Você está na página 1de 17

trAduçõeS

sermão “attendite a faLsis prophetis” –


“guardai-vos dos faLsos profetas”
Sermão para o Terceiro Domingo após a Festa dos
Apóstolos Pedro e Paulo, do Frei Tomás de Aquino 1
s
S. Tomás de Aquino 2

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós em vestes de ovelhas, mas
por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7, 15-16).

Introdução
O Apóstolo atesta que há dois elementos contraditórios nas seguintes pala-
vras: “O espírito — diz ele — deseja 3 contra a carne e a carne contra o espí-
rito” (Gl 5, 7). E, contudo, pode haver pecado tanto a partir de um quanto de
outro: por vezes pela fraqueza da carne e por vezes pela ignorância do espíri-
to. Daí dizer o Apóstolo aos Coríntios (II Cor 7, 1): “Purifiquemo-nos de toda
mancha da carne e do espírito”. Da mesma forma, o pecado da carne provém
da fraqueza da carne, conforme diz Mateus (26, 41): “O espírito está certa-
mente pronto, mas a carne está fraca”. Assim, o pecado do espírito provém
da ignorância do espírito, ou seja, quando o espírito é enganado. E, portan-
to, neste domingo estejamos munidos contra ambos os pecados. Estejamos
munidos contra o pecado da fraqueza da carne, conforme o que diz o Após-
tolo na Epístola (Rm 8, 12): “Somos devedores à carne, não para vivermos
segundo a carne”. Contra o pecado de enganação do espírito estejamos muni-
dos pelo Evangelho que diz: “Guardai-vos dos falsos profetas” (Mt 7, 15), etc.
Roguemos ao Salvador que quis estejamos atentos contra ambos os peca-
dos. Que Ele me conceda algo para dizer que seja destinado ao seu louvor, etc.

1)  O sermão ocorreu no dia 14 de julho de 1269.


2)  Tradução, subtítulos e notas: Felipe de Azevedo Ramos, EP, a partir da versão latina em Thomas de
Aquino. Attendite a falsis prophetis (ed. Leonina, 44.1, p. 208-224). Foram cotejadas as traduções pa-
ra o francês e para o inglês (em particular para a elaboração das notas): Thomas d’Aquin. Sermons.
Tr. Jean-Pierre Torrell. Paris: Cerf, 2014, p. 223-241; Thomas Aquinas. The Academic Sermons. Tr.
Mark-Robin Hooland. Washington: Catholic University of America Press, 2010, p. 195-213.
3)  O verbo aqui é “concupisco”.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 101


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

Sermão

“Guardai-vos”, etc. (Mt 7, 15).


Pertence ao ofício de bom comandante tornar os soldados atentos contra
as insídias. É verdade que temos um inimigo pérfido e astuto, conforme diz o
Eclesiástico ([Vg.] 11, 31): “Muitas são as insídias do pérfido” e o Salmista (Sl
[Vg.] 9, 29): “Põe-se em emboscadas com os ricos”, isto é com os soberbos. O
Apóstolo explica estas insídias dizendo que “Satanás se transfigura em anjo
de luz e os seus ministros [se transfiguram] em servidores da justiça” (cf. II
Cor 11, 14-15).
Contra seus ministros [de Satanás], o Senhor nos convida a estar atentos às
palavras propostas acima. Através delas nos ensina quatro coisas: [1.] Em pri-
meiro lugar, com efeito, nos ensina o tipo de inimigos: “guardai-vos dos fal-
sos profetas”; [2.] em segundo, nos ensina o modo em que são realizadas as
insídias, quando diz: “que vêm a vós em vestes de ovelhas”; [3.] em terceiro,
trata a respeito do dano iminente, quando diz: “por dentro são lobos ferozes”;
[4.] em quarto, ensina-nos o modo de reconhecê-los, quando diz: “pelos seus
frutos os conhecereis”.

1. O tipo de inimigos: os falsos profetas


Esses inimigos são os falsos profetas: eles são muito perigosos e, portanto,
devemos ter cuidado com eles. A razão é que eles são para nós tão perigosos
quanto os Anjos bons são para nós necessários e úteis, conforme os Provér-
bios (29, 18): “Quando cessar a profecia, o povo será disperso”. Sobre os fal-
sos profetas, diz Jeremias (23, 15): “Dos profetas de Jerusalém saiu a corrup-
ção para toda a terra”.
E para que possamos constatar quem são os falsos profetas, primeiro veja-
mos [1.1.-1.2] qual é a definição de profeta e [1.3.] o que faz com que uma pes-
soa seja um falso profeta.

1.1. Definição de profeta


Digo que há quatro elementos na definição de profeta.

102 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

1.1.1. A Revelação divina

Em primeiro lugar é a revelação divina, conforme diz Amós (3, 7): “o


Senhor Deus não falará coisa alguma sem revelar o seu segredo a seus servos,
os profetas”.

