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PESQUISA EM EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: um olhar sobre a


metodologia

Book · November 2019


DOI: 10.24824/978854443748.3

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9 authors, including:

Gerson Pastre Oliveira Saddo Ag Almouloud


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Federal University of Pará (UFPA)
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Maria José Ferreira da Silva Cileda de Queiroz e Silva Coutinho


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
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A elaboração do problema de pesquisa em Educação e Educação Matemática1

Gerson Pastre de Oliveira

Introdução

A pesquisa científica pode ser vista, entre outras formas, como um empreendimento
individual ou coletivo cuja finalidade é compreender, delimitar, descrever, tratar e,
eventualmente, propor alternativas e/ou soluções para problemas muito específicos de
determinada área de conhecimento, com o uso de metodologias e abordagens adequadas,
sistemáticas e rigorosas. Caracteriza-se, então, por procedimentos investigativos,
iluminados por referenciais teóricos e direcionados por questões, hipóteses e objetivos,
sempre ligados a um tema, delimitado e relevante em relação a um campo do saber. Trata-
se da construção de estudos que devem ser marcados por uma característica essencial, a
validade, a ser garantida justamente pelos procedimentos adotados em toda a trajetória
percorrida, desde a concepção da temática até a elaboração das análises e eventuais
conclusões. Como resultado, espera-se que venham à lume os resultados relativos ao
trabalho envidado, entre os quais, evidentemente, um relatório de pesquisa, do qual se
cuidará neste capítulo, em algumas de suas partes.

O que chama a atenção no parágrafo anterior é o caráter restrito e formal de que se investe
a pesquisa. Delimitar um tema, encontrar questões e engendrar um problema, em um
contexto claro e coerente, pode ser uma tarefa inicial bastante árdua. Em outras palavras,
para o pesquisador novato (e, às vezes, para qualquer pesquisador), a delimitação do
alcance e do escopo da pesquisa pode representar uma etapa bastante difícil, em um
primeiro momento. Trata-se de um processo que demanda reflexão apurada, leituras sobre
os temas que surgem como candidatos, trocas de ideias com pesquisadores mais
experientes e, eventualmente, se for o caso, longas conversas com o orientador ou
coordenador da iniciativa/projeto de investigação.

Ainda assim, trata-se de um trabalho pessoal de elaboração, pedindo esforço,


concentração, dedicação e organização por um período quase sempre relativamente
longo, principalmente se se considerar que uma dissertação de mestrado, que leva,
geralmente, cerca de 2 anos para ser elaborada, enquanto uma tese de doutorado tem seu

1
OLIVEIRA, G.P. A elaboração do problema de pesquisa em Educação e Educação Matemática. In:
OLIVEIRA, G. P. (Org.). Pesquisa em Educação e Educação Matemática: um olhar sobre a metodologia.
Curitiba: CRV, 2019.
tempo médio de finalização em torno de 4 anos. De igual forma, projetos de pesquisa,
geralmente com a participação de pesquisadores mais experientes, com certa estrutura,
duram não menos de 24 meses. Ainda que a duração não seja, em si, o fator mais
importante, e que não seja possível criar uma regra absoluta para isso, é preciso dizer que
a adaptação da rotina do pesquisador às atividades do projeto precisa ocorrer rapidamente,
de modo que os prazos não se esgotem ou se tornem muito exíguos, e que toda a inciativa
incorra em fracasso, ou que se produza, como resultado, algo aquém do que se poderia
obter.

A ideia deste capítulo é, então, colocar o foco sobre uma parte da elaboração dos relatórios
de pesquisa, especialmente aqueles que resultam das dissertações de mestrado e teses de
doutorado, relativa à construção do problema de pesquisa e de seu contexto. O discurso
traçado aqui será estruturado em torno de pesquisas de caráter qualitativo, e esta pode ser
uma importante distinção. Por este motivo, percebe-se como relevante a caracterização
deste delineamento investigativo, o que se faz a seguir, do ponto de vista de alguns
autores.

Para Minayo (2004, p.21), “a pesquisa qualitativa responde a questões muito


particulares”. Para a autora, esta abordagem “trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis”. Para Borba (2004, p.3):

Dessa forma, quando falo de pesquisa qualitativa, estou falando de uma


forma de conhecer o mundo que se materializa fundamentalmente
através dos procedimentos conhecidos como qualitativos, que entende
que o conhecimento não é isento de valores, de intenção e da história
de vida do pesquisador, e muito menos das condições sócio-políticas do
momento. Como já dizia Paulo Freire: a escolha da pergunta de
pesquisa já é em si um ato embebido de subjetividade.

O que Borba indica aqui é que o velho mito da neutralidade científica, absolutamente
insustentável de qualquer modo, encontra ainda menos salvaguarda nesta abordagem: o
pesquisador acaba por emprestar cores específicas ao quadro que vai pintando como
resultado da pesquisa que realiza. É, de certa forma, uma contaminação ligada às ideias e
valores pessoais do pesquisador, que os procedimentos metodológicos e o rigor devem,
quanto possível, controlar e minimizar. Além disso, na pesquisa qualitativa, cenários
provisórios vão sendo construídos, descontruídos, feitos e refeitos; as questões, o
problema e os objetivos são revisitados sempre que necessário, quando os dados, as
leituras e as condições do estudo apontem para outros rumos ou peçam ajustes.

Adicionalmente, pode-se dizer que as abordagens quantitativa e qualitativa tendem à


complementaridade em alguns casos. Minayo afirma que “o conjunto de dados
quantitativos e qualitativos (...) não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a
realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”
(2004, p.22).

Outros autores apoiam as ideias supramencionadas. Para Ludke e André (2013, p. 18), “o
estudo qualitativo (...) é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados
descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e
contextualizada” (2013, p.18). As autoras também mencionam que o foco deste gênero
de pesquisas é muito mais o processo do que o produto: “o interesse do pesquisador ao
estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos
procedimentos e nas interações cotidianas” (2013, p. 12), com vistas a abarcar a
complexidade presente nos contextos variados submetidos à perquirição. Para Bogdan e
Biklen (1994) o uso conjunto das diversas abordagens encontra amparo em alguns
trabalhos de relevo, mas os autores guardam restrições, esclarecendo que a integração de
componentes é válida, mas sem procurar conduzir a investigação com grandes
aprofundamentos nas duas abordagens – é o caso, então, de um estudo qualitativo com
elementos quantitativos ou vice-versa.

Asseveram Laville e Dione (1999) que as ocorrências que envolvem pessoas – portanto,
“fenômenos humanos” – possuem uma multiplicidade de causas (multicausalidade),
típica de um emaranhado de elementos em interação e conjugação constante. Exemplos
desta tessitura complexa podem ser frequentemente encontrados em pesquisas que têm
ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) como cenários. É bastante comum que,
nestes espaços, quando proporcionem múltiplas interações por meio de estratégias
didáticas adequadas, que tais complexidades e multicausalidades estejam presentes com
grande intensidade. Dada a possibilidade, aberta pelas interfaces destes ambientes, de
registrar por diversos meios as trocas de mensagens realizadas entre os participantes de
uma iniciativa de formação, por exemplo, surge a possibilidade de recuperar a palavra
dos participantes em sua essência original, de modo a apreender as “condições
estruturais”, os “sistemas de valores, normas e símbolos” (MINAYO; SANCHES, 1993,
p.245) fundamentadores das ocorrências de caráter complexo que têm lugar durante a
experiência proporcionada nestas ocasiões. É uma questão de recuperar o significado
atribuído pelos sujeitos àquilo que vivenciam em situações cotidianas: “ao considerar os
diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o
dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao observador externo”
(LUDKE; ANDRÉ, 2013, p.12).

