Você está na página 1de 5

Os Gêmeos siameses e as consequências na seara penal

1 - Introdução

O homem em sua saga pelo universo sempre se deparou com forças


alienígenas, sejam estas as doenças, deformidades, imperfeições na nossa biologia.
Em meio a tantos impasses, o ser humano avança, ainda que a passos lentos, em
busca de novas respostas para suprir a sua deficiência estrutural-fisiológica, a fim de
prolongar os seus dias sobre a terra.
A formação cultural do homem hodierno por muitas vezes representa um
impasse à sua própria evolução já que, a cada dia que se passa ignoradas são as
situações das pessoas que sofrem com deficiências, o que acarreta um marasmo na
dinâmica social.
O nosso artigo se aterá a analisar a situação dos gêmeos siameses (ou
xifópagos) pessoas que por uma má formação no disco embrionário, são fadadas a
perecer em um sistema marcado pelo atraso social e pela sua difícil situação, que
muitas vezes gera controvérsias e dissidências na opinião das autoridades gerais.

2 – Gêmeos Siameses ou xifópagos

Por gêmeos siameses entende-se os indivíduos que por um problema na


divisão do disco embrionário, que não chega a se dividir por completo, ficam ligados
por uma parte do corpo, geralmente pelos quadris, peito ou cabeça, e em certos
casos compartilham até alguns órgãos.
Quando ambos os gêmeos são relativamente normais, recebem a designação
de gêmeos simétricos, já quando uma criança é subdesenvolvida - comumente
chamado de irmão parasita - e dependente do normal - ou hospedeiro – são
chamados de gêmeos assimétricos. Estima-se que a anomalia atinge um em dois
milhões de gêmeos no planeta, ocorrendo uma vez a cada duas mil gestações [1].
O termo gêmeo siameses surgiu com os irmãos Chang e Eng [2], nascidos
em 1811 no Sião (atual Tailândia), os mesmos possuíam o mesmo fígado e umbigo
conectados por seis polegadas de tecido. Os gêmeos viraram atração de circo, vindo
mais tarde a casar, cada um com sua respectiva esposa, atingindo o impressionante
número de 22 filhos entre eles.

3 – Os Siameses no ordenamento jurídico

O nosso ordenamento jurídico ainda é silente no que concerne a uma


regulação sobre os gêmeos siameses, isso por que até agora não foi constatado
nenhum tipo de crime praticado por siameses . O legislador brasileiro ainda não se
pronunciou sobre a situação em que se encontram os siameses, o que causa em
algumas situações controvérsias, restando ao judiciário o bom censo em face de
eventuais problemas nas mais diversas esferas que podem envolver os indivíduos
xifópagos.

É bem verdade que a doutrina estabelece que cada gêmeo xifópago deverá
ser tratado como uma pessoa autônomo, como de fato é, alegando que o fato de
serem unidos num mesmo corpo não os isenta de serem tratados como pessoas
distintas. Mas, sabido é que o problema é muito mais complexo, pois não há
nenhuma regulação que verse sobre a participação dos siameses em concurso
público; a sua performance na empresa, como agir, as divisões de tarefas; nos
casos de demissão na seara trabalhista e administrativa; entre outras infinidades,
que não pormenorizaremos neste artigo.

4 – Os siameses na esfera penal

Tema bastante complexo se faz na esfera penal ao se tratar de crimes


cometidos por gêmeos siameses. Qual o tratamento que deverá ser direcionado no
caso de um, ou ambos os xifópagos cometerem crime? Haveria uma solução
plausível para punir o culpado? Perguntas como essas invadem o meio acadêmico,
tentando encontrar uma solução assaz lógica para solucionar esses conflitos, o que,
porém torna-se complicado face às complicações oriundas da deficiência.

Prima facie, as medidas tomadas atualmente buscam saídas um tanto que


condicionadas, no sentido de tratar o infrator com a estrita dependência do outro
gêmeo, já que não existem ainda leis que regularizem a situação dos xifópagos, ou
mesmo medidas cirúrgicas para todos os casos de xifopagia.

Quando se fala em aplicação da pena voltamo-nos logo para os princípios


do Direito Penal, onde os mesmos aparatam todo o sistema penal brasileiro. Neste
âmago, surge o princípio da culpabilidade, onde ninguém será incriminado sem
cometer um crime ou possuir alguma culpa, assim, no caso de um dos gêmeos
siameses vir a executar um crime o Jus puniendi do Estado não poderá persegui-lo,
pois, como infere-se do princípio, é nulo o crime sem culpa. Ainda que o assunto
seja uma hipótese incomum, pois até agora não se ouviu falar em xifópagos
criminosos, deve-se analisar como um caso In concreto, pois no mundo jurídico nem
uma situação provável e possível deve ser ignorada.

