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Unidade II
5 ESTRUTURA E FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO
De maneira simplificada, podemos dizer que a função do sistema nervoso é relacionar o animal
com o ambiente em que está inserido. Essa função é cumprida pelo nosso sistema nervoso através da
interação existente entre suas duas divisões anatômicas: o sistema nervoso central (SNC) e o sistema
nervoso periférico (SNP).
Vamos relembrar como são compostos o SNC e o SNP. Como são muitas as estruturas que os
compõem, sugerimos que essa descrição seja acompanhada da observação das figuras indicadas.
Então, vamos iniciar pelo sistema nervoso central, que é constituído pelo encéfalo e pela medula
espinhal. O encéfalo é o conjunto de todos os elementos que ficam localizados dentro da caixa craniana,
e a medula é uma estrutura prolongada que se projeta para fora dela, por dentro do forame vertebral
(canal formado pela junção das vértebras espinhais sobrepostas).
Em razão do encéfalo ficar localizado dentro do crânio, muita gente faz confusão, achando que
apenas o encéfalo faz parte do SNC. Elas estão enganadas!
Observação
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FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Giro pré-cerebral
Giro pós-central
Gânglios da base Sulco central
7. Hemisférios
cerebrais
Mesencéfalo
Lobo temporal
6. Diencéfalo Lobo occipital
Rombencéfalo
5. Mesencéfalo
4. Cerebelo
Tronco cerebral 3. Ponte
2. Bulbo
Cervical
Lombar
Sacra
Vamos detalhar mais um pouco as diferentes divisões do sistema nervoso. Isso nos ajudará a não
fazer confusões com os vários termos que utilizaremos mais adiante e a entender como o sistema
nervoso consegue gerenciar tantas funções ao mesmo tempo. Vamos continuar por esse sistema.
Já sabemos que o sistema nervoso central é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. Porém,
é necessário esclarecer que, ao todo, são pelo menos sete as estruturas que subdividem o SNC. São elas:
• a medula espinhal;
• o bulbo;
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Unidade II
• a ponte;
• o mesencéfalo;
• o cerebelo;
• o diencéfalo; e
• os hemisférios cerebrais.
Ou seja, o que, de maneira simplificada, nos referimos por encéfalo trata‑se, na realidade, de uma
composição de seis estruturas numeradas de dois a sete. Uma curiosidade sobre essas estruturas é que
cada uma delas tem simetria bilateral. O que isso significa? Significa que, se dividirmos essas estruturas
no plano sagital (cortando-as em metades direita e esquerda), ambos os lados resultantes dessa divisão
serão iguais. No entanto, isso não quer dizer que cada uma das partes realiza exatamente as mesmas
funções, como poderemos compreender mais adiante.
Algumas das estruturas que compõem o encéfalo estão associadas anatômica e/ou funcionalmente,
por isso os anatomistas algumas vezes se referem a elas por um termo que as agrupa. Por exemplo, os
hemisférios cerebrais direito e esquerdo são denominados conjuntamente como telencéfalo, enquanto
o tálamo e o hipotálamo formam o diencéfalo. Por sua vez, quando usamos a palavra cérebro, estamos
nos referindo ao telencéfalo e ao diencéfalo unidos. Interessante, não é mesmo? Normalmente chamamos
tudo que está dentro da caixa craniana de cérebro, mas agora você já sabe que não é exatamente isso.
Ficou perdido na explicação? Procure reler o parágrafo anterior, enquanto vai identificando essas
estruturas na esquematização a seguir. Você deve começar a observação da figura da esquerda para a
direita, e de cima para baixo. Ao mesmo tempo, identifique as estruturas nela.
Hemisférios
Telencéfalo cerebrais
Cérebro
Tálamo
Diencéfalo
Hipotálamo
Encéfalo Bulbo
Tronco Ponte
encefálico
Cerebelo Mesencéfalo
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FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Giro cingulado
Lobo parietal
Tecido mole extracraniano
Corpo caloso
Medula óssea
Lobo frontal
Fómix
Tálamo
Biencéfalo Lobo occipital
Hipotálamo
Hipófise
Cerebelo
Mesencéfalo
Ponte
Bulbo
Medula espinhal
Agora que conhecemos as estruturas do SNC, nos próximos tópicos vamos falar sobre algumas
características desses componentes e sobre suas principais funções. Começaremos de baixo para cima,
ou seja, estudando a medula espinhal.
A medula espinhal é a parte caudal (mais baixa, inferior e afastada da cabeça) do sistema
nervoso central. É um prolongamento que se estende desde a base do crânio até a primeira vértebra
lombar. A palavra “medula” significa miolo, e indica que está dentro de alguma estrutura. A medula
situa‑se no interior do canal medular. Mas ela não percorre toda a coluna vertebral: seu limite
inferior termina próximo à vértebra L2 (a segunda vértebra lombar).
Na parte cranial, a medula faz limite com o bulbo, próximo ao nível do forame magno do osso
occipital. No homem em idade adulta a medula chega a ter aproximadamente 45 cm de comprimento,
e é um pouco menor nas mulheres, já que normalmente a estatura média delas é menor que a deles.
A medula espinhal recebe informações que vêm da pele, dos músculos, das articulações, bem como
de órgãos internos, por meio de neurônios sensoriais (mais adiante vamos falar deles). É nela que está
o corpo dos neurônios motores que são responsáveis pelos movimentos voluntários (intencionais) e
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Unidade II
reflexos (não intencionais). Portanto, você pode concluir que a medula é um local muito importante
para integração da informação sensorial, isto é, conhecimento do que está acontecendo dentro e fora
do corpo, o que é essencial para a geração dos movimentos e interação com o ambiente.
Em nós humanos, a medula espinhal é composta por 31 pares de nervos espinhais. As raízes dorsal
(posterior) e ventral (anterior) se juntam e formam um nervo periférico. A informação que é captada nos
músculos, nas vísceras e na pele (informação sensorial) chega até a medula pelo ramo posterior da raiz dorsal.
Enquanto o comando para os músculos gerarem tensão (vindo da medula) chega através da raiz ventral.
Lembrete
4 3
As três estruturas que falaremos a seguir: o bulbo, a ponte e o mesencéfalo, formam uma porção
contínua que é chamada de tronco cerebral ou tronco encefálico. O tronco cerebral fica localizado de
forma contínua com relação à extremidade rostral da medula espinhal.
Observação
Ele recebe informações sensoriais provindas da pele e das articulações da cabeça, do pescoço e da face,
bem como contém os neurônios motores que controlam as ações dos músculos da cabeça e do pescoço.
O tronco também está relacionado com sentidos especializados como a audição, gustação e o equilíbrio.
38
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Toda as informações sensoriais, além dos comandos motores que chegam e partem do tronco, são
transmitidos por meio dos 12 pares de nervos cranianos. Lembra‑se deles? Eles fazem parte do sistema
nervoso periférico, sobre o qual falaremos mais adiante.
5.1.2.1 O bulbo
O bulbo, que também pode ser chamado de medula oblonga, fica localizado logo acima da medula
espinhal. Essa estrutura contém vários centros responsáveis pelas funções autonômicas vitais. Sabe o
que é isso? São aquelas funções que precisam acontecer para nos manter vivos, tais como a respiração,
digestão, pressão sanguínea e os batimentos cardíacos. Elas são chamadas de autonômicas porque
acontecem independentemente do nosso controle consciente.
5.1.2.2 A ponte
A ponte está disposta de modo rostral ao bulbo. Ela é uma protuberância que pode ser notada na parte
anterior do tronco cerebral. A ponte contém uma grande quantidade de neurônios que retransmitem as
informações dos hemisférios cerebrais ao cerebelo. Por isso recebe o nome de ponte, porque faz a comunicação
entre duas importantes estruturas do sistema nervoso central: os hemisférios cerebrais e o cerebelo.
5.1.2.3 O mesencéfalo
O mesencéfalo é o menor componente entre as estruturas que compõem o tronco cerebral e está
situado de modo rostral à ponte. É responsável por controlar muitas funções sensoriais e motoras,
entre elas os movimentos dos olhos e os reflexos visuais e auditivos. Não obstante, algumas regiões do
mesencéfalo também participam do controle motor dos músculos esqueléticos.
5.1.3 O cerebelo
Em latim, a palavra cerebelo significa “pequeno cérebro”. Ele tem localização caudal em relação à
ponte e ao bulbo, e se projeta em direção à nuca. Anatomicamente, é a estrutura neural com maior
densidade de neurônios; apesar de ter apenas 10% do volume do encéfalo, contém 50% do total de
neurônios. Além de conter cerca da metade dos neurônios do encéfalo, o cerebelo tem um padrão de
organização que se assemelha àquele do córtex cerebral.
Aliás, as funções cerebelares mais importantes são as motoras, por exemplo, no controle postural, no tônus
muscular (contração basal dos músculos), na realização de movimentos com precisão e delicadeza, na realização
de movimentos com alto grau de complexidade, na aprendizagem motora e na correção de erros de movimentos.
39
Unidade II
5.1.4 O diencéfalo
O diencéfalo está localizado de modo rostral ao mesencéfalo e é composto por duas estruturas:
o hipotálamo e o tálamo. O hipotálamo fica sob o tálamo. É constituído por neurônios no sentido
clássico, bem como por neurônios que exercem suas funções por intermédio de hormônios. Tem
importante função no controle das funções autonômicas, endócrinas e viscerais. O tálamo, por usa
vez, processa a maior parte das informações que chega ao córtex cerebral, oriunda das demais partes
do sistema nervoso. Além dessas funções, é responsável pela regulação da consciência, do sono e do
estado de alerta.
Os hemisférios cerebrais são formados pelo córtex cerebral e três estruturas situadas em sua
profundidade: os gânglios da base, o hipocampo e o núcleo amigdaloide. Dentre eles, os gânglios da
base são as estruturas que participam da regulação do desempenho motor, enquanto o hipocampo
participa de diversos aspectos do armazenamento de memórias; já o núcleo amigdaloide coordena as
respostas autonômicas e endócrinas, em conjunto com os estados emocionais.
Os hemisférios cerebrais direito e esquerdo são unidos por feixes de fibras (tratos) denominados
corpo caloso, que permite a comunicação entre eles. Sobre os dois hemisférios, posiciona‑se a camada
enrugada do córtex cerebral, que é dividida em quatro lobos: o frontal, o parietal, o temporal e o
occipital. Os lobos realizam funções gerais distintas. O lobo frontal é responsável pelo intelecto e pelo
controle motor; o lobo temporal pelo estímulo auditivo e sua interpretação; o lobo parietal pelo estímulo
sensorial geral e sua interpretação; e o lobo occipital pelo estímulo visual e sua interpretação.
Os lobos cerebrais são constituídos por circunvoluções, separadas por fissuras, cuja função é
aumentar ao máximo a área de superfície do córtex cerebral sem exigir um aumento correspondente do
volume cerebral.
Lobo temporal
Lobo occipital
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FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Muitas áreas do córtex cerebral são implicadas com o processamento de informações sensoriais
e/ou de comandos motores. Estas áreas são referidas como áreas primárias, secundárias e terciárias
(sensoriais ou motoras), dependendo do nível de processamento de informação realizado. Por exemplo,
o córtex motor primário (localizado no lobo frontal) medeia movimentos voluntários dos membros e
do tronco. Ele é referido como primário porque contém neurônios que se projetam diretamente para a
medula espinhal para ativar os neurônios motores somáticos (aqueles responsáveis pela ativação das
fibras musculares esqueléticas).
O SNC e o SNP são separados anatomicamente, mas são interligados funcionalmente. Isso quer
dizer que podemos diferenciar as estruturas que compõem cada um deles, mas que uma divisão (parte)
depende e influencia a outra, quando desempenha suas funções.
Divisão sensorial
(aferente)
Divisão motora
(eferente)
Sistema
Sistema nervoso
nervoso somático
autônomo (voluntário)
(involuntário)
Divisão Divisão
simpática parassimpática
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Unidade II
O SNP é subdividido em sistema nervoso somático (SNS) e sistema nervoso autonômico (SNA).
O SNS abastece o SNC com informações sensitivas a respeito do que ocorre nos músculos e membros
(por exemplo, grau de tensão e de alongamento, velocidade de encurtamento, angulação articular,
posicionamento dos segmentos), bem como a respeito do que ocorre no ambiente fora do corpo
(sensações térmicas, iluminação, som etc.). Essas informações são fornecidas ao SNC pelos neurônios
sensoriais e gânglios cranianos, os quais inervam a pele, os músculos e as articulações. Uma curiosidade
a respeito dos neurônios motores somáticos – que inervam os músculos esqueléticos – é que eles têm
seus corpos localizados na medula, que faz parte do sistema nervoso central. Ficou confuso? Antes de
prosseguirmos, observe o quadro seguinte para organizar todas essas nomenclaturas.