Neste aspecto, Godoy (1995, p. 62) argumenta que a pesquisa qualitativa tem caráter
descritivo, possui um enfoque indutivo, permanece atenta para os significados que as
pessoas atribuem aos elementos que as cercam e à própria vida e adota o que a autora
chama de “ambiente natural” como fonte direta dos dados, bem como enxerga o
pesquisador como instrumento primordial. O processo de indução, no caso específico das
categorias produzidas em estudos deste tipo, é um elemento aperfeiçoador daquelas
categorias produzidas primitivamente por dedução (LAVILLE; DIONNE, 1999).

Além disso, o caráter da pesquisa qualitativa não é o da comparação, seja entre grupos,
seja entre momentos (‘antes’ versus ‘depois’), ou seja, não pretende estabelecer relações
causais entre ocorrências, coisas ou fenômenos; por outro lado, permite ao pesquisador
“atentar para os diversos fatores ligados a um problema para compreender o jogo e, uma
vez adquirida esta compreensão, tornar conhecida esta relação” (LAVILLE; DIONNE,
1999, p.148).

Para Bogdan e Bliken (1994, p. 47 e seguintes) algumas características marcam a pesquisa


qualitativa de forma bastante intensa. São elas:

• O pesquisador é o instrumento mais relevante nesta modalidade de


investigação, sendo o “ambiente natural” o local de onde surgem, de forma
direta, os dados de interesse. Mesmo quando do uso de aparelhos de registro
de falas ou imagens, por exemplo, cabe ao pesquisador o trabalho de revisar
as descrições de forma constante. Sendo assim, o contexto é de importância
fundamental na pesquisa, influenciando o comportamento das pessoas, o que
deve levar o investigador a frequentá-lo, na tentativa de compreendê-lo em
suas diversas perspectivas;

• Uma pesquisa de caráter qualitativo é descritiva, sendo que palavras e/ou


imagens são mais adequadas à descrição do que os números2. São comuns, na
apresentação dos resultados, excertos retirados dos dados, de forma a “ilustrar

2
Ainda que os mesmos possam ser usados, em caráter complementar, como os próprios autores concordam.
e substanciar a apresentação”, procurando respeitar a forma pela qual foram
obtidos. Os relatórios resultantes podem, desta maneira, surgir de forma
minuciosa, considerando que nenhuma visão de mundo pode ser reduzida à
trivialidade e nenhum detalhe é vazio de significado;

• O processo é o foco da pesquisa qualitativa, muito mais do que resultados ou


produtos. Como não se trata de, simplesmente, verificar se uma mudança
ocorreu, por exemplo, e em que percentual, mas de que forma, em que
contexto, o processo serve mais à descrição do que os resultados em si;

• O método indutivo é usado de preferência por pesquisadores qualitativos, o


que faz com que os dados recolhidos não tenham por base confirmar ou rejeitar
hipóteses previamente conjeturadas. Além disso, a construção apriorística de
hipóteses resta prejudicada pelo fato de a direção da teoria em construção no
âmbito da pesquisa surgir apenas após a coleta dos dados e o convívio com as
pessoas e demais elementos envolvidos. Para Bogdan e Bliken (1994, p. 50),
aqui, “não se trata de montar um quebra-cabeças cuja forma final conhecemos
de antemão”, mas de “construir um quadro que vai ganhando forma à medida
que se recolhem e examinam as partes”. O recorte, então, vai sendo definido
ao longo do estudo, como, na visão dos autores, em um funil;

• Na abordagem qualitativa, o significado possui importância ímpar. Para


desvendá-lo, o pesquisador se põe em contato e analisa as diferentes
perspectivas de determinados fatos ou descrições, sob o ponto de vista dos
diversos sujeitos.

Assim caracterizada a pesquisa qualitativa no âmbito educacional, é importante


mencionar que os relatórios oriundos de investigações deste tipo podem ter uma forma
típica. Evidentemente, não seria algo único e definitivo, já que diferentes autores e
instituições podem fazer recomendações diversas a este respeito, e não fica descartado
certo espaço à criatividade do autor. Da mesma forma, alguns elementos essenciais serão
comuns a quaisquer definições, justamente no sentido de preservar o método e o rigor,
desejáveis como itens imprescindíveis à validade do estudo. Assim, a estrutura de um
relatório de pesquisa qualitativa poderia ser constituída a partir dos seguintes tópicos3:

3
Não se está falando aqui dos itens formais geralmente recomendados nos guias acadêmicos acerca da
redação de relatórios científicos, e que contêm, entre outros elementos, capa, folha de rosto, listas, sumário,
• Introdução: pode trazer uma descrição inicial relativa ao tema pesquisado,
posicionando-o no rol de assuntos capazes de gerar problematizações na área
de pesquisa em que se insere. Além disso, a introdução pode indicar as
motivações do pesquisador, ou seja, aquilo que o levou a se debruçar sobre a
temática, a qual, por sua vez, deve ser apresentada de maneira concisa e
fornecer um esclarecimento geral ao leitor acerca de sua importância. Quando,
em Educação Matemática, por exemplo, a pesquisa delimita um objeto
matemático de interesse especial, é comum que a descrição, nesta parte do
trabalho, se ocupe em esclarecer os eventuais encaixes sobre o ensino do
objeto presentes nos currículos, a abordagem didática mais frequente, seu
status epistemológico e alguns aportes históricos que concorram para
encaminhar o aprofundamento da discussão, a ser feito no restante do texto;
• Problematização, problema de pesquisa, questões, objetivos e procedimentos:
O problema de pesquisa é, geralmente, redigido em um parágrafo, e representa
uma declaração sucinta, com recorte bem definido, acerca de que interesse
específico ligado ao tema eleito será cuidado pelo pesquisador na
investigação. Geralmente, o problema de pesquisa é anunciado com questões
ao final (ou em seguida), as quais possuem caráter norteador em relação ao
trabalho, ou seja, servem de guias para que se produzam os arrazoados formais
que tratarão de obter respostas para as mesmas, ou, pelo menos, de equacioná-
las no âmbito do conhecimento relativo à área. Neste sentido, não é possível
indicar um item do trabalho de tamanha importância e profundidade sem a
construção de um contexto, que é chamado de problematização (ou
problemática, como preferem alguns autores), uma descrição mais
aprofundada acerca do entorno epistemológico, didático, cognitivo e histórico
no qual se assenta o problema. Ou seja, o problema surge como resultado de
uma descrição densa, a problematização, a qual, geralmente, pode conter,
também, aportes advindos da revisão bibliográfica. A partir deste arrazoado,
pode-se, então, em complemento às questões norteadoras, anunciar os
objetivos do trabalho e adiantar, ainda que resumidamente, os procedimentos
metodológicos que permitirão dar conta da tarefa assumida;