1.1.2. O entendimento das revelações


Às vezes, algumas coisas são divinamente reveladas a alguém, mas este
não as compreende, como foi o caso de Nabucodonosor quando viu a está-
tua (cf. Dn 2, 31-35). 4 Ou quando algo foi revelado ao Faraó, a saber, quan-
do viu as espigas e o gado, mas não compreendeu (cf. Gn 41, 1-8). 5 Por isso se
requer, em segundo lugar, o entendimento, conforme se diz em Daniel (10, 1):
“Uma palavra foi revelada a Daniel e ele compreendeu a palavra”, portanto,
“o entendimento é necessário em visões”. 6

1.1.3. O anúncio das revelações


Se uma pessoa tivesse uma revelação de Deus, a compreendesse, mas guar-
dasse para si mesma, não haveria utilidade nela. Por isso se requer, em tercei-
ro lugar, à pessoa que entende as coisas que lhe são reveladas, que anuncie [a
revelação] aos outros. Diz Isaías (21, 10): “Aquelas coisas que ouvi da parte do
Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, vos anunciei”. 7

1.1.4. A operação de milagres como prova


Certas coisas divinamente reveladas e anunciadas estão acima da sensi-
bilidade humana. Contudo, as pessoas não creriam a não ser que houvesse
comprovação. Ora, esta prova é a operação de milagres. Isto é significado no
quarto Livro dos Reis (IV [II] Rs, 5, 1-8), 8 onde se diz que Naamã, o Sírio,
tinha vindo ao rei de Israel para que fosse curado da lepra, conforme diz Eli-

4)  Cf. S. Th., II-II, q. 173, a. 2, co.; In Epist. I ad Cor., 14, 1; In Epist. ad Hebr., 1, 1.
5)  Cf. De ver., q. 12, a. 7, co.; a. 10, ad 14; S. Th., II-II, q. 173, a. 2, co.; In Epist. I ad Cor., 14, 1.
6)  Cf. De ver., q. 12, a. 3, co.; a. 10, arg. 14; In Epist. ad Hebr., 1, 1
7)  Cf. S. Th., II-II, q. 171, a. 1, co.
8)  Cf. S. Th., II-II, q. 171, a. 1, co.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 103


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

seu: “Envia-o a mim para que saiba que há um profeta em Israel” (IV [II] Rs,
5, 8).

1.2. Quatro acepções da palavra profeta


Assim, pelo que foi dito acima, concluo que a palavra “profeta” pode ter
quatro acepções.

1.2.1. Quem é objeto de revelação divina


[ad 1.1.1.] Por vezes, chama-se profeta a quem foi objeto de revelação divi-
na, conforme os Números (12, 6): “Se há entre vós um profeta do Senhor, é
por sonho e em visão que lhe falo”. 9

1.2.2. A quem é dado compreender as coisas reveladas


[ad 1.1.2.] Por outra parte, às vezes chama-se profeta não a quem foi obje-
to de revelação divina, mas a quem é dado compreender as coisas reveladas,
conforme a Primeira Epístola aos Coríntios (14, 29): “Quanto aos profetas,
dois ou três tomem a palavra e os outros julguem”. Ele [Paulo] chama os pro-
fetas de doutores e de pregadores, 10 segundo o que diz o Eclesiástico (24, 46):
Todos os doutores “ainda derramarão a instrução como profecia”.

1.2.3. Aqueles que recitam as coisas reveladas


[ad 1.1.3.] Às vezes, são chamados profetas aqueles que recitam as coisas
reveladas, conforme o livro das Crônicas (I Cr 25, 1): “os filhos de Asaf e de
Iditun” profetizavam.

1.2.4. Aqueles que fazem milagres


[ad 1.1.4.] Às vezes, são chamados profetas aqueles que fazem milagres,
conforme diz o Eclesiástico que o “corpo do morto” de Eliseu “profetizava”
(Eclo 48, 14), 11 isto é, fez milagres proféticos. No Livro dos Reis (IV [II] Rs

9)  Cf. De ver., q. 12, a. 7, co.; S. Th., II-II, q. 95, a. 6, co.


10)  Cf. In Matth., 7, 15.
11)  Cf. S. Th., II-II, q. 171, a. 1, arg. 1 et ad 1.

104 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

13, 21) se diz que certos ladrões, terrificados, atiraram certo corpo, morto por
eles, na tumba de Eliseu e ele tornou a viver. E da mesma forma diziam os
judeus quando Cristo fazia os milagres, como narra o Evangelho: “Um gran-
de profeta surgiu entre nós” (Lc 7, 16).
Por esta razão se diz: “Guardai-vos”, etc. Mas em que acepção de profeta
se toma aqui? Crisóstomo 12 diz que os profetas se referem aqui não aos que
profetizam sobre Cristo, mas àqueles que interpretam a profecia sobre Cris-
to, porque ninguém pode interpretar os significados proféticos a não ser pelo
Espírito Santo.

1.3. Como discernir um falso profeta


Vejamos quando podem ser chamados de falsos profetas. Pode se referir a
um falso profeta de quatro maneiras: primeiro, [1.3.1.] pela falsidade da dou-
trina; segundo, [1.3.2.] pela falsidade da inspiração; terceiro, [1.3.3.] pela fal-
sidade da intenção; e quarto, [1.3.4.] pela falsidade da vida.

1.3.1. Pela falsidade da doutrina


Em primeiro lugar, digo que alguns são chamados de falsos profetas pela
falsidade da doutrina, quando, por exemplo, anunciam e ensinam coisas fal-
sas. Pertence ao ofício do profeta apregoar e ensinar coisas verdadeiras, con-
forme Daniel (10, 1): “Uma palavra foi revelada a Daniel e a palavra era verí-
dica”. E o Senhor diz: Se alguém anuncia minhas palavras, que “fale na ver-
dade” (cf. Jr 23, 28). Contudo, muitos anunciam falsamente, conforme a Epís-
tola Canônica (cf. II Pd 2, 1.10): “Houve falsos profetas no seio do povo, como
haverá entre vós mestres enganadores, que não temem em conduzir a uma
seita de perdição”. Não foi Ário enganador, bem como os seus semelhantes,
os quais quiseram corrigir a doutrina de Cristo? Por isso fala o Livro das
Lamentações (2, 14): “Os teus profetas viram coisas falsas e estultas”.
Mas o que são as coisas estultas? Quem com prazer fala coisas falsas o diz
para agradar aos outros. Fala Isaías (30, 10): “Dizei-nos coisas agradáveis,
vede os erros para nós”. Jeremias, ao ser interrogado sobre o que viam os fal-
sos profetas, responde: “Não revelaram a tua iniquidade para te incitar à peni-
tência” (Lm 2, 14).