Sistema nervoso
O SNA é a parte do SNP que controla o funcionamento das vísceras, dos músculos lisos e das glândulas
exócrinas (glândulas sudoríparas, sebáceas, salivares). O SNP é constituído de três subunidades: sistema
nervoso simpático, sistema nervoso parassimpático e sistema nervoso entérico.
Resumidamente, podemos dizer que o sistema nervoso simpático controla as respostas do organismo
ao estresse; o parassimpático é responsável por controlar os recursos do corpo e por restaurar o equilíbrio
do estado de repouso (quadro 2). O entérico, por sua vez, é uma rede de neurônios que controla a
musculatura lisa do intestino. Apesar de poder funcionar de maneira independente, suas funções podem
ser controladas pelos sistemas simpático e parassimpático.
Quadro 2 – Efeitos dos sistemas nervosos simpático e parassimpático sobre vários órgãos
42
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Lembrete
6 AS CÉLULAS NEURAIS
Existem dois tipos de células no sistema nervoso: as células da glia e os neurônios. Ambas as
células, por usa vez, apresentam‑se em subtipos, que estão envolvidos em funções distintas.
As células da glia ou gliócitos são células que, junto com os neurônios, constituem o sistema nervoso.
Comparadas aos neurônios, elas são menores, tão numerosas quantos eles, mas possuem diferentes
formas, e estão associadas a diferentes funções. São responsáveis pela sustentação, proteção e nutrição
dos neurônios. Além disso, agem isolando os neurônios uns dos outros, evitando, assim, interferências
na condução do impulso nervoso. Elas ainda regulam a composição química dos líquidos intercelulares,
removem excretas e fagocitam restos celulares do sistema nervoso.
Alguns tipos comuns de células da glia são os astrócitos, as micróglias, os oligodendrócitos, as células
de Schwann e as células ependimárias. A figura seguinte ilustra os astrócitos e os oligodendrócitos.
43
Unidade II
Axônio Extremidade
Oligodendrócito interna Axônio
Neurônio
Axônio
Os astrócitos são as células da glia de maior tamanho. Eles são equipados com um número bem
elevado de prolongamentos, que são também muito longos se comparados às outras células da glia.
Outra característica que se destaca nos astrócitos é que a disposição dos seus prolongamentos lhe
confere um formato de estrela. Essas células realizam o transporte de nutrientes para os neurônios e
agem como tecido cicatrizante em áreas danificadas do SNC.
Os oligodendrócitos são células da glia bem pequenas quando comparadas aos demais tipos.
São bastante semelhantes aos astrócitos, porém menores e com menos prolongamentos. São responsáveis
pelo isolamento e proteção dos neurônios, função que realizam produzindo e mantendo a mielina de
neurônios do SNC. As células de Schwann também são responsáveis pela produção da mielina, porém
em neurônios do SNP. Ela envolve um segmento do axônio, enrolando‑se em volta deste e em torno
de si mesma, adquirindo aspecto de “fatia de cebola”. O corpo e as organelas celulares ficam restritos
à periferia da célula. Essa bainha de mielina isola eletricamente os neurônios, evitando a interferência
da atividade elétrica de um neurônio em outro neurônio vizinho. Além disso, esse isolamento restrito a
algumas regiões do axônio faz com que a propagação de impulsos nervosos seja realizada em velocidade
mais elevada em comparação à velocidade de propagação em axônios não mielinizados.
As micróglias também são células da glia bastante pequenas, que apresentam corpo celular alongado
e prolongamentos com espículas. Elas possuem alto poder fagocitário, representando uma variedade de
macrófagos que atuam na defesa do sistema nervoso. Fagocitam corpos estranhos e restos celulares,
atuando, portanto, na proteção e manutenção do sistema nervoso central.
As células ependimárias têm forma de cubo ou coluna que constituem a neuroglia epitelial.
Apresentam um arranjo epitelial, revestindo as cavidades do encéfalo e da medula espinhal e são
responsáveis pela produção do liquor.
44
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
6.2 O neurônio
O neurônio é a célula neural responsável pela geração e propagação de informação. Essa célula
produz impulsos elétricos que são transmitidos de um neurônio para outro como se fossem fios
elétricos interligados. Graças a essa propriedade dos neurônios, o sistema nervoso pode coletar
informações do meio ambiente (sensações térmicas, iluminação, sons, gostos, cheiros etc.), bem
como de órgãos e vísceras, as quais são utilizadas para interagir com o mundo exterior e se
ajustar a ele. Os comandos enviados pelo sistema nervoso para os órgãos e sistemas, para ajustar
o organismo às condições do ambiente, também são realizados por impulsos enviados pelos
neurônios. Para entendermos como esses sinais acontecem e como são transmitidos de célula
para célula, precisamos nos familiarizar com a estrutura do neurônio, conhecer seus diferentes
tipos e algumas particularidades de suas estruturas.
Vamos começar enfatizando que o neurônio é uma célula, portanto, assim como qualquer outra de
nosso organismo, contém membrana, organelas, citoplasma e núcleo.
Cada célula do nosso organismo é especializada para desempenhar determinadas funções, conforme
os órgãos e sistemas que compõem. Os neurônios são as células capazes de se comunicar com outras
células e órgãos, e fazem isso por intermédio de sinais elétricos que chamamos informalmente de
impulsos nervosos, ou, da maneira que seria mais adequada, de potenciais de ação (PA).
O PA funciona como uma espécie de código, portanto, ele precisa ser decifrado por regiões
específicas do sistema nervoso e pelos órgãos efetores que o recebem como ordem proveniente dos
centros superiores (encéfalo). Por exemplo, quando estamos num ambiente quente, começamos a suar
numa tentativa de resfriar o corpo. A secreção de suor pela glândula sudorípara acontece por ordem
do sistema nervoso (o hipotálamo é a estrutura envolvida nessa função). Por sua vez, o SNC modula
essa ordem tendo como base as informações que chegam a ele enviadas por receptores sensoriais que
monitoram a superfície corporal (veja o esquema a seguir).
Já sabemos que a informação “está calor”, bem como a ordem/comando “secrete suor”, são enviados
na forma de potenciais de ação. Mas como o sistema nervoso diferencia a informação faz “muito calor”
de faz “pouco calor”, e como as glândulas sudoríparas sabem quanto suor devem secretar? Essa parte
da informação está relacionada à frequência dos impulsos elétricos emitidos pelos receptores sensoriais
e pelo SNC.
45
Unidade II
Vários outros processos que ocorrem no nosso organismo, como a aprendizagem, memorização, visão, o
movimento etc., dependem da capacidade que os neurônios têm de se comunicarem entre si, bem como de
se comunicarem com as células que compõem os órgãos efetores. O conhecimento desse aspecto, além de
muitas outras funções do sistema nervoso, teve início, e evoluiu imensamente, a partir dos estudos pioneiros
do fisiologista inglês Edgar Douglas Adrian sobre as propriedades do sistema nervoso em nível celular.
Um exemplo da evolução desse conhecimento é fornecido por um estudo recente, em que um grupo
de pesquisadores brasileiros fez uma série de descobertas interessantes, entre elas de que nosso encéfalo
é composto por cerca de 86 bilhões de neurônios, um número inferior aos 100 bilhões antes estimados.
Nesse estudo também foi descoberto que os neurônios compõem cerca de 50% das células do
encéfalo, e não apenas 10% como pensavam os neurocientistas e, ainda, que o número de neurônios
que temos depende do tamanho do crânio. Quanto maior o crânio, mais neurônios ele possui!
De acordo com isso, a comparação (também nesse estudo) do cérebro humano com o de um elefante
mostrou que temos três vezes menos neurônios que o elefante. Intrigante, não? Porque se o número
de neurônios é determinante da nossa capacidade intelectual, então deveríamos ser menos inteligentes
que os elefantes, entretanto, nós sabemos que isso não é verdade, pelo menos para a maioria dos
humanos e dos elefantes.
A explicação para essa questão, que também foi verificada nesse estudo, é que a nossa inteligência
não depende do número total de neurônios no encéfalo, mas do número total de neurônios existentes
no córtex cerebral, que forma as estruturas superiores responsáveis pelas nossas capacidades de atenção
e raciocínio. Nessa região, os elefantes têm menos neurônios que nós, humanos.
Naturalmente, sendo tão grande o número de neurônios em nosso encéfalo e estes estando
envolvidos em diferentes funções, é de se esperar que os neurônios não sejam todos iguais. Nas seções
adiante vamos conhecer os diferentes tipos de neurônios e suas funções. Antes disso, vamos analisar o
tipo de neurônio mais comum, pois conhecendo suas características ficará mais fácil conhecermos os
demais tipos de neurônios, bem como facilitará nossa compreensão de como eles são capazes de gerar
os sinais que usam para se comunicar.
Em muitos trechos deste livro‑texto dissemos que os neurônios são células capazes de produzir e
propagar informação através dos impulsos elétricos que geram. Na verdade, os neurônios produzem
dois tipos diferentes de sinais: os sinais locais e os propagados. Um sinal local tem a função de estimular
ou de inibir o neurônio a disparar um potencial de ação, que é um sinal propagado.
46
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
A figura a seguir é uma representação típica de um neurônio, que usaremos para esse propósito.
Terminais axônicos
Dendritos
Axônio
Soma
Bainha de mielina
Vamos começar pelo corpo do neurônio. O formato do corpo do neurônio, que também pode
ser chamado de soma, varia conforme o tipo de neurônio, mas em todos os neurônios essa é a região
celular que se destaca em razão do seu grande volume.
O soma é a região metabólica da célula responsável pela síntese de todas as proteínas neuronais.
Ela contém o núcleo e as organelas para a fabricação de ácido ribonucleico (ARN) e proteínas. Em todos
os neurônios, essa região é a responsável pela geração dos potenciais de ação, que são gerados mais
precisamente num local denominado cone axônico. O cone axônico é a região do corpo, em forma de cone,
logo no início do prolongamento maior que parte do corpo (axônio). O cone também pode ser chamado de
zona de gatilho, por ser o local onde são gerados os impulsos usados para produzir a comunicação entre
células. Além dessas funções, o soma pode ser um espaço de recepção de estímulos oriundos de outras
células, embora essa função seja realizada principalmente pelos dendritos. Apesar de desempenhar essas
funções tão importantes, o volume do soma representa menos de 10% do volume total da célula.
No cone axônico, os sinais locais são integrados e podem estimular ou inibir a geração de um
potencial de ação. Os sinais locais têm amplitude muito pequena que pode variar de apenas 0,1 a
10 mV – o que depende da magnitude do estímulo que o desencadeou. Além de sua amplitude ser
baixa, ela decai em razão da distância que percorre na membrana, de maneira que o sinal não pode ser
conduzido além de 1 ou 2 mm. Por essa razão, para serem transmitidos por distâncias maiores, os sinais
locais precisam ser ampliados, caso contrário, são dissipados e podem não chegar ao cone axônico.
A ampliação dos sinais locais acontece pelos mecanismos de somação (sobre o qual trataremos mais
adiante). Para que um PA seja gerado, os sinais locais devem chegar no cone axônico com amplitude de
15 mV. Chamamos esse limite mínimo de limiar de excitação.
No caso dessa integração ser suficiente para atingir ou ultrapassar o limiar de excitação, o PA gerado
se propagará pelo axônio do neurônio até atingir sua extremidade mais distal, onde estão localizados
os botões sinápticos.
Observação
Os axônios de alguns tipos de neurônios são embainhados por mielina ao longo de grande parte
de seu comprimento. A bainha de mielina está enrolada em camadas concêntricas e em intervalos ao
longo do axônio – semelhante ao modo que se enrola a fita isolante em um fio elétrico. Alguns trechos
do axônio não são revestidos por mielina, formando os chamados nódulos de Ranvier. A bainha de
mielina presente nos neurônios do sistema nervosos central é produzida pelos oligodendrócitos, mas nos
neurônios periféricos a mielina é formada pela célula de Schwann. Os potenciais de ação transitam ao
longo do axônio, “saltando” de um nódulo de Ranvier para o próximo, o que faz com que a propagação
do PA em neurônios mielinizados seja cinquenta vezes mais rápida que em neurônios não mielinizados.
