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Disciplina Sistema Gastrointestinal Aula 12

Tópico Clínica Médica: Gastroenterologia Tipo Teórica


Conteúdos Hemorragia Digestiva Baixa (HDB) Duração 2h

Objectivos de Aprendizagem
Até ao fim da aula os alunos devem ser capazes de:
1. Definir a hemorragia digestiva baixa (HDB), descrevendo as condições etiológicas
habitualmente associadas à mesma: divertículos intestinais, malformações vasculares, carcinoma
colo-rectal, hemorróides, disenteria e infecções (tifoidea).
2. Listar os sintomas e sinais gerais duma HDB.
3. Enumerar os sintomas e sinais acompanhantes que podem ajudar no apuramento da etiologia
da HDB.
4. Classificar a HDB por graus de severidade e prognóstico, mediante os critérios de gravidade do
sangramento (por etiologia, intensidade, persistência, recidiva e condições associadas).
5. Descrever a estratégia de diagnóstico diferencial etiológico da HDB.
6. Definir as “perdas ocultas de sangue pelo tubo digestivo”, descrevendo o seu papel no estudo
geral das anemias.
7. Descrever a estratégia terapêutica geral da HDB, dentro da sua competência.
8. Enumerar as medidas terapêuticas imediatas a tomar perante uma HDB, indicando o impacto
esperável na condição do paciente.
9. Enumerar as indicações de transferência urgente e diferida, para o diagnóstico (endoscopia ou
ecografia) e para tratamento, explicando a conduta terapêutica de manutenção e as medidas
preparatórias para a transferência.
10. Descrever o tratamento específico das condições que não precisam de ser transferidas,
indicando a evolução esperável e o prognóstico das mesmas.
11. Descrever o tratamento, a longo prazo, as medidas higiénico-dietéticas recomendadas e o
prognóstico de cada condição etiológica.

Estrutura da Aula
Bloco Título do Bloco Método de Ensino Duração

1 Introdução à Aula

2 Hemorragia Digestiva Baixa

3 Pontos-chave

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Equipamentos e meios audiovisuais necessários:

Trabalhos para casa (TPC), exercícios e textos para leitura – incluir data a ser entregue:

Bibliografia (referências usadas para o desenvolvimento do conteúdo):


 Castro, LP; Coelho, LGV. Gastroenterologia. 2. Editora Medsi, 2004.
 Cave, D. Evaluation of obscure gastrointestinal bleeding. Disponível em
http://www.uptodate.com
 Cirurgia de sabiston
 Davidson, PRINCIPLES AND PRATICE OF MEDICINE. 21st ed.
 Dani, Renato. Gastroenterologia Essencial. Guanabara Koogan, 2ª ed, 2004, 3-14.
 Coelho, Júlio. Aparelho Digestivo - Clínica e Cirurgia. Atheneu, 3ª ed,2006, vol. 1e 2.
 Ramsook, C; Endom, EE. Approach to lower gastrointestinal bleeding in children. Disponível em
http://www.uptodate.com
 Goldman, Ausiello.MEDICINA INTERNA DE CECIL.23ª ed.volume I, cap 137
 Jutabha, R. Approach to the adult patient with lower gastrointestinal bleeding. Disponível em
http://www.uptodate.com
 Jutabha, R. Etiology of lower gastrointestinal bleeding in adults. Disponível em
http://www.uptodate.com
 Kamath, PS. Gastroenterologic procedures in patients with disorders of hemostasis. Disponível
em http://www.uptodate.com
 Penner, RM; Majumdar, SR. Approach to minimal bright red bleeding per rectum. Disponível em
http://www.uptodate.com
 Santiago Mendes G, Dani R. Diretriz para Hemorragias Digestivas. Federação brasileira de
Gastroenterologia. Projeto Diretrizes. Associação Médica Brasileira. Conselho Federal de
Medicina. São Paulo. 2002.

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BLOCO 1. INTRODUÇÃO À AULA
1.1. Apresentação do tópico, conteúdos e objectivos de aprendizagem.
1.2. Apresentação da estrutura da aula.
1.3. Apresentação da bibliografia que o aluno deverá manejar para ampliar os conhecimentos.