12)  Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 19 (PG 56, 738). Cf. etiam: Cat. in Matth., 7, 15.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 105


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

Os que afirmam que o bem é mal e que o mal é bem são falsos profetas
(cf. Is 5, 20). Diz Jeremias: “Viam falsas afirmações e desprezos” (Lm 2, 14).
Aquilo que é afirmado é elevado e o que é desprezado é condenado. Portanto,
quando as coisas que devem ser elevadas são rebaixadas e as que devem ser
rebaixadas são elevadas, vês então que há falsas afirmações.
Fica claro pela doutrina do Senhor o que deve ser elevado e o que deve
ser rebaixado. O comportamento secular e a vida mundana devem ser rebai-
xados. Quem disser que é melhor jejuar sem voto do que com voto, e impe-
de outros de entrar na vida religiosa onde se jejua com voto, e os persuade de
jejuar no século sem voto, tem uma falsa doutrina. Diz o profeta: “Fazei votos
e cumpri-os” (Sl 75, 12). 13 Ele diz a razão pela qual é melhor jejuar com voto
do que sem voto; caso contrário teria apenas dito: “Fazei”.
Anselmo propõe um exemplo no livro De similitudinibus dizendo que
quem dá uma árvore com frutos dá mais do que aquele que dá somente o fru-
to. 14 Assim quem faz um voto e o cumpre vale mais do que aquele que, sem
voto, faz o bem. Contudo, “mais vale não fazer votos, do que prometê-los e
não cumpri-los” (Ecl 5, 4). 15

1.3.2. Pela falsidade da inspiração


Igualmente são chamados falsos profetas pela falsidade da inspiração. De
onde vêm as inspirações dos verdadeiros profetas? Certamente de Deus e do
Espírito Santo, conforme se afirma numa epístola canônica de Pedro (II Pd
1, 21): “Não por vontade humana a profecia veio aos homens; mas os san-
tos homens de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”. 16 Pode ser que
alguém seja inspirado falsamente [a.] pelo diabo, mas também [b.] pelo seu
próprio espírito. Ambos os casos encontramos na Sagrada Escritura.

13)  Cf. S. Th., II-II, q. 88, a. 2, arg. 1; a. 4, s.c.; a. 6, s.c.; q. 189, a. 2, s.c.; a. 3, s.c.; De perfectionis spiri-
tualis vitae, c. 13; Contra retrahentes, c. 12.
14)  Cf. Liber Anselmi de similitudinibus, c. 84. Cf. etiam: S. Th., II-II, q. 88, a. 6, co.
15)  Cf. SCG, III, c. 138; S. Th., II-II, q. 88, a. 3, s.c.; a. 6, co.; De perfectionis spiritualis vitae, c. 13; Con-
tra retrahentes, c. 11-13.
16)  Cf. S. Th., II-II, q. 172, a. 1, s.c.

106 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

a) A inspiração do diabo

Digo em primeiro lugar que alguém pode ser falsamente inspirado pelo
diabo, conforme Jeremias (cf. Jr 2, 8): “Os seus profetas profetizavam em
Baal”. “Em Baal”, ou seja, profetizar no diabo, ao dizer coisas ocultas. Os
necromantes que procuram a verdade sobre um furto 17 pela inspiração do
diabo profetizam em Baal. 18 Este é o mais grave de todos os pecados, além
de ser uma espécie de idolatria. 19 Disso não devem ter escusas quando dizem
que as realizam [necromancias] para trazer o bem, 20 conforme diz o Apósto-
lo: “Não haveríamos nós de fazer o mal para que venha o bem? Desses tais a
condenação é justa” (Rm 3, 8).

b) A inspiração pelo seu próprio espírito


Outros são inspirados falsamente pelo seu próprio espírito, conforme diz
Ezequiel (13, 3): “Isto diz o Senhor: Ai dos profetas insensatos, que seguem
o seu próprio espírito e nada veem”. 21 E Jeremias (23, 16): “Eles relatam
visões de seu coração, não da boca do Senhor”. 22 Aqueles que seguem a razão
humana falam por seu próprio espírito. Tais são aqueles que falam segundo as
razões platônicas que não podem atingir a verdade. Como aqueles, por exem-
plo, que dizem que o mundo é eterno. 23
Encontram-se alguns que estudam filosofia e dizem algumas coisas que
não são verdadeiras segundo a fé. E quando lhes é dito que isso repugna a fé,
dizem que foi o Filósofo que o afirmou, mas eles mesmos não sustentam isso.
Antes, somente recitam as palavras do Filósofo. 24 Eis um falso profeta, ou um
falso doutor, porque provocar a dúvida e não a resolver é o mesmo que aceitá-
-la. Isso é explicado no Êxodo (cf. Ex 21, 33) onde diz que se alguém cava um
buraco, abre uma cisterna e não a cobre, e o boi de seu vizinho vem e cai na

17)  SCG, III, c. 104; S. Th., q. 95, a. 4, arg. 3.


