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Universidade Estadual do Ceará

Centro de Humanidades
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Disciplina: Sociologia Contemporânea
Professor: Emanuel Freitas

COMENTÁRIO CRÍTICO 2
A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE, DE ANTHONY GIDDENS
(CAPÍTULO I E IV)

Discente: Lara Abreu Cruz


Matrícula: 974201DT006

Fortaleza, maio de 2021


Comentário Crítico 2
A Constituição da Sociedade, de Anthony Giddens
(Capítulos I e IV)

Em 1895, Émille Durkheim escreveu a obra “As Regras do Método


Sociológico”, na qual o intelectual francês defendia a existência de um objeto
propriamente sociológico, o qual denominou por “fato social”. Tal objeto seria
distinto do objeto de outras áreas do conhecimento e, por isso, demandaria um
método específico para a sua análise e tratamento, além da necessidade de
ser compreendido por uma ciência própria: a sociologia.
Como Durkheim, mas teoricamente diferente dele, os alemães Georg
Simmel e Max Weber também apresentaram, no início do século XX, suas
percepções sobre qual seria o objeto de análise da sociologia e como esta
deveria analisá-lo, influenciando, decisivamente, muitos outros teóricos ao
longo do tempo que também defenderam visões diferentes sobre a sociedade e
a sociologia.
É assim que chegamos à década de 1980, quase cem anos após a
referida obra de Durkheim, com Anthony Giddens, sociólogo britânico,
publicando o livro “A Constituição da Sociedade”, no qual, apresenta sua visão
sobre a sociedade, discute o domínio básico das Ciências Sociais e defende a
sua teoria social, denominada por “Teoria da Estruturação”.
À medida em que lia os capítulos II e IV do livro de Giddens, buscava
realizar dois exercícios: um de compreensão da sua teoria e outro de
entendimento de como o autor construiu a sua teoria, com quais autores
dialoga, como insere as suas teses e como refuta as demais e é exatamente
neste exercício que as discussões realizadas por Joas e Knöbl (2017),
trabalhadas no texto anterior na disciplina, me vinham a mente.
Segundo Joas e Knöbl (2017), desde que a sociologia foi criada no
século XX seus profissionais acadêmicos nunca entraram em consenso sobre
diferentes conceitos: qual seu objeto e sua missão?; qual a relação entre teoria
e pesquisa empírica?; qual a relação entre a teoria e visões de mundo, ou
questões morais e normativas ou com relação ao conhecimento cotidiano?.
Enfim, os autores mostram como não há um consenso entre os diversos temas
e questões que envolvem as humanidades e as Ciências Sociais moderna
torna-se um contexto de extrema competição teórica e epistemológica. Daí,
encontramos, ainda, na década de 1980 um sociólogo discutindo qual seria o
domínio básico de estudo das Ciências Sociais, algo que Durkheim inaugurava
no início do século, de maneira mais sistemática.
Para a construção da sua teoria social, denominada por “Teoria da
Estruturação”, a refutação de outras teorias já construídas encontra lugar em
seu texto. Afinal, como afirma Popper (apud JOAS e KNÖBL, 2017, p. 10),
“aqueles entre nós que não estiverem dispostos a expor suas ideias ao risco de
refutação, não tomem parte do jogo científico”. As primeiras teses a serem
refutadas por Giddens (2003) são aquelas vinculadas à visão de sociologia e
de práticas sociais das escolas estruturalista/funcionalista e
hermenêutica/compreensiva, as quais para o autor construíram dois
imperialismos que ultrapassaram o nível da discussão epistemológica e
adentraram a um nível ontológico.
O autor mostra como não existe uma estrutura que defina tudo ou
agentes sociais plenos, mas entende a vida em sociedade como uma conexão
entre a estrutura e os agentes (suas interações, ações, motivações e
consequências de suas ações, sejam elas premeditadas ou “impremeditadas”).
Nesse sentido, à medida que o autor vai desenvolvendo sua teoria,
outras teses vão sendo refutadas, como por exemplo a tríade psicanalítica
freudiana do ego-superego-id e o estudo das consequências impremeditadas
de Merton. No entanto, refutar uma tese não significa excluí-la por completo,
como vimos com Kuhn (apud JOAS e KNÖBL, 2017), pois ainda podemos nos
utilizar das chamadas “hipóteses auxiliares”. Encontramos isso no texto de
Giddens (2003), especialmente quando o autor afirma utilizar-se de algumas
contribuições da sociologia interpretativa, especialmente para a sua
conceituação de “cognoscitividade”, poucas páginas depois de tecer críticas a
essa própria sociologia interpretativa.
Com isso, percebe-se que a construção teórica do autor não é rígida,
mas dialógica. Giddens (2003) dialoga com vários teóricos de pensamentos
sociais e áreas do conhecimento diferentes, seja concordando ou discordando
deles.
Ao final da leitura dos dois capítulos, a percepção que tive foi a da
construção de uma teoria que tem como pano de fundo a vida cotidiana.
Giddens (2003) estuda as pessoas no cotidiano, como se organizam,
interagem e agem. Estuda seus atos e a consequências desses atos. Trata-se
de uma teoria sobre o funcionamento das atividades e o comportamento dos
homens no dia a dia e dos conhecimentos necessários (teórico e prático) para
executá-los. Sua teorização sobre o cotidiano dos homens me fez lembrar
muitas vezes de Heller (2000) e sua teoria sobre a estrutura da vida cotidiana.
Ao discutir que as atividades humanas são recursivas e exigem uma
monitoração reflexiva dos homens, Giddens (2003) nos está mostrando o que
Heller (2000) defendeu ao afirmar que a estrutura da vida cotidiana é permeada
por automatismos, imediaticidade e pragmatismo, já que essas atividades
estão em uma durée (Giddens, 2003) que nos exige agir sem problematizar
tudo o que está em nossa volta. Por isso, para manter essa durée é que
precisamos monitorar nossas próprias atividades e esperar que cada um
também faça o mesmo.
Lembrei também de Simmel (ano) que defendia a sociologia como uma
disciplina que busca estudar a interação entre as pessoas. Giddens apresenta
essa interação: como as pessoas agem, interagem e como suas ações
contribuem para a reprodução da vida social, seja as intencionais, as não
intencionais como as consequências impremeditadas de nossas ações.
É inevitável, com a leitura, buscarmos pensar nossos objetos de
pesquisa a partir da teoria da estruturação. No meu caso que estudo formação
policial, percebi como a política de segurança pública no Brasil foi resultado de
“consequências impremeditadas” da ação humana, pois o I Plano Nacional de
Segurança Pública só foi construído após o caso do ônibus 174 ganhar a mídia
e levar à discussão política e social a violência urbana, a má atuação policial
militar e a ausência de um planejamento sobre segurança pública no país.
Com isso, vejo que a teoria de Giddens (2003) pode contribuir para
refletirmos sobre os nossos objetivos de pesquisa dentro de uma determinada
estruturação social ou de como ações impremeditadas podem modificar o rumo
da vida em sociedade. Claro que este exercício pode parecer para alguns mais
fácil, mas para outros mais custoso, porque quase sempre ao invés de
refletirmos sobre a teoria, tentamos vestir nosso objeto de pesquisa com uma
camisa de força teórica.
Referências Bibliográficas:

GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins


Fontes, 2003, (capítulo I e IV).

HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2000

JOAS, Hans; KNÖBL, Wolfgang. O que é teoria? In: JOAS, Hans; KNÖBL,
Wolfgang. Teoria Social: vinte lições introdutória. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da Sociologia: indivíduo e


sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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