etc., mas do que se poderia considerar como os elementos centrais de uma produção deste tipo, cujos títulos
e formas de apresentação podem variar significativamente.
• Referenciais teóricos: compostos, de maneira geral, por um marco teórico,
cujo conteúdo é estruturado pelas teorias que subsidiarão as análises mais
diretamente (por exemplo, em um trabalho com tema ligado às representações
geométricas de certo objeto matemático, a Teoria dos Registros de
Representação Semiótica, desenvolvida por Raymond Duval, pode ser usada
como eixo central das asserções teóricas e validações que terão lugar); e por
textos subsidiários, geralmente ligados ao marco teórico e provenientes da
revisão bibliográfica, ou seja, são constituídos pela síntese daqueles trabalhos
relacionados ao tema, produzidos anteriormente ao que se está escrevendo,
que podem contribuir de alguma maneira para a compreensão do problema,
seja quanto ao tratamento dado ao tema, seja quanto aos procedimentos,
quanto à abordagem metodológica, as teorias principais, ou outras
características julgadas importantes;
• Metodologia: consiste na abordagem formal e sistemática definida para o
estudo, bem como o delineamento específico que norteará os passos da
investigação, considerando que uma opção neste sentido condiciona o
pesquisador em relação a um conjunto de procedimentos, os quais, por sua
vez, permitem planejar, elaborar e justificar a construção dos instrumentos
necessários. Via de regra, certos temas tendem a sugerir determinadas
abordagens metodológicas, ainda que não representem qualquer obrigação
neste sentido;
• Coleta de dados: na coleta, cabem as descrições ligadas ao levantamento e
organização dos dados relativos à pesquisa, quer venham de documentos, quer
do contato com eventuais sujeitos ou de fontes alternativas, se for o caso. O
texto resultante deste processo também deve, com eventual ajuda de elementos
gráficos (tabelas, gráficos, figuras, quadros, etc.), sistematizar e organizar as
formas de apresentação pelas quais os diversos elementos levantados pela
investigação surgem, assim entendidos aqueles dados fundamentais para que
se venha a discutir profundamente o problema de pesquisa;
• Análise de dados: de forma geral, as análises representam um confronto entre
as escolhas teóricas do pesquisador, objetivadas previamente no texto, e os
dados coletados, por meio dos procedimentos metodológicos adotados,
sempre sob a luz das questões elencadas e dos objetivos do estudo. Trata-se,
então, de uma discussão sobre o que os dados mostram, considerando o ponto
de vista teórico adotado para o trabalho, e estruturada a partir da
sistematização provida pela abordagem metodológica. Há inúmeras formas de
construir as análises. Uma delas consiste em lançar mão de categorias, vistas
como unidades significativas e estruturadas de maneira a direcionar o discurso
que se fará nesta parte do trabalho, como se fossem “filtros” ou “lentes” a
partir das quais se focará o balanço entre os dados e as teorias – por exemplo,
se considerado o tema “o uso de tecnologias digitais em estratégias didáticas
para o ensino do Teorema de Tales”, uma categoria poderia ser “fluência em
tecnologias digitais e apreensões em geometria plana”. Evidentemente, assim
como vários outros elementos da pesquisa qualitativa, as categorias de análise
podem ser revistas inúmeras vezes, sendo difícil delimitá-las totalmente a
priori;
• Considerações finais: aqui, pretende-se constituir uma síntese dos principais
elementos do trabalho, principalmente ao recapitular questões, hipóteses e
objetivos, além de esclarecer como estes elementos foram contemplados (e
com que alcance/dimensão) ao longo do relatório e se foram respondidas as
questões norteadoras – ou, ao menos, de que maneira receberam algum
tratamento por parte dos instrumentos investigativos empregados. Também se
deve consignar as lacunas eventualmente a preencher, ou seja, quais elementos
não foram tratados pela pesquisa e que poderiam ser objeto de interesse em
futuras perquirições, inclusive partindo dos resultados exibidos pelo texto
atual.

Concluído este breve arrazoado sobre a construção do texto resultante de uma


investigação científica de caráter qualitativo, passa-se a tratar, a seguir, do objetivo central
deste capítulo.

A construção do problema e da problematização da pesquisa

Por óbvio que possa parecer, nunca é demais afirmar que a construção do problema de
pesquisa é elemento essencial em qualquer iniciativa de investigação nos vários campos
científicos. O problema, em si, consiste em uma inquietação que se procura traduzir como
algo a resolver na área de perquirição na qual atua o pesquisador, o autor da iniciativa.
Ter um problema é ter uma dúvida em determinado campo científico, consistente e
importante o suficiente para que se demande tempo e recursos no seu tratamento e
eventual proposta de resolução, se for o caso. De todo modo, é o correto dimensionamento
do problema que encaminha a compreensão acerca dos demais detalhes da pesquisa,
desde o levantamento da bibliografia necessária, passando pela definição dos marcos
teóricos e elementos metodológicos, até a construção das análises e das conclusões.

Diante de sua importância, seria difícil imaginar que a apresentação do problema de


pesquisa pudesse surgir de forma isolada, sem a construção de um contexto significativo,
capaz de criar uma descrição densa a respeito do que se pretende investigar. A ideia do
problema como descrição densa surge das pesquisas de caráter etnográfico, no âmbito da
antropologia, mais precisamente na proposta de Geertz (1989). A ideia representa um
contraponto aos discursos superficiais e artificialmente simplistas, como esclarece
Oliveira (2007):

No capítulo de introdução de seu livro “A interpretação das culturas”


(1989), Clifford Geertz menciona a necessidade da produção de uma
“descrição densa”, que pode ser feita a partir de uma imersão de caráter
participativo no cotidiano dos indivíduos que se encontram no ambiente
da pesquisa. Diferente da descrição superficial, a de natureza densa se
baseia nos significados, de forma a apreender a estrutura significante no
âmbito da qual ocorrem os fenômenos para que possam, então, ser
interpretados (OLIVEIRA, 2007, p. 160).

A problematização é, portanto, um texto que dá sentido às hipóteses/questões levantadas.


Representa, também, a ambientação científica do problema de pesquisa, ou seja, o escopo
no qual as questões norteadoras se movimentam. Não há uma receita pronta para elaborar
esta parte do relatório de pesquisa, nem um local obrigatório para seu posicionamento na
estrutura do trabalho. Entretanto, por conter elementos fundamentais para a compreensão
do texto, os quais servem de base para a eleição, por exemplo, dos aportes teóricos e
metodológicos, é importante que a problematização não tarde a aparecer, sendo
recomendável, mesmo, que surja como a parte mais significativa da introdução ou logo
após ela.