Lembrete
48
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Saiba mais
Independentemente de seu tamanho, a porção final do axônio forma ramificações para originar
centenas de terminações axônicas. Na extremidade de cada terminação há uma estrutura proeminente
que é denominada botão axônico. Dentro do botão axônico é armazenada uma substância química que
pode ser chamada de substância neurotransmissora ou neurotransmissor. O neurotransmissor funciona
como uma espécie de mensageiro, pois é por seu intermédio que a mensagem (potencial de ação) de uma
célula é transmitida para outra em comunicações conhecidas como sinapses. Nessas comunicações, um
neurônio pode tanto estimular quanto inibir outro neurônio a gerar um potencial de ação.
Para que não percamos o sentido, cabe realizar um pequeno resumo sobre o que tratamos nos
últimos parágrafos.
Um neurônio é uma célula que se comunica com outras células por intermédio de sinais elétricos,
chamados de potenciais de ação. Os potencias de ação de uma célula são gerados no cone axônico,
e se projetam pelo axônio até atingir os botões axônicos, onde está armazenado o neurotransmissor.
O neurotransmissor, por sua vez, é um mensageiro químico que vai transmitir a mensagem enviada por
esse neurônio para outro neurônio. Essa transmissão normalmente acontece nos dendritos da célula
que recebe a mensagem. A mensagem enviada de um neurônio para outro pode ser que “gere potenciais
de ação” ou “não gere potenciais de ação”.
Se você conseguiu acompanhar, é possível que esteja se fazendo várias perguntas, tais como:
Para respondê‑las, precisamos nos familiarizar com algumas características dos neurônios que ainda
não comentamos.
49
Unidade II
Nessa condição – em repouso –, o interior da célula tem carga elétrica menor que 70 milivolts (mV)
em relação ao seu exterior. Por convenção, estipulou‑se dizer que o interior da célula tem carga elétrica
negativa se comparada ao exterior. Essa diferença de carga elétrica não é a mesma em todas as células,
podendo ser ligeiramente maior em algumas (‑80 a ‑90 mV), ou menor em outras (‑ 40 a – 60 mV).
Outro ponto que merece nossa atenção é que essa diferença de carga é apenas observada nas
regiões próximas à membrana, mas ela é anulada se notada nas regiões afastadas da membrana, como
ilustra a figura a seguir.
(meio externo)
Distribuição igual
Distribuição igual
(citoplasma)
Repare que no interior do neurônio, na região bem próxima à membrana, há um acúmulo de carga
elétrica negativa, mas do lado externo – também próximo à membrana – há uma concentração de carga
elétrica positiva. Diferentemente, nas regiões afastadas da membrana, há uma distribuição equilibrada
de cargas positivas e negativas, tanto do lado de dentro quanto de fora da célula. Por essa razão,
se usarmos um voltímetro para aferir a carga elétrica dentro e fora da célula, vamos encontrar uma
diferença de aproximadamente ‑70 mV no interior em relação ao exterior, apenas quando posicionamos
os terminais nas regiões bem próximas à membrana da célula. No entanto, se afastarmos os terminais
da membrana, essa diferença tenderá a desaparecer.
50
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Voltímetro Microeletrodos
Axônio
Neurônio
Potencial da membrana
em repouso
Quando o neurônio está em repouso (‑70 mV) dizemos que a célula está polarizada. Quando o
neurônio está ativo (transportando PA) o interior da célula fica aproximadamente 30 mV positivo
em relação ao exterior. Nesse caso, dizemos que a célula sofreu uma despolarização. Um PA é uma
inversão de polaridade (despolarização) que acontece em determinado trecho da membrana e que
percorre toda sua extensão, desde o local de sua geração (normalmente no cone axônico) até o
botão sináptico. Ou seja, enquanto o neurônio está em repouso, em toda a extensão da membrana,
do seu lado interno, a carga elétrica é ‑70 mV. Porém, durante a geração de um potencial de ação, o
interior fica positivo em um pequeno trecho (+30 mV), caracterizando uma inversão de polaridade.
A representação disso pode ser observada no gráfico a seguir.
30
-55 Limiar de
excitação
-70
-90
1 Tempo (ms)
51
Unidade II
Essa inversão dura apenas 1 milissegundo (para que se tenha noção de quão rápido é, basta dividir 1
segundo por mil, em seguida pense em algo que se consegue realizar nesse tempo). Após essa inversão,
o trecho que sofre despolarização volta a ficar polarizado (negativo em 70 mV), e o trecho seguinte
passa a ser despolarizado. Essa inversão momentânea de polaridade (PA) e a regeneração do potencial
de repouso (repolarização) acontecem sucessivamente no sentido do corpo do neurônio em direção aos
botões sinápticos.
Neurônio em repouso
Estímulo
PA
Neurônio ativo
Estímulo
PA
Neurônio ativo
Estímulo PA
Neurônio ativo
52
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Essa é a forma que o PA se propaga ao longo do neurônio para fazer a informação chegar a
outras células.
É possível que agora o conceito de PA tenha sido compreendido e que possamos avançar. No entanto,
antes de começarmos a tratar de outro assunto, vale ressaltar o fato de que o PA é uma inversão de
polaridade, portanto, ele só pode acontecer porque, quando a célula está em repouso, encontra‑se
polarizada (a carga no seu interior é ‑70 mV). Ou seja, o PMR é a condição fundamental para a geração
de PA. Lembre‑se disso!
Lembrete
Sendo o PMR tão importante, isso nos leva a questionar: “por que existe essa diferença de cargas
dentro e fora da célula, e por que ela se modifica durante um PA?”.
Respondendo de maneira direta a primeira parte da pergunta, o que produz PMR são dois fatores:
Diferentes tipos de íons são encontrados tanto no interior como no exterior da célula. O sódio (Na+),
o potássio (K+) e o cloreto (Cl-) são encontrados tanto no citoplasma (líquido que preenche o interior
da célula) quanto na solução corporal que banha a célula externamente. No entanto, as concentrações
desses íons são diferentes em cada lado.
Quando o neurônio está em repouso, o citoplasma celular possui uma alta concentração de K+ e
aníons orgânicos (A‑), enquanto fora da célula há uma alta concentração de Na+ e Cl-. Além desses
íons, o citoplasma está cheio de A‑, que são aminoácidos e proteínas que não atravessam a membrana,
portanto, são encontrados apenas no citoplasma.
53
Unidade II
Cl- Na+
Na + Cl-
Na+ Cl-
Na+ K+
Na+ (meio externo)
K+ Cl- Na+
K+
K+ Canal
BOMBA
de
aberto Canal Canal Canal membrana
Na+/K+ de K+ de K+ de Na+ de Cl-
K+ Cl- A-
A- A-
K+ K+ A- Cl- (citoplasma)
Na+ A- K+
K +
Na +
K+ K+ A-
K + K+
Na membrana celular existem canais pelos quais os íons podem atravessar para atingir o lado oposto.
No entanto, isso não acontece a qualquer momento, porque esses canais permanecem fechados enquanto
o neurônio não é estimulado (está em repouso). Cada íon tem um canal específico pelo qual pode atravessar
a membrana. Ou seja, se os canais iônicos permanecem fechados, o íon fica do lado que está.
Quando o neurônio está em repouso, os canais de K+, Na+ e Cl- permanecem fechados, assim a
diferença na concentração de íons é mantida em cada lado. Portanto, esses canais são fundamentais
para manutenção do PMR.
Uma exceção a isso se dá em relação ao K+, que, além dos canais regulados, que precisam ser abertos
para sua passagem, possui também canais na membrana que estão abertos constantemente, os chamados
canais livres. Por isso, o K+ é o único íon que pode atravessar a membrana enquanto o neurônio está em
repouso. É por essa razão que dizemos que a membrana tem permeabilidade seletiva ao K+.
Saiba mais
Reflita e tente responder à seguinte questão: para qual lado da membrana o K+ se movimenta? São
os íons K+ que estão fora da célula que entram pelos canais livres (abertos), ou são os íons K+ que estão
dentro (no citoplasma) que saem por eles? Pois bem, são os íons K+ que estão no citoplasma que saem.
Por quê? Porque uma força os impulsiona para fora. Essa força é conhecida como força do gradiente
54
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
de concentração (FGC). A FGC tem uma direção: ela empurra o íon para o lado oposto da membrana
onde ele está mais concentrado. Então, se o íon está mais concentrado dentro, como é o caso do K+, a
FGC vai empurrá‑lo para fora. E nos casos dos íons que estão mais concentrados do lado de fora, como
são os casos do Na+ e do Cl‑, a FGC vai empurrá‑los para dentro.
Mas se o K+ pode atravessar a membrana livremente pelos canais abertos, por que os dois lados
não ficam com a mesma concentração? Isso não acontece porque os íons K+ que saem da célula são
enviados de volta para dentro por uma proteína que fica na membrana. Em razão da sua função, essa
proteína é chamada de bomba de sódio e potássio. Isso mesmo, assim como você deve ter intuído, ela
também bombeia os íons Na+ para fora, quando eles entram na célula. Quando isso acontece? Vamos
estudar isso adiante, por enquanto, podemos adiantar que isso é possível apenas se algum estímulo
promover a abertura dos canais de Na+.
A princípio, analisaremos um pouco mais sobre a saída do K+ da célula. Essa saída tem consequências
importantes para a criação do PMR e para a geração do PA. Para você entendê‑las, vamos nos atentar
para o fato de que o K+ tem carga elétrica positiva (percebeu o sinal “+” na frente do K?).
Lembra‑se que cargas elétricas iguais se repelem, mas que cargas diferentes se atraem? Ou seja,
carga negativa repele carga negativa, da mesma forma acontece entre cargas positivas. No entanto,
carga positiva atrai carga negativa. Pois então, quando o K+ (que tem carga positiva) sai da célula, ele
arrasta atrás de si uma nuvem de íons com cargas elétricas negativas. Como esses íons (negativos) não
conseguem atravessar a membrana, ficam depositados bem próximos a ela, do lado interno. Por sua vez,
isso provoca a atração e o acúmulo de íons com cargas elétricas positivas no lado de fora da membrana,
também bem próximo a ela. O resultado é o acúmulo de cargas diferentes em ambos os lados da
membrana, que resulta no PMR.
Perceba que a diferença na concentração de um tipo de íon dentro e fora da célula cria a FGC. A maior
concentração de K+ dentro da célula gera a força que o impulsiona para fora da célula. O movimento
livre deste elemento para fora produz as diferenças de cargas no interior e exterior da membrana, o que
cria o PRM (carga de ‑70 mV no interior do neurônio em repouso).
Além da força do gradiente de concentração, existe uma outra força que atua sobre os íons e determina
a velocidade e o sentido (para dentro ou para fora) que eles se deslocam através da membrana celular.
Estamos nos referindo à força da carga elétrica (FCE). Em alguns parágrafos precedentes relembramos
que cargas iguais se repelem e que cargas diferentes se atraem. Pois bem, atente para o fato que o interior
celular tem predominância de carga negativa e o exterior, de cargas positivas quando o neurônio está em
repouso. Então, íons com carga elétrica negativa (Cl‑) são impelidos para fora pela FCE, enquanto íons com
carga elétrica positiva são atraídos para dentro (K+ e Na+) por ação da mesma força.
Agora vamos refletir o que acontece particularmente no caso do íon K+, que tem carga elétrica
positiva. A FCE empurra o K+ para dentro da célula, porque no interior dela predominam cargas negativas.
Simultaneamente, a FGC o empurra para fora, porque esse íon está mais concentrado no citoplasma.
55
Unidade II
Ou seja, no caso do K+, uma força atua contra a outra, como os membros de equipes oponentes em uma
brincadeira de cabo de guerra.
Lembremos que quando a célula está em repouso, o K+ sai da célula pelos canais abertos. Se essas
forças agem uma contra a outra e ainda assim o K+ sai da célula, isso significa que a FGC (que o impele
para fora) é maior que a FCE (que o atrai para o interior). Se pensamos na analogia do cabo de guerra,
nessa brincadeira a corda corre para o lado de quem tem mais força, não é?
Para melhor compreensão, formulemos outro exemplo: imagine uma situação que provocasse
a saída contínua de K+ da célula. Isso faria com que a FGC, que empurra o K+ para fora, diminuísse
progressivamente, porque sua concentração no interior iria diminuir. Então, à medida que o
potássio saísse, a velocidade de sua saída reduziria. A diminuição continuada da concentração do
K+, decorrente de sua saída, iria fazer com que, num determinado momento, a FGC ficasse igual a
FCE, e com isso, a saída de potássio fosse interrompida.
Nós usamos como exemplo o K+ para descrever as ações combinadas da FGC e da FCE sobre os íons.