BLOCO 2. HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA


Na aula anterior, foi abordado o conteúdo sobre hemorragia gastrointestinal como sendo a perda de
sangue proveniente do trato gastrointestinal que se subdividi em hemorragia digestiva alta (HDA) e
hemorragia digestiva baixa (HDB).
Refere-se a HDB quando o sangramento ocorre em consequência de lesão localizada distalmente ao
ligamento de Treitz.
A HDB classifica-se em:
 Aguda: sangue vivo nas fezes com possibilidade eminente de choque hipovolémico.
 Crónica: perdas à longo prazo de pequenas quantidades de sangue, o que leva a anemia
crónica.
2.1. Epidemiologia da HDB
A HDB responde por cerca de 20 a 30% dos principais episódios de hemorragia digestiva e por
isso é muito mais raro do que a HDA. A origem da HDB está intimamente associada à idade do
paciente, com média aproximada de 65 anos, reflectindo aumento paralelo de doenças adquiridas
responsáveis por sangramento do cólon. As causas mais frequentes são a diverticulose e
angiodisplasias, mais comummente responsáveis por hemorragias severas (60% a 80% dos
casos), excepto em jovens, onde predominam as más-formações arteriovenosas. O sítio de
sangramento severo está localizado mais frequentemente no cólon (80%) do que no recto (12%)
ou no delgado (8%).
2.2. Etiologia da HDB
As causas de HDB mais comuns são:
 Doença diverticular: divertículo é uma bolsa que se forma na parede dum órgão oco. É uma
espécie de “saquinho”. Os divertículos são frequentes no cólon, mas também se encontram
no esófago, no duodeno, no intestino delgado e no estômago. Eles causam HDB quando há
uma erosão na sua parede vascularizada.

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Fonte: NIH
http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/magazine/issues/winter10/articles/winter10pg20-21.html
Figura 1. Divertículos no intestino.

 Angiodisplasia: é mais comum em idosos (> 70 anos). Consiste na presença de


malformação vascular, que geralmente desenvolve-se no cólon proximal. Estes vasos são
frágeis e facilmente se rompem e sangram.
Outras causas podem ser:
 Neoplasias (carcinoma do cólon, do recto, anorectal): a hemorragia resulta da infiltração da
parede da secção do tubo digestivo afectada, com invasão e rompimento de vasos
sanguíneos locais.
 Hemorróidas: as hemorróides podem ser internas ou externas. As internas raramente
causam dor, e podem apresentar-se com prolapso rectal e sangramento. As hemorróides
externas apresentam-se como nódulos perianais e causam problemas de higiene, raramente
sangram, mas a trombose destes nódulos pode causar dor intensa.
 Colite isquémica: resulta de uma hipoperfusão transitória não oclusiva envolvendo um
segmento do cólon. Afecta mais a indivíduos idosos. Manifesta-se com um episódio agudo
de dor abdominal no quadrante inferior esquerdo, com diarreia e hematoquezia abundante.
Anorexia, náuseas, vómitos, distensão abdominal podem estar presentes.
 Lesões em intestino delgado: com afecção e rompimento dos vasos sanguíneos.
 Disenterias: consiste na eliminação de diarreia com sangue, e pode ser acompanhada de
vómitos e mal-estar geral. É a causa mais frequente de HDB em crianças e jovens (Será
descrita em outra aula).
 Infecções (febre tifóide): é uma infecção causada pela salmonela typhi de transmissão feco-
oral, evolui em 3 fases. Na 1ª fase que corresponde a 1ª semana, o doente queixa-se de
febre, cefaleia, mialgia, obstipação ou diarreia e vómitos. Na 2ª semana, aparece com uma
erupção cutânea, esplenomegalia, tosse, distensão abdominal e hematoquezia. Na 3ª
semana, evolui com delírios, perfuração intestinal, hematoquezia profusa, coma e morte, se
não for tratada.

