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ARTIGO ARTICLE
Abortamento na adolescência: um estudo epidemiológico

Abortion and miscarriage in adolescence: an epidemiological study

Leila Maria Vieira 1


Tamara Beres Lederer Goldberg 2
Sandra de Oliveira Saes 3
Adriana Aparecida Bini Dória 4

Abstract This study was conducted at the Santa Resumo O presente trabalho foi desenvolvido no
Izabel Maternity Hospital in the town of Bauru, Hospital Maternidade Santa Izabel da cidade de
São Paulo State, Brazil, in order to investigate abor- Bauru, São Paulo, Brasil, e teve como objetivo in-
tions and miscarriages in adolescence, comparing vestigar o abortamento na adolescência e compa-
them to terminations among adult women. The rá-lo com o das mulheres adultas. Os indicadores
indicators are used to draw up an epidemiological buscaram traçar o perfil epidemiológico das mu-
profile of hospitalized women through data collect- lheres internadas, por meio de dados coletados em
ed from documents on women with diagnoses of prontuários, entre aquelas com diagnóstico de
abortion or miscarriage from 2000 to 2003, regard- aborto, independente da forma clínica, entre os
less of their clinical form. The total number of reg- anos de 2000 a 2003. O total de abortamentos re-
istered early terminations of pregnancy reached gistrados foi de 2.286, sendo 459 (20,08%) na fai-
2,286, with 459 (20.08%) during adolescence, with xa etária da adolescência e a forma completa foi
the complete form being significantly higher significativamente maior nas adolescentes quan-
among teenagers than adults; a decrease in the do comparada às das mulheres adultas; segundo o
occurrence among adolescents was noted, dropping ano de análise, constatou-se decréscimo de ocor-
from 30.5% in 2000 to 25.05% in 2001, 23.53% rência entre as adolescentes, com maior incidên-
in 2002 and 20.92% in 2003; with adolescents cia em 2000 (30,50%), seguida dos anos de 2001
tending to remain in hospital for two or more days. (25,05%), 2002 (23,53%) e 2003 (20,92%), sen-
The implementation is stressed of policies and pro- do que as adolescentes apresentaram tendência a
1
Departamento de
grams addressing sexual and reproductive health permanecer dois ou mais dias hospitalizadas. En-
Pediatria, Universidade do and its co-morbidities. fatiza-se a implementação de políticas e progra-
Sagrado Coração. Rua Irmã Key words Abortion, Adolescence, Women mas direcionados à saúde sexual e reprodutiva e
Arminda 10-50, Jardim
Brasil. 17011-160 Bauru
suas co-morbidades.
SP. lmoreira@usc.br Palavras–chave Abortamento, Adolescência,
2
Faculdade de Medicina de Mulheres
Botucatu, UNESP.
3
Departamento de
Fonoaudiologia,
Universidade do Sagrado
Coração.
4
Clínica de Educação para
a Saúde, Universidade do
Sagrado Coração.
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Vieira, L. M. et al.