18)  Cf. Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 19. Cf. etiam: Cat. in Matth., 7, 22; S. Th., II-II, q.
172, a. 5, ad 3; Quodl., q. 7, a. 1 [13], co.; Sermo Beatus vir, v. 143-145.
19)  Cf. S. Th., II-II, q. 94, a. 1, co.; a. 3, co.
20)  Cf. S. Th., II-II, q. 95, a. 4, ad 3.
21)  Cf. S. Th., II-II, q. 171, a. 1, ad 3.
22)  Cf. ibid.
23)  Cf. De aeternitate mundi (ed. Leon., t. 43, 88: 219-254).
24)  Cf. De unitate intellectus, c. 1 (ed. Leon., t. 43, 291: 34).

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 107


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

cisterna, toca a quem abriu a cisterna restituir àquele. Quem provoca a dúvi-
da abre uma cisterna nas coisas relativas à fé; não cobre a cisterna quem não
resolve a dúvida, mesmo que este tenha o intelecto sano e límpido e não este-
ja enganado. Por outro lado, outra pessoa que não tem o intelecto tão límpido
pode bem se enganar. Então quem provocou a dúvida tem obrigação de resti-
tuição, pois por causa deste aquele caiu na fossa. 25
Vede caríssimos: houve muitos filósofos que também falaram sobre muitas
coisas atinentes à fé, mas mal conseguis encontrar dois que concordem numa
mesma opinião. Além disso, quando um deles diz algo de verdade, não a diz
sem mistura de falsidade. 26 Uma velhinha de hoje sabe mais sobre as coisas
que dizem respeito à fé do que todos os filósofos de outrora. Lê-se que Pitá-
goras fora antes pugilista. Ele ouviu um mestre disputando acerca da imorta-
lidade da alma e defendendo que a alma fosse imortal. Ora, ele ficou tão atra-
ído por isso que abandonou tudo para se dedicar ao estudo da filosofia. Hoje,
no entanto, qual é a velhinha que não saiba que a alma é imortal? 27 A fé pode
muito mais do que a filosofia e, portanto, se a filosofia é contrária à fé, não
deve ser aceita, conforme diz o Apóstolo aos Colossenses (2, 8): “Tomai cui-
dado para que ninguém vos engane pela falsa filosofia ou pela vanglória que
deseja vos seduzir, que anda pelas coisas que não vê, é em vão que se enche
do espírito de sua carne, sem estar ligado à cabeça”, isto é, a Cristo.

1.3.3. Pela falsidade da intenção


Outros são falsos profetas devido à falsa intenção. Mas qual é a verdadeira
intenção do profeta? Certamente é a utilidade do povo, conforme diz o Após-
tolo aos Coríntios (I Cor 14, 3): “Aquele que profetiza fala aos homens para
a edificação, exortação e consolação”. Para a edificação: a fim de tornar os
homens devotos; para a exortação: para torná-los prontos para as boas obras;
para a consolação: para torná-los pacientes nas adversidades. 28 Se alguém,

25)  Cf. Glosa in Exod. 21, 33 ex Gregório Magno. Moralia in Iob, XVII, c. 26, n. 38 (CCL 143A, 872:
55-68; PL 76, 28BC). Cf. etiam: Bernardo de Claraval. Epist. 331 ad episcopum Praenestinum (ed.
Cist., t. VIII, p. 269:12-13; PL 182, 536D); Tomás de Aquino. Super Boetium De Trinitate, q. 2, a. 4,
resp.
26)  Cf. SCG, I, c. 4; S. Th., I, q. 1, a. 1, co.
27)  Cf. Coll. in Credo, I; Sermo Beatus vir, v. 129-131. Cf. etiam: Agostinho. Epist. 137 ad Volusianum,
III, 12 (CSEL 44, 113:11-114:3; PL 33, 521); De civ. Dei, X, 11 (CCL 47, 284:35-285:38; CSEL 40/1,
465:12-15; PL 41, 289); Boaventura. Coll. in Hexaëmeron, XVIII, 26.
28)  Cf. In Epist. I ad Cor., 14, 3

108 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

pela sua doutrina, busca outra coisa que o benefício do povo, este é um fal-
so profeta.
Quem é bispo recebeu o ofício de governo e de pregação, e deve buscar o
benefício do povo. Se, porém, busca outra coisa, como a vantagem tempo-
ral ou a vanglória, é um falso profeta, porque não serve por reta intenção. Daí
que o Crisóstomo diz que muitos sacerdotes não se preocupam como o povo
vive, mas sim como eles fazem as oferendas. 29 Donde o Senhor se lamentar
em Ezequiel (13, 19): “Eles me profanam perante o meu povo por um punhado
[de cevada], por alguns pedaços de pão”. Contra estes fala o Apóstolo: “Não
somos como aqueles muitos que adulteram a palavra de Deus” (II Cor 2, 17).
E diz Gregório que “é réu de um pensamento adúltero quem busca agradar os
olhos da esposa, pelos quais o marido transmite dons à esposa”. 30 O adúltero
não busca na mulher o gerar a prole, mas busca apenas o prazer temporal. De
modo semelhante, adultera a palavra de Deus aquele que não busca gerar pro-
le espiritual, mas somente busca vantagem temporal ou a vanglória.

