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Conjunto KKKK
Registro SP - 1996
3.2. Conjunto KKKK, Registro SP, 1996
Figura 243 – Conjunto KKKK, após a intervenção. Foto: Nelson Kon – Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arquitetura.
Histórico
Segundo Hugo Segawa, a cidade de Registro passou por três momentos de ocupação antes
de sua emancipação política em 1944: no século XVI, com um primeiro povoamento
motivado pela possível existência de ouro e prata na região; depois, ao longo do século
XVIII, com a formação de assentamentos ligados à mineração, localizados junto ao rio, e a
instalação de um posto de registro de ouro para controle e cobrança de quintos reais; e por
fim, no início do século XX, com a colonização para assentamento de imigrantes
japoneses217.
Data dos anos de 1912 o primeiro tratado entre Brasil e a o governo japonês para a vinda de
2000 famílias e seu estabelecimento em uma área de 50.000 hectares no Vale do Ribeira de
Iguape. As terras haviam sido concedidas a partir de contrato firmado em 8 de março de
1912 entre o governo de Albuquerque Lins e o Sindicato de Tóquio218. No ano seguinte, o
contrato foi concedido à empresa Brasil Takushoku Kaisha, uma espécie de representante
da empresa KKKK no Brasil.
217
Cf. SEGAWA, Hugo; FERRAZ, Marcelo Carvalho; FANUCCI, Francisco P. O conjunto KKKK. São Paulo:
Takano, 2002, p. 13.
218
Idem, ibidem, p. 5.
219
Kagai: Ultamarino; Kogyo: Desenvolvimento Industrial; Kabushiki: Anônima; Kaisha: Sociedade. Fonte:
MIDORIKAWA, Jorge T. As colônias japonesas na zona do Ribeira do Iguape. São Paulo: Seção de Obras do
Estado de São Paulo, 1928.
220
MIDORIKAWA, Jorge T, op. cit., p. 06.
213
Hoje, a cidade pouco guarda de sua origem, restando apenas algumas habitações
construídas no início do assentamento dos imigrantes e o conjunto KKKK. Neste sentido, as
edificações que formam o conjunto constituem o principal testemunho do período de
colonização da área. A construção do conjunto, de responsabilidade da Cia. KKKK fazia
parte do contrato, como forma de subsidiar atividades comerciais e produtivas na colônia.
Foram construídos quatro armazéns e um engenho de beneficiamento de arroz222 como
suporte para a produção agrícola dos imigrantes. Em 1928, em relatório para a Seção de
Obras do Estado de São Paulo, Midorikawa descreve o conjunto:
221
SEGAWA, Hugo; FERRAZ, Marcelo Carvalho; FANUCCI, Francisco P, op. cit., p. 17. Figuras 246, 247 e 248 – Vistas internas do
222
O engenho de beneficiamento de arroz era considerado, na época, o maior da América do Sul – tinha conjunto em funcionamento. Fonte: SEGAWA,
capacidade para beneficiar 14.400 kg (240 sacos) de arroz por dia. Fonte: informações arquivadas no Memorial
da Imigração Japonesa de Registro. 2002, p. 20.
223
MIDORIKAWA, op. cit., p. 23.
215
Segundo Segawa, “as obras das edificações começaram por volta de 1920 (depoimento do
Sr. Oscar Y. Magario) e certamente tanto o projeto como parte da estrutura vieram
importados”224. As edificações, conhecidas genericamente como Conjunto KKKK,
225
funcionaram até 1939 , quando as atividades foram paralisadas com o advento da guerra e
a empresa foi dissolvida. Há notícias que, entre 1954 e 1989, o engenho foi utilizado para o
beneficiamento de arroz para fabricação nacional, com a máquina Zacharia226. Em 1989, a
prefeitura comprou o prédio, na mesma época em que foi tombado pelo Condephaat.
224
SEGAWA, Hugo; FERRAZ, Marcelo Carvalho; FANUCCI, Francisco P, op. cit., p. 18.
225
Nas informações arquivadas no Memorial da Imigração Japonesa, encontramos a data de 1942 para o
encerramento das atividades da empresa KKKK.