Introdução Entre as complicações da gestação na ado-


les-cência, citadas por vários autores encontram
Etimologicamente, adolescência vem de adoles- o abortamento, anemia, distócias de parto e hi-
cere, palavra latina que expressa crescer, desen- pertensão arterial específica da gravidez18,19,20.
volver-se, tornar-se maior, atingir a maioridade. Dentre estas, o abortamento se destaca como
Viver este período significa estar em desenvolvi- uma complicação que pode resultar não apenas
mento para atingir a maturidade1, 2, 3, 4. Os limites em conseqüências físicas como também psico-
da adolescência, segundo a Organização Mundi- lógicas21, 22, 23.
al da Saúde, estendem-se dos 10 aos 19 anos5,6, O abortamento é uma intercorrência obsté-
abrangendo a pré-adolescência, o período etário trica, definida como a expulsão do concepto an-
entre 10 a 14 anos e a adolescência propriamente tes de sua viabilidade, com menos de 22 semanas
dita, dos 15 aos 19 anos7. de gestação, podendo ocorrer espontaneamente
Os adolescentes, na busca de independência, ou de forma induzida24. Quando se desconhece a
reproduzem comportamentos próprios da idade idade gestacional, o produto da concepção deve
adulta e dentre eles os sexuais e a genitalidade se apresentar peso inferior a 500 gramas, ou medir
destacam, evidenciando-se cada vez mais preco- menos de 16 centímetros25.
cemente nas experiências dos mesmos. Várias A assistência ao adolescente na área da saúde
pesquisas referem que a primeira experiência se- sexual e reprodutiva foi qualificada como inade-
xual tem sido vivenciada mais cedo, ocorrendo quada, por não existir ações voltadas a essa popu-
entre 15 e 16 anos8,9,10,11,12. Dados similares enfa- lação em processo de abortamento, enfatizando
tizam que a precocidade é maior entre os homens, também que as jovens não são acolhidas devida-
indicando uma média de 14,5 anos para homens mente e com freqüência engravidam novamen-
e de 15,2 anos para mulheres, numa população te25. Entre as dificuldades que se constataram como
com faixa etária de 16 a 19 anos. Para a mesma barreira à promoção da saúde do adolescente, está
variável, numa população acima de 40 anos, a indicada a inexistência de políticas e programas
autora encontrou a média de idade para homens eficientes, que atendam essa faixa etária19.
de 18,4 anos e, para mulheres, 20,6 anos13. O desafio é propiciar ao adolescente acesso a
Conseqüente a tais mudanças, porém sem es- serviços de saúde que ofereçam um atendimento
tarem preparadas para assumir os eventos decor- integral, antes mesmo do início de seu primeiro
rentes, as adolescentes se expõem aos mesmos ris- intercurso, garantindo-lhes privacidade, confia-
cos de reprodutividade de uma mulher adulta. De bilidade e atendimento que dê apoio, sem emitir
acordo com a literatura, 80% das adolescentes não juízo de valor6.
fazem uso de qualquer método anticoncepcional Baseando-se nesse contexto, motivou-se in-
na primeira experiência sexual; estudos apontam vestigar o abortamento provocado ou espontâ-
que, de 1.437 adolescentes, 35% vivenciavam a neo ocorrido em adolescentes e compará-lo aos
prática sexual e que apenas 10,7% faziam uso de das mulheres adultas, buscando verificar as ca-
contraceptivos14,15. racterísticas epidemiológicas da população que
Em virtude das experiências sexuais e da falta sofreu tal intercorrência. Esse estudo poderá con-
de uso de métodos anticoncepcionais por esse tribuir para a caracterização da população em
grupo etário, o índice de gravidez na adolescên- questão, oferecendo subsídios aos profissionais e
cia registrado no Brasil no ano de 1998 foi de gestores comprometidos nesta área de atuação,
23,6% e, por região, verificou-se um percentual possibilitando a implantação de estratégias e pro-
de 31,2% para a região Norte; 26,0% para o Nor- gramas de intervenções.
deste; 20,7% para região Sudeste; 21,5% para re-
gião Sul e 27,1% para a região Centro-Oeste16.
Especificamente, no município de Bauru, es- Casuística e metodologia
tudos constataram que as adolescentes foram res-
ponsáveis pelo nascimento de 23,44% do total de O campo de investigação da pesquisa foi o Hospi-
recém-nascidos vivos, no ano de 1998 17. Embora tal-Maternidade Santa Izabel, vinculado à Asso-
os estudos apresentem resultados controversos, a ciação Hospitalar de Bauru, referência para vári-
maternidade precoce freqüentemente não é pla- os municípios da região. A escolha desse hospital
nejada, podendo interferir de forma negativa no para desenvolver o estudo se deu por tratar-se de
cotidiano da jovem adolescente, trazendo proble- um centro direcionado ao atendimento da mu-
mas que nem sempre são mensuráveis nas esferas lher e ser conveniado SUS. É importante ressaltar
biopsicossociais. que 80% da rede de atenção primária e secundá-
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ria de saúde do nosso país estão sob responsabili- Quadrado, e para a comparação de proporções,
