intervenção e orientar o inquérito, selecionar estratégias de intervenção e
tarefas de casa, garantir a cooperação do cliente e prever obstáculos ao tratamento (Beck,
1997).
O processo de formulação de caso cognitivo-comportamental é mais do que simples
diagnóstico. É uma compreensão do funcionamento global do indivíduo, não somente no
momento atual, mas ao longo de sua história de desenvolvimento. É um mapeamento de suas
habilidades, sua forma específica de organizar sua história e seu jeito de se relacionar com as
pessoas (SHINOHARA, 2002).
Na continuidade, ressalta-se, que a base das atividades realizadas no CT são as de
grupo, seguindo o modelo das Comunidades Terapêuticas que apoia-se na convivência grupal
como forma de tratamento.
Segundo Rosenbaum e colaboradores (1992), a enorme proliferação das psicoterapias
em grupo na atualidade não tem apenas o objetivo de atender a uma maior demanda de
pacientes do que por meio da terapia individual. Os grupos também atendem as demandas das
pessoas por contato social maior e profundo.
Após quase 40 anos de pesquisas em grupos na abordagem cognitivo-comportamental
pode-se afirmar que as evidências indicam superioridade dos grupos homogêneos em relação
aos heterogêneos, dos estruturados em relação aos semi ou não estruturados, de tempo
limitado, e na abordagem cognitivo-comportamental (Hollon & Shaw, 1979).
É importante mencionar que, no caso de alguns problemas clínicos específicos, como
transtornos de ansiedade social (TAS), a intervenção em grupo é mais apropriada do que a

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individual, uma vez que o medo do contato e da avaliação social e a preocupação com a forma
como o outro o percebe só são passíveis de avaliação e intervenção direta no contexto de
grupo (Bieling et. al., 2006). Além disso, a terapia em grupo conta com fatores inexistentes na
terapia individual, como o feedback e os modelos fornecidos pelos demais participantes; a
percepção dos erros cognitivos alheios é maior que a dos seus próprios no caso de pacientes
com depressão e TAS, por exemplo.
Realmente, durante as atividades grupais, fica evidente que a interação entre os
pacientes e sua interação com os coordenadores, além das interações entre os coordenadores e
de cada indivíduo com o grupo, são excelentes oportunidades de aprendizagem significativa e
troca de informações.
Bieling e colaboradores (2206) destacam que com certeza há quem reconheça essas
diferenças e a modalidade de grupos como uma possibilidade única de oportunidades
terapêuticas, mas apontam para a necessidade de atenção a essas omissões na literatura.
Os grupos organizados diariamente no CT buscam o fortalecimento das habilidades de
enfrentamento interpessoais (Treino de Habilidades Sociais - THS) - de modo a favorecer
uma melhoria na comunicação interpessoal e na assertividade - e intrapessoais - manejo de
raiva, tristeza e ansiedade. Contemplam, ainda, psicoeducação, aquisição de habilidades de
manejo e estratégias para prevenção de recaídas. Destinam-se a atingir os objetivos de
promoção de saúde, prevenção e tratamento.
A psicoterapia em grupo vem sendo assunto cada vez mais abordado na literatura
cognitivo-comportamental em grande parte pela mesma característica que ocasionou interesse
na década de 70 (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979): seu custo-benefício. Observa-se a
eficácia dessa modalidade em diversos estudos da área, para diferentes demandas,
equiparando-se à modalidade individual (Bjornsson et. al., 2011).
O primeiro passo para o desenvolvimento de um grupo em TCC é a homogeneidade
da sua composição (Neufeld, 2011). Para garantir isso, precisam ser avaliadas demandas e
características de cada indivíduo, além de fatores como idade, escolaridade, cultura, entre
outros. A composição do grupo deve levar em conta objetivos e metas que poderão ser
alcançados com aquela configuração específica (Rangé et.al., 2017).
Como ressaltado por Neufeld (2015), a homogeneidade de objetivos é o foco principal
nesse aspecto. Grupos totalmente homogêneos são pouco prováveis e até mesmo pouco
desejáveis, uma vez que certa heterogeneidade é importante para que surjam diferentes pontos
de vista. Porém, a homogeneidade preconizada pela TCCG, refere-se a oportunizar que seus
membros experimentem certo grau de pertencimento ao grupo. Portanto, se o foco do grupo,