1.3.4. Pela falsidade da vida


Do mesmo modo, outros são falsos profetas pela má vida, por exemplo,
quando alguém ensina uma coisa, mas vive outra. Então a doutrina dele não
é aceita. E por isso Cristo “começou por agir e ensinar” (At 1, 1). E se diz
em Lucas (1, 70): “Como foi anunciado desde tempos remotos pela boca dos
santos que são os seus profetas”; como que dizendo: os profetas, por meio
dos quais o Senhor anuncia, devem ser santos. Contudo, o Senhor se lamenta
deles através de Jeremias (23, 11): “O sacerdote — diz ele — e o profeta estão
contaminados; vi a maldade deles em minha casa”.
Rezemos ao Senhor, etc.

Collatio
Guardai-vos dos falsos profetas, etc.
Foi falado hoje sobre os inimigos do povo cristão, ou seja, acerca dos falsos
profetas. Cumpre ver agora como eles nos preparam insídias.

29)  Cf. Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 40 (PG 56, 855). Cf. etiam: Cat. in Matth., 21, 38.
30)  Cf. Gregório Magno. Regula pastoralis, II, 8 (SC 381, 232:10-12; PL 77, 42C). Cf. etiam: Contra
impugnantes, c. 17, § 1, 4; In Ioh., 3, 29.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 109


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

2. O modo de insidiar dos falsos profetas: pela veste de ovelha

O Apóstolo, por sua parte, desmascara as insídias deles na Epístola aos


Coríntios (cf. II Cor 10, 1-12.21) 31 e, da mesma forma, o Senhor no Evange-
lho, quando diz: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós em vestes de
ovelhas”, etc. É isso que compreendemos por hipocrisia, porque o esconderijo
dos falsos profetas é a hipocrisia. Daí que o Apóstolo diz a Timóteo (cf. I Tm
4, 1-2): “O Espírito diz expressamente: nos últimos dias virão zombadores
que desviam da fé, dando atenção a espíritos de erro e a doutrinas dos demô-
nios, falando por causa da hipocrisia dos mentirosos”. Quando se considera a
sua vida e maneiras, parecerão que são bons por empreender uma vida auste-
ra, abstendo do casamento e das comidas refinadas, mas eles ouvem os espí-
ritos de erro e as doutrinas dos demônios.

2.1. As vestes das ovelhas


Estejais atentos àquilo que diz: “Que vêm a vós em vestes de ovelhas”. As
ovelhas são os fiéis de Cristo que obedecem a Cristo, conforme diz João (10,
27): “As minhas ovelhas ouvem a minha voz”. As vestes das ovelhas são imi-
tações de Cristo. 32 Nesse sentido diz o Apóstolo (Ef 4, 23-24): “Renovai-vos
no espírito de vossa mente e revesti-vos do Homem Novo, criado segundo
Deus na justiça e santidade da verdade”.
Isso diz respeito a dois elementos, porque a justiça parece se referir aos
próximos, que estão fora de nós mesmos, ao passo que a santidade da verdade
[se refere] à disposição interior da alma. Deste modo se cumpre o que diz em
Provérbios (31, 21): “As vestes de todos os seus criados são forradas”, ou seja,
interiormente pelas virtudes da alma e externamente pelas obras boas.
É verdade que se os falsos profetas tivessem ambas as vestes, seriam ove-
lhas de Cristo. Pelas vestes exteriores o homem se aproxima das pessoas. Por
isso que diz: “vêm a vós em vestes de ovelhas”. Isso significa que eles usam
obras exteriores — daí: “vêm a vós” —, porque pelas obras interiores eles se
aproximam de Deus.

31)  Cf. In Epist. II ad Cor., 10, 1; ibid., 13, 1.


32)  Cf. In Matth., 7, 15

110 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

2.2. As vestes das ovelhas que usam os hipócritas

Ademais, vale notar que há quatro elementos nas vestes das ovelhas de
Cristo, a saber: [2.2.1.] a adoração, [2.2.2.] a justiça, [2.2.3.] a penitência e
[2.2.4.] a inocência.

2.2.1. A veste da adoração por vanglória e para tirar vantagem


A veste da adoração é a veste do culto divino que as ovelhas de Cristo
usam quando se dirigem a ele. As ovelhas de Cristo recebem esta veste no
Batismo, conforme diz o Apóstolo aos Gálatas (3, 27): “Todos vós que fos-
tes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo”. As ovelhas de Cristo tra-
jam estas vestes quando se dirigem à oração, conforme o Eclesiástico (50, 12):
“Subindo ao altar” do incenso “deu glória a Deus”.
Os hipócritas usam esta veste devido a dois motivos, a saber: [a.] por van-
glória e [b.] para tirar vantagem.

a) A veste da adoração por vanglória


Eles a usam por vanglória ao fazer orações pública e manifestamente, con-
forme o Evangelho (Mt 6, 5): “Eles amam fazer oração nas sinagogas e nas
esquinas das praças, a fim de serem vistos pelos homens”. “Nas sinagogas”:
isto é, publicamente. Mas desde quando isso é mal, uma vez que foi escrito:
“Bendizei a Deus todos os seus Anjos” (Sl 102, 20), etc.? Crisóstomo diz que
isso se refere não tanto ao local, mas sim à intenção. 33 Em segredo reza quem
não tem a intenção voltada aos homens, mas sim a Deus. Se alguém rezasse
sozinho no quarto e quisesse ser visto pelos homens, rezaria ele em público.
O que, então, está proibido? Certamente que as pessoas não tenham inten-
ção de serem vistas enquanto rezam; isto deve ser evitado pelos cristãos. Daí
dizer o Crisóstomo: “Que não faça nada de novo no rezar para poder ser visto
pelos homens, seja no clamar, seja no bater no peito, seja no elevar as mãos”. 34
Mas se em sociedade rezas como os outros, rezas em segredo. Portanto, bus-
car gestos e maneiras singulares faz referência àquele trecho que diz: “fazer
oração nas sinagogas” (Mt 6, 5). Quando uma pessoa reza deve ser confor-