dade do SUS, além de praticamente toda rede de o teste Z modelo normal.
alta complexidade dos atendimentos26. Especifi-
camente neste hospital, o maior número de paci-
entes atendidas são usuárias do SUS, totalizando Discussão
aproximadamente 95% dos atendimentos e os
demais correspondem a outros convênios e parti- Os dados analisados, provenientes dos prontuá-
culares. Outro aspecto que influenciou na esco- rios do Hospital Maternidade Santa Izabel, apon-
lha do cenário da pesquisa foram os pressupostos taram que, entre os anos de 2000 a 2003, ocorre-
das diretrizes curriculares para o ensino de gra- ram 31.468 internações incluindo diferentes di-
duação na área da saúde, as quais apontam o SUS agnósticos; destas, 2.286 (7,26%) com diagnósti-
como referencial para o processo de aprendiza- co de abortamento, sendo 1.518 (4,82%) na faixa
gem. Assim optou-se por estudar uma casuística etária de 20 a 34 anos; 309 (0,98%) no grupo de
compreendida por adolescentes que sofreram mulheres com 35 anos ou mais e 459 (1,45%) na
abortamento nesta modalidade de atendimento. adolescência. Analisando especificamente a ocor-
Ressalta-se que o tipo de abortamento, seja espon- rência de abortamento na população de adoles-
tâneo ou voluntário, não foi objeto de estudo, mas centes (459) e confrontando com o total geral de
sim o diagnóstico e sua forma clínica. abortamentos (2.286), o índice encontrado foi de
Antes que o trabalho tivesse início, o projeto 20,07%, resultados similares aos encontrados na
foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Éti- literatura, que constataram taxas de 20,1% e in-
ca em Pesquisa da Universidade do Sagrado Co- feriores a outros achados cujos resultados revela-
ração e da Faculdade de Medicina de Botucatu – ram 29,0% e 25,7% 27, 28,29.
UNESP. O estudo evidenciou a ocorrência de aborta-
Para realizar o estudo, a casuística foi agru- mento desde os 11 anos de idade, sendo que 6,29%
pada em três faixas etárias com idades compre- do total das ocorrências foram verificadas na fai-
endidas entre 10 e 19, 20 e 34 e maior de 35 anos. xa etária de 11 a 14 anos e 93,71% na faixa etária
Para o grupo das adolescentes, de 10 a 19 anos, de 15 a 19 anos. Do total de eventos ocorridos na
estudou-se a variável por idade em anos comple- adolescência, 50,10% efetivaram-se entre 18 e 19
tos, separadamente. Para o tipo de aborto, foram anos de idade. Os dados sugerem a necessidade
considerados três grupos classificados de acordo de adoção de estratégias educativas, iniciando-se
os registros encontrados nos documentos do desde o ensino fundamental, objetivando o in-
Hospital Maternidade Santa Izabel, correspon- centivo da prevenção de uma gravidez não pla-
dendo a aborto completo, aborto incompleto e nejada e de suas conseqüências. Resultados simi-
aborto retido. Para categoria ano, considerou-se lares são descritos em outros estudos enfatizan-
quatro grupos: 2000, 2001, 2002 e 2003, respecti- do a maior ocorrência de abortamento na ado-
vamente. Para tempo de permanência hospita- lescência tardia30,31.
lar, a casuística foi agrupada em três grupos clas- Além do início prematuro da atividade sexual,
sificados em internações com duração de um dia, o uso de métodos contraceptivos ainda tem sido
dois dias e três dias ou mais. empregado por uma pequena parcela. Estudos
A coleta de dados foi realizada no ano de 2004, realizados na América Latina têm mostrado que
por meio da análise dos livros de registro de in- menos de 20% dos homens e 15% das mulheres
ternações, na qual se identificou os casos de abor- usam algum método anticoncepcional na primei-
tamento e posteriormente realizou-se o estudo ra relação sexual32.
de todos os prontuários selecionados. Nesse cenário, os autores compartilham com
Foram incluídos os prontuários de mulheres a pesquisa, divulgada pela ECOS (Comunicação
adultas e adolescentes assistidas no período de em Sexualidade) que orientações educativas de-
janeiro de 2000 a dezembro 2003, totalizando uma vam começar o mais cedo possível, esclarecendo
população de 2.286 pacientes que tiveram diag- os jovens sobre os riscos a que se expõe quando
nóstico clínico de abortamento espontâneo ou da prática de relações desprotegidas, da possibi-
voluntário. lidade de uma gravidez indesejada ou não plane-
O estudo foi submetido à análise estatística jada e das complicações a que estão sujeitas as
descritiva com utilização de freqüência absoluta mulheres ao vivenciarem um abortamento33. Pes-
e relativa. Para verificar a ocorrência de diferen- quisa realizada sobre o nível de conhecimento
ças estatisticamente significantes com relação à sobre abortamento espontâneo em uma popula-
associação entre variáveis, utilizou-se o teste Qui– ção de 702 mulheres salienta que temas relacio-
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Vieira, L. M. et al.