226
Informações arquivadas no Memorial da Imigração Japonesa de Registro.
216
Assim como nos galpões, a construção estrutura–se por meio de arcos construídos em tijolo
de barro. No caso do engenho, há uma sobreposição das arcadas a cada pavimento. No
volume maior da edificação do engenho de arroz é possível perceber a distinção dos três
pavimentos internos pela composição da fachada em três partes – a primeira e a segunda
constituídas por arcadas de tijolo; e a terceira, por pilastras de tijolo com fechamentos entre
pilastras, de panos retangulares de alvenaria de tijolos de barro, rebaixados em relação ao
plano da fachada – apenas na fachada norte foram abertos vãos retangulares com caixilhos
de ferro e vidro228. Na fachada sul, as cinco arcadas recebem caixilhos de ferro e vidro fixo,
em arco pleno, ao nível do pavimento térreo e do primeiro pavimento. A fachada leste e
oeste possuem aberturas semicirculares com venezianas em madeira, seguindo o padrão
existente.
O prédio do engenho está ligado aos galpões por uma construção térrea em duas águas,
como um prolongamento da parte térrea do engenho. Não é possível afirmar se essa
Figuras 249, 250 e 251 – Conjunto KKKK na
construção fazia parte do conjunto original. Em algumas fotos antigas também aparece uma
década de 1990. Fonte: Acervo do escritório
Brasil Arquitetura.
227
A estrutura de ferro que sustenta o prédio foi importada da Inglaterra. Fonte: Informações arquivadas no
Memorial da Imigração Japonesa de Registro.
228
Em algumas fotos antigas publicadas por Segawa havia águas-furtadas na fachada nordeste, sobre as
janelas retangulares do segundo pavimento. Nas fotos de levantamento, a cobertura já não apresentava tal
elemento arquitetônico. Ver SEGAWA, Hugo; FERRAZ, Marcelo Carvalho; FANUCCI, Francisco P, op. cit.
217
Figura 252 – Engenho de Beneficiamento de Figura 253 – Conjunto KKKK na década de 1990. Foto Marcelo Ferraz – Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arroz na década de 1990. Foto Cícero Ferraz Arquitetura.
Cruz – Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arquitetura.
218
A intervenção
229
Depoimento do arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
230
Ver depoimento dos arquitetos em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
219
Figura 256 - Primeiro estudo realizado para o Conjunto KKKK. Fonte: Acervo do
Escritório Brasil Arquitetura.
Contudo, trata–se de uma visão sintética construída a posteriore, pois na realidade houve
uma intensa luta dos arquitetos pelo programa, uma característica marcante na atuação dos
arquitetos e que se mostrou fundamental na viabilização dos principais projetos de
intervenção em edifícios antigos com valor histórico. Quando o projeto começou, desde o
primeiro estudo, um dos prédios seria destinado ao Memorial da Imigração Japonesa.
Quando a Secretaria de Educação entrou no processo, eles desejavam que todos os
espaços fossem utilizados para o Centro de Capacitação. Mas a cidade já estava envolvida
com a idéia do memorial. Durante muito tempo, principalmente nas licitações, o projeto para
o Memorial ficou meio adormecido. Foi ao longo das discussões que os arquitetos
convenceram as partes envolvidas em aceitar a implantação do Memorial da Imigração.
231
FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo C. Duas linhas sobre um projeto de arquitetura. Memorial do Projeto.
Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura. Disponível em <www.brasilarq.com.br>. Acesso em 19 mai 2007.
221
O projeto do Conjunto KKKK e muitos outros que passaram pelas mãos do Brasil Arquitetura
é um exemplo de como os arquitetos se deparam com o enfrentamento do programa, a
discussão e defesa em torno do que é melhor para o projeto. Muito disso aprenderam com
Lina Bo Bardi que tinha uma postura bastante impositiva diante das soluções que
apresentava e as quais desejava que fossem concretizadas. É o caso do Solar do Unhão,
do Sesc Pompéia e do Centro de Convivência LBA. Finalmente o programa foi fechado com
atividades distintas mas bem definidas – Centro de Formação de Professores da Rede
Estadual, Centro de Convivência dos Habitantes de Registro e Memorial da Imigração
Japonesa do Vale do Ribeira –, que foram distribuídas nos prédios já existentes. O teatro–
auditório, a ser usado por todas as atividades, mereceu uma edificação nova.