33)  Cf. Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 13 (PG 56, 709). Cf. etiam: Cat. in Matth., 6, 5.
34)  Cf. ibid. Cf. etiam: S. Th., II-II, q. 187, a. 6, ad 3.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 111


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

me aos outros e não deve buscar maneiras singulares como os hipócritas que
rezam em público por vanglória. 35

b) A veste da adoração para obter vantagem


Além disso, rezam de modo prolixo a fim de obter vantagem, conforme diz
o Evangelho (Mt 23, 14): “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Devorais
as casas das viúvas, fazendo longas orações”. Ou seja, é para adquirir vanta-
gem que eles rezam. Alguns buscam receber vantagem de mulheres desfavo-
recidas por meio de favores bastante desonestos: fazem “longas orações” a
fim de que elas se tornem devotas e assim receber ofertas delas.
Mas desde quando é ruim rezar de modo prolixo? Agostinho responde
dizendo: “Ainda que as palavras estejam ausentes da oração, o que não pode
faltar é muita súplica, contanto que se persevere na intenção. A razão é que
nesta circunstância mais valem os gemidos do que as palavras, mais o pran-
to do que o discurso”. 36

2.2.2. A veste da justiça e da misericórdia com jactância


Outra veste das ovelhas de Cristo é aquela da justiça e da misericórdia,
sobre a qual fala Jó (29, 14-16): “Revesti-me da justiça como uma veste, eu fui
olhos para o cego, fui pés para o coxo. Fui o pai dos pobres”. Os hipócritas
se apropriam desta veste, conforme o Evangelho (Mt 6, 1-2): “Guardai-vos de
praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Quan-
do deres esmola, não tocai trombetas, como fazem os hipócritas”. O Crisós-
tomo explica que a trombeta é todo ato ou palavra que denota jactância. 37 Por
exemplo: tu dás esmola, mas não a darias a não ser a pessoas mais dignas de
poder te retribuir: isto é trombeta. Da mesma forma, se queres dar esmola em
segredo a fim de parecer mais louvável: isto é trombeta.

35)  Cf. Sermo Puer Iesus, v. 262-267.


36)  Cf. Agostinho. Epist. 130 ad Probam, X, 20 (CSEL 44, 62:14-63; PL 33, 502). Cf. etiam: S. Th., II-
II, q. 83, a. 14, ad 1; Cat. in Matth., 6, 7.
37)  Cf. Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 13 (PG 56, 707). Cf. etiam: Cat. in Matth., 6, 2.

112 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

2.2.3. A veste da penitência para que sejam vistos pelos homens

A terceira veste das ovelhas de Cristo é a penitência, a respeito da qual fala


o Salmista (Sl 68, 12): “Usei como minha veste um pano de saco”. Os hipócri-
tas se utilizam desta veste, ou seja, as simuladas penitências e uma vida aus-
tera, conforme o Evangelho (Mt 6, 16): “Quando jejuardes não fiqueis tris-
tes como fazem os hipócritas; eles desfiguram seu rosto para que o jejum seja
percebido pelos homens”. Isso é o que eles buscam e isso é o que eles dese-
jam: para que sejam vistos jejuando pelos homens.
Explica Agostinho: “Deve ser entendido neste capítulo que pode haver
pompa não somente no brilho das coisas corporais, mas também nas sujei-
ras da lama, e esta é mais perigosa porque ela engana em nome do serviço
do Senhor”. 38 O Filósofo afirma que pode pertencer à jactância o fato de uma
pessoa se utilizar de uma veste mais pobre do que exige seu estado. 39 Estas
coisas exteriores são como que sinais de distinção: em qualquer exército a
linha de frente porta o seu próprio distintivo, e isso não é presuntuoso. Seja
qual for o estado, o homem deve estar contente com coisas moderadas e não
buscar tanto coisas abjetas, conforme diz Agostinho: “Não devemos utilizar
nada muito precioso nem muito vil”. 40 E por quê? Porque podemos buscar a
glória nesses dois elementos. É a respeito desta veste vil que fala Zacarias (13,
4): “[Os profetas] não serão cobertos com a tela de saco sobre o manto”, ou
seja, para se utilizarem de uma simulação.

2.2.4. A veste da inocência cheia de rapina e de impureza por dentro


A quarta veste das ovelhas de Cristo é a inocência, que é uma veste pura e
bela, conforme os Provérbios (31, 25): “A sua veste é fortaleza e dignidade”.
Os hipócritas se utilizam desta veste, ou seja, da piedade simulada e da pure-
za, conforme diz o Evangelho (Mt 23, 27): “Ai de vós, hipócritas! Sois seme-
lhantes a sepulcros caiados”, ou seja, aparentam que são puros, “mas por den-
tro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão”, isto é, de rapina e de
impureza. Também diz o Crisóstomo: “Aquilo que é desonesto na aparência,

38)  Agostinho. De sermone Domini in monte, II, 12, 41 (CCL 35, 131:896-899; PL 34, 1287). Cf. etiam:
Cat. in Matth., 6, 16; S. Th., II-II, q. 169, a. 1, co.; q. 187, a. 6, arg. 3; III, q. 41, a. 4, ad 2.
39)  Cf. Aristóteles. Eth. Nic., IV, 1127b27-28. Cf. etiam: Tomás de Aquino. Sent. Eth., IV, c. 15; S. Th.,
II-II, q. 113, a. 2, ad 2.
40)  Cf. Possídio. Vita S. Augustini, c. 22 (PL 32, 51).