nados à sexualidade sejam abordados desde o tam o aborto incompleto como a forma clínica
ensino fundamental34. mais freqüente e o aborto retido, o de menor fre-
Quanto ao tipo de abortamento, houve pre- qüência de ocorrência30,37, 38.
domínio do abortamento incompleto na casuís- No grupo das mulheres adultas, a distribui-
tica total estudada, sendo sua freqüência superi- ção de abortos, entre os anos de 2000 a 2003, se
or no grupo das mulheres adultas quando com- mostrou uniforme em torno de 25%, mas há de
parado ao das adolescentes, 90,09%; 86,93%, res- se destacar que entre as adolescentes ocorreu uma
pectivamente, sem evidenciar diferença estatisti- importante tendência de diminuição, de 30%
camente significante. O abortamento retido foi a para 20%, no decorrer dos anos analisados (Ta-
forma clínica de menor incidência; no entanto, bela 1). Constata-se ainda que, no ano de 2000, a
apresentou maior freqüência no segmento das proporção de abortos ocorridos entre adolescen-
mulheres adultas quando comparadas às adoles- tes foi significativamente superior a dos eviden-
centes, 1,20% e 1,09% respectivamente, também ciados em adultas, ocorrendo o inverso para o ano
sem diferença significante. Quanto ao aborta- de 2003, quando a proporção para as adolescen-
mento completo, apresentou maior ocorrência no tes foi significativamente inferior, quando com-
grupo das adolescentes, apontando diferença es- parada à das mulheres adultas. Entretanto, ob-
tatisticamente significante. A literatura descreve servou-se que no grupo das adolescentes de 10 a
que tal forma clínica ocorre com maior freqüên- 14 anos ocorreu um aumento no número de abor-
cia em idade gestacional inferior a oito semanas35. tamentos (Tabela 2). Analisando os dados, acre-
As hipóteses desse estudo, no que se refere à ocor- dita-se que as campanhas que visam a prevenção
rência do abortamento completo, baseiam-se em da gravidez e das DST tenham contribuído para
duas possibilidades: as adolescentes, ao tomarem a diminuição da gravidez e, conseqüentemente,
conhecimento da gravidez ou perceberem-se grá- à redução do abortamento para o grupo etário
vidas, possam ter procurado algum método abor- de adolescentes. No entanto, necessita-se de ên-
tivo interrompendo o processo22 e ocorre um fase para o grupo de 10 a 14 anos e políticas con-
grande número de abortos no Brasil, sendo que tínuas para todas.
os induzidos representam uma significativa pro- Corroborando com os achados desse estudo,
porção e contribuem para manutenção da mor- a ECOS apresentou dados do DATASUS, entre os
talidade materna6. Outra hipótese é que a ocor- anos de 1995 a 2000, os quais revelaram que o
rência de alterações genéticas e malformações percentual de abortos admitidos legalmente na
contribuíram para expulsão do concepto 36. rede de saúde, realizados em adolescentes de 10 a
O estudo estatístico que analisou a relação 14 anos, têm indicado tendência de crescimento
entre abortamento completo e incompleto evi- e, para as faixas etárias entre 15 e 19 anos, os per-
denciou associação significativa, constatando centuais têm permanecido praticamente estáveis,
maior ocorrência do completo para o recorte etá- chegando a indicar suave decréscimo. Outro dado
rio das adolescentes e do incompleto para as relevante aponta que o total de curetagens reali-
mulheres adultas. zadas pós-aborto em São Paulo, em 2001, foi de
Quanto à incidência da forma clínica de abor- 46.081, correspondendo a 10,4% do total de pro-
tamento, os resultados encontrados nesse estudo cedimentos obstétricos realizados no SUS, caben-
estão de acordo com os da literatura, que apon- do o maior percentual ao recorte etário compre-

