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Sequência 3.

Camilo Castelo Branco Teste 3

Grupo I

Lê atentamente o excerto de Amor de Perdição que se segue.


Às onze horas da noite, ergueu-se o académico e escutou o movimento interior da casa:
não ouviu o mais ligeiro ruído, a não ser o rangido da égua na manjedoura. Escorvou 1 de pól-
vora nova as duas pistolas. Escreveu um bilhete sobrescrito a João da Cruz, e juntou-o à carta
que escrevera a Teresa. Abriu as portadas da janela do seu quarto, e passou dali para a varanda
5 de pau, da qual o salto à estrada era sem risco. Saltou, e tinha dado alguns passos, quando a
fresta, lateral à porta da varanda, se abriu, e a voz de Mariana lhe disse:
– Então adeus, senhor Simão. Eu fico pedindo a Nossa Senhora que vá na sua companhia.
O académico parou, e ouviu voz íntima que lhe dizia: – “O teu anjo da guarda fala pela
boca daquela mulher, que não tem mais inteligência que a do coração alumiado pelo seu
10 amor”.
– Dê um abraço em seu pai, Mariana – disse-lhe Simão – e adeus… até logo, ou…
– Até ao Juízo Final… – atalhou ela.
– O destino há de cumprir-se… Seja o que o Céu quiser.
Tinha Simão desaparecido nas trevas, quando Mariana acendeu a lâmpada do santuário, e
15 ajoelhou orando com o fervor das lágrimas.
Era uma hora, e estava Simão defronte do convento, contemplando uma a uma as janelas.
[…]
Às quatro horas e meia, ouviu Simão o tinido de liteiras 2, dirigindo-se àquele ponto.
Mudou de local, tomando por uma rua estreita, fronteira ao convento. […]
Momentos depois, viu Simão chegar à portaria Tadeu de Albuquerque, encostado ao
20 braço de Baltasar Coutinho. O velho denotava quebranto e desfalecimento a espaços. O de
Castro Daire, bem composto de figura e caprichosamente vestido à castelhana, gesticulava
com aprumo de quem dá as suas irrefutáveis razões, e consola tomando a riso a dor alheia.
– Nada de lamúrias, meu tio! – dizia ele. – Desgraça seria vê-la casada! Eu prometo-lhe
antes de um ano restituir-lha curada. Um ano de convento é um ótimo vomitório 3 do coração.
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Não há nada como isso para limpar o sarro 4 do vício em corações de meninas criadas à discri-
ção. Se meu tio a obrigasse, desde menina, a uma obediência cega, tê-la-ia agora submissa, e
ela não se julgaria autorizada a escolher marido.
– Era uma filha única, Baltasar! – dizia o velho, soluçando.
– Pois por isso mesmo – replicou o sobrinho. – Se tivesse outra, ser-lhe-ia menos sensível
30 a perda, e menos funesta a desobediência.
CASTELO BRANCO, Camilo, 2016. Amor de Perdição.
Porto: Porto Editora (Capítulo X, pp. 112-114) (1.ª ed.: 1862)

1. deitou pólvora na escorva (orifício destinado à pólvora nas armas antigas);


2. antigos veículos sem rodas, sustentados por dois varais compridos, conduzidos por homens ou por animais de carga;
3. substância/medicamento que provoca o vómito e limpa o organismo (figurado);
4. crosta.

Apresenta as tuas respostas ao questionário de forma bem estruturada.


Sequência 3. Camilo Castelo Branco Teste 3

1. Divide o texto nas suas partes constitutivas, fundamentando a divisão que efetuares.
2. Interpreta os pensamentos de Simão no momento em que é surpreendido por Mariana.
3. Considerando os sete primeiros parágrafos, aponta dois dos traços caracterizadores de Mariana.
Justifica a tua resposta com elementos textuais.
4. Atenta no momento em que se descreve a chegada de Tadeu e Baltasar.
4.1. Interpreta a expressão com que o narrador conclui a sua observação de Baltasar: “gesticulava
com aprumo de quem dá as suas irrefutáveis razões, e consola tomando a riso a dor alheia”
(ll. 21-22).

4.2. Caracteriza a relação existente entre tio e sobrinho, comprovando as tuas afirmações com
passagens do excerto.

1. É possível distinguir no excerto três momentos distintos: os acontecimentos


ocorridos pelas “onze horas da noite” (l. 1), quando Simão resolve procurar Teresa no
convento em Viseu e, ao tentar sair de casa de João da Cruz sem ser visto, é
surpreendido por Mariana (ll. 1-15); a chegada de Simão ao convento e a espera pela
saída de Teresa (ll. 16-18); o surgimento da família de Teresa para iniciar a sua
transferência de convento (ll. 19-30).

2. Quando é surpreendido por Mariana, Simão reflete sobre a dedicação da jovem, que
considera seu “anjo da guarda” (l. 8), e na qual reconhece uma extrema dedicação
sentimental. Os seus pensamentos sugerem também que ele próprio assume que deveria
seguir os conselhos de prudência anteriormente dados pela filha de João da Cruz.

3. Mariana revela-se atenta e cuidadosa com Simão, mantendo-se vigilante mesmo


depois de, anteriormente, o jovem não ter assumido que sairia nessa noite para ver
Teresa. Desse modo, surpreende-o quando abandona a casa e, prudente, sensata e
resignada, despede-se emotivamente dele. Durante o breve diálogo que mantém com
Simão e após a sua saída, revela a sua dimensão espiritual e religiosa, “orando com o
fervor das lágrimas” (l. 15) causadas pela despedida e pela inquietação.

4.1. A expressão destaca os traços de carácter de Baltasar que o primo de Teresa revela
no diálogo seguinte com o tio e ao longo da ação: a arrogância e prepotência e,
simultaneamente, a pequenez moral de quem se compraz no sofrimento dos outros,
como acontece com a repreensão que dirige a Tadeu, censurando-o e culpando-o pela
“ousadia” de Teresa.

4.2. Baltasar mostra-se aparentemente condescendente com o tio, acompanhando-o e


amparando-o (ll. 19-20) naquele momento delicado em que “denotava quebranto e
desfalecimento a espaços” (l. 20). Contudo, do sobrinho, Tadeu recebia essencialmente
censura e repreensão, pois culpabiliza-o por ter criado Teresa “à discrição” (ll. 25-26),
ou seja, ter promovido a “desobediência” (l. 30) e favorecido a afoiteza de tentar
“escolher marido” (l. 27). No fundo, subvertem-se os papéis naturais em núcleos
familiares marcados pela harmonia, com o sobrinho irreverente e presunçoso a deixar
“soluçando” (l. 28) o tio com as suas admoestações arrogantes.

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