232
Depoimento do arquiteto Francisco Fanucci em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
222
Quanto às demolições, elas não atendem exatamente ao diz o artigo citado acima, pois não
revelam nada além do que já era conhecido; contudo, melhoram consideravelmente o
aspecto final do conjunto, que surgiu íntegro, limpo e ordenado, além de ter facilitado a
circulação ao redor dos prédios. Os elementos não originais que seriam retirados foram
identificados através de fotos antigas e prospecção no próprio local. Mas os arquitetos
ficaram em dúvida em relação à originalidade da cobertura de ligação entre os galpões e o
prédio do engenho:
233
Carta de Veneza (1964). In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL/
MINISTÉRIO DA CULTURA. Cartas Patrimoniais. 3ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro, Iphan-Minc,
2004, p. 91-95. Disponível em Documento, Portal Vitruvius, São Paulo
<www.vitruvius.com.br/documentos/patrimônio/patrimônio05.asp>. Acesso em 11 set 2008.
234
Depoimento do arquiteto Francisco Fanucci em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
223
Figura257 - Implantação (1. Teatro-Auditório; 2. Museu da Imigração Japonesa; 3. Galpão K1 e K2; 4. Galpão K3 e K4). Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura.
224
Para que os espaços internos dos galpões ficassem mais amplos, as paredes internas que
os dividiam (estavam agrupados dois a dois) foram demolidas. Os pilares existentes nessas
paredes foram mantidos para receber a nova cobertura, com exceção de um deles, entre o
K3 e o K4, que foi retirado – a distribuição das cargas foi resolvida com a construção de
outro pilar posicionado dentro das alvenarias novas. As estruturas de madeira do telhado e
as coberturas de telhas cerâmicas são novas e os lambrequins de arremate dos beirais
foram refeitos conforme o original.
D
B
A
226
Os arquitetos conceberam um mezanino que se estrutura por sobre as salas de aula, salas
de apoio (informática, multimídia e reuniões). A cozinha localiza–se sobre os sanitários,
concentrando as áreas molhadas em uma espécie de ilha que, em conjunto com as escadas
de acesso ao mezanino, funciona como elemento separador dos espaços de convívio (o
restaurante voltado para a rua) e de estudo (as salas de aula voltadas para o rio). As
paredes divisórias construídas no interior dos galpões foram pintadas em branco e azul,
marcando a sua posição contemporânea e contrastando com o tom avermelhado dos tijolos.
Todas as divisões internas tentam seguir a marcação das arcadas em alvenaria, exceto a
parede entre a sala multimídia e de reuniões no K4; e duas das paredes das salas de aula,
que chegam nas aberturas.
Uma pequena lareira foi colocada em um dos cantos do galpão K1, criando ali o espaço de
convívio. Foi executada com base de concreto e tijolos refratários, e coifa em chapa
metálica. É idêntica a lareira do Sesc, mas em tamanho menor. A incorporação da lareira
nos remete a dois outros projetos onde ela surge como um elemento de atração de pessoas,
o já citado Sesc Pompéia e o Centro de Convivência LBA. Nesses dois projetos, a arquiteta
Lina Bo Bardi utiliza o artifício do “fogo” como forma de promover a integração e união dos
usuários em torno da lareira. Ao serem questionados sobre a lareira, Marcelo Ferraz
responde que é “só para ter um foguinho, para animação daquele espaço, é sempre legal ter
um fogo235”. É possível aqui fazer uma associação entre a presença do fogo e a tradição
Figura 263 – Lareira no galpão K1. Foto:
vernacular luso–brasileira, aonde o “fogo” aparece em uma série de documentos como
Patricia Viceconti Nahas.
sinônimo de “lar” e de “casa”.