Em seu papel descritivo, portanto, a problematização traz ao cenário da discussão que o


trabalho pretende promover os elementos mais significativos do objeto/tema da pesquisa,
de um ponto de vista exclusivamente científico, estabelecendo um panorama e mapeando
o cenário que permite caracterizar a investigação como parte de uma área, de um campo
de perquirições, já em si constituído por um acervo de teorias, propostas, relatos,
paradigmas e experiências. O texto deve ser denso, como já se mencionou, e exibir as
conexões entre a temática e a proposta sem pretender ter um caráter enciclopédico, ou
seja, sem a necessidade de “reinventar a roda”, mas pretendendo promover as articulações
entre os saberes reconhecidos, formais e constituídos e as novas proposições apresentadas
pelo pesquisador, justamente com a finalidade de fazer avançar o conhecimento.

Do ponto de vista do conteúdo, e considerando a área educacional, a problematização


pode conter descrições relativas ao objeto ou tema da investigação (ou ambos, se for o
caso). Tais descrições são típicas de cada iniciativa, mas, de modo geral, tendem a assumir
alguns aspectos específicos, que acabam por ser norteadores da caracterização com a qual
se pretende dar corpo e sentido ao problema de pesquisa.

O aspecto histórico na problematização

Pode ser importante indicar que elementos históricos incidem de forma relevante sobre o
objeto/tema da pesquisa, menos para caracterizar a personalidade de alguém que
desenvolveu originalmente os estudos sobre os quais se debruça o pesquisador naquele
momento, mas para ressaltar, por exemplo, o caráter evolutivo e as influências que
permearam a constituição dos saberes vinculados, as tensões provocadas pelo
desenvolvimento das ideias em tela, as discussões promovidas em distintas épocas sobre
os saberes em constituição, entre outros aspectos. Não se trata, portanto, de ilustrar o
tema, dando-lhe um verniz erudito, mas de recuperar partes importantes da memória
relativa ao objeto/tema, o que pode ajudar, inclusive, na descrição destes elementos.

Por exemplo, em Educação Matemática, um estudo que envolva o tema “homotetia” pode
partir da recuperação das propostas originalmente indicadas em “Os Elementos”, e as
discussões subjacentes, como feito por Lima (2016), em pesquisa orientada pelo autor
deste capítulo, que optou por trazer a contribuição de Roque (2012):

Entretanto, o formalismo não era a motivação principal da época dos


estudos gregos. A geometria, como aponta a autora, tem suas bases em
uma atividade essencialmente prática – ainda que abstrata – de resolver
problemas. Disto destaca também que, a partir do encadeamento
dedutivo das proposições, uma das explicações possíveis para a
organização didática dessa obra é seu provável cunho pedagógico,
organização que não se faz presente em boa parte dos materiais
didáticos disponíveis atualmente. Para a autora, ainda, uma das razões
possíveis para a escolha da régua e do compasso nas construções pode
ter sido uma opção pedagógica. Na verdade, apesar de Euclides não ter
afirmado em lugar algum de sua obra, que as construções tenham que
ser feitas com retas e círculos, o mesmo não pretendia impor uma
restrição, mas indicar uma otimização, pois as construções feitas desse
modo seriam mais simples e não exigiriam nenhuma teoria adicional
que as fundamentasse (LIMA, 2016, p. 24).

Percebe-se que o discurso que o autor alinha em seu texto não é mera colagem desde os
trabalhos originais que compulsou, mas uma elaboração pessoal, a partir da leitura crítica
dos escritos levantados. Com isso, o aspecto histórico de sua problematização encaminha
a articulação com outras frentes, como o autor indica, ao dizer que o tema correlato,
semelhança, já gozava de um estatuto formal, apesar das polêmicas que marcavam as
discussões no âmbito das distintas vertentes historiográficas. Ou seja, o aspecto histórico
concorreu para caracterizar o objeto, do ponto de vista de sua constituição, o que permite
discuti-lo a partir de outros olhares.

O aspecto epistemológico na problematização

No sentido abordado aqui, o aspecto epistemológico deve se referir à compreensão dos


elementos teóricos, das proposições, axiomas, teoremas e demais componentes
estruturantes relacionados ao objeto/tema da pesquisa. Além disso, este aspecto pede que
se descrevam os objetos e/ou temas centrais da investigação a partir de sua constituição
como elemento de saber. Neste sentido, por exemplo, quando se tratar de um objeto
matemático, cabe indicar seu estatuto formal, com descrições típicas da área e usando a
matemática, no caso, como linguagem e ferramenta. São desejáveis, ainda no exemplo
mencionado, que se proponham provas, demonstrações e a discussão de casos típicos, de
modo que o discurso promovido pela problematização permita, deste ponto de vista,
consolidar uma compreensão sólida acerca dos elementos centrais da pesquisa.

Existem inúmeras maneiras por meio das quais se podem criar as descrições de caráter
epistemológico aqui referidas. Em sua dissertação de mestrado, por exemplo, Gonçalves
(2015) opta por envolver, também neste ponto, algumas das descrições históricas que
levantou a partir da revisão da literatura, o que indica a possibilidade de construir um
discurso com imbricações entre os aspectos que se menciona aqui, e não necessariamente
fazê-lo de forma linear. O texto, resultado de investigação que também foi orientada pelo
autor deste capítulo, emprega figuras para ilustrar importantes aspectos da demonstração
que propõe e faz as seguintes asserções:

A escolha do Teorema de Pitágoras como ente matemático desta


pesquisa está relacionada à sua importância na resolução de problemas
e na aprendizagem de outros conceitos, além de sua aplicação a outras
áreas da ciência, como a Astronomia e a Física Óptica. Apesar de já
conhecido por diversas culturas antigas, como egípcios e babilônios,
atribui-se a Pitágoras de Samos (570 a. C) a demonstração de sua
validade a todos os triângulos retângulos, por meio de uma abstração.
Segundo evidenciado por Maior (2007), o Teorema de Pitágoras
amplamente difundido, hoje, do ponto de vista da relação algébrica
entre três valores: a² = b² + c² (a soma das medidas dos quadrados
dos catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da medida da
hipotenusa desse mesmo triângulo), na verdade não foi a visão de
Pitágoras à época. Para o filósofo grego, o teorema tratava de uma
relação entre áreas, como esquematizado na figura 1. Nela, a área do
quadrado maior (hachurada em cinza claro) é igual à soma das áreas
dos quadrados menores (hachurados em cinza escuro) (GONÇALVES,
2015, p.24).

A figura 1, mencionada pela autora, e que apoia sua narrativa, pode ser vista a seguir.