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 113


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

ainda mais desonesto o é na realidade; aquilo que é formoso na aparência ain-


da mais formoso o é na realidade”. 41 Estes são aqueles que vêm em roupas de
ovelha.
Vale notar, contudo, que alguns que vêm em roupa de ovelha não são ove-
lhas, tais como aqueles que buscam a vantagem temporal e as próprias hon-
ras. Daí que Agostinho distinga e afirme que uma coisa é a pessoa do ladrão,
outra é a do lobo, outra é a do pastor e outra é a do mercenário. 42 O motivo é
que o pastor busca o benefício das ovelhas, o lobo e o ladrão destroem as ove-
lhas, e o mercenário busca tirar vantagem própria das ovelhas. Explica Agos-
tinho: “É necessário que o mercenário seja tolerado, o pastor seja amado e
que se fuja do lobo”. 43 É por isso que afirma: “Vêm a vós em vestes de ove-
lhas, mas por dentro são lobos ferozes”.

3. O dano iminente: razões pelas quais os


hipócritas são comparados a lobos
Ademais, vale notar que os hipócritas são comparados a lobos devido a
quatro elementos: porque [3.1.] os lobos rapinam as ovelhas, [3.3.] eles não as
poupam, [3.2.] eles as dispersam e [3.4.] perseveram em sua malícia.

3.1. Porque os lobos rapinam as ovelhas


Digo, em primeiro lugar, que os hipócritas são comparados a lobos porque
os lobos rapinam as ovelhas. Ora, os hipócritas rapinam os bens da alma e do
corpo, levando as pessoas ao erro, perseguindo-as fisicamente e espoliando
seus pertences. Daí dizer Ezequiel (22, 27): “Os seus príncipes, em seu meio,
são como lobos que agarram a presa para derramar sangue, para que as almas
se percam e a fim de conseguir vantagens de modo avaro”.

3.2. Porque os lobos dispersam as ovelhas


Em segundo lugar, os hipócritas são comparados a lobos porque os lobos
dispersam as ovelhas, conforme o Evangelho (Jo 10, 12): “O lobo rapina as

41)  Pseudo-Crisóstomo. Opus imperf. in Matth., 45 (PG 56, 885). Cf. etiam: Cat. in Matth., 23, 28.
42)  Agostinho. Sermo CXXXVII, 5 (PL 38, 756-757). Cf. etiam: idem. In Ioh., tract. 45-46 (CCL 36, 388-
403; PL 35, 1719-1732).
43)  Agostinho. Sermo CXXXVII, 5 (PL 38, 757). Cf. etiam: Cat. in Ioh., 10, 13; In Matth., 7, 15; In Epist.
II ad Cor., 4, 2.

114 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

ovelhas e as dispersa”. Diz o Senhor: “Quem não está comigo, está contra
mim”; portanto, “e quem não ajunta comigo, dispersa” (Mt 12, 30). Mas o que
significa “dispersar”? Nesse sentido, certamente é disperso quem é desviado
daquilo que a Igreja ensina.

3.3. Porque os lobos não poupam as ovelhas


Em terceiro lugar, os hipócritas são comparados a lobos porque não as
poupam [as ovelhas] de nenhum modo. Daí dizer o Apóstolo nos Atos (20,
29): “Sei que, depois de minha partida, introduzir-se-ão entre vós lobos vora-
zes que não pouparão o rebanho”. Quem matasse uma pessoa e não a poupas-
se, contanto que pudesse lucrar um denário, seria considerado muito cruel.
É desta forma que agem os hipócritas. Vale mais a vida da alma do que a do
corpo, e os hipócritas seduzem as almas a fim de ter honras e seguidores.

3.4. Porque os lobos perseveram em sua malícia


Em quarto lugar, os hipócritas são comparados aos lobos porque os lobos
perseveram em sua malícia da mesma forma, donde dizer Sofonias (3, 3): “Os
seus juízes são lobos” até a tarde, isto é, até o fim.
Portanto, por esses quatro elementos acima mencionados, deve-se manter
distância dos falsos profetas, como se faz com os lobos.

4. O modo de descobrir os lobos: seus frutos


Mas como os lobos são descobertos? Revela-se a maneira ao dizer: “Pelos
seus frutos os conhecereis”. Agostinho diz que muitos são enganados quando
avaliam a roupa como sendo frutos. 44 Algumas pessoas simples veem outros
fazer obras exteriores boas, como jejuar, orar, e ações semelhantes, que são as
vestes de ovelhas, mas não são as próprias vestes deles. As ovelhas de Cristo
não devem ter ódio de suas vestes, mesmo que os lobos se cubram com elas.
Mas quais são propriamente os frutos das ovelhas? Podemos dizer que são
quatro os frutos das ovelhas, a partir dos quais é possível descobrir os lobos
(ou os hipócritas). O primeiro consiste [4.1.] no afeto; o segundo. [4.2.] na
palavra; o terceiro, [4.3.] na ação; e o quarto, [4.4.] na tribulação. O primeiro

44)  Agostinho. De sermone Domini in monte, II, 24, 80 (CCL 35, 179:1843-1846; 180:1859-1862; PL
34, 1306). Cf. etiam: Cat. in Matth., 7, 15.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 115


Sermão “Attendite a falsis prophetis” – “Guardai-vos dos falsos profetas”

pertence ao coração, o segundo, à boca; o terceiro, à obra; e o quarto, à paci-


ência e à fortaleza.