235
Depoimento do arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
228
Todo piso interno dos galpões foi executado em argamassa de alta resistência, e conforme
projeto, ele estaria 50,00 cm acima no nível externo, em função das cheias do rio. Durante
as obras de acerto da topografia esse desnível desapareceu.
As portas de madeira cabriúva dos quatro K’s não são originais, mas foram desenhadas
conforme as antigas. Duas delas, na fachada nordeste do galpão K3 e K4 possuem
bandeira fixa em função de estarem posicionadas onde está a laje do mezanino. As portas
funcionam como painéis deslizantes pendurados em trilho metálico superior.
Parte dos caixilhos em ferro e vidro foi refeita conforme desenho original. Alguns puderam
ser recuperados. As lajes do mezanino foram executadas em concreto aparente com a
utilização de formas de tábuas de pinho, de modo a criar uma superfície ripada no concreto.
Não possuem vigas. As lajes que cobrem os sanitários do K1+K2 também são em concreto.
Toda a cobertura foi deixada com telhas–vãs. Uma faixa de telhas cerâmicas do conjunto
K3+K4 foi trocada por telhas de vidro transparente de forma a melhorar a iluminação interna,
uma vez que esse espaço encontra–se mais fragmentado do que nos galpões 1 e 2.
Um dos pilares existente entre o galpão K3 e K4 foi retirado por estar localizado na
passarela do mezanino, e um outro, para substituí–lo, foi executado na parede dos
sanitários.
Todos os pilares de concreto executados para apoio da laje do mezanino do galpão K3+K4,
localizados encostados nas paredes originais, possuem juntas de neoprene entre a estrutura
nova e a alvenaria existente. Nas paredes norte e sul dos galpões, pilares foram
incorporados às alvenarias existentes para apoiarem a nova estrutura de madeira da
cobertura. Esses pilares foram executados na parte que corresponde as pilastras das Figura 264 – Detalhe da cobertura dos
arcadas; tomou–se o cuidado de revesti–los com fechamentos de tijolos de barro seguindo o galpões KKKK, após a intervenção. Foto:
assentamento existente. Aqui é mais adequado esconder a intervenção contemporânea. Patricia Viceconti Nahas.
229
O intervalo entre dos galpões K1–K2 e K3–K4 foi transformado em um pequeno jardim
interno. Os panos de alvenaria que fecham as arcadas voltadas para o corredor entre os
galpões foram retirados e substituídos por painéis de muxarabi fixos executados em réguas
de cabriúva de 2,00 x1,00 cm espaçadas no intervalo de 2 cm. Apenas um painel de cada
galpão (K2 e K3) foi adotado sistema deslizante em duas folhas para permitir a ligação entre
os galpões através do jardim. Os muxarabis também estão presentes nos fechamentos fixos
das extremidades desse corredor–jardim.
Figura 265 – Jardim de ligação entre os Figura 266 – Galpões KKKK, após a intervenção. Foto: Patricia Viceconti Nahas.
galpões K1/K2 e K3/K4, após a intervenção.
Foto: Patricia Viceconti Nahas.
230
O prédio do engenho foi reformado para que pudesse receber o Memorial da Imigração
Japonesa. Esse espaço foi conquistado duramente, durante as discussões do programa e
revela a presente participação dos descendentes dos imigrantes. Passado o período de
desconfiança da população local, à espera da concretização de promessas para
recuperação do conjunto, as famílias nipo–brasileiras acabaram participando do
empreendimento, doando objetos de uso pessoal, domésticos, religiosos, ferramentas e
máquinas, documentos, etc. – objetos que representam o passado e a identidade dessa
comunidade e seus antecedentes, formando um enorme acervo para o Memorial.