Figura 1 – O Teorema de Pitágoras como relação entre áreas


Fonte: GONÇALVES, 2015, p. 24 (adaptado)

A discussão acerca do tema escolhido para a investigação prossegue, com a proposta da


autora em torno de uma das demonstrações possíveis para o teorema:

Para que a relação conhecida seja enunciada como teorema, faz-se


necessário demonstrá-la com rigor e generalizá-la para todos os
triângulos retângulos. São conhecidas mais de 371 demonstrações do
Teorema de Pitágoras, normalmente divididas em dois grupos:
algébricas, baseadas nas relações métricas de um triângulo retângulo, e
geométricas, baseadas na equivalência de áreas. A seguir, apresenta-se
uma prova geométrica do Teorema de Pitágoras, escolhida devido à sua
relação com a atividade desenvolvida para a pesquisa de campo.
Considere um triângulo retângulo cujos catetos medem, em
determinada unidade, b e c e a hipotenusa mede, na mesma unidade, a.
Deve-se demonstrar que: a² = b² + c² . Para dar início à demonstração,
constroem-se dois quadrados de lados medindo b + c, conforme mostra
a figura 2:

Figura 2 – Demonstração geométrica do Teorema de Pitágoras


Fonte: GONÇALVES, 2015, p. 25 (adaptado)

A explicação de caráter matemático continua, com descrições acerca dos significados


envolvidos na construção dos polígonos mencionados:

No primeiro quadrado (ao centro), constroem-se quatro triângulos


congruentes ao triângulo desenhado anteriormente. Os catetos desses
triângulos devem estar apoiados no lado do quadrado inicial, como
indicado na figura; no segundo quadrado (à direita do leitor),
constroem-se dois quadrados menores: um de lado b e o outro de lado
c. Além disso, traçam-se as diagonais dos retângulos de lados b e c,
obtendo quatro triângulos de lados b e c congruentes ao triângulo
inicial.

A respeito da área do primeiro quadrado, tem-se que:

 b.c 
(b + c)² = a ² + 4.  
 2 

A respeito da área do segundo quadrado, tem-se que:

 b.c 
(b + c)² = b² + c ² + 4.  
 2 

Como os dois quadrados desenhados são congruentes, pode-se afirmar


que suas áreas são equivalentes. Portanto:
 b.c   b.c 
a ² + 4.   = b² + c ² + 4.    a ² = b² + c ²
 2   2 

Em seguida, Gonçalves (2015) emprega mais um elemento gráfico (figura 3) para apoiar
o desenvolvimento dos resultados que procura evidenciar:

Figura 3 – Detalhe do quadrado construído ao centro


Fonte: GONÇALVES, 2015, p. 26 (adaptado)

A autora concluiu sua proposta de demonstração, indicando, de forma bastante completa


para o contexto em que se insere, a validade de suas asserções:

Observe que, após a construção dos triângulos APQ, PDS, QBR e RCS,
forma-se o quadrilátero PQRS ao centro. Pode-se provar que esse

quadrilátero é um quadrado. Como segue: Os lados PQ , QR , RS e


SP são congruentes, uma vez que todos medem a. Logo, pode-se
afirmar que o quadrilátero PQRS é losango. Como os triângulos APQ e
DPS são retângulos em A e D, respectivamente, tem-se:

m( AQP ) + m(QPA) = 90º e m( DPS ) + m( DSP ) = 90º

Como os triângulos APQ e DPS são congruentes, tem-se:

m( DPS ) = m( AQP ) e m(QPA) = m( DSP )

Observando que DPA é raso, tem-se que:


m( DPS ) + m( S PQ) + m(QPA) = 180º

Substituindo as duas primeiras relações na última relação, obtém-se:

m( DPS ) + m( S PQ ) + m(QPA) = 180º 


 m( AQP ) + m( S PQ ) + m(QPA) = 180º 
 90º + m( S PQ) = 180º  m( S PQ) = 90º

De forma análoga para os outros ângulos internos do quadrilátero


PQRS, pode-se concluir que todos são retos. Dessa maneira, pode-se
afirmar o quadrilátero em questão é um retângulo. Como o quadrilátero
PQRS é, simultaneamente, losango e retângulo, conclui-se que ele é
quadrado e a medida de sua área é a ² (GONÇALVES, 2015, p. 27).

Conquanto a descrição epistemológica tenha grande relevância, os aportes de caráter


didático também têm seu lugar, como se indica a seguir.

O aspecto didático/cognitivo na problematização

Este aspecto inclui comentários sobre as possibilidades de ensino relativas ao objeto ou


tema escolhido, o que implica, por exemplo, em discutir eventuais estratégias empregadas
no trabalho em sala de aula ou antecipar, de maneira introdutória, as propostas da
investigação no sentido de construir sequências para o tratamento do assunto escolhido.
Pode-se realizar, aqui, uma análise preliminar a respeito da forma pela qual certos livros
didáticos lidam com o assunto e/ou sobre as recomendações para o tratamento do tema
contidas em orientações curriculares. Estas análises costumam ser aprofundadas em
capítulos específicos, quando pertinentes, mas mencioná-las aqui, resumidamente, pode
ajudar a construir a caracterização do tema enquanto elemento do saber a ser ensinado, já
com as mudanças que o evidenciam como objeto de ensino, a partir, no caso, de
transformações adaptativas desde o saber original. Estas transformações, chamadas por
Chevallard (1991), em seu conjunto, de transposição didática, permitem que o tema se
constitua em um objeto de ensino e, como tal, possa ser tratado em âmbito escolar.

Também podem ser levantados eventuais fatores que dificultem, de alguma forma, o
processo de construção do conhecimento. Neste sentido, por exemplo, Brousseau (2002)
indica como relevante o estudo da noção de obstáculo, quando observa em que contextos
ou ocasiões o saber estruturado sobre o conteúdo em questão passa se colocar de forma
mal adaptada ou inadequada, ou, ainda, quando mecanismos do sistema de ensino
constituído concorrem para favorecer o surgimento de erros na resolução de problemas
acerca de determinados temas ou objetos. Outros autores lidam com questões deste tipo
de outra forma e o uso de determinados conceitos dependerá, por certo, das escolhas
teóricas que o pesquisador fará.

Os aspectos supramencionados não são obrigatórios, nem imprescindíveis, mas


geralmente estão presentes por meio de uma redação que deve ser construída para
alinhavar as partes constituintes das descrições, de forma que o texto fique coeso e
preserve um sentido de unidade. Assim, após posicionar objeto/tema do ponto de vista
dos panoramas mais relevantes da área de conhecimento, deve-se anunciar, finalmente, o
problema, as questões, hipóteses e os procedimentos por meio dos quais se procurará
avançar em relação ao conhecimento vigente na área da pesquisa e, mais especificamente,
criar propostas em torno das questões e objetivos estabelecidos.

Em sua tese de doutorado, Fonseca (2015) realizou, sob a orientação do autor deste
capítulo, uma pesquisa que tratava, fundamentalmente, dos conhecimentos acerca da
Teoria dos Números, e, em especial, do Teorema Fundamental da Aritmética, tendo como
sujeitos alunos de licenciatura em Matemática. Ao compor sua problematização, do ponto
de vista didático, o autor criou descrições com base em sua revisão da literatura, que
abarcou pesquisas previamente realizadas na área e compulsou, também, as orientações
curriculares disponíveis sobre o tema. Após posicionar a importância de sua escolha
temática no âmbito do acervo de conhecimentos do professor que ensina matemática e na
trajetória escolar dos alunos, principalmente do Ensino Fundamental, o autor pondera:

Estes objetos matemáticos surgem bem cedo na vida escolar dos


estudantes. Os sistemas escolares preveem a introdução do
conhecimento relativo aos números primos, por exemplo, geralmente
no sexto ano do ensino fundamental. De fato, os Parâmetros
Curriculares do Ensino Fundamental (Brasil, 1998) recomendam,
naquilo que chamam de terceiro ciclo (os atuais sexto e sétimo anos)
um trabalho continuado com os números naturais “em situações de
contagem, de ordenação, de codificação em que tenha oportunidade de
realizar a leitura e escrita de números ‘grandes’ e desenvolver uma
compreensão mais consistente das regras que caracterizam o sistema de
numeração que utiliza” (BRASIL, 1998, p.66). Neste contexto, a
introdução dos números primos não pode surgir de forma descolada em
relação ao princípio multiplicativo, nem exposta sem a
contextualização proposta por situações problema (...) (FONSECA,
2015, p. 26).