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2.3. Quadro clínico
As HDBs tipicamente manifestam-se pela presença de sangue vivo nas fezes (hematoquezia).
Felizmente a maior parte dos casos de sangramento estanca espontaneamente. Os sintomas e
sinais acompanhantes, bem como a gravidade, irão depender dos seguintes factores:
 Da quantidade de sangue perdido
 Da rapidez do sangramento
 Da duração do sangramento
 Da patologia de base (divertículos ulcerados, hemorróides, cancros anorectais, etc.)
2.3.1. HDB aguda massiva
O paciente apresenta-se com rectorragia profusa e com sinais e sintomas de choque:
 Pulso fino
 Hipotensão
 Extremidades frias e cianóticas (nem sempre)
 Tempo de recapilarização (preenchimento capilar)> 2s
 Sede
 Alteração de consciência
2.3.2. HDB crónica ligeira
Está forma de HDB é comum em todas as idades e está frequentemente associada a
hemorróides e fissuras anais. O sangramento das hemorróides caracteriza-se por ser
vermelho vivo e ocorre durante ou depois da defecação.
A suspeita de fissura anal surge quando há eliminação de sangue fresco pelo recto,
acompanhado de dor intensa durante a defecação.
Não constitui causa de choque, mas causa anemia crónica.
Nalgumas situações, é difícil fazer o diagnóstico da HDB como é o caso da hemorragia
digestiva oculta, em que o paciente apresenta anemia e nunca se encontra a causa de tal
anemia, ou hemorragias de origem obscura, onde o paciente tem uma HDB aguda ou
crónica cuja origem não se consegue identificar.
2.4. Diagnóstico da HDB
A semelhança da HDA, a suspeita clínica, será baseada na forma de sangramento, manifestações
associadas, antecedentes médicos e no exame físico.
2.4.1. Anamnese: Abordagem inicial para o diagnóstico começa com uma boa anamnese, que
orienta acerca dos seguintes aspectos:
Localização do sangramento
Sangue escuro, misturado ou não às fezes, se associa com o cólon direito.
Sangue vermelho cintilante normalmente se associa ao cólon esquerdo, excepção a esta
regra ocorre quando o trânsito do cólon direito está acelerado ou se houver HDA massiva.
Excluir outras causas menos comuns de sangramento.
Verificar se ocorreram mudanças recentes nos hábitos intestinais.

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Investigar a presença de dor associada, por exemplo, sangramento sem dor é comummente
associada a diverticulose, angiodisplasia ou câncer.
Características das fezes são um detalhe importante na história.
 Sangue no papel higiénico ou gotejamento no vaso sanitário sugere sangramento
orificial.
 Sangue misturado com fezes ou em forma de “raias” pode sugerir neoplasia ou pólipo.
 Fezes normais cobertas por sangue sugerem uma lesão no canal anal.
 Fezes marrom-avermelhadas geralmente estão associadas a sangramento do intestino
delgado ou do cólon direito.
 Evacuações com grande quantidade de sangue vivo, praticamente sem a presença de
fezes, sugerem hemorragia de doença diverticular ou de angiodisplasia.
Relacionar factores de risco e antecedentes familiares
 História de sangramento anormal.
 Episódios de hemorragia gastrointestinal.
 Uso de anticoagulantes.
 Colonoscopia recente pode sugerir sangramento por causa de uma biopsia ou
polipectomia (extracção de pólipos).
 Historia familiar de síndrome polipóide ou câncer de cólon.
 Dieta pobre em fibras.
2.4.2. O exame físico é outra parte chave para o diagnóstico:
 Sinais vitais: remete-nos a estimativa da perda volémica.

Tabela 1. Estimação da Perda Volémica.


PA FC Perda
Leve Deitado: sem alteração Deitado: sem alteração Menor que 1.000 mL
Em pé: diminuição de 20 mmHg Em pé: aumento de 20 bpm
Moderada 90 – 100 mmHg Cerca de 100 bpm Cerca de 1.500 mL

Maciça Menor que 90 mmHg Cerca de 120 bpm Maior que 2.000 mL

 Inspecção: verificar níveis de consciência, sinais de choque, sinais clínicos de cirrose e


hipertensão portal. Petéquias e equimoses (trombocitopenia). Investigar potenciais locais
de hemorragia.
 Exame da cabeça e pescoço: observar mucosas (pálidas e secas) ou sinais de
sangramento na orofaringe (a coexistência de hematemese implica diagnóstico
diferencial com HDA).
 Exame rectal: buscar hemorróidas, fissura anal, fístula ou outra lesão que poderia
justificar o sangramento baixo.