Tema bastante interessante surge exatamente na possível situação que


eventualmente poderá ocorrer caso gêmeos xifópagos cometam algum crime, onde
a justiça provavelmente se verá de mãos atadas no ato da aplicação da pena ao
criminoso, pois factível é que na realidade são duas pessoas presas por um laço
físico real, não sendo possível punir apenas um sem atingir o outro.

Imaginem gêmeos siameses, um deles detentor da maioria dos


movimentos resolve cometer um homicídio, admitindo-se que o segundo, limitado
por ausência de membros, implora para que o irmão não cometa tal insensatez,
mas, o mesmo insiste e concretiza o ato. Qual a consequência penal? A doutrina
majoritária reza que deverá se optar pela liberdade de ambos, já que pelo princípio
da individualização das penas a punição não passará da pessoa do delinquente,
sendo vetada a padronização de penas, já que apesar dos siameses dividirem
apenas um corpo, são pessoas distintas psicologicamente e atuam conforme a sua
vontade própria, não comungando, portanto, das mesmas intenções. Rogério Greco
com o auxílio de Bento Farias ratifica tal pensamento dizendo:

“(...) Colocamos o caso de homicídio praticado por um dos


xifópagos, sem que tenha havido o acordo de vontade do outro, ou
seja, sem que se possa falar em concurso de pessoas. Nesse
caso, como professa Bento de Faria, ‘ a decisão deve ser proferida
em favor da liberdade’. Razão pelo qual o irmão siamês que não
desejava o resultado morte não poderá ser punido, reflexamente,
em virtude do comportamento do outro irmão, sendo que a
solução será a impunidade do fato. [3]”

Solução diferente propõe Flávio Augusto Monteiro Barros [4], que sugere
que se espere que o gêmeo inocente venha a cometer um delito e que venha por
este a ser condenado, para que ambos os xifópagos venham a cumprir a pena
juntos, cada um respondendo, é lógico, pelos seus respectivos crimes.

Agora imaginemos que ambos, com o mesmo ânimo, resolvem cometer o


homicídio juntos, a situação seria menos complicada no que atine a sua
condenação, porém, dificultosa no momento da saída. Nesse sentido Rogério Greco
preceitua que:

“(...) como os irmãos siameses possuem, cada qual, sua


personalidade, distinta da do outro, no momento de fixação da
pena, levando em consideração, principalmente, o art. 59 do
Código Penal, podem receber, ao final do cálculo relativo ao
critério trifásico previsto pelo art. 68 do Código Penal, penas
diferentes, sendo um deles, por exemplo, punido mais
severamente do que o outro [5].”

No caso de um dos gêmeos alcançar a liberdade primeiro que o outro, se


for inviável a separação cirúrgica, ambos devem ser colocados em liberdade, pois,
como sabemos, cumprida a pena do indivíduo este deverá obter novamente a sua
liberdade, sendo ilegal a sua permanência na prisão.

5 - Conclusão

A complexa tarefa de regular as necessidades especiais ainda não é de


alcance do nosso poder legislativo, pois casos como estes que tratamos ainda
merecem muitos estudos, haja vista que ainda encontra-se numa situação abstrata
no que concerne ao crime praticado por xifópagos, porém nada impede de que
venha a ocorrer tal situação.
Ainda que a medicina tenha evoluído tanto, há casos em que é inviável a
separação por via cirúrgica, e a probabilidade é real de existirem siameses a procura
de empregos, concursos públicos, etc.

Faz-se necessário que o legislador busque maneiras para tratar tais


situações, pois o bom ordenamento não se faz apenas com o que é palpável, é
preciso antes de tudo evitar o problema, pois como a velha máxima popular diz: “é
melhor prevenir do que remediar”.

[1] Dados da Secretária de Estado do Distrito Federal.

[2]STRAUSS, Darin. (2001). Chan e Eng. São paulo: Companhia das letras.

[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Pena. Parte especial. 7ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 133.

[4] BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Direito Penal. Parte Especial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 13.

[5] GRECO, Rogério op. cit., loc. cit

Você também pode gostar