Obviamente (e você já deve ter imaginado) que o efeito dessas forças sobre o Na+ e sobre o Cl‑ tem
consequências diferentes, porque o Cl‑ tem carga elétrica diferente do K+ e está mais concentrado fora
da célula, o mesmo ocorre no caso do Na+, pois também está mais concentrado fora da célula.
Portanto, a FGC e a FCE podem modificar a maneira como os íons se deslocam através da membrana.
E isso tem grande importância quando a célula está em repouso (para manter o PMR), mas também tem
grande relevância durante a geração de um PA.
Até aqui falamos da movimentação do K+ através dos canais abertos (canais livres). No próximo
tópico vamos tratar da movimentação dos íons pelos canais regulados.
Além da passagem do K+ pelos canais livres, o próprio K+, bem como os demais íons, podem atravessar
a membrana quando os chamados canais regulados (que estão constantemente fechados) são abertos.
A abertura dos canais regulados se dá pela ação de um agente químico (um neurotransmissor) ou
físico (pressão, alongamento, temperatura etc.). Quando isso acontece, a concentração de íons dentro
e fora da célula se modifica, podendo deixar o interior da célula mais negativo, menos negativo, ou até
positivo. Vamos analisar o que precisa acontecer para que essas modificações sejam realizadas.
56
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Já sabemos que o K+ tende a sair da célula através dos canais abertos enquanto a célula está em
repouso. Portanto, se os canais regulados de K+ forem abertos, uma quantidade muito maior desse íon
deixará a célula. Nesse caso, a bomba de Na+/K+ (leia‑se: bomba de sódio e potássio) não conseguirá
compensar a saída do K+. Como consequência, a saída em massa do K+ modificará a carga elétrica
interna da membrana. Como o K+ tem carga elétrica positiva, sua saída tornará o citoplasma, que tem
carga elétrica de ‑70 mV (quando está em repouso), ainda mais negativo. Por exemplo, a saída de uma
determinada quantidade de K+ poderia tornar o citoplasma negativo em mais 10 mV, ou seja, tornando
sua carga ‑80 mV. Quando isso acontece, dizemos que a célula sofreu uma hiperpolarização.
Agora vamos analisar o caso do Cl‑. Ao contrário do K+, esse íon tem carga elétrica negativa e está
mais concentrado fora da célula (quando o neurônio está em repouso). Quando os canais de Cl‑ são
abertos, ele entra na célula. Porém, sua velocidade de entrada não é muito grande, porque a força
elétrica empurra esse íon para fora. Ou seja, assim como acontece com o K+, as FGC e FCE agem em
sentidos opostos, evitando que o Cl‑ se desloque com grande velocidade para o lado oposto da membrana
onde se encontra (para o citoplasma). Consequentemente, a entrada do Cl‑ na célula não provocará
uma alteração muito grande na carga interna da membrana, mas, tal como acontece com a saída do
K+, permitirá a entrada desse íon em quantidades suficientes para tornar o citoplasma mais negativo
(já que o Cl‑ tem carga negativa). Ou seja, a abertura de canais de K+ ou de canais de Cl‑ provocam a
hiperpolarização da membrana (tornam o interior da célula mais negativo).
Faltou analisarmos o que acontece no caso da abertura de canais de Na+. A abertura dos canais de
Na+ é muito interessante, porque tem algumas particularidades em relação à abertura do demais canais
que analisamos.
Observe: o Na+ tem carga elétrica positiva e está mais concentrado fora da célula. Portanto, a FGC
do Na+ o impele para dentro e a FCE no interior da membrana o atrai. Ou seja, diferente do que acontece
com o K+ e com o Cl‑, a duas forças agem a favor do sódio, agindo no mesmo sentido, empurrando o
Na+ para dentro da célula!
Uma pequena entrada de Na+ na célula torna o citoplasma celular menos negativo. Quando isso
ocorre, dizemos que a célula sofreu uma despolarização. Por exemplo, a entrada de uma pequena
quantidade de Na+ pode despolarizar a célula em 10 mV, o que faria com que a carga no interior da
célula passasse de ‑70 mV para ‑60 mV (repare que a consequência é oposta à da abertura dos canais
de K+ e Cl‑).
Agora vamos refletir juntos: e se a abertura dos canais de Na+ for mantida por um grande período,
o que ocorrerá? Pois bem, se isso acontecer, a entrada de Na+ na célula será tão grande que esta ficará
inundada com carga positiva. Consequentemente, isso provocará uma inversão na carga interna da célula.
Ou seja, é a entrada do Na+ na célula que causa o potencial de ação (PA). Um PA é uma despolarização
suficiente para tornar a carga elétrica do citoplasma positiva. Ele acontece apenas quando são abertos
canais de Na+. Mas perceba que nem sempre a abertura de canais desse elemento provoca um PA.
A geração de um PA depende da quantidade de Na+ que entra na célula, o que, por sua vez,
depende do tempo que esses canais ficam abertos. Uma abertura breve permite a entrada de uma
57
Unidade II
pequena quantidade de sódio, que pode ser insuficiente para tornar a carga do citoplasma positiva,
porém a tornará menos negativa, por exemplo, modificando‑a de ‑70 mV para ‑60 mV. Essa situação
reflete uma despolarização de apenas 10 mV, que não induziu um PA. Para que ocorra tal potencial,
a célula deve sofrer uma despolarização mínima de 15 mV. Essa despolarização mínima é chamada
de limiar de excitação. Se uma despolarização dessa magnitude ocorre quando a célula está em
repouso, a carga no citoplasma passa de ‑70 mV para ‑55 mV. Nesse caso, os canais de Na+ não são
fechados até que a entrada de sódio torne o citoplasma positivo em 30 mV. Isso acontece porque
essa despolarização de 15 mV promove um fluxo de corrente que induz a abertura de mais canais
de Na+ sensíveis à voltagem.
Para simplificar: a abertura de uma quantidade de canais de sódio, suficiente para levar o potencial
elétrico no citoplasma de ‑70 mV para ‑55 mV, promove a abertura de mais canais de Na+. Essa abertura
adicional permitirá a entrada de Na+ em grande velocidade, que somente será interrompida quando a
concentração de Na+ na célula for tão grande que torne o citoplasma com carga elétrica de 30 mV.
Saída d
de N
0
ada
eK
Entr
Limiar de
-55 excitação
PMR
-70
1 Tempo (ms)
Portanto, a ocorrência de PA envolve a abertura de canais de Na+ seguida pela abertura de canais
de K+. A entrada de Na+ torna o citoplasma temporariamente positivo em 30 mV, o que vai durar até
58
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
que grande quantidade de K+ saia da célula, tornando o citoplasma novamente negativo. Aqui é preciso
fazermos duas observações:
• A saída do K+ faz com que o citoplasma fique com carga de ‑90 mV (mais baixa que o PMR).
• Ao término de um PA, a concentração de Na+ e K+ dentro e fora da célula fica invertida em relação
à que existe quando a célula está em repouso (nesse momento o Na+ estará mais concentrado
dentro e o K+ fora).
Essas duas situações impedem temporariamente a geração de um novo PA. Por isso, a bomba
de Na+/K+ entra em ação para “colocar ordem na casa”. Ela vai bombear o Na+ para fora e o K+ para
dentro, até que suas concentrações voltem a ficar iguais às que produzem o PMR.
Os eventos que acabamos de descrever explicam como a célula é excitada a fim de que gere um PA,
ou seja, o que provoca a sua despolarização. No entanto, há situações em que as células precisam ser
impedidas/inibidas de gerar o potencial de ação. Para isso acontecer, as células devem ser hiperpolarizadas.
Lembre‑se de que uma hiperpolarização ocorre quando um estímulo promove a abertura de canais
de potássio ou cloreto. Estando a célula em repouso, a abertura de canais de K+ faz com que esse íon
saia da célula, o que tornará o meio interno mais negativo (por exemplo: ‑80 mV). Da mesma maneira, a
abertura de canais de Cl‑ fará que esse íon, que está mais concentrado fora da célula, entre no citoplasma
e o torne ainda mais negativo (não se esqueça que ele é negativo!). Portanto, tanto a abertura de canais
de K+ quanto a de canais de Cl‑ promovem a hiperpolarização, o que torna mais difícil a ocorrência do
potencial de ação, pois a carga elétrica da célula fica mais longe do limiar de excitação. Por exemplo,
quando a célula está hiperpolarizada em ‑80 mV, passa a ser necessária uma despolarização de 25 mV
para que o limiar de excitação seja atingido e a célula gere um PA (‑80 mV + 25 mV = ‑55mV).
Como veremos mais adiante, é possível que um neurônio faça sinapse com apenas um outro
neurônio, mas é bastante comum que essa comunicação aconteça simultaneamente com centenas de
outras células. Da mesma forma, pode ser que um neurônio receba apenas entrada excitatória por parte
de outros neurônios, mas é ainda possível que ele receba entradas excitatórias e inibitórias ao mesmo
tempo. Ou seja, um neurônio pode ser excitado (ter sua membrana despolarizada) por algumas células
e inibido (ter sua membrana hiperpolarizada) por outras ao mesmo tempo. Quando isso acontece, a
integração desses sinais irá determinar se a célula gera ou não o PA.
59
Unidade II
Lembrete
Existem diferentes tipos de neurônios. Assim como acontece com as células da glia, os neurônios
também são diferenciados conforme sua função. No entanto, eles também apresentam características
comuns. O neurônio é composto por duas estruturas básicas: o corpo celular e seus prolongamentos,
que são os dendritos e o axônio.
Na figura a seguir são ilustrados os diferentes tipos de neurônios. Uma observação importante a
ser feita em relação à essa figura é que os neurônios são representados com o mesmo tamanho, mas
na realidade há uma grande variação no tamanho dessas células. Como uma análise mais atenta dessa
figura sugere, os neurônios possuem diferenças importantes em sua anatomia.
Em relação ao seu corpo, os neurônios no sistema nervoso podem apresentar uma variação média de
10‑25 mícrons de espessura. Da mesma forma, os axônios dos neurônios no sistema nervoso periférico
podem ser muito pequenos e medir apenas alguns poucos mícrons, enquanto outros chegam a medir
mais de um metro.
Além do tamanho, existem outras diferenças anatômicas importantes entre os neurônios. Essas
diferenças estão relacionadas à sua localização no sistema nervoso e às funções que desempenham.
Essas distinções fizeram com que cientistas propusessem diversos sistemas de classificação dos
neurônios. Esses sistemas os categorizam de acordo com suas características funcionais, sua estrutura e
localização no sistema nervoso.
Essa classificação é a mais simples e a que utilizaremos com mais frequência ao longo deste
livro‑texto. Assim, as demais categorizações devem ser vistas apenas como uma complementação da
informação sobre esse assunto.
De acordo com a função que desempenham, os neurônios são de três tipos: neurônios sensoriais,
motores e interneurônios.
60
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Sinal condutor
Condutor (potencial de ação)
Neurônios sensoriais
Essas células também podem ser chamadas de fibras ou neurônios aferentes. São responsáveis por
transmitir informações dos tecidos e órgãos para o sistema nervoso central. São as células que permitem
o SNC saber o que está acontecendo com os meios externo (ambiente ao nosso redor) e interno (órgãos,
vísceras etc.).
Neurônios motores
Também denominadas fibras ou neurônios eferentes, são as células que transmitem os comandos do
sistema nervoso central para células ou órgãos efetores. Através das células motoras (que também são
conhecidas como motoneurônios), o SNC interfere no funcionamento dos órgãos e sistemas, bem como
se relaciona com o meio ambiente.
Observação
Interneurônios
São células que intermediam a comunicação de dois outros neurônios dentro de regiões específicas
no sistema nervoso central. Um interneurônio pode ser de dos tipos: excitatório (+) ou inibitório (‑).
Um interneurônio excitatório libera neurotransmissores que normalmente promovem a abertura de
canais de sódio. Portanto, promovem despolarização nas membranas das células que se comunicam.
Um interneurônio inibitório libera um neurotransmissor que provoca a abertura de canais de cloreto ou
potássio na membrana das células pós‑sinápticas, logo, promovem hiperpolarização nesses neurônios.
61
Unidade II
Os interneurônios podem ainda ser categorizados como: de projeção e locais. Os interneurônios de projeção
são responsáveis por propagar o sinal a regiões distantes na medula, normalmente se projetam verticalmente
dentro dela. Os interneurônios locais são fundamentais nos processos de coordenação dos movimentos.
O interneurônio local tem alguns poucos mícrons de comprimento e se localiza na medula espinhal,
intermediando a comunicação entre um neurônio sensorial e um motor, ou entre neurônios provenientes
dos centros superiores encefálicos e neurônios motores inferiores. Algumas vezes essa intermediação é feita
por dois ou três interneurônios dispostos em sequência, combinando interneurônios excitatórios e inibitórios.
