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CULTURA E

PÓS- MODERNIDADE
AULA 1

Profª Talita Nascimento


CONVERSA INICIAL

Refletir e estudar sobre como se constrói a cultura é uma das tarefas


iniciais para o desenvolvimento da perspectiva sociológica. E uma vez que
consideramos que a sociologia é o estudo das relações e interações entre os
indivíduos, e que essas ocorrem em determinado tempo e espaço, isso significa
afirmar que, de certa maneira, as mudanças no ambiente, no contexto geral de
cada época indicam um pano de fundo diferenciado para as relações sociais,
aspecto relevante no estudo do comportamento dos seres humanos e, portanto,
da cultura.
Para que você compreenda melhor essa afirmação, iniciamos a discussão
com a seguinte pergunta:
– Ser mulher no ano de 1700 é diferente do que ser mulher em 2020?
Perceba que, para responder a essa pergunta, acabamos tendo que
refletir sobre concepções culturais, significados construídos socialmente sobre o
que é ser mulher – e, nessa análise, identificamos que concepções podem ser
diferentes de uma época para outra. Nessa reflexão, você já deve ter percebido
que iremos discutir o que é cultura dentro de um contexto específico,
denominado pós-modernidade.
Nesta aula, iremos discutir cultura no contexto da pós-modernidade.
Trata-se de uma tarefa árdua e ao mesmo tempo emocionante, uma vez que
estamos falando de problemáticas que fazem parte do nosso dia a dia e que,
mesmo não teorizando sobre elas, grande parte das pessoas já deve ter dado
alguma desculpa, justificativa ou explicação – em que um conceito generalista
de pós-modernidade caberia.
Como assim? Estamos dizendo, de maneira geral, que as respostas
dadas pela modernidade já não estão mais servindo, e que temos algo diferente
acontecendo e que deve ser explicado de maneira diferenciada. Ou seja, já não
podemos tratar de conceitos como ciência, política, medicina, educação, religião,
família, entre outros, como discutíamos e analisávamos em décadas, séculos
anteriores.
Ainda que se trate de um conceito amplo e com múltiplas definições, é
importante discutir cada uma delas, para não cair numa generalização rasa e
que pouco contribui para análises concretas (percebe, aqui, uma tentativa minha,
de professora “moderna”, de ter uma resposta fechada, para uma pergunta que

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não permite apenas uma resposta? Aqui está uma reflexão inicial sobre o que
pode ser a pós-modernidade.
É Importante adiantar que o conceito de pós-modernidade é muito
debatido e criticado dentro das teorias contemporâneas. E, ainda que seja
possível questionar se a modernidade já acabou para que possamos falar de
pós-modernidade, vamos deixar essa discussão para o decorrer da disciplina e
nos baseara na constatação de que, mesmo que a modernidade não tenha
acabado, percebemos que há um contexto diferente, com paradigmas diferentes
e que, portanto, deve ser definido para ser utilizado.
Ou seja, constata-se, com base no parágrafo anterior, que há uma
necessidade de se discutir o que é modernidade e analisar a concepção de cada
um dos autores quando indica a noção de pós-modernidade, modernidade tardia
ou modernidade em crise, como vamos analisar de maneira geral durante esta
aula e aprofundar no decorrer na disciplina.
Além dessas concepções, é preciso revisar o conceito de cultura,
identificar que se trata do simbólico, construído. Levando em conta esses
elementos, podemos discutir o impacto do contexto também na construção da
identidade dos sujeitos. Sendo assim, constata-se que não estamos apenas
diante de um “novo tempo histórico”, com diferentes paradigmas, mas estamos
discutindo a identificação de um “novo sujeito”, o “sujeito pós-moderno”.
Para dar conta dessas discussões, nesta aula iremos definir e discutir
desde o processo de socialização, concepções básicas sobre cultura como
construção social, tentando caracterizar e diferenciar entre modernidade e pós-
modernidade, para então aplicar essa conceituação na análise do que seria o
sujeito pós-moderno. Em seguida, faremos algumas análises de temas
contemporâneos; discussões que serão aprofundadas posteriormente, com base
em diferentes autores.

TEMA 1 – CULTURA E SOCIEDADE

Para analisar o efeito da pós-modernidade na cultura e na constituição de


um sujeito pós-moderno, nos concentraremos em conceitos básicos das ciências
sociais (sociologia e antropologia), como o processo de socialização e cultura
como uma construção simbólica.