Tabela 1. Casuística total segundo o ano de ocorrência do abortamento.

Ano Adolescente Adulto Total


n % n % n %
2000 140 30,50 421 23,04 561 24,54
2001 115 25,05 505 27,64 620 27,12
2002 108 23,53 434 23,75 542 23,71
2003 96 20,92 467 25,56 563 24,63
Total 459 100,00 1.827 100,00 2.286 100,00

Estatística: p = 0,006
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endido dos 10 aos 14 anos (12%) quando com- Baseando-se ainda nos resultados observados,
parado ao de 15 a 19 anos (8,4%) 33. surgem algumas hipóteses que podem ser aven-
Os coeficientes de incidência de aborto na tadas: a atividade sexual se inicia cada vez mais
faixa etária das adolescentes entre os anos de 1994 precocemente, porém raramente essa população
a 1997 referiram que as taxas de abortamento têm procura ou recebe orientações e assistência, pos-
apresentado um decréscimo ao longo dos anos, sivelmente por falta de diálogo com familiares,
contudo menos evidente para a faixa etária de 10 profissionais da saúde e educação; os programas
a 14 anos39. de orientação sobre sexualidade e assuntos cor-
A literatura especializada preconiza a impor- relatos e as campanhas de prevenção para as ado-
tância de programas com amplo acesso aos méto- lescentes têm atingido o grupo da adolescência
dos contraceptivos, somados à assistência huma- tardia, havendo a necessidade de maior atenção
nizada, ao processo educativo prévio e durante o para o recorte etário entre 10 e 14 anos.
período de internação6,31. Salienta-se, porém, que Vários trabalhos fortalecem essas hipóteses,
as mulheres que são atendidas em decorrência de pois demonstraram em seus estudos que o rela-
abortamentos recebem alta hospitalar sem ter cionamento sexual tem ocorrido cada vez mais
oportunidade de receber informações sobre plane- cedo, contribuindo para o aumento dos índices
jamento familiar ou encaminhamentos às unida- de gestação e suas complicações14,41.
des especializadas. De acordo com a literatura, as Tais dados permitem ressaltar a importância
adolescentes que abortam são vítimas da falta de da ampliação ao acesso de informações a esse gru-
informação, da deficiência no atendimento mé- po etário, buscando reduzir a possibilidade da
dico, da solidão e da falta de diálogo na família40. ocorrência de um abortamento, assim como as
A escolha do método anticoncepcional deve conseqüências advindas da experiência.
ser responsabilidade da mulher, devendo os ser- Quanto ao tempo de permanência hospitalar
viços de saúde dispor de uma variedade de op- referente à casuística total estudada, os resulta-
ções. A qualidade da atenção implica em um es- dos apontam que, para ambos os grupos, a maior
forço integrado, de tal forma que garanta acolhi- ocorrência foi de um dia (Tabela 3). Quando ana-
mento, informação, aconselhamento e tecnolo- lisado apenas o período de dois ou mais dias,
gia apropriada disponível, além de um relacio- constatou-se diferença significativa entre adultas
namento pautado no respeito e direitos sexuais e adolescentes, com maior proporção para o gru-
reprodutivos35. po das adolescentes.

Tabela 2. Abortamento nas adolescentes nos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003.

Ano 10-14 15-19 Total


n % n % n %
2000 8 27,59 132 30,70 140 30,50
2001 6 20,69 109 25,35 115 25,05
2002 6 20,69 102 23,72 108 23,53
2003 9 31,03 87 20,23 96 20,92
Total 29 100,00 430 100,00 459 100,00

Estatística: p = 0,584

Tabela 3. Casuística segundo permanência hospitalar.

Permanência Adolescente Adulto Total


Hospitalar(dias) n % n % n %
1 256 55,77 1118 61,19 1374 60,10
2 150 32,68 535 29,28 685 29,97
3 dias ou + 53 11,54 174 9,52 227 12,11
Total 459 100,00 1.827 100,00 2.286 100,00
Estatística: p = 0,095
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Vieira, L. M. et al.