4.1. Fruto do afeto


Digo em primeiro lugar que as ovelhas de Cristo ou os santos têm o fruto
próprio do coração, isto é, o amor a Deus e ao próximo. Donde dizer o Após-
tolo: “Mas o fruto do Espírito é alegria, amor e paz” (Gl 5, 22). No entanto,
os hipócritas têm outro fruto, a saber, o que pertence à ambição, pois amam
as honras. Daí dizer Isaías (10, 12): “Visitarei o fruto do coração orgulhoso
do rei da Assíria”. Os hipócritas “amam os primeiros lugares nos banquetes e
os primeiros assentos nas sinagogas” (Mt 23, 6). Se alguém quiser ser recebi-
do com honras, mas revela humildade exterior, então a veste não correspon-
de ao fruto.

4.2. Fruto da palavra


Outro fruto das ovelhas de Cristo se encontra na palavra, porque os bons
sempre falam do bem e a respeito de coisas boas. Nesse sentido, diz o Após-
tolo aos Hebreus (13, 15): “Por meio dele [Cristo] ofereçamos continuamen-
te um sacrifício, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome”. Caso
alguém diga algo que destoe de suas obras, não tem as vestes semelhantes ao
fruto, conforme os Provérbios (18, 20): “Com o fruto da boca se sacia o ven-
tre”. É difícil que um coração cheio de inveja não deixe de emiti-la, pois “a
boca fala daquilo de que o coração está cheio” (Mt 12, 34; Lc 6, 45). Don-
de dizer Gregório: “É bastante difícil para os maus, enquanto pregam coisas
retas, que não deixem de emitir de vez em quando aquilo que buscam obter
secretamente”. 45

4.3. Fruto da ação


O terceiro fruto das ovelhas de Cristo, a partir do qual se descobrem os
hipócritas é o da boa ação. A razão é que nos bons o fruto é bom, conforme
diz o Apóstolo: “Tendes vosso fruto para a santificação” (Rm 6, 22). Em con-
trapartida, nos maus o fruto é mau, conforme afirma os Provérbios (10, 16):
“O fruto do ímpio leva ao pecado”, isto é, à obra do pecado. Agostinho diz

45)  Gregório Magno. Moralia in Iob, X, c. 21, n. 39 (CCL 143, 565:27-28; PL 75, 943A).

116 Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117


S. Tomás de Aquino

em certo sermão: “Quem na profissão do Cristianismo faz com que os olhos


dos homens se voltem para ele, através de um insólito aspecto miserável ou
por meio de baixezas — não por sofrer necessidade, mas voluntariamente —,
por suas outras obras se pode conhecer se faz isso por desprezo ao vestuário
adornado ou por ambição”. 46
Considera suas outras obras: se nelas ele despreza a ambição, então o faz
por humildade; se não, ele diz, é possível conhecê-lo pelas suas obras. Porque
aqueles que, por uma parte, utilizam vestuário vil e, por outra, preferem os
sinais da penitência e da mansidão, são ovelhas de Cristo; caso contrário, são
simuladores. “Portanto, os hipócritas podem ser — diz [João Crisóstomo] —
facilmente descobertos. O caminho que somos chamados a percorrer é peno-
so; os hipócritas não escolhem o que é penoso”. 47
Da mesma forma os hipócritas se mostram mansos, mas quando se apre-
senta uma ocasião para perseguição, então perseguem ao máximo. Daí dizer
Gregório: “Se brota uma tentação de fé, a feroz mente do lobo imediatamen-
te se despoja do hábito de pele de ovelha; ao mesmo tempo que é revelado que
ela se dedica a perseguir os bons”. 48

4.4. Fruto da tribulação


O quarto sinal pelo qual os hipócritas são descobertos é no momento de
tribulação, conforme os Provérbios (15, 6; 19, 11): “Os frutos do ímpio são
inquietação; a doutrina de um homem se conhece pela paciência”. Agostinho,
no Sermão sobre o Senhor na Montanha, fala sobre os hipócritas: “Quando,
por algumas tentações, começam — diz — a subtrair ou a negar coisas que
eles conquistaram ou desejam conquistar sob este véu, é necessário que fique
aparente que se trata de um lobo em pele de ovelha ou de uma ovelha em sua
própria pele”. 49 Por isso diz Tiago em sua epístola canônica (na realidade: II
Tm 2, 21): “Se alguém se emendar destes erros — ou seja, dos pecados —,
será um vaso digno preparado para o Senhor”.
Que ele se digne a nos favorecer, Ele que com o Pai, etc.

46)  Agostinho. De sermone Domini in monte, II, 12, 41 (CCL 35, 132:903-907; PL 34, 1287). Cf. etiam:
Cat. in Matth., 6, 16; S. Th., II-II, q. 187, a. 6, ad 3.
47)  Cf. João Crisóstomo. Hom. in Matth., 23 [24] (PG 57, 316). Cf. etiam: Cat. in Matth., 7, 16.
48)  Gregório Magno. Moralia in Iob, XXXI, c. 14, n. 26 (CCL 143B, 1569:11-14; PL 76, 587D-588A).
Cf. etiam: Cat. in Matth., 7, 16
49)  Agostinho. De sermone Domini in monte, II, 12, 41 (CCL 35, 132:909-913; PL 34, 1287). Cf. etiam:
Cat. in Matth., 7, 16.

Lumen Veritatis - vol. 10 (1) - n. 38 - Janeiro a Março - 2017, p. 101-117 117

Você também pode gostar