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2.4.3. Meios diagnósticos
Existe uma serie de exames que o doente com HDB deveria fazer em condições óptimas.
Laboratoriais:
 Parasitologia
 Hemograma
 Cultura de fezes (coprocultura)
Imagiologia:
 Anoscopia: Avaliação desde o canal anal até os últimos 2 a 3 cm do recto. Não há
necessidade de preparo (clister, jejum). Está indicado para o diagnóstico da causa da
HDB, tratamento e para acompanhamento evolutivo.
 Retossigmoidoscopia: Visualização até os 25 a 30 cm distais do intestino grosso
(normalmente 15 a 20 cm). As mesmas indicações que a anoscopia.
 Colonoscopia: Avaliação de todo o intestino grosso. Necessita de uma preparação prévia
que consiste em dieta líquida, laxante e limpeza mecânica. Está indicado para o
diagnóstico, para esclarecimento de estenose radiológica, para investigação de doenças
inflamatórias, infecciosas e pólipos, para além da HDB.
Nenhum destes exames são da competência do TMG, portanto, se achar necessário, o
doente precisa ser referido.
2.5. Diagnóstico diferencial da HDB
Para facilitar o diagnóstico diferencial da HDB podemos nos apoiar numa abordagem sintomática,
dividindo as queixas consoante o local.
2.5.1 Patologias anais:
 Dificuldade e dor à evacuação
 Dificuldade de evacuar com exteriorização de hemorróidas
 Sangue vivo fora por cima das fezes
2.5.2 Patologias rectais:
 Sensação de plenitude rectal
 Sensação de urgência em evacuar, evacuação incompleta e tenesmo
 Sangue vermelho vivo ou semi-coagulado
2.5.3 Patologias abdominais:
 Sangue vivo, coagulado, semi-coagulado, melena (raramente)
 Retenção de gases com meteorismos
 Dores abdominais (localizadas ou generalizadas)
 Tumor abdominal palpável
2.6. Tratamento da HDB
O tratamento inicial é feito com base no nível de gravidade do paciente.
Nos casos de hemorragia aguda massiva, a abordagem não difere da do doente com HDA aguda.
O grande objectivo é prevenir um choque ou tratá-lo, para depois procurar a origem ou causa do
sangramento.
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Conduta inicial:
 Instalar dois acessos venosos de grosso calibre.
 Colher sangue para testes laboratoriais de rotina e tipagem sanguínea.
 Imediatamente corrigir a hipovolemia com soro fisiológico ou Ringer lactato (se a perda de
sangue for de 1 litro tem que administrar 3 litros de soro fisiológico); depois continuar fluido
terapia com substitutos do plasma (dextrano, gelatinas). Avaliar a necessidade de transfusão
sanguínea.
 Algaliar o doente e controlar a diurese horária.
 Exames laboratoriais frequentes para avaliar necessidade de hemotransfusões e correcção
de coagulopatias. OBS: manter o hematócrito acima de 28-30% principalmente em pacientes
idosos com doenças cardiovasculares.
 Prevenção de coagulopatias: Vitamina k.
As principais causas de HDB são autolimitadas, mas recomenda-se transferência para hospital de
referência para investigação e tratamento cirúrgico definitivo porque a HDB tende a recidivar.
Recomenda-se também uma alimentação rica em fibras, e líquidos.
2.7. Hemorragia digestiva oculta
Quando se fala de hemorragia digestiva oculta (HDO), há uma tendência para se confundir com
HDB crónica, o que não é verdade.
HDO é diagnosticada quando há detenção da perda assintomática de sangue pelo trato GI,
geralmente através do exame de sangue oculto nas fezes.
Está geralmente associada à anemia por deficiência de ferro, e alguns descrevem-na como a
principal causa de anemia ferropriva em homens adultos e mulheres pós-menopausa.
2.8. Hemorragia digestiva de origem obscura
A hemorragia digestiva de origem obscura é um sangramento agudo, crónico ou recorrente sem
local de origem identificado após endoscopia alta e colonoscopia.
A angiodisplasia é a causa mais comum. Deve-se evitar os factores predisponentes ao
sangramento, como AINEs (Anti Inflamatórios Não Esteróides) e Aspirina.

BLOCO 3. PONTOS-CHAVE
3.1. A HDB resulta da perda de sangue pelo ânus proveniente de qualquer ponto do trato digestivo,
abaixo do ligamento de Treitz.
3.2. É importante considerar como uma emergência médica, embora a taxa de mortalidade quando
comparada com a HDA seja bem menor.
3.3. Porque o diagnóstico definitivo e conduta adequada estão condicionados a uma série de exames
(colonoscopia, proctocospia, rectoscopia) indisponíveis na maior parte das unidades sanitárias, o
TMG deve transferir os casos com critérios, assim que estejam estabilizados.
3.4. No paciente com anemia ferropriva, DEVE-SE sempre solicitar um exame de sangue oculto nas
fezes, porque a HDO é a principal causa dessa anemia em adultos.

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