Neurônio Neurônio
sensorial (+) sensorial (+)
Interneurônio
inibitório Interneurônio
(-) excitatório (+)
Interneurônio
inibitório (-)
Neurônio
motor (+)
Neurônio
motor (+)
Interneurônio Interneurônio
Neurônio inibitório (-) inibitório (+)
motor (+)
Neurônio Neurônio
motor (+) motor (+)
62
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
• Células anaxônicas: nesses neurônios o axônio não pode ser diferenciado dos dendritos.
Esses neurônios, além de se diferenciarem em relação à localização em que são encontrados, também
têm diferentes formas. São exemplos desse caso:
• Células em cesto: são interneurônios que formam um plexo denso de terminais ao redor do soma
de uma célula-alvo (encontradas no córtex e no cerebelo).
• Células piramidais de Betz: elas se destacam por terem axônios muito longos que podem atingir
mais de um metro de comprimento, viajando desde o hemisfério cerebral para fazer sinapse nos
neurônios multipolares da região lombo‑sacra da medula espinal.
• Neurônios espinhosos médios: compreendem a maioria dos neurônios encontrados no corpo estriado.
• Células piramidais: esses neurônios recebem esse nome porque têm o corpo celular com
formato triangular.
• Células de Renshaw: são neurônios em que ambas as terminações se comunicam com um neurônio
motor alfa.
• Células unipolares em escova: são interneurônios com um único dendrito, com terminação com
formato de tufo, semelhante a uma escova.
63
Unidade II
• Células com formato de fuso: interneurônios que conectam áreas amplamente separadas
do cérebro.
Observação
6.2.7 As sinapses
O neurônio é considerado a unidade básica do sistema nervoso, em razão de sua capacidade de gerar
sinais pelos quais o sistema nervoso consegue se comunicar com outras células do corpo. No entanto,
um neurônio não faz nada sozinho. É a comunicação entre neurônios, bem como entre estes e músculos,
glândulas e órgãos, que faz nosso cérebro funcionar. A comunicação entre dois neurônios ou entre um
neurônio e um músculo é conhecida como sinapse. No entanto, alguns autores preferem diferenciar
essas comunicações denominando as que ocorrem entre dois ou mais neurônios de sinapse e as que
ocorrem entre um neurônio e um músculo de junção neuromuscular ou junção mioneural.
Nas sinapses propriamente ditas (entre neurônios), pelo menos duas células se comunicam. O neurônio
que envia a mensagem é chamado de célula pré‑sináptica e o que recebe, de célula pós‑sináptica.
Nessa forma de classificação, as sinapses podem ser chamadas de elétricas ou químicas. Essas
sinapses se diferenciam por sua morfologia e pela maneira que o sinal é propagado de uma célula
para outra.
64
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Sinal
elétrico
Junção Sinal
comunicante Neurotransmissor
químico
Receptor
Neurônio Neurônio
pós-sináptico Sinal pós-sináptico
elétrico
Sinapse elétrica Sinapse química
Veja que há uma diferença na estrutura desses dois tipos de sinapses. Essas distinções explicam o
modo de funcionamento de cada uma delas.
• As junções comunicantes.
Repare que nas sinapses elétricas não há espaço entre as células. Nesse tipo de sinapse, as células
estão praticamente coladas e existe uma abertura, como uma espécie de canal, que une as membranas
das duas células. Esses canais são denominados junções comunicantes, pois funcionam como pontes
entre os citoplasmas das duas células. Assim, o sinal elétrico é transmitido diretamente de uma membrana
(da célula pré‑sináptica) para a outra (na célula pós‑sináptica), sem precisar do auxílio de mediadores.
Essa é a sinapse utilizada pelo músculo cardíaco, por exemplo. As sinapses elétricas são mais rápidas
que as químicas. No coração, graças à transmissão pelos canais comunicantes, as células cardíacas se
contraem ao mesmo tempo, de modo ritmado.
65
Unidade II
Outra característica das sinapses elétricas é que o fluxo de corrente é bidirecional. Isso significa que
o sinal pode ser transmitido tanto da célula A para a célula B quanto no sentido contrário.
No entanto, o segundo tipo (sinapses químicas) é o mais comum de comunicação em nosso organismo.
Nesse tipo de sinapse, não existe contato entre as duas células que se comunicam. A sinalização entre
as células acontece por intermédio de uma substância química que o neurônio pré‑sináptico libera na
fenda sináptica (espaço entre as duas células). Essa substância, denominada neurotransmissor, funciona
como um mensageiro que leva a mensagem da célula pré‑sináptica à pós‑sináptica.
Portanto, enquanto nas sinapses elétricas o sinal elétrico é propagado diretamente da célula
pré‑sináptica à pós‑sináptica, na sinapse química o sinal elétrico enviado pela célula pré‑sináptica deve
produzir o sinal químico, que estimulará a geração de um sinal elétrico na célula pós‑sináptica. Em razão
da complexidade desse processo, as sinapses químicas são mais lentas que as elétricas.
Observação
O evento que dá início ao sinal químico é a chegada do PA (sinal elétrico) nos terminais axônicos
da célula pré‑sináptica. O PA promove a abertura de canais de Ca2+ sensíveis à voltagem (também
chamados de canais voltagem‑dependentes) existentes na membrana da célula pré‑sináptica, o que
permite a entrada de Ca2+ nessa célula. Isso provoca a aproximação das vesículas, que armazenam a
substância neurotransmissora para a região da dita zona ativa.
Normalmente, esses receptores estão localizados em canais de cálcio (Ca2+), cloreto (Cl‑), ou
potássio (K+). Dependendo de qual tipo de canal o neurotransmissor se fixar e abrir, isso irá
produzir a excitação ou a inibição na célula que recebe a substância/sinal.
66
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Terminal axônico do
neurônio pré-sináptico
Vesícula sináptica
Fenda sináptica
Neurotransmissor
Canal receptor
na célula pós-
Neurônio pós-sináptica sináptica
Essa forma de classificação pode ser observada apenas em sinapses químicas. Portanto,
considera o local, na célula pós‑sináptica, onde a célula pré‑sináptica irá liberar a substância
neurotransmissora. De acordo com essa classificação, as sinapses podem ser de três tipos:
67
Unidade II
Sinapse sobre a
espícula
Dendrito Sinapse sobre a
haste
Axônio
Nas sinapses inibitórias o neurotransmissor liberado pela célula pré‑sináptica promove a abertura
de canais de Cl‑ ou K+ existentes na membrana da célula pós‑sináptica. A entrada de cloreto no citoplasma
da célula pós‑sináptica ou a saída do potássio irá fazer com que o citoplasma da célula fique com carga
elétrica ainda mais baixa em relação ao PRM, o que chamamos de hiperpolarização. A hiperpolarização
faz com que a célula pós‑sináptica tenha mais dificuldade de gerar um PA, portanto dizemos que isso
provoca sua inibição. Nas sinapses inibitórias o sinal local gerado na membrana da célula pós‑sináptica
é conhecido como Potencial pós‑sináptico Inibitório (PPSI).
Outro ponto importante de mencionar é que, tanto na sinapse excitatória quanto na inibitória,
a amplitude do sinal gerado (PPSE ou PPSI) dependerá da quantidade de neurotransmissor liberado
na fenda sináptica pelo neurônio pré‑sináptico. Isso significa que a amplitude desse sinal pode ser
modulada, fazendo‑o variar de 0,1 a 10 mV. Como você deve se lembrar, a geração de um PA exige uma
despolarização mínima de 15 mV, o que nos leva a compreender por que um PPSE sozinho não pode
gerar um PA. Para isso, será necessário que ocorra a reunião de vários PPSE. Sobre somação, trataremos
com mais detalhes adiante.
No início desta seção, foi mencionado que a comunicação entre a célula neural e a célula muscular
é considerada um tipo especial de sinapse, de forma que alguns autores preferem se referir a essa
comunicação como junção neuromuscular ou junção mioneural (JNM).
Nesse tipo de comunicação, um neurônio motor do tipo alfa se comunica com uma célula muscular.
Para sermos mais exatos, é importante explicar que o neurônio motor alfa não se comunica apenas
com uma célula muscular, mas com várias delas formando um conjunto, que é denominado unidade
motora (falaremos mais detidamente sobre as unidades motoras numa seção mais adiante).
Não se deve fazer confusão entre o conceito de unidade motora, que é o conjunto, e a JNM, que é
a região de comunicação entre uma ramificação do axônio da célula neural com uma célula muscular.
Vamos tentar esclarecer essa diferença analisando a figura a seguir. Note que o axônio do neurônio
motor se ramifica formando as terminações axônicas. A porção terminal da ramificação é a que faz
comunicação com a fibra muscular. Essa comunicação é a junção neuromuscular, que faz parte do
conjunto denominado unidade motora. O número de junções neuromusculares por fibra muscular pode
variar de uma até três, dependendo da função do músculo onde ela está localizada.
69
Unidade II
Neurônio motor
Junção neuromuscular
Fibra muscular
Botões da terminação
pré-sináptica
Mitocôndrias
Vesícula sináptica (ACh)
Zona ativa
Membrana pré-sináptica
Fenda sináptica
Membrana pós-sináptica
Canal de Ca2+
Membrana basal Receptores
de ACh
Prega juncional
Atente que, quando o neurônio motor se aproxima da fibra muscular ele perde sua bainha de mielina.
O terminal não mielinizado se posiciona sobre invaginações existentes na membrana da célula muscular:
as pregas juncionais. Esta região da membrana muscular é denominada placa motora e é constituída
por uma membrana muscular diferenciada que responde a estímulos químicos. No topo das pregas
juncionais existe uma grande concentração de receptores para a acetilcolina, que é o neurotransmissor
usado nesse tipo de comunicação.
Quando o potencial de ação chega ao terminal da célula neural, o cálcio, que está na fenda entre as
duas células (também chamada de fenda sináptica), é atraído para o interior do neurônio. Essa entrada
de cálcio no neurônio acontece pelos canais de cálcio voltagem‑dependentes e promove a aproximação
das vesículas, que contêm o neurotransmissor acetilcolina, da chamada zona ativa. Nela, as vesículas
despejam a acetilcolina que irá extravasar para fora da célula neural, sobre as pregas juncionais.
70
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Em seguida, movida por atração química, a acetilcolina se fixa nos seus receptores existentes na
célula muscular. Essa fixação promove a abertura de canais de sódio na célula muscular, promovendo
sua despolarização. Essa despolarização gera um potencial na célula muscular, que é chamado de
potencial da placa motora. A amplitude desse potencial é extraordinariamente grande: um único
motoneurônio produz um potencial de cerca de 70 mV. Essa alteração do potencial é geralmente
suficiente para gerar um PA na célula muscular. Em contraste, você deve se recordar que nas células
neurais os PPSE normalmente têm menos de 1mV de amplitude, de maneira que é necessária a entrada
de vários neurônios pré‑sinápticos (somação) para atingir a despolarização mínima de 15 mV, necessária
para gerar um PA na célula pós‑sináptica. Portanto, a JNM é muito mais eficiente que a sinapse.
Após a despolarização da placa motora, o PA gerado na célula muscular desencadeia uma sequência
de eventos químicos que irão estimular a geração de tensão pelas fibras musculares.
Saiba mais
Note que existem importantes diferenças entre as sinapses e a junção neuromuscular. A primeira
delas é que na JNM uma célula muscular recebe comunicação de um único neurônio, enquanto na
sinapse um neurônio pode receber ao mesmo tempo comunicação de centenas de outros neurônios.
Outra diferença é que as sinapses podem ser excitatórias ou inibitórias, enquanto na JNM o neurônio
motor sempre excita a célula muscular. Como veremos mais adiante, a capacidade de induzir excitação
(estimular a geração de um PA) ou inibição (dificultar a geração de um PA) está relacionada com o tipo
de neurotransmissor liberado pela célula neural e com o canal receptor existente na célula com a qual
esse neurônio se comunica.
No caso das sinapses, as células pré‑sinápticas podem liberar diferentes tipos de substâncias
neurotransmissoras, mas na JNM o neurotransmissor liberado pelo neurônio motor alfa é sempre a
acetilcolina (ACh), e o receptor existente na célula muscular é sempre do tipo nicotínico colinérgico.
Ao longo das últimas seções, tratamos diversas vezes a respeito dos neurotransmissores, o que nos
faz perceber que eles têm importância fundamental na comunicação neural. Assim, vamos analisar um
pouco melhor o que são essas substâncias.