Em seguida, Fonseca (2015) menciona as inserções curriculares do tema, comparando os


currículos oficiais do estado de São Paulo e do Pará, sendo que o estudo leva em
consideração uma universidade pública localizada neste último estado. A descrição de
caráter didático contida em sua problematização prossegue, assim, da seguinte maneira:

Em relação ao conceito de primalidade, as situações de aprendizagem


devem fornecer condições didáticas para que os estudantes percebam
que alguns números são o produto de outros, como 6 = 2 × 3, 30 =
5 × 6, etc., ou seja, que são números compostos. Neste contexto, devem
os estudantes compreender que os demais números são aqueles que não
têm outros fatores além deles mesmos e da unidade. Em outras palavras,
é importante que os discentes registrem que primo é todo número, maior
do que 1, que é divisível somente por si mesmo e pela unidade,
compreendendo que os primeiros números primos são 2, 3, 5, 11, 13,
17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, etc. Outra compreensão valiosa neste sentido
é aquela por meio da qual se pode afirmar que, quando um número não
é primo, o mesmo pode ser decomposto em fatores primos, como 12 =
2 × 2 × 3, 30 = 2 × 3 × 5, 935 = 5 × 11 × 17. Pelo seu caráter
basilar no estudo dos números inteiros, essa propriedade é conhecida
como o Teorema Fundamental da Aritmética (TFA). Ela significa que
os números primos são, por assim dizer, os “átomos” ou “tijolos” da
construção numérica pela multiplicação. Assim, é preciso pensar na
maneira como podem ser construídos elementos didáticos que
estimulem o trabalho com os números primos com os futuros
professores, do ponto de vista da formação matemática dos mesmos. A
construção da aprendizagem relacionada a estes objetos representa um
desafio para o professor, à medida que os processos relacionados ao
significado deste tema precisam fornecer elementos para que o
estudante não apenas compreenda as características intrínsecas destes
números e a importância da apropriação do conhecimento relativo aos
mesmos no âmbito da aritmética, como também desenvolvam
competência para o emprego das propriedades dos primos em situações
matemáticas contextuais, caracterizadas por argumentações,
demonstrações, provas e usos específicos (compreensão de códigos
criptográficos é um caso típico) e, também, fundamentalmente, em
situações em que se solicite a resolução de problemas (FONSECA,
2015, p. 28).

Finalmente, o autor anuncia a forma pela qual constituiu os instrumentos de pesquisa


empregados com os sujeitos e a como os estudos prévios que realizou permitiram que os
mesmos fossem adaptados, do ponto de vista didático, desde as investigações nas quais
foram originalmente engendrados. Aqui, esta caracterização permitiu que se discutisse,
em seguida ao anúncio da questão norteadora, aspectos históricos e epistemológicos que
foram fundamentais à construção do trabalho.

A discussão dos aspectos relativos à constituição da problematização como elemento


essencial à construção do texto relativo à pesquisa acadêmica parece esconder um fato
importante: como este processo começa? Dificilmente se pode dizer que os estudantes de
um curso de mestrado, por exemplo, chegam com este componente textual pronto. Em
outras palavras, é de se perguntar de que forma e com que lógica se poderia iniciar o
caminho que leva a constituir a problematização como descrição densa. Procura-se, a
seguir, tratar desta fonte de perplexidade comum.

Da ideia ao tema, do tema ao problema

O professor da disciplina “Metodologia de Pesquisa” em um curso de mestrado em


Educação Matemática discorre, em meio à aula, acerca das características de uma
pesquisa científica. Em dado momento, volta-se para um dos alunos que anotava suas
observações e pergunta: “– Qual o tema de sua pesquisa de mestrado?”. O estudante,
surpreso, pensa um pouco e responde: “– Geometria”. O professor argumenta que isso
não seria possível e que “geometria” não poderia ser seu tema, já que abrangeria uma
amplitude inalcançável. Em seguida, pediu que o estudante procurasse descrever como
acreditava que sua pesquisa poderia ser, indicando quais objetos matemáticos
eventualmente estariam em jogo, quais seriam os sujeitos e/ou documentos envolvidos,
como pretenderia levantar os dados que o ajudassem a compreender um fenômeno
específico e o que mais pudesse imaginar de maneira a definir melhor sua proposta.
Diante da argumentação do professor, o mestrando, ainda um tanto inseguro, completou:
“– Alguma coisa de geometria plana... envolvendo triângulos... proporcionalidade...
semelhança... algo assim”. Balançando a cabeça, o professor explicou que estas
colocações mostravam a necessidade de prover um recorte para a investigação que o aluno
se propunha a realizar. De que forma, por exemplo, a noção de proporcionalidade seria
explorada? Como os conceitos relativos à semelhança de triângulos serviriam para a
construção de uma trajetória investigativa que contribuísse para o incremento do
conhecimento relativo a este tema no contexto da área de pesquisa em que se inseria?
Este trabalho seria feito com alunos, professores, produções textuais de outros
pesquisadores, livros didáticos ou outra fonte de dados? Após estas interrogações, que
coincidiram com o final da aula, o aluno saiu, um tanto aturdido, mas com a certeza que
muito trabalho viria pela frente...

A situação descrita no parágrafo anterior pode não ser tão imaginária assim. Inúmeras
vezes, pesquisadores iniciantes esbarram no dilema relativo à definição do escopo
específico para a construção de suas pesquisas. Seus anúncios iniciais refletem,
geralmente, mais a configuração de uma ideia, bastante ampla e genérica. Sem que se
pretenda negar a utilidade deste exercício inicial, é preciso que se progrida a partir dele,
buscando um refinamento, um recorte, uma delimitação que proporcione a construção de
um tema, ou seja, de um texto sucinto que indique o alcance, os limites e os
objetos/elementos cobertos pela proposta de pesquisa a ser implementada.

Na maior parte das vezes, as ideias acerca da investigação acadêmica a realizar estão
relacionadas às experiências pessoais/profissionais do pesquisador. Pode ser, quando este
exerce a docência, uma subárea específica que prefira na disciplina que leciona – como
quando o personagem da pequena história supramencionada se refere à geometria, por
exemplo. Em todo o caso, leituras e diálogos sempre podem ajudar na construção mais
sólida do tema perseguido.