Os resultados sugerem que as adolescentes viabilizada pelo acesso facilitado aos programas
possam apresentar maiores possibilidades de al- de educação sexual e planejamento familiar, além
terações orgânicas comparadas às mulheres adul- de uma atuação dos profissionais da saúde, no
tas, tendo tempo de permanência superior a elas; sentido de buscar estratégias que promovam o
porém, destaca-se que esta hipótese merece um desenvolvimento da atitude sexual responsável no
aprofundamento em futuras investigações, pois, adolescente, preconiza-se a disseminação dessas
ao buscar-se informações na literatura científica informações para que esse grupo etário tenha
sobre o tema, não foram encontrados dados que oportunidade de usufruir uma vida com quali-
fortaleçam esse pressuposto. dade e responsabilidade.
A relação da casuística total segundo o tem-
po de permanência hospitalar e formas clínicas
de abortamento encontram-se na Tabela 4 e o Conclusão
estudo estatístico revelou associação significati-
va entre as variáveis; o aborto completo apresen- Os achados desse estudo revelaram que, do total
tou maior freqüência de internação de um dia e das internações do Hospital Maternidade Santa
o aborto retido apontou maior freqüência para Izabel registrados no período de 2000 a 2003, apro-
o período de internação de três dias ou mais. ximadamente 7% foram decorrentes de processos
Acredita-se que o maior tempo de permanên- de abortamento, com tempo de internação que
cia para o abortamento retido tenha ocorrido em variou de um a três dias ou mais, dependendo dos
função da necessidade de elucidação diagnóstica, es- procedimentos e complicações advindas de tal
tabelecimento da conduta obstétrica e procedimen- processo. O grupo das adolescentes apresentou
to medicamentoso, anestésico-cirúrgico, além das tendência a permanecer por dois dias ou mais in-
possíveis complicações decorrentes do processo. ternadas, o que acarreta, além dos prejuízos biopsi-
Ressalta-se que o estudo sobre o tempo de cossociais, custo elevado para o Sistema de Saúde.
permanência hospitalar não analisou o impacto O abortamento atingiu as mulheres nos dife-
dos recursos financeiros que tal internação repre- rentes grupos etários, com maior ocorrência na
senta na dinâmica hospitalar e para o SUS. Veri- idade reprodutiva. Especificamente na adolescên-
ficando na literatura especializada, constata-se cia, evidenciou-se a ocorrência a partir dos 11
que a internação por abortamento revelou um anos de idade, fato que desperta para a necessi-
custo elevado, conforme os dados apontados na dade de medidas de prevenção, as quais devem
pesquisa realizada na Argentina, a qual apontou ser implementadas precocemente, antes mesmo
custo médio diário para internação por abortos, de iniciar o período descrito como adolescência.
sem complicações, de U$ 58,52. Em casos infec- Tal constatação tornou-se ainda mais evidente ao
tados, o montante se elevou para U$ 198,05, ex- comparar a ocorrência de abortamentos no pe-
cluindo os honorários médicos43. ríodo de 2000 a 2003, o que revelou que o grupo
Considerando que a redução do número de de adolescentes de 10 a 14 anos apresentou eleva-
internações ocasionadas por tal diagnóstico pos- ção nos índices, alertando que tal grupo etário
sam ser prevenidas por meio de informações a não está sendo atingido satisfatoriamente pelos
respeito de métodos contraceptivos e do proces- programas e campanhas de educação sexual.
so de reprodução, e que tal prevenção possa ser Constatou-se também que o abortamento

Tabela 4. Casuística total segundo permanência hospitalar e o tipo de aborto.

Permanência Completo Incompleto Retido Total


Hospitalar(dias) n % n % n % n %
1 153 71,49 1209 59,12 12 44,44 1374 60,10
2 50 23,36 625 30,56 10 37,14 685 29,97
3 dias ou + 11 5,14 211 10,31 5 18,51 227 9,93
Total 214 100,00 2.045 100,00 27 100,00 2.286 100,00
Estatística: p = 0,005
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incompleto foi o de maior ocorrência em todas maior envolvimento de profissionais das áreas da
as faixas etária estudadas; porém, o abortamento saúde e educação, a fim de promover a saúde se-
completo revelou incidência mais elevada no gru- xual e oferecer assistência imediata às mulheres
po das adolescentes, sendo essa diferença signifi- acometidas pelo abortamento, principalmente no
cante, o que possivelmente esteja relacionado às grupo das adolescentes, no qual a prevenção da
intervenções voluntárias ou à maior ocorrência gravidez poderia evitar a ocorrência do aborta-
de malformações no concepto. mento e conseqüentemente uma melhor quali-
Nesse contexto, ressalta-se a necessidade de dade e valorização da vida.

Colaboradores

LM Vieira, TBL Goldberg, SO Saes e APB Dória


participaram igualmente de todas as etapas da
elaboração do artigo.

Referências

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