No térreo foi disposto todo o acervo que conta a história dos imigrantes japoneses; são Figura 267 – Vista interna do pavimento
peças como arados, panelas de ferro japonesas, lamparinas, objetos de uso pessoal, térreo do Memorial da Imigração Japonesa,
após a intervenção. Foto: Patricia Viceconti
ferramentas, fotografias. O primeiro pavimento, fixadas em painéis suspensos por tirantes
Nahas.
presos à estrutura do forro, destina–se a abrigar as obras de artistas plásticos japoneses. O
segundo pavimento foi pensado para se tornar uma biblioteca e centro de documentação,
algo que não se concretizou. Em visita ao local236, constatou–se que a pequena biblioteca
existente funciona no pavimento térreo, em uma pequena mesa ao lado do balcão da
recepção. O museu acabou crescendo e absorveu o espaço do segundo pavimento. Essa
forma de disposição revela–se ineficiente do ponto de vista museográfico, pois os dois
pavimentos destinados ao museu – térreo e segundo pavimento; estão separados pelo
pavimento das obras de arte.
colocado do lado externo, junto à fachada leste do prédio. Mais uma vez, os arquitetos Memorial da Imigração Japonesa, após a
intervenção. Foto: Patricia Viceconti Nahas.
deixam a marca da contraposição, ao executar o elevador como um corpo novo anexo ao
236
Visita realizada pela autora em 28 de fevereiro de 2008.
231
edifício antigo – uma caixa com fechamento metálico pintada de vermelho. Na mesma
parede que se encontra o elevador, havia a previsão de anexar um outro volume, com as
mesmas características da caixa de elevador, mas com a função de abrigar sanitários, copa
e casa de máquinas. Por falta de verba, esses elementos não foram executados. Por fim,
um pequeno vazio central promove a integração entre o térreo e o primeiro pavimento.
Ainda no térreo, no volume menor em anexo, funciona (ou deveria funcionar), uma cozinha e
sanitários para uso do público. Junto a esse anexo, disposto perpendicularmente a ele, os
arquitetos criaram um refeitório, com fechamentos leves em painéis de muxarabi e cobertura
Figura 269 – Vista interna do 2º pavimento do em laje de concreto. Os painéis podem ser abertos e integrados ao espaço sob a marquise
Memorial da Imigração Japonesa, após a o refeitório é inexistente. Os sanitários são utilizados pelos seguranças e funcionários do
intervenção. Foto: Patricia Viceconti Nahas.
local, o que gera um problema para o prédio do museu, que acabou ficando sem sanitários
de uso público.
237
Relatório de verificação estrutural de edifício existente. Março, 1998. Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arquitetura.
233
238
Depoimento do arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
235
O Conjunto KKKK foi utilizado durante alguns anos ao fim a que se destinava. Mas, com a
mudança de gestão na Secretaria de Educação, o Centro e Formação e Gestão de
Professores é desativado. O Museu continua a existir, mas com as modificações citadas
anteriormente. Os galpões K1+K2 são administrados pelo Serviço Nacional e Aprendizagem
Industrial (Senai), que usa o espaço para atividades da própria instituição: cursos de
costura, aulas de webdesign. Como o espaço é multifuncional, foi possível adequá–lo a
essas funções. Os galpões K3+K4 abrigam o Departamento de Cultura do município, que
realiza atividades para jovens – cursos de teatro, salas para o Projeto Guri, etc. Em certa
medida, o espaço é utilizado de forma arbitrária pela cidade – quando se está precisando de
espaço para alguma atividade ou evento, usa–se o KKKK. Recentemente surgiu a hipótese
da Fatec instalar uma escola no conjunto, o que motivou a indignação dos arquitetos:
Eles foram para lá e viram tudo, mas queriam lotear aquilo. Chamaram a
gente para dar uma olhada e nós falamos: ‘olha, vocês vão comprar uma
encrenca enorme, a começar por nós; nós vamos bater feio porque isso é
tombado, vamos ao Condephaat. Isso é um absurdo! Fizemos um trabalho
tão grande de resgatar aquilo e botar para funcionar, para trazer dignidade
para o espaço e mostrar que aquilo é importante e depois você vai encher
de sala tudo de novo?’. Eles entenderam bem e pediram para fazer uma
carta239.