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1.1 Processo de socialização e transmissão cultural

Quando iniciamos nossos estudos sociológicos, vemos que tudo começa


no processo de socialização. O próprio termo indica que se trata de um processo,
ou seja, expressa continuidade. O que quer dizer que nós ainda estamos sendo
socializados, reforçando a ideia de que o homem é um ser social, em constante
construção.
Para exemplificar esse conceito inicial, basta analisarmos como se dá o
aprendizado de um bebê, que acontece inicialmente na família (processo de
socialização primário). A criança aprende os costumes básicos de determinada
sociedade, tais como o modo de falar, de se vestir, o que comer, o que é certo e
o que é errado (concepções que fazem parte da cultura, com suas regras,
normas e valores, que podem variar de sociedade para sociedade, bem como
em épocas distintas).
Quando a criança vai para escola, essa socialização é ampliada, e muitos
pais percebem, de maneira drástica, a diferença de comportamento dos seus
filhos, seja com base em vocabulários, músicas que aprendem, comidas que
comem, brincadeiras, e até visões de mundo que podem diferir das do círculo
familiar. Agora, imagine a imensidão de variáveis de contatos que temos ao
longo da vida, e que cada um desses contatos pode oferecer opções até
contraditórias de visões de mundo e de comportamento social.
Considerando todos os grupos sociais, contatos diferenciados por meio
das mídias, temos o que os autores denominam socialização por fragmentos, ou
seja, somos socializados por diferentes fontes, e não de maneira linear, e nem
da mesma medida para todos os indivíduos, a depender do tipo de contato que
mantêm em diferentes lugares (seja os grupos que frequenta, a empresa, a
religião – que seriam os tipos de socializações tradicionais, até os filmes a que
assistimos, grupos e informações que acessamos online, tendo contato com
culturas as mais variadas possíveis no mundo todo). Essa reflexão se aproxima
das que faremos sobre os diferentes fatores que impactam na construção da
cultura, e do indivíduo na pós-modernidade.
A socialização, portanto, é um processo de transmissão cultural. Fazemos
parte de diferentes grupos sociais, desenvolvemos hábitos comuns, similares a
quem convive conosco. Esses grupos sociais fazem parte de uma sociedade, a
qual apresenta uma cultura que abrange vários grupos. Isso significa que é muito

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possível que seu grupo de amigos tenha costumes semelhantes aos de um
grupo de amigos de algum familiar que more em outra cidade, uma vez que
vivemos no mesmo país, onde diversas características são comuns a todos.
Nessa linha de raciocínio, podemos supor que possivelmente um
estrangeiro adote posturas diferentes. Entretanto, com o efeito da globalização,
está cada vez comum vermos uma foto aérea de uma cidade e não sabermos
de que país é; assim como podemos tirar uma foto de uma sala de aula em
diferentes lugares do mundo, sem saber exatamente de onde é.
Sobre essas concepções, antes de seguir com a análise, importa retomar
o conceito de cultura e sua característica simbólica, para ressaltar principalmente
que se trata de uma realidade construída e que também está em constante
transformação.

TEMA 2 – CULTURA COMO CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA

Comparando aos outros animais, para Cassirer (1994), o homem não vive
apenas em uma realidade mais ampla, vive em um universo simbólico, em uma
nova dimensão da realidade.

Saiba mais

Para iniciar a reflexão sobre a cultura como uma construção social e


simbólica, sugerimos que você assista ao filme alemão O enigma de Kaspar
Hauser, baseado em livro publicado em 1930, que retrata o caso de um
adolescente que passou seus primeiros 16 anos encarcerado sem interações
sociais, sendo apenas alimentado. Quando foi libertado, podemos observar suas
primeiras interações e como as concepções sociais e culturais não fazem sentido
para ele.
O ENIGMA de Kaspar Hauser. Direção de Werner Herzog. Alemanha,
1974. 1h50min.
Ao assistir às primeiras interações de Kaspar, podemos fazer um
exercício de desnaturalizar e olhar de maneira diferenciada para as concepções
culturais que muitas vezes não percebemos que foram construídas socialmente,
ou seja, que nem sempre foram assim e que podem ser significadas de maneira
diferente em outro grupo ou cultura. Em uma das cenas, por exemplo, Kaspar
aparenta não entender por que na hora da refeição todos se sentam para comer
e os empregados da casa não.
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Perceba que as diferenciações de status, regras sociais e até mesmo as
diferenças de tratamento que damos para uma criança, para um vizinho, familiar
ou a concepção de quem é o “estranho” são determinadas com base na cultura
na qual estamos inseridos. Diferenciações que percebemos de maneira mais
acentuada nos relatos de estudos antropológicos de comunidades que tiveram
pouco ou menos contato com a cultura ocidental.
Ao nascer, somos mergulhados numa “teia de significados” e aprendemos
a orientar nossas ações baseados em tais concepções. Isso nos aproxima do
conceito de cultura defendido por Geertz:

O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico.


Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado
às teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como
sendo essa teias e sua análise, portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura de significados (Geertz, 1989, p. 15).

Essas concepções, se adicionadas às teorias que discutem a construção


da identidade cultural dos indivíduos, nos permitem perceber quanto o contexto
social de cada época (como diria Stuart Hall), ou como a cena dada, os papéis
sociais a que somos submetidos, que incorporamos em cada realidade (como
diria Goffman), têm centralidade na formação da identidade cultural do sujeito.
Neste ponto, estamos abrindo caminho para analisarmos o quanto a
mudança de paradigma de uma época para outra pode impactar drasticamente
na cultura, e também em quem somos e em como significamos o que acontece
e como interagimos com a realidade em que estamos inseridos.
Entender, portanto, que a cultura é construída, e buscar fazer um exercício
de como o contato com outras realidades, culturas, significados, e até novas
problemáticas sociais impactam em quem é o “indivíduo contemporâneo”, é
tarefa inicial para a discussão do que seria a cultura pós-moderna, nome dado
pela literatura contemporânea para esta nova realidade, uma teia diferenciada
de significados, que se distancia em maior ou menor medida, da realidade
moderna.

TEMA 3 – CONTEXTO SOCIOCULTURAL E PÓS-MODERNIDADE

Como observadores, categorizadores dos tempos históricos, podemos


dizer que determinada época é distinta de outra época indicando características
específicas de cada uma.

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Ao tentar descrever a pós-modernidade, estamos lidando com o tempo
presente. Fazer um exercício reflexivo de buscar diferenciar relações sociais,
culturais e econômicas entre a Idade Antiga, Idade Média, Moderna e a
contemporaneidade é definir a pós-modernidade, ou modernidade tardia,
modernidade em crise, como alguns autores indicam.
Trata-se, portanto, de compreender que nos diferenciamos da
modernidade. Sendo assim, interessa caracterizar o que entendemos pelo
período moderno (explicar um modelo indicando as diferenças com o anterior
interessa não só por uma questão didática, mas por buscar compreender como
as mudanças foram ocorrendo, com base em que “terrenos”, possibilidades,
capazes, inclusive, de explicar, justificar as transformações).
Por exemplo, temos a associação da Idade Média com explicações
religiosas, o modo de produção feudal e relações próprias de poder, como a
monarquia absolutista e o poder da Igreja.
Em contrapartida, temos a modernidade associada a explicações
racionais, modo de produção capitalista e surgimento da democracia e dos
Estados nação.
Mas, se não temos o fim dos Estados nação, o anúncio de outro sistema
econômico ou o fim da racionalidade, como explicar e anunciar que vivemos em
outra época?
Pois é... Trata-se de um tema polêmico e que, para além de ter muitas
respostas definidoras, assim como uma de suas principais características, não
possui uma única resposta que o defina, o caracterize.
Há autores que indicam datas específicas para o surgimento da pós-
modernidade, como a Revolução Francesa, a década de 1960 ou a implosão de
um conjunto habitacional de menos de 20 anos, nos Estados Unidos (1972),
considerado símbolo da arquitetura moderna. Como é um termo usado como
adjetivo em várias áreas, como ocorreu com a modernidade, interessa indicar a
diferença entre pós-modernismo, considerado um estilo, e pós-modernidade
como um contexto.
Ainda que pareça indefinido, se nos perguntarmos sobre as diferenças
entre ser jovem, estudar, produzir ciência, fazer política e até significar a
existência – em 1900 e 2020, certamente há características que todos poderiam
indicar. Perceba que mais do que fatos que indiquem ruptura, estamos falando
de novas explicações e significações para as mesmas relações, bem como

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novos tipos de relações, experiências, padrões de comportamento, que podem
estar associados ao aumento da velocidade da vida, bem como ampliações das
relações e trocas econômicas e culturais, que cada vez mais modificam ou
ressignificam a cultura e até o objetivo da vida.
Muito mais do que definir um período histórico com acontecimentos
específicos, percebemos que temos paradigmas diferentes que explicam e
orientam a vida em sociedade de maneiras específicas.
A abertura para a ciência e o desenvolvimento da indústria podem explicar
o surgimento da modernidade, o questionamento sobre a própria ciência e o
surgimento das novas tecnologias que sustentam a ampliação das
comunicações (globalização) e, portanto, novas relações não só de mercado,
econômicas, mas sociais, culturais, anunciam a pós-modernidade.
Para iniciarmos a discussão sobre o termo, elencamos algumas
características e exemplos para sustentar esta conversa inicial que busca
apresentar alguns impactos da pós-modernidade para a cultura, e, como
consequência, para a formação do indivíduo.