71
Unidade II
De uma maneira simples, podemos definir um neurotransmissor como uma substância química que
é liberada numa sinapse por um neurônio e que afeta uma outra célula, podendo ser outro neurônio ou
um órgão efetor (por exemplo, um músculo ou uma glândula).
Diferentes tipos de células secretam distintos neurotransmissores. Cada substância química cerebral
funciona em áreas bastante espalhadas, mas muito específicas do cérebro e podem ter efeitos diferentes
dependendo do local de ativação. Eles podem ser categorizados como neurotransmissores de ação
rápida (moléculas pequenas) ou neurotransmissores de ação lenta (neuropeptídios).
Existem cerca de sessenta neurotransmissores, que podem ainda ser classificados em uma das quatro
categorias seguintes:
• Grupo dos aminoácidos: o glutamato e o aspartato são transmissores excitatórios muito conhecidos,
enquanto que o ácido gama‑aminobutírico (GABA), a glicina e a taurina são neurotransmissores inibidores.
• Grupo dos neuropeptídeos: esses são formados por cadeias mais longas de aminoácidos (como
uma pequena molécula de proteína). Sabe‑se que mais de cinquenta deles ocorrem no cérebro e
muitos deles têm sido implicados na modulação ou na transmissão de informação neural.
Dopamina
Controla níveis de estimulação e controle motor em muitas partes do cérebro. Quando os níveis estão
extremamente baixos na doença de Parkinson, por exemplo, os pacientes são incapazes de se mover
voluntariamente. Presume‑se que o LSD e outras drogas alucinógenas ajam no sistema da dopamina.
Serotonina
Esse é o neurotransmissor que é incrementado por muitos antidepressivos, por isso é conhecido como
o “neurotransmissor do bem‑estar”. Tem um profundo efeito no humor, na ansiedade e na agressão.
Acetilcolina (ACh)
Uma doença conhecida como miastenia grave é caracterizada por fraqueza e fadiga muscular e
ocorre quando o corpo produz anticorpos contra os receptores nicotínicos de acetilcolina, inibindo a
transmissão do sinal pela ACh. Com o tempo, a placa motora é destruída, o que compromete ainda mais
a ativação dos músculos.
Noradrenalina
É uma substância que induz a excitação física e mental, além de promover o bom humor. A produção
é centrada na área do cérebro chamada de locus coreuleus, que é uma das muitas regiões denominadas
“centro de prazer do cérebro”. A norepinefrina é capaz de induzir alterações dos batimentos cardíacos,
da pressão arterial, e também tem efeitos metabólicos, afetando a taxa de conversão de glicogênio
(glucose) para energia, assim como traz outros benefícios físicos.
Glutamato
Encefalinas e endorfinas
Essas substâncias são opiáceos que, assim como as drogas heroína e morfina, modulam a dor,
reduzindo o estresse. Elas podem estar envolvidas nos mecanismos de dependência física. Especula‑se
que as endorfinas podem estar associadas às mudanças psicológicas positivas induzidas pelo exercício,
como a diminuição da ansiedade, depressão, e o aumento do vigor e bem‑estar.
Uma sinapse entre um neurônio sensorial e um motor, como a que ocorre no arco‑reflexo, produz
um PPSE no neurônio motor que normalmente tem amplitude menor que 1 mV, variando de 0,2 mV a
0,4 mV. Como você deve lembrar, a despolarização mínima capaz de produzir um PA deve ter amplitude
em torno de 15 mV. Assim, um PPSE isolado não é suficiente para estimular o neurônio motor a gerar
um PA nessa sinapse, a fim de propagar a informação enviada pelo neurônio sensorial. Para agravar a
situação, o PPSE é um sinal local e já sabemos que sinais locais perdem força à medida que trafegam ao
longo da membrana celular, não é mesmo? Portanto, para que o limiar de excitação seja atingido (15
mV necessários para gerar o PA), os PPSE (sinais locais) precisam ser somados.
Dois mecanismos diferentes podem acontecer para produzir esse efeito: a somação espacial e a
somação temporal.
A somação espacial se refere à integração dos sinais gerados (PPSE) por diferentes neurônios
pré‑sinápticos. Lembre‑se que um neurônio pode receber entradas (sinapses) de centenas a milhares de
neurônios. Se um grupo de neurônios descarregar seus potenciais de ação em regiões bem próximas à
membrana da célula pós‑sináptica, esses sinais poderão se somar e atingir os 15 mV necessários para
gerar um PA.
73
Unidade II
A somação temporal se refere à integração dos sinais (PPSE) gerados por uma única célula
pré‑sináptica. Nesse caso, para a somação acontecer, o intervalo entre os sinais gerados (PPSE) pela
célula pré‑sináptica deve ser o menor possível, o que terá maior probabilidade de acontecer, quanto
maior for a frequência de PA disparado pelo neurônio pré‑sináptico.
Um detalhe que precisamos lembrar é que as sinapses podem ser excitatórias (geram PPSE) ou
inibitórias (geram PPSI). Na medula, bem como nos centros superiores do SNC, cada neurônio pode
receber numerosas entradas excitatórias e inibitórias simultaneamente. Isso significa que para o neurônio
pós‑sináptico decidir se dispara ou não um PA ele precisa integrar as informações competitivas (umas
dizem para disparar um PA, outras dizem que não) oriundas de diferentes neurônios.
Nos neurônios motores e nos interneurônios, essa integração acontece na chamada zona de
gatilho. A zona de gatilho é o local da célula onde a membrana tem limiar de excitação mais baixo
(aproximadamente 15 mV). Na membrana ao longo do corpo do axônio e nos dendritos, o limiar é
de 30 mV, portanto, é muito mais difícil gerar um PA nessas regiões. Essa diferença de limiar está
relacionada à maior concentração de canais de Ca2+ voltagem‑dependentes existentes na região do
cone, em comparação com a concentração existente em outras regiões da célula. Assim, apesar da
somação acontecer em outras regiões, ela não atinge a despolarização que é exigida para gerar um PA
nesses locais, mas pode ser suficiente para dispará‑lo na região do cone.
A divisão sensorial do sistema nervoso periférico abastece, continuamente, o sistema nervoso central
com informações a respeito do mundo externo e também dos órgãos e vísceras. Essa informação é
levada ao SNC pelos aferentes sensoriais que se originam nos vasos sanguíneos e linfáticos, nos órgãos
internos, nos órgãos dos sentidos especiais (olfato, paladar, tato, audição e visão), na pele, nos músculos
e nos tendões. Esses, por sua vez, recebem tais informações de receptores sensoriais.
74
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Considerando o local onde os receptores sensoriais estão dispostos, pode‑se diferenciá‑los em:
• Proprioceptores: informam ao sistema nervoso central sobre a posição do corpo e das articulações,
sobre o grau de tensão desenvolvida nos músculos e tendões, e sobre o grau de alongamento dos
músculos antes e durante a ocorrência de movimentos. Estão localizados nos tendões, músculos,
ligamentos, nas articulações e nos tecidos conectivos que recobrem músculos e ossos. Em razão
de sua importante função, relacionada ao controle dos movimentos, falaremos com mais detalhes
desses receptores nas próximas seções.
Quando produzimos movimentos intencionais, por exemplo uma flexão do cotovelo, um comando
(uma descarga de potenciais de ação) é enviado a partir da área motora, localizada no encéfalo, para
o músculo (nesse caso, o bíceps braquial) “ordenando” que ele gere tensão e tracione o antebraço em
direção ao braço. Na verdade, para que isso aconteça, a tensão produzida pelo músculo deverá ser
suficiente para superar a carga que se pretende levantar.
Um músculo é um órgão e, como tal, é composto por centenas a milhares de células. Devido ao seu
formato, as células musculares são chamadas de fibras. Quanto maior o número de fibras musculares
ativadas, maior a tensão produzida e, portanto, maior a chance de movimentarmos um objeto, quando
temos a intenção de fazê‑lo. Nesse ponto, é preciso esclarecer que nós não ativamos fibras musculares
individuais, mas, em vez disso, unidades motoras. Vamos elucidar o que são as unidades motoras.
75
Unidade II
Uma unidade motora (UM) é o conjunto formado por um neurônio motor alfa (α) e o grupo de
fibras musculares que ele inerva. A quantidade de fibras musculares existentes em um músculo varia
dependendo do tamanho desse músculo. Músculos pequenos têm algumas centenas de fibras musculares,
enquanto os grandes têm milhares. Também são variáveis o número e o tamanho das unidades motoras
existentes nesse órgão. Ou seja, quanto maior o músculo, maior o número total de unidades motoras
que ele possui; e maior é o tamanho médio das suas unidades motoras.
Em músculos pequenos, que são responsáveis por movimentos finos, como os músculos das mãos
ou os oculares, um neurônio motor inerva algumas poucas dezenas de fibras musculares. Por outro lado,
em músculos grandes, envolvidos em tarefas que exigem muita força, como o quadríceps femoral ou os
gastrocnêmicos, um motoneurônio pode inervar de centenas a milhares de fibras.
Neurônios
motores alfa
Medula espinhal
Fibras musculares
Para nos referirmos à quantidade de fibras musculares que um neurônio inerva, usamos o termo:
razão de inervação. Desse modo, dizer que uma unidade motora tem razão de inervação de 1:10, 1:200
ou 1:1.500 (lê‑se um para dez, um para duzentas, um para mil e quinhentas) significa que um neurônio
motor alfa inerva 10, 200 ou 1.500 fibras musculares, respectivamente. Logicamente, as unidades
motoras com maior razão de inervação produzem maior nível de tensão.
Observação
76
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
todas elas sejam excitadas. Ou seja, as fibras pertencentes à mesma unidade motora atuam juntas
no desenvolvimento de tensão. Por isso, o conjunto formado pelo neurônio motor e as fibras por ele
inervadas recebem o nome de unidade motora. Essa comunicação (junção neuromuscular) entre a fibra
neural e a muscular é muito eficiente: um PA enviado pelo motoneurônio sempre induz um PA nas fibras
musculares componentes da UM.
Quando precisamos aumentar ou diminuir a força produzida por um músculo, fazemos isso
modificando a quantidade de unidades motoras ativadas, e não por fibras musculares individuais.
Outro aspecto curioso é que as fibras musculares pertencentes à mesma unidade motora são do
mesmo tipo. As fibras musculares podem ser classificadas em tipo I – as lentas –, e em tipo II – as rápidas.
As fibras musculares rápidas são classificadas em subtipos IIA e IIB/X. Assim, uma unidade motora é
composta exclusivamente por fibras tipo I, IIA ou IIB/X. No entanto, o nome que se dá às unidades
motoras não é o mesmo designado às fibras, embora estejam relacionados.
Uma unidade motora composta por fibras tipo I é chamada de unidade motora lenta e resistente
à fadiga (LRF). Aquelas compostas por fibras rápidas IIA são chamadas de unidades motoras rápidas e
resistentes à fadiga (RRF). Enquanto as formadas por fibras IIB/X são denominadas unidades motoras
rápidas fadigáveis (RF).
Os motoneurônios das unidades motores LRF possuem corpos celulares pequenos e inervam de
dezenas a centenas de fibras. Por outro lado, são grandes os corpos celulares dos motoneurônios de
uma unidade motora rápida, e eles inervam de centenas a milhares de fibras musculares. Portanto,
normalmente, uma unidade motora LRF produzirá menos tensão que a produzida pelas unidades
motoras RRF e RF.
Como já mencionamos, um músculo é composto por centenas a milhares de UM. Assim, quando
temos intenção de produzir a nossa força máxima num determinado movimento, precisamos ativar
a maior quantidade possível de unidades motoras que compõem o músculo ou grupo de músculos
envolvidos nesse movimento. Você deve estar me corrigindo agora, dizendo: “na verdade, precisamos
ativar todas as unidades motoras desses músculos, se queremos produzir nossa força máxima”. Acontece
que, em um esforço voluntário, é muito raro que sejamos capazes de ativar todas as unidades motoras
de um músculo. Isso é possível em músculos pequenos, mas não em músculos grandes. Neles, sempre
permanecem algumas unidades motoras que não são ativadas, apesar de nossa intenção de fazer
um esforço máximo. As unidades motoras que não são ativadas voluntariamente são consideradas
pertencentes à reserva de ativação.
Indivíduos destreinados têm reserva de ativação maior que indivíduos treinados. Ou seja, o
treinamento reduz nossa reserva de ativação, o que nos permite dizer que o treinamento nos habilita a
ativar um número maior de unidades motoras num esforço voluntário. De maneira inversa, a inatividade
e a imobilidade fazem aumentar nossa reserva de ativação, o que explica por que uma pessoa nessas
condições tem diminuída sua capacidade de produzir força.