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ou seja, seu objetivo, for homogêneo, desde que as características dos membros não sejam
destoantes entre si, pode-se pensar um uma homogeneidade suficiente para que o processo de
TCCG se concretize (Neufeld, 2015).
A Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos - TCCG se caracteriza pela
configuração em grupos fechados, ou seja, uma vez formado, não são permitidas novas
entradas. Pode-se pensar em grupos semi-abertos (com um número de sessões até quando
poderão ser admitidos novos membros) (Neufeld, 2015).
Ainda, nesse sentido, o contrato terapêutico e o sigilo são pontos cruciais para o bom
andamento do grupo. Neufeld (2015) ressalta que a clareza do contrato pode ser um
diferencial na adesão ao grupo.
A construção de normas em conjunto com o grupo aumenta significativamente a
probabilidade de envolvimento dos participantes com elas.
A seleção da intervenção deve priorizar aquela com maior potencial de impacto para
as demandas mais urgentes da população atendida (Beck & Coffey, 2005). O planejamento do
programa de intervenção e a formação do grupo referem-se ao estágio pré-grupo definido por
Bieling e colaboradores (2008). Assim, o objetivo e o tipo de grupo devem ser definidos, bem
como número de sessões, estrutura, local, terapeutas e demanda dos participantes. Os critérios
de inclusão e/ou exclusão irão variar de acordo com o grupo, sendo que, para promoção de
saúde, por exemplo, não é necessária a seleção tão rigorosa dos integrantes. Entretanto, se a
intenção é realizar um grupo interventivo voltado para sintomas ansiosos, por exemplo, a
seleção dos participantes se fará necessária e terá um papel fundamental.
A seleção dos membros é essencial para garantir o melhor desfecho possível ao grupo.
Recomenda-se pelo menos um encontro anterior com o participante para que seja feita uma
avaliação a fim de concluir qual tratamento lhe é mais indicado (White & Freeman, 2003). A
seleção pode incluir, então, sessões de triagem, entrevistas e utilização de instrumentos de
avaliação e, posteriormente, encaminhamentos necessários (Bieling et al., 2008).
A avaliação de um grupo pode servir como feedback final para os participantes,
demonstrando as mudanças ao longo do grupo, mas também permitirá a verificação de sua
eficácia e também o impacto de características específicas no desfecho. Toda intervenção em
TCCG visa avaliar resultados obtidos ao final da intervenção.
A estrutura de sessão em grupo em TCC, proposta por White e Freeman (2003), não
difere muito da estrutura na modalidade individual. O grupo também tem suas sessões
estruturadas e geralmente é baseado em protocolos e cronograma preestabelecidos. Não
significa que os encontros não possam ser flexíveis.

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As sessões iniciais têm como foco o rapport entre os membros e terapeutas, que pode
ser desenvolvido por meio de dinâmicas específicas – as famosas “quebra-gelos”, que têm
como objetivo realizar o primeiro contato entre os participantes e os profissionais. A partir
desse momento, é realizado o contrato de trabalho, que visa garantir todo o sigilo necessário
para a atividade grupal a ser realizada e segue os princípios do Código de Ética Profissional
do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2005).
O sigilo suscita confiança entre os membros, embora a prerrogativa do sigilo ético não
se aplique aos pacientes o terapeuta deve evidenciar a importância do acordo entre os
membros, propondo que os assuntos discutidos no grupo permaneçam ali.
A psicoeducação pode ocorrer já na primeira sessão, quando o modelo cognitivo é
abordado ou informações sobre a demanda, o tratamento e o prognóstico podem ser inseridas.
Nesse momento, a sessão facilmente pode se transformar em uma aula expositiva, o que
demandará do terapeuta atenção para o envolvimento dos membros, evitando ao máximo que
a sessão assuma um tom de aula. Para isso, o profissional pode utilizar-se de questionamentos
ou mesmo um brainstorm acerca do tema, bem como munir-se de variados recursos para
impulsionar a participação do grupo, como vídeos, materiais impressos ou disparadores, como
trechos de literatura e imagens. O profissional precisa adequar os materiais à população em
questão para que façam sentido.
Não menos importante é também o momento para a verificação de expectativas e
metas acerca do grupo, sendo possível ajustá-las caso seja necessário. É fundamental que o
terapeuta esteja atento a expectativas irreais ou diminuídas e discuta essas questões com os
demais membros, garantindo, assim, a instilação de esperança no tratamento.
Os próximos encontros seguintes lançarão a estrutura básica da TCC (Beck, 1997),
pautando-se na verificação semanal e do humor, na revisão das tarefas de casa, no objetivo da
sessão e da tarefa e no feedback final, em consonância com o protocolo de intervenção.
Fazendo um contraponto com a psicanálise, ​além de muitos outros conceitos
introduzidos, a psicanalítica “pura” remete inevitavelmente o indivíduo à infância. Já que
segundo Freud, pressupunha-se que muitas das doenças mentais (para não dizer todas),
derivam de uma triangulação (pai-mãe-filho) deficitária. Isto é, o desenvolvimento das
relações precoces na infância iriam determinar toda a sua vida em adulto. Com base neste
princípio, a terapia psicanalítica recai essencialmente sobre a infância, nas relações precoces
com os seus progenitores. Acreditando que resolvendo a origem do problema os “sintomas”
atuais irão desaparecer. Nesta perspetiva o foco não recai sobre os sintomas, mas sobre a

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origem. O que importa é como e porque o problema começou, não tanto o que o indivíduo
está a sentir no momento atual.
A terapia psicanalítica centra-se em tornar consciente o inconsciente. Para tal é utilizado o
método de associação livre, não existindo uma orientação ou um objetivo inicial, já que
teoricamente o indivíduo vai falando, libertando o inconsciente. Pode levar muito tempo até
encontrar a origem do problema.
Quando olhamos para as evidências no tratamento do TUS com a TCC vários estudos
controlados, aleatórios, mostraram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental para
redução do uso de drogas e problemas associados. Ela pode ser aplicada em diferentes locais
(ambientes hospitalares, ambulatoriais e domiciliares) e em diferentes modalidades
(individual, grupal e familiar). Dispõe de diversas técnicas, e ainda pode ser combinada com
outras modalidades de tratamento, como a Entrevista Motivacional. A TCC se concentra em
estratégias para modificação e melhora do estado motivacional e explora comportamentos
associados ao uso de drogas, com vistas a mudar o estilo de vida e os comportamentos de
risco para uso de drogas.

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