3.1 Características da modernidade versus características da pós-


modernidade

Se pudéssemos definir a modernidade em poucas palavras, seriam estas:


industrialização; racionalidade; novas invenções, descobertas; crença na
ciência; mudança de ritmo de vida, estilo e objetivo de vida diferentes em
comparação com a Idade Média.
Neste prisma, todo o conceito de pós-modernidade surge da crítica,
rompimento ou esgotamento da modernidade:

 Crise das certezas;


 Algo definitivo, agora é apenas uma possibilidade;
 Crise das utopias;
 Fim de utopias redentoras;
 Não mais foco na utilidade;
 Velocidade da informação;
 Multiplicidade de valores e culturas;
 Mistura de estilos (arte, arquitetura, métodos, costumes);
 Acesso de “todos”;

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 Não mais contracultura, e sim integração, culturas paralelas,
desconstrução;
 Aproximação e tensão entre local X global;
 Sociedade planetária;
 Imediatismo, hedonismo;
 Mistura da indústria cultural, cultura de massa e cultura do espetáculo;
 Separação tempo X espaço;
 Tempo da conjunção e, e não ou (queda da hierarquização de práticas,
profissões, áreas do conhecimento, religiões);
 Pós-modernidade não é algo necessariamente novo. Há discursos,
reflexões sobre o momento, indicando que não há garantias, certezas;
 Sem referências, somos livres para fazer muitas coisas, sem saber o quê;
 Polissemia e não uniformidade;
 Não materialidade que determina as coisas, mas o sentido que é atribuído;
 Relativização de padrões, explicações, modos de vida;
 Entendimento de que a compreensão de formas de conhecimento e
explicações são limitadas.

Com base nesses discursos, reflexões, crítica e constatações de que


vivemos num momento diferente, com um “pano de fundo” diferente para as
relações é que afirmamos que, mesmo não rompendo, vendo o fim da
modernidade, precisamos de novas e diferentes explicações para a realidade.
Isso significa dizer que a pós-modernidade, mais do que um momento histórico,
traz uma maneira diferenciada de compreender, analisar, explicar e significar o
mundo e as relações sociais.

TEMA 4 – CULTURA E IDENTIDADE

Discutimos inicialmente o conceito de cultura, de como ela se constrói e


de como é construída socialmente. Neste tópico, já considerando que estamos
na pós-modernidade, ou modernidade em crise ou tardia como a literatura traz,
interessa discutir como esse novo cenário impacta na construção da identidade
dos sujeitos.
A antropologia, quando discute a construção social da identidade, indica
que esta se dá com base em interações. Isso significa dizer que aquilo que eu
sou também vai depender do mundo à minha volta, da forma como a sociedade

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significa a vida, as relações, as práticas etc. É claro que importa lembrar que a
teoria não é determinista, mas é importante entender que a visão que eu tenho
de mim mesma também passa pelas concepções sociais.
Como exemplo, podemos citar George Mead quando indica que a
construção da minha identidade, se eu me sinto mais ou menos confortável com
a reação do outro sobre a minha ação, impacta na construção do meu eu.
Seria o mesmo que afirmar que a forma pela qual a sociedade significa os
costumes, práticas, objetivos, estilos e modos de vida, por exemplo, impactam
em como eu também significo e me sinto mais ou menos confortável em agir
desta ou daquela forma.
Outro exemplo podemos apresentar com base na concepção de Goffman
(1975), quando associa a construção da identidade relacionada aos papéis que
assumimos ao longo da vida. Como se fosse um teatro, e vamos incorporando
papéis, que aos poucos acabam por “nos construir”.
É como se estivéssemos expostos a uma cena, e as maneiras pelas quais
reagimos a elas vai resultar na construção de nossa identidade social.
Sendo assim, podemos dizer que a pós-modernidade é uma cena,
diferente da modernidade, e que, portanto, o sujeito pós-moderno também tende
a ser outro.
Nesse cenário, caracterizado por Giddens (2002), como “modernidade
tardia”, prevalece um enfoque subjetivo e individualista, que tem colocado em
questão paradigmas universais, modelos dominantes e padrões até então
aceitos socialmente. Além das verdades absolutas que são questionadas, como
a falibilidade da ciência, que, para Marcuse (1967) deve ser posta em questão,
Hall (2002) indica que nesse âmbito entram também as crenças e valores que
regem a sociedade. Seria, no âmbito cultural, uma ampla relativização das
crenças, práticas, costumes, que passam a não mais orientar de maneira
uniforme o modo como as pessoas devem ou não viver e significar seus dias,
suas histórias, suas vidas.
Dentre os aspectos inerentes à contemporaneidade, um dos pontos
centrais dessa análise sobre