239
Depoimento do arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
237
Na carta, o arquiteto não recomenda a ocupação do KKKK para uso exclusivo de escola;
enfatiza a importância do conjunto para a comunidade e o compara ao Sesc Pompéia:
240
Carta do arquiteto Marcelo Ferraz endereçada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza,
datada de 20 de março de 2008. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura. Grifo do autor.
241
Idem.
238
O prédio novo
O teatro, um prisma de 16,00 m por 25,00 m, por 7,00 m de altura, foi construído em
estrutura de concreto e fechamento de alvenaria, externamente revestida com massa grossa
com pintura a cal na cor branca, e internamente com revestimento de argamassa a base de
vermiculita. Segundo os arquitetos, “um novo edifício para abrigar o auditório, ou pequeno
teatro, foi projetado ao lado dos galpões originais, para que estas mantivessem suas
242
características industriais de espaços abertos e comunicantes entre si” . O espaço do
teatro é bem econômico e funcional – à entrada há um pequeno foyer com sanitários e
guichê situados nas extremidades; aproveitando o pé–direito da sala da platéia, sob o foyer,
localiza–se a sala de projeção, com central de ar condicionado e depósito nas extremidades.
composição não plana das faces das paredes laterais, que criam espécies de planos não
ortogonais de reverberação de som, semelhante às paredes do auditório do Masp.
A abertura externa que ocupa todo o fundo do palco é formada por portas deslizantes,
divididas em quatro folhas de painel de fibrocimento. Uma pequena laje em concreto
aparente atirantada cobre a parte do palco que se projeta para fora do edifício. Os arquitetos
pretendiam, em vez da laje, colocar sobre o palco externo um elemento semelhante a uma
concha – uma espécie de concha acústica para shows. A princípio seria revestida com
Figura 279 – Vista interna do teatro-auditório.
Foto: Patricia Viceconti Nahas. pedriscos, cascalhos e conchinhas. No projeto executivo foi detalhada apenas como concha
em concreto aparente. Depois, foi alterada para a marquise que hoje está lá.
243
Depoimento dos arquitetos em entrevista à autora, dia 07 de abril de 2008.
242
Figura 286 – Vista do conjunto a partir do acesso principal. Foto: Patricia Viceconti Nahas.
243
Durante o percurso, o projeto do Parque Beira Rio foi incorporado ao projeto de recuperação
e readequação do Conjunto KKKK. Em 1998, dois anos após o primeiro estudo para a
recuperação do Conjunto KKKK, os arquitetos elaboraram um estudo amplificando a área,
em uma intervenção ao longo da margem do Rio Ribeira do Iguape. Como o KKKK está
localizado na curva do rio, seria o centro do projeto. As circunstâncias para que isso
ocorresse dependeu da iniciativa dos arquitetos, mas com a fundamental adesão do poder
público. Segundo Fanucci,
• um Parque Cívico, com aproximadamente 30.000,00 m2, onde está o conjunto KKKK;
244
Depoimento do arquiteto Francisco Fanucci em entrevista à autora, no dia 07 de abril de 2008.
244
Somente alguns equipamentos dos dois primeiros foram executados. O Parque Urbano é
composto pela praça–floresta de paus–mastro e as pistas de skate. Não foram implantadas
as quadras de vôlei de areia, playground, pavilhão de festas e estacionamento. A praça–
floresta é um equipamento interessante, pois além de ser utilizada em outros projetos dos
arquitetos –Monumento aos Imigrantes e Migrantes do Estado de São Paulo (2000) e Centro
Cultural Tacaruna (2002) – a idéia não deixa de ser mais um vínculo explícito da dupla com
Lina Bo Bardi, uma vez que pode ser entendida como retomada de uma das instalações
propostas por na exposição Caipiras, Capiaus: pau–a–pique (1984). No memorial do Parque
Beira Rio, os arquitetos chegam a utilizar a foto da exposição como exemplo.
O Parque Cívico, a oeste, liga o Conjunto KKKK a Praça do Mercado, também reformulada
pelo Brasil Arquitetura. É criado um grande terreiro para reuniões, festas e lazer da
população. Um espaço com banco – uma espécie de praça seca, foi implantada no terreiro,
como um local de convívio. O terreiro funciona como um deque para as possíveis atividades
no rio e abriga a escultura Guaracuí, de Tomie Ohtake, “simbolizando a Registro do futuro,
245
Figura 287 – Proposta para implantação do Parque Beira-Rio. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura.