77
Unidade II
As unidades motoras que não conseguimos ativar voluntariamente (as da reserva de ativação) têm
limiar de excitação mais alto, ou seja, é mais difícil despolarizar as membranas dos seus motoneurônios.
Curiosamente, o calibre médio desses motoneurônios é menor que o dos motoneurônios que conseguimos
ativar voluntariamente.
Repare que isso explica nossa limitação para realizarmos esforços máximos, mas não responde
como graduamos nossa força para praticarmos esforços submáximos de diferentes intensidades. Por
exemplo, como fazemos para produzir força suficiente para levantar um halter de 1 kg ou para, em
outro momento, levantarmos um halter com massa superior? A resposta é simples: modulamos a força
muscular que produzimos através de dois mecanismos: modificando a quantidade de unidades motoras
ativadas; e alterando a frequência de ativação das unidades motoras.
Estrategicamente, a ativação das unidades motoras não acontece de maneira aleatória, mas obedece
uma ordenação, seguindo um padrão. Esse padrão é denominado princípio do tamanho. De acordo com
esse princípio, as unidades motoras são ativadas seguindo uma ordem, que se inicia das menores para
as maiores. De maneira geral, o tamanho médio das unidades motoras lentas é menor que o das rápidas.
Sendo que, entre as rápidas, as resistentes à fadiga (compostas por fibras IIA) têm tamanho médio menor
que as rápidas fadigáveis (compostas por fibras IIB/X). De acordo com isso, entre as unidades motoras de
diferentes tipos, primeiro são ativadas as LRF, depois as RRF, e por último são incorporadas ao trabalho
as RF. Atenção! Isso não quer dizer que ativamos todas as LRF para depois começarmos a ativar as RRF.
Normalmente as lentas são menores que as rápidas, mas as unidades motoras do mesmo tipo
não têm o mesmo tamanho. Assim, primeiro são ativadas as LRF menores e, havendo necessidade de
aumentar a tensão, as LRF maiores são ativadas. Isso vai acontecendo por ordem de tamanho até que as
próximas unidades a serem ativadas sejam as RRF.
Imaginemos a seguinte situação: alguém solicita que você faça uma flexão de cotovelo com três
cargas diferentes. Primeiro, com um halter de 2 kg, depois com um de 5 kg e, por fim, com um de 7kg.
Para você conseguir levantar esses pesos, precisará produzir diferentes níveis de tensão muscular. Claro
que isso vai exigir que você ative diferentes quantidades de unidades motoras em cada situação. Para
movimentar o halter de 2 kg, por exemplo, vai precisar ativar algumas poucas unidades motoras.
De acordo com o princípio do tamanho, nesse caso, uma determinada quantidade de unidades
motoras LRF será ativada. Para movimentar as cargas maiores, precisará ativar unidades motoras
adicionais, obviamente, maiores que as previamente ativadas.
No caso da tentativa de levantar o halter de 5 kg, muito possivelmente, além de novas unidades
motoras LRF, também poderiam ser ativadas algumas RRF. Por fim, na tentativa de levantar o halter
de 7 kg, você precisará ativar um número extra de unidades motoras RRF, além daquelas que já
haviam sido ativadas ao levantar 5 kg. Além disso, possivelmente, você passaria a ativar algumas
78
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
unidades motoras RF. E se ousasse tentar levantar uma carga maior, mais unidades motoras RF
seriam ativadas, além das previamente acionadas ao levantar os 7 kg.
Você certamente já teve uma experiência como a descrita se alguma vez praticou um treinamento
com pesos, a exemplo da musculação. Talvez você se lembre que quando o exercício era feito com cargas
altas, era possível realizar poucos movimentos, não é verdade? No entanto, com cargas menores fazia um
número grande de repetições. Já sabe qual é a razão? Fazer exercícios com cargas altas exige a ativação
das unidades motoras RF e, devido à natureza delas, após realizar algumas poucas repetições elas se
fadigam, e a tensão muscular produzida diminui. Por isso, não é possível realizar mais movimentos, já
que a tensão total produzida será menor que a necessária para levantar a carga.
Por outro lado, quando nos exercitamos com cargas baixas, a tensão muscular exigida é pequena,
então apenas unidades motoras LRF serão ativadas. Como elas são resistentes à fadiga, continuarão
trabalhando por muito tempo até que tenham diminuída sua capacidade de gerar tensão, o que permitirá
efetuarmos um número elevado de repetições.
Vamos elucidar um pouco mais. Quando uma UM é ativada, ela desenvolve um grau de tensão.
A magnitude da tensão desenvolvida não é sempre a mesma. Ela pode variar dependendo da frequência
de PA que o motoneurônio descarrega nas fibras que inerva. Assim, quando a frequência é baixa, a
tensão é menor. Porém, conforme a frequência aumenta, também aumenta a tensão produzida pela UM.
Qual desses mecanismos é usado primeiro? Para aumentar a força produzida por um músculo,
primeiro aumentamos a tensão produzida individualmente por uma UM. Apenas após as UMs ativas
atingirem sua frequência máxima de disparos é que novas UMs serão ativadas. Essas, por sua vez,
começam a disparar em frequências mais altas que as que foram ativadas previamente. Caso seja
necessário aumentar novamente a força, as UMs recém‑incorporadas ao trabalho terão suas frequências
aumentadas, antes que novas UMs sejam recrutadas. Essa sequência acontecerá até que todas as UMs
que podemos ativar voluntariamente estejam trabalhando. Nesse ponto, estaremos produzindo nossa
força máxima no movimento.
79
Unidade II
Os movimentos que realizamos podem ser diferenciados em três tipos: movimentos reflexos, rítmicos
e voluntários. Essas classes de movimentos são distinguidas pela sua complexidade e pelo grau de
controle voluntário.
Um movimento é caracterizado como reflexo quando a ação muscular que o desencadeou não é
intencional. A ocorrência de movimentos reflexos não depende de experiência prévia, estes são inatos.
São exemplos de ações reflexas: quando rapidamente retiramos a mão de um objeto quente; a extensão
de nosso joelho em resposta ao toque que o médico dá com um martelinho no tendão patelar; ou ainda,
o ato de engolirmos os alimentos – a deglutição.
As ações reflexas são respostas musculares a estímulos físicos que acontecem de forma rápida
e estereotipada. Dizemos que são estereotipadas porque sempre acontecem de maneira previsível.
O que muda nessas ações é a sua intensidade, que é determinada pelo estímulo que a desencadeou.
Por exemplo, a velocidade com que retiramos a mão de um objeto quente (resposta) depende da
temperatura (estímulo) desse objeto. Da mesma maneira, o quão rápido seu joelho se estende
(resposta) dependerá da velocidade e da força que o médico produz no tendão patelar do seu joelho
ao usar o martelinho (estímulo).
Diferentemente do que ocorre nos movimentos voluntários, os movimentos reflexos não acontecem
por ordem do comando central proveniente da área motora. Nas ações reflexas, o sinal (PA) que faz os
músculos se contraírem são gerados no sistema nervoso periférico, mais especificamente por receptores
sensoriais que podem estar localizados na pele, nas articulações, nos tendões e nos músculos (falaremos
mais sobre esses receptores sensoriais nos próximos tópicos).
Na figura seguinte, é possível identificar um fuso muscular e verificar a sua disposição em relação às
fibras musculares. Repare que esse receptor está disposto paralelamente às fibras musculares extrafusais
(aquelas que o músculo usa para se contrair). Por essa disposição, os fusos podem perceber facilmente
qualquer alteração que ocorre no comprimento de um músculo, já que quando o comprimento das
fibras musculares regulares se modifica, também é alterado o comprimento do fuso.
O fuso é capaz de perceber mudanças no comprimento da fibra muscular de apenas 1 mm. Ele sinaliza
as alterações no comprimento da fibra muscular disparando PAs. Quanto maior a alteração, maior a
frequência de disparos. O mesmo acontece em relação à velocidade com que o músculo é alongado.
80
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Fibra muscular
extrafusal
Fuso muscular
Aferente do OTG
Órgão Tendinoso de
Golgi
Tendão
Fica bastante fácil de entender o mecanismo do reflexo miotático através do chamado reflexo patelar.
O reflexo patelar, que é desencadeado através do arco‑reflexo simples, é um teste neurológico usado
para avaliar a integridade das vias neurais. Nesse teste, o médico, geralmente um neurologista, pede
para o paciente ficar sentado e deixar sua perna relaxada. Em seguida, dá um toque com um martelinho
logo abaixo do joelho do paciente, sobre o tendão patelar. Em resposta a esse estímulo, normalmente,
percebe‑se uma leve extensão do joelho do paciente. Essa resposta é involuntária, ou seja, não foi
intencionada pelo paciente. Portanto, é uma ação reflexa. Mais especificamente essa movimentação do
joelho ocorre em resultado da ativação do reflexo miotático. Quer dizer, o reflexo patelar é um reflexo
miotático, igualmente designado reflexo de estiramento.
A ação muscular verificada no reflexo ocorre porque, quando o médico estimula o tendão patelar,
isso provoca o tracionamento da patela e, por consequência, o alongamento em alta velocidade do
quadríceps, já que ele está fixado à patela. Isso faz com que fusos musculares inseridos no quadríceps
disparem PAs.
Os PAs disparados pelo fuso trafegam por toda a extensão da fibra Ia (neurônio sensorial) até
chegarem à medula, onde o aferente faz sinapse com neurônios motores alfa que inervam o próprio
quadríceps. Se a frequência de PA for alta, isso poderá estimular (excitar) o motoneurônio a também
disparar PA, que, nesse caso, irá ativar o grupo de fibras musculares que é por ele inervado. No nosso
exemplo, isso resultará no encurtamento do quadríceps e na consequente extensão do joelho.
Ou seja, quando um músculo é alongado, em resposta a esse movimento ocorre uma ativação
involuntária desse mesmo músculo que, dependendo da magnitude, pode oferecer resistência ao
alongamento, ou até provocar seu encurtamento, como ocorre no teste neurológico feito pelo médico
que dá uma martelada no seu joelho.
81
Unidade II
Substância
branca
Quadríceps
Fuso
muscular Medula
Motoneurônio alfa
Isquiotibiais
Interneurônio inibitório
Muitas vezes o reflexo miotático é entendido exclusivamente como um sistema de defesa do organismo
para evitar que um músculo seja alongado em excesso e que venha a sofrer algum dano em razão disso.
No entanto, há sugestões de que essa seja uma visão simplista e limitada desse mecanismo. Um motivo
para essa crença está baseado no fato de que os fusos musculares disparam mesmo em situações em que o
músculo está longe de ser alongado além de seu comprimento de repouso. O que sugere, alternativamente,
que esse é um mecanismo que controla as variações no comprimento muscular. Esse controle é útil para
manutenção do tônus muscular e para o controle da produção de força.
Para entendermos melhor a função do reflexo miotático e, paralelamente, o papel do fuso muscular,
é importante destacarmos que a informação sobre o grau de alongamento dos músculos é também
enviada para a área sensitiva nos centros superiores, além de ir direto para os músculos.
Além disso, com base na informação do grau de alongamento dos músculos, os centros superiores do
encéfalo podem modular continuamente a descarga neural para modular o grau de ativação necessário
para iniciar ou continuar um movimento em curso, em decorrência das modificações que ocorrem no
torque externo durante as ações concêntricas e excêntricas.
82
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
A inibição recíproca também é ilustrada na figura precedente. Repare que os potenciais de ação
desencadeados pelo fuso muscular (gerado quando o músculo agonista é alongado), além de se
propagarem para as terminações da fibra Ia que fazem sinapse com motoneurônios que inervam o
quadríceps, também se propagam por um ramo lateral da fibra Ia que faz sinapse com um interneurônio
inibitório localizado na medula.
Resumindo: o resultado do alongamento que foi aplicado ao músculo agonista desencadeia duas
respostas reflexas simultâneas:
Ou seja, esse mecanismo, e a circuitaria que o compõe, permitem uma resposta coordenada
entre agonistas e antagonistas. Quando o agonista é ativado, simultaneamente seu antagonista é
inibido e relaxa.
É através desse circuito neural, e influenciado pela atividade dos fusos, que ocorrem os processos
de coordenação da atividade entre músculos opositores dispostos ao redor de uma articulação nos
movimentos voluntários. Porém, repare que essa coordenação independe de comandos dos centros
superiores, que podem concentrar‑se em tarefas mais importantes.
83
Unidade II
O reflexo miotático inverso, como o nome sugere, produz o efeito contrário do obtido no reflexo
miotático. Esse reflexo é desencadeado pelos órgãos tendinosos de Golgi (OTG) que são receptores que
controlam o grau de tensão gerado na estrutura músculo‑tendínea. Quando um nível de tensão muito
elevado é imposto na estrutura, os OTG provocam a inativação do músculo.