As orientações obtidas de pesquisadores mais experientes, sejam colegas de trabalho ou


professores especificamente encarregados desta tarefa, podem ser decisivas para que se
avance na escolha do tema. Frequentemente, há um projeto em andamento, cujas
propostas podem interessar àquele que inicia na seara da perquirição científica, e que tem
o orientador como líder ou como um dos pesquisadores principais, ou, ainda, áreas de
interesse nas quais o orientador milita e em relação às quais possui verdadeiro estoque de
realizações e de temas que podem dar continuidade aos resultados já consolidados. De
qualquer forma, constituído um interesse em relação a tópicos mais específicos ligados
às ideias iniciais, deve-se passar à fase de leituras preliminares ou iniciais, no sentido de
conhecer mais sobre a produção ligada ao tema em construção, tomando contato com as
pesquisas já realizadas, teóricos de referência, autores importantes, tópicos explorados
com maior ou menor frequência, entre outras questões. Trata-se de uma espécie de
primeira revisão da literatura, de caráter exploratório, e que permitirá entrar em contato
com o que se já se fez, conhecer metodologias, procedimentos, instrumentos, teorias e,
principalmente, resultados já expostos.

Após a fase inicial, uma etapa de refinamentos sucessivos ocorrerá, também marcada por
diálogos, orientações e leituras. Conforme os recortes acerca do tema se tornam mais
claros e evidentes, o processo de revisão de literatura se torna também, por sua vez, mais
específico e direcionado, detendo-se sobre os textos que realmente possam apoiar a
construção da nova pesquisa. É importante que todo este processo seja registrado por
escrito, ou seja, que as leituras levem à produção de sínteses textuais, as quais, por sua
vez, devem se mostrar mais completas à medida que venham a se referir a textos com
maior relação ao relatório em preparo.
É importante assinalar que o processo descrito anteriormente não é linear, mas conta com
múltiplas idas e vindas, e com fases intermediárias que podem apenas ser supostas como
mais prováveis, mas que podem ocorrer em distintas quantidades e com diferentes
repetições. Além disso, no caso de relatórios resultantes de pesquisas realizadas no âmbito
de cursos de mestrado ou doutorado, os diálogos com o grupo de pesquisa e com o
orientador são, geralmente, constantes e recorrentes, o que auxilia no posicionamento
crítico diante do que se escreve. A figura 4 procura sintetizar os argumentos aqui
expostos.

Figura 4 – Ideia, tema e problema de pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor

No âmbito da problematização, então, a definição do tema, a partir do percurso descrito,


leva ao anúncio do problema de pesquisa, de forma clara e evidente, com o destaque
necessário. Trata-se, geralmente, de um parágrafo, no qual se indica, inequivocamente,
como já se mencionou, qual a dificuldade típica, específica e delimitada se pretende dar
conta com a pesquisa em curso. O problema de pesquisa pode ser apresentado como uma
pergunta, mas não obrigatoriamente.

Em toda a trajetória descrita até aqui, um destaque deve ser dado ao importantíssimo
papel que a revisão da literatura tem nos trabalhos científicos. Este processo,
compreendido como a busca e exame de materiais textuais (teses, dissertações, artigos)
que tenham alguma correlação com as propostas de uma investigação que esteja sendo
planejada, pode (e deve) ser realizado em distintos momentos. Inicialmente, tem um
caráter mais exploratório, e auxilia sobremaneira na transição ideia – tema. Aqui, as
leituras permitem compreender o alcance que podem ter os temas da área, o quanto já
foram explorados, que abertura trazem para continuidades ou novas abordagens. Estas
primeiras leituras podem, inclusive, influir decisivamente na elaboração do tema em uma
versão mais definitiva, por assim dizer (ainda que mudanças sempre possam ser feitas).
Uma vez delimitado o tema de alguma forma, a revisão, em uma segunda etapa, é mais
precisa, podendo aproveitar os textos das primeiras leituras e devendo agregar outros mais
específicos, agora já tendo como guia o tema escolhido. Nas duas etapas de leituras
mencionadas, mas especialmente na segunda, a produção de sínteses significativas dos
trabalhos correlatos é de suma importância, de modo que se anotem as principais
características de cada texto e em que contribuem com a pesquisa em elaboração. Estas
sínteses, com a devida “costura” textual, ou seja, integradas e colocadas em conjunção
com a lógica do texto principal, comporão o trabalho em construção, seja como apoio aos
referenciais teóricos, seja como parte da problematização, ou, ainda, em ambas as partes.

Cabe, ainda no âmbito das revisões, uma recomendação: não se devem incluir sínteses
relativas a textos examinados neste processo sem que eles tenham contribuições a fazer
para o trabalho como um todo. A inclusão de elementos teóricos em um trabalho, sejam
aportes referenciais, sejam produtos de revisão, deve, de alguma forma, estruturar ou ao
menos apoiar as análises. Se um texto qualquer aparece na revisão e, em seguida, não
volta a ser utilizado em coisa alguma, para que serve? Deve-se descartar desde o início o
mito de que bons trabalhos devem ser volumosos e conter centenas de referências: bons
trabalhos devem ser consistentes e comportar as referências necessárias.

Questões e objetivos do trabalho acadêmico: como elaborar?

As questões contidas em um trabalho acadêmico representam, além de, evidentemente,


aquilo que se procura responder por meio da pesquisa proposta, os elementos norteadores,
aqueles que, de certa forma, criam os compromissos teóricos, no sentido de que se
alinhem teorias e suportes metodológicos adequados. Ainda que contidas em pontos
específicos do trabalho, deve ser possível “ler”, por assim dizer, as questões por toda
parte, ou seja, perceber que as partes do texto foram alinhadas com a finalidade de criar
a consistência necessária para que proposições surjam no sentido de respondê-las.
Para isto, as questões devem ser elaboradas principalmente como resultado das reflexões
trazidas na problematização. De alguma maneira, elas representam a síntese da
inquietação científica surgida quando da estruturação do problema, por sua vez criado a
partir da descrição densa provida pela problematização. São fundamentais, ao ponto de
se poder dizer que uma boa pesquisa surge a partir de boas questões.

Quanto à forma e ao conteúdo, não devem ser longas demais, nem tão simples que não
impulsionem o esforço de pesquisa. Por exemplo, uma questão do tipo “as tecnologias
digitais podem auxiliar no processo de aprendizagem de lugares geométricos no ensino
fundamental?” não é adequada. Ora, neste caso, a resposta é obviamente “sim”, partindo-
se do princípio de que poder, podem (as tecnologias podem auxiliar no referido processo)
– resta saber como, com que estratégias, com quais interfaces e tipos de ferramentas etc.
Além disso, a questão, da forma como está, é vaga e muito ampla. Assim, dependendo
fundamentalmente do contexto construído na problematização, uma das questões
relacionadas ao mesmo tema poderia ser “como uma estratégia didática com uso de
tecnologias digitais pode auxiliar o processo de aprendizagem de lugares geométricos
entre alunos do sétimo ano do ensino fundamental de uma escola pública?”.
Evidentemente, como se disse, esta questão dependeria da forma como a problematização
foi constituída para se revelar realmente adequada, mas, como exemplo, aponta para
alguns itens importantes: não é óbvia, é específica, está ligada ao tema, define um
conteúdo de conhecimento e um grupo de sujeitos, e assim por diante.

As questões norteadoras são mais comuns em pesquisas qualitativas. As hipóteses


também podem surgir neste tipo de pesquisa, como também naquelas de natureza
quantitativa, e não se confundem, como se poderia imaginar, com as questões. Não é
realmente comum que uma pesquisa tenha ambos os elementos, justamente na medida
em que, geralmente, implicariam em rumos distintos quanto aos procedimentos da
investigação. As hipóteses representam respostas antecipadas e provisórias acerca do que
se aventou por meio do problema de pesquisa – não são, portanto, questões. Uma vez
elaborada, a hipótese conduz o pesquisador, por meio dos elementos formais da
investigação, à tentativa de prová-la (ou de refutá-la, dependendo da estratégia adotada).
De uma outra forma, as questões bem elaboradas seriam dúvidas científicas legítimas, e,
em um cenário qualitativo, podem levar a respostas parciais e reflexões que não
necessariamente confirmam ou refutam suas proposições, mas discutem, por exemplo, a
pertinência dos métodos empregados e o alcance deles frente aos resultados. Neste caso,
uma vez que o compromisso não se resume a confirmar ou não, como seria o caso das
hipóteses, pode-se discutir com mais amplitude e indicar pontos em que a estratégia
empregada funcionou (ou teve resultados melhores) frente a outros, em que não funcionou
ou não foi tão eficiente. De toda forma, tanto questões como hipóteses são formas corretas
de indicar de que maneira se conduzirá uma pesquisa, ou seja, o que ela pretende
responder, frente à problematização levantada.

Há, entretanto, outra forma de encarar a relação entre questão e hipótese em uma pesquisa
qualitativa, que ocorre, justamente, quando o próprio problema de pesquisa é anunciado
como questão (ou pergunta substantiva). Neste caso, as hipóteses surgem como
proposições a serem comprovadas e que concorrerão para dar, em algumas dimensões, as
respostas procuradas para o problema levantado, considerando a estrutura formal e
metodologicamente válida construída pelo pesquisador.

Por sua vez, o anúncio dos objetivos busca revelar o que se quer produzir com a
investigação, o que se pretende descobrir, esclarecer, revelar ou, ainda, sobre o que se
refletirá. De certa forma, o pesquisador procura, ao elencar os objetivos, indicar em que
ponto o trabalho chegará e quais resultados virão à lume quando de sua finalização. O
objetivo geral deve indicar as intenções do trabalho de forma mais ampla, o que significa
que este item está ligado à finalidade principal da pesquisa e ao problema proposto, em
torno da qual foram elaboradas as questões e feitas as escolhas teóricas e metodológicas.
Como exemplo, o trabalho de Lima (2016), já mencionado anteriormente neste capítulo,
possuía, como objetivo principal, “desenvolver uma estratégia didática para uso de
tecnologias em atividades/problemas ligados à geometria plana, tendo o tema de
“homotetia” como elemento matemático principal, e a intenção de evidenciar as
compreensões constituídas a partir de pressupostos interativos no âmbito de pessoas-com-
tecnologias-digitais” (LIMA, 2016, p.20). Os objetivos específicos secundam e apoiam o
pesquisador na consecução do objetivo principal da investigação, sendo, geralmente,
escritos a partir do conjunto de atividades/tarefas/construções necessárias à realização do
objetivo principal. Na pesquisa que se mencionou, os objetivos específicos eram:

• Constituir uma sequência didática sobre homotetia, envolvendo,


igualmente, assuntos correlatos e necessários à reflexão sobre o tema,
que permita, por parte dos sujeitos, a constituição de percursos
investigativos cujos problemas estruturantes são pensados a partir da
integração das pessoas com o software GeoGebra em sua versão
número 5;
• Possibilitar o engajamento dos participantes na construção de
conjecturas e propostas de resolução de problemas sobre o tema
“homotetia” a partir de um ambiente e de uma estratégia didática que
busca incentivar interações no âmbito de ambientes virtuais e
presencias;
• Analisar as produções dos sujeitos sob a perspectiva do quadro
teórico que orienta este trabalho [...] (LIMA, 2016, p.20).

Percebe-se que os objetivos específicos e geral estão fortemente interligados, sendo que
os primeiros seriam formas pelas quais se poderia alcançar a consecução do último, ou,
ainda, procedimentos/etapas na construção de uma lógica de pesquisa que permitiria
alcançar a meta traçada primordialmente.

Considerações finais

É importante esclarecer que não existe um guia infalível para a elaboração de questões,
hipóteses e objetivos, apenas recomendações. A redação destes elementos, bem como a
interligação deles com o restante do trabalho pode variar e admite bastante flexibilidade;
no entanto, o que se propõe neste capítulo é que haja uma estreita ligação entre eles e a
problematização, como contexto, e o problema de pesquisa, mais diretamente. Isto pode
ser feito considerando o desenvolvimento dos elementos textuais constituintes tanto em
um mesmo capítulo como em partes diferentes do trabalho, desde que se observe a
proposta contida na figura 5.

Problematização

Problemazzzzz
de pesquisa

Questões ou
Objetivos hipóteses

Figura 5 – Estrutura da problematização


Fonte: elaborado pelo autor
Além disso, deve-se insistir no caráter provisório da problematização no âmbito da
construção do texto da pesquisa: enquanto a redação estiver em processo, as leituras, o
contato com os sujeitos, o ambiente e os dados poderão pedir que se realizem alterações
no texto relativo a esta importante parte do trabalho. A figura 5 revela, também, que
modificações no contexto (problematização) podem implicar em alterações no próprio
problema de pesquisa, o que leva, por consequência, à revisão nos objetivos, e nas
questões ou hipóteses. Novas questões podem surgir em qualquer momento da
investigação, em razão do caráter dinâmico desta atividade. Quando isto ocorrer, o
pesquisador deverá avaliar se as novas interrogações correspondem ao problema
anteriormente construído, de modo que se mantenha sempre a coerência. Este caráter de
inacabamento da pesquisa qualitativa em processo talvez seja seu maior diferencial, de
forma a permitir lidar com a complexidade dos cenários de pesquisa educacional que se
apresentam na contemporaneidade.

Como se procurou mencionar em várias partes deste capítulo, não se pretendeu, aqui,
construir um guia ou um manual para a redação de relatórios científicos, mas levantar
aspectos importantes relativos a esta atividade, cuja implementação pode variar de acordo
com as diretrizes existentes nos diversos centros de pesquisa, ou de acordo com a
flexibilidade maior ou menor existente nos grupos aos quais o autor da peça se filie. O
foco na construção do problema de pesquisa e em seu contexto, a problematização,
considerou a importância e a relativa dificuldade que esta etapa representa na construção
de um texto consistente, que reflita de modo fidedigno e com qualidade, o esforço
realizado em uma investigação científica, principalmente aquelas que admitam
delineamento qualitativo.

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