Figuras 288, 289 e 290 – Floresta de Paus-mastro, Escultura Guaracuí, Praça do Mercado. Fotos: Patricia Viceconti Nahas.
246
construída com o resgate e respeito ao passado”245. A peça foi doada pela artista em
parceria com a Usiminas e a Cosipa.
Nos memoriais do Conjunto KKKK e do Parque Beira Rio, os arquitetos enfatizam muito a
relação da cidade com o rio, o resgate dessa convivência que faz parte da história da
cidade:
245
Memorial da Praça do Mercado. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura.
246
Memorial do Parque Beira Rio. Janeiro, 1998. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura.
247
Mas a realidade apresenta–se de outra forma. Ao chegar ao local, caminhando pela calçada
para cooper e bicicletas, próximo ao prédio do teatro, o pedestre se depara com um paredão
de concreto, que funciona como dique de contenção na cheia e impede a visão do rio
Ribeira de Iguape. O rio só pode ser avistado quando o pedestre caminha até o galpão K4,
onde os arquitetos criaram um talude que faz ultrapassar a altura do muro.
247
FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo C, op. cit.
248
248
ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian. Arquitetura moderna brasileira. Nova York, Phaidon, 2004, p. 206.
249
“con il recupero del Complesso KKKK, è stato stabilito um nuovo rapporto fra la città e il fiume, anche grazie
alla presenza del primo nucleo de um futuro parco lineare”. BRASILE: Nuova Architettura – Brasil
Arquitetura/Centro Culturalle KKKK. Casabella, Itália, n. 723, p. 48-53, jun. 2004, p. 48.
250
SANTOS, Cecília Rodrigues. Conjunto KKKK In FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo, op. cit., p. 42.
249
A relação que se estabelece entre arquitetura/usuário e o rio, com a presença tão marcante
de um muro de concreto, é totalmente distinta da prevista pelo projeto original. Segundo os
autores, havia um estudo das enchentes nos últimos 100 anos que apontava que a maior
delas havia chegado a 80 cm. Com uma segurança de 50%, um muro de 1,20m seria o
suficiente, mas este foi executado com 2,20 m. Ao serem questionados, os arquitetos
explicam que a decisão partiu da prefeitura:
251
Depoimento do arquiteto Francisco Fanucci em entrevista à autora, no dia 07 de abril de 2008.
250
Se por um lado a decisão, por parte da administração municipal, pela construção dos muros
de contenção isolou o Conjunto KKKK da margem do rio, por outro, viabilizou a execução da
Praça do Mercado, como tentativa de melhorar a relação do usuário com o espaço externo.
Como foi dito anteriormente, parte das propostas para a praça não foram realizadas, sendo
252
Relatório da Prefeitura Municipal de Registro, 25 de setembro de 2001. Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arquitetura.
251
O novo e o velho
A estratégia de ação dos arquitetos, que entendem o projeto para o Conjunto KKKK como
ação pontual para uma intervenção maior na região, pode ser considerada uma iniciativa
urbanística tipicamente contemporânea, que entende que ações locais podem ser eficazes
alavancas para transformações mais estruturais na escala da cidade.
Quanto à arquitetura, pode–se dizer que as intervenções nos edifícios históricos seguem as
recomendações da “Carta de Veneza”, que prescreve que as intervenções atuais em
edificações históricas, em especial as revitalizações de edificações onde o significado
cultural é maior que o significado arquitetônico, deve–se priorizar a preservação da
ambiência local e a previsão de uma função útil à sociedade.
253
ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian, op. cit. p. 204.
252
Lauro Cavalcanti utiliza argumentos semelhantes para situar o projeto KKKK dentro do
panorama contemporâneo:
254
Idem, ibidem, p. 204.
253
255
CAVALCANTI, Lauro; LAGO, André Corrêa do. Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p. 335.
254