Para realizar essa função, esses sensores estão localizados nos tendões, na região bem próxima do
seu encontro com as fibras musculares.
As terminações sensoriais Ib, que inervam os OTG, ramificam‑se em sua extremidade distal e se
inserem entre as fibras dos tendões. Quando um músculo é tracionado, como acontece durante uma ação
muscular ou durante um alongamento vigoroso, a tensão imposta sobre as fibras musculares é também
transferida para os tendões. Se a tensão é muito alta, isso provoca o rearranjo das fibras tendíneas,
que comprimem as ramificações das terminações do OTG. Essa compressão faz com que o OTG dispare
potenciais de ação, que trafegam pela extensão da fibra Ib em direção à medula. Nela, essas fibras fazem
sinapse com interneurônios inibitórios que se interpõem entre as fibras Ib e os motoneurônios alfa
que inervam o mesmo músculo. Como consequência, os motoneurônios alfa terão sua frequência de
disparos diminuída ou serão silenciados. Ou seja, a ativação do OTG provoca a diminuição de tensão na
unidade músculo‑tendínea inibindo o próprio músculo responsável por gerar a tensão, caracterizando
um mecanismo de retroalimentação negativa.
Osso
Órgão Tendinoso de Golgi
Sinapse excitatória
Aferente 1b
Interneurônio
inibitório
Sinapse inibitória
Neurônio motor alfa
84
FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
O afastamento por flexão é um reflexo polissináptico. Ele é um reflexo protetor que ocorre em
resposta a um estímulo nocivo, e envolve contrações musculares coordenadas em diversas articulações.
O reflexo de flexão – da mesma maneira que o reflexo de estiramento – apresenta inervação recíproca:
os músculos flexores do membro estimulado se contraem ao mesmo tempo em que os músculos
extensores desse membro são inibidos. Esse é o reflexo de afastamento por flexão. Junto com a flexão do
membro estimulado, o reflexo produz o efeito oposto no membro contralateral: os músculos extensores
são excitados, enquanto os flexores são inibidos. Esse é o reflexo de extensão cruzada, que serve para
aumentar o suporte postural durante o afastamento do estímulo doloroso. Para entender melhor esses
dois reflexos que acontecem simultaneamente, vamos pensar numa situação real.
Imagine‑se caminhando pela rua e, de repente, você pisa num prego. A penetração do prego em
seu pé ativa um receptor de dor localizado sob a pele. Esse receptor dispara PAs que seguirão até a
medula através das terminações sensoriais que fazem sinapse com motoneurônios de músculos flexores
localizados no membro que pisou no prego. A ativação desses motoneurônios provoca a flexão das
articulações do joelho e quadril desse membro (reflexo de retirada por flexão). Para que você permaneça
em pé, a perna oposta é estendida (reflexo de extensão cruzada).
Embora o reflexo de flexão seja uma resposta relativamente estereotipada a diversos estímulos
dolorosos, tanto a amplitude quanto a força da contração muscular refletem a intensidade do
estímulo reflexo.
Tocar um fogão morno pode provocar afastamento relativamente rápido do pulso e do cotovelo,
enquanto tocar um fogão bem quente produz forte contração em todas as articulações e um rápido
afastamento de todo o membro. Ainda mais, o reflexo de flexão dura mais que o estímulo, e sua duração,
em geral, aumenta conforme a intensidade do estímulo. Assim como acontece com a maioria dos reflexos,
os reflexos de flexão não são simples repetições do mesmo padrão estereotipado de movimentos, mas
são modulados, de modos diversos, segundo às propriedades da incitação.
Os circuitos espinhais responsáveis pelo reflexo de flexão e de extensão cruzada fazem mais do que
mediar reflexos protetores – eles também servem para coordenar os movimentos dos membros durante
os movimentos voluntários. Interneurônios nessas vias recebem entradas convergentes de diferentes
tipos de fibras aferentes, não apenas de fibras da dor, mas de vias descendentes.
85
Unidade II
Músculo
extensor
Músculos
extensores
Músculos
flexores
Figura 32 – Circuitaria neural do reflexo de afastamento por flexão e do reflexo de extensão cruzada
Exemplo de aplicação
Para compreender os reflexos é necessário conhecer as vias que os medeiam. Usando caneta colorida,
desenhe a circuitaria dos reflexos miotático, inibição recíproca, miotático inverso, flexor e extensão cruzada.
Os movimentos voluntários são também chamados de intencionais. São os movimentos que realizamos
com o propósito de cumprir uma tarefa motora, por exemplo: pentear o cabelo, dirigir o carro, amarrar
os sapatos etc. Essa é a classe de movimento mais complexa, dado que exige a combinação perfeita na
ordem de ativação de vários músculos, com a velocidade e desenvolvimento de tensão adequados para que
o movimento seja realizado de maneira suave e precisa. Esse tipo de movimento exige a participação das
estruturas corticais mais superiores hierarquicamente. São gestos que precisam ser aprendidos para serem
executados. A repetição desse tipo de movimento leva à melhora de sua qualidade e à sua automatização,
de forma que, progressivamente, diminui‑se o controle consciente sobre sua execução.
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FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA
Para que um movimento voluntário aconteça, uma ordem proveniente da área motora, que fica no
córtex motor, no hemisfério cerebral, deve ser encaminhada para o grupo de músculos responsáveis pelo
movimento intencionado.
Essa ordem é transmitida pelo sistema piramidal. Esse sistema, igualmente denominado sistema
corticoespinhal, compreende o grupo de neurônios que têm seus corpos localizados no córtex cerebral
e cujos axônios se projetam diretamente para a medula espinhal. Esses neurônios são os neurônios
motores superiores. Em um determinado ponto da medula, eles fazem sinapses com neurônios motores
alfa, também conhecidos como neurônios motores inferiores. Esses, por sua vez, se projetam até os
músculos responsáveis pelos movimentos.
As vias piramidais consistem em um único trato, originado no encéfalo, que se divide em dois tratos
separados na medula espinhal: o trato corticoespinhal lateral e o trato corticoespinhal anterior.
Por essa razão, as vítimas de traumas cranianos ou acidentes vasculares cerebrais (AVC) apresentam
comprometimento motor nos seguimentos do lado oposto do corpo onde ocorreu o dano cerebral.
Observação
São exemplos de movimentos rítmicos a marcha, a corrida e a mastigação. Os movimentos nessa classe
combinam características de ações motoras voluntárias e reflexas. Nos movimentos rítmicos, apenas o
início e o término da ação são intencionais (voluntários). No entanto, durante sua execução são repetidas
sequências de ações estereotipadas, que ocorrem de forma automática, como se fossem reflexas.
É importante destacar que, apesar das diferenças no grau de complexidade que apresentam as três
classes de movimentos, em todas elas há a exigência da coordenação da atividade de, no mínimo, dois
grupos musculares: aqueles responsáveis pelo movimento na articulação – agonistas –; e aqueles que
estão na outra face, opondo‑se ou freando o movimento – antagonistas.
Vamos pensar no movimento reflexo de estender o joelho no teste neurológico que mencionamos
previamente. O estímulo do martelo produz a ativação reflexa do quadríceps, que é responsável pela
extensão do joelho. Simultaneamente à ativação do quadríceps, deve ocorrer o relaxamento dos
isquiotibiais que são antagonistas do quadríceps, para que não impeçam o movimento de extensão
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Unidade II
dos joelhos. Isso reflete um nível de coordenação simples durante o reflexo, que é gerenciado por
circuitos medulares, sem exigência da participação de estruturas corticais.
Para gerar esses movimentos, os sistemas motores precisam ser abastecidos continuamente com
informações sobre o ambiente, sobre a posição e a orientação do corpo e dos membros, e também sobre o
comprimento e grau de tensão dos músculos. Essas informações são utilizadas para seleção da resposta motora
mais adequada à situação (considerando a posição do corpo, dos segmentos, grau de tensão e alongamento
dos músculos) e para fazer ajustes que podem ser necessários durante a realização do movimento.
Outro fator que possibilita a ocorrência das diferentes classes de movimentos é a organização
hierárquica existente em três níveis de controle: a medula espinhal, os sistemas descendentes do tronco
encefálico e as áreas motoras do córtex cerebral.
A medula espinhal compreende o nível mais inferior dessa hierarquia. Nela estão contidos os circuitos
neuronais necessários para a realização de padrões de movimentos reflexos. Os movimentos rítmicos
como a marcha dependem da mesma circuitaria neural usada pelos movimentos reflexos, mas são
mediados por estruturas do troco encefálico, situados num nível hierárquico de controle intermediário.
Esses movimentos, assim como os reflexos, são realizados sem a interferência dos centros de consciência.
Por sua vez, ações motoras como tocar piano e escrever são mais complexas e comandadas por estruturas
corticais, isto é, o nível mais alto na hierarquia.
Resumo
Vimos ainda que o sinal neural usado pelos neurônios para comunicação
é denominado potencial de ação. Um potencial de ação é uma inversão na
polaridade que ocorre em determinados trechos da membrana neuronal. Essa
inversão de polaridade apenas pode acontecer porque a distribuição desigual
de íons dentro e fora do neurônio cria uma diferença de carga elétrica entre
esses dois ambientes, trata‑se do potencial de repouso da membrana.
Nesse sentido, foi possível observar que as sinapses químicas podem ser
excitatórias ou inibitórias. Numa sinapse excitatória ocorre a despolarização
da membrana, e a célula fica com sua carga interna menos negativa, podendo
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Unidade II
Os PAs são usados pelos neurônios para ativar as células musculares com
o propósito de gerar os movimentos. A comunicação entre uma célula neural
e uma fibra muscular é denominada junção neuromuscular. Entretanto,
um neurônio não se comunica exclusivamente com uma célula muscular,
mas com um grupo delas. O conjunto formado pelo neurônio motor e pelas
células musculares que ele inerva é intitulado unidade motora.
Exercícios
Questão 1. (Enade 2010) Um profissional de Educação Física sabe que o cerebelo exerce uma
influência reguladora sobre a atividade muscular, que ele recebe impulsos originados em receptores
das articulações, tendões, músculos, pele e também de órgãos terminais do sistema visual, auditivo e
vestibular e que esses impulsos não são conscientes, mas são estímulos essenciais para o controle do
movimento. Como o profissional de Educação Física percebeu que um de seus clientes apresentava
dificuldades de equilíbrio e de manutenção da postura durante as atividades, passou a indagar‑se sobre
que partes do cerebelo (vestibular, espinhal e cerebral) são responsáveis pelas funções de equilibrar e
manter a postura dos indivíduos e que poderiam estar afetando o desempenho de seu cliente.
II – O cerebelo vestibular promove a contração dos músculos axiais e proximais dos membros,
mantendo o equilíbrio e a postura normal.
A) I, II e IV.
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Unidade II
B) I, II e V.
C) I, III e V.
E) III, IV e V
I – Afirmativa correta.
Justificativa: a manutenção do equilíbrio e da postura se faz basicamente pelo cerebelo vestibular, com
o auxílio do controle dos movimentos oculares realizando os ajustes necessários à manutenção da postura.
II – Afirmativa correta.
Justificativa: o cerebelo vestibular promove a contração dos músculos axiais e proximais dos membros,
mantendo o equilíbrio e a postura normal, através do controle da manutenção do tônus muscular.
IV – Afirmativa incorreta.
Justificativa: o cerebelo espinhal avalia o movimento do corpo e dos membros; o cerebelo cerebral
planeja o movimento e avalia as informações sensoriais; e a zona medial, em conjunto com o
arquicerebelo, tem como função básica a manutenção da postura e do equilíbrio.
V – Afirmativa correta.
Questão 2. (UFU 2006) O esquema a seguir representa o reflexo patelar, que é uma resposta
involuntária a um estímulo sensorial.
Figura 33
I – Neste reflexo, participam apenas dois tipos de neurônios: o sensitivo, que leva o impulso até a
medula espinhal; o motor, que traz o impulso medular até o músculo da coxa, fazendo‑a contrair‑se.
II – Em exame de reflexo patelar, ao bater‑se com um martelo no joelho, os axônios dos neurônios
sensitivos são excitados e, imediatamente, os dendritos conduzem o impulso até à medula espinhal.
III – Se a raiz ventral do nervo espinhal for seccionada (veja em A), a pessoa sente a batida no joelho,
mas não move a perna.
A) II e III.
B) I e II.
C) I e III.
D) I, II e III.
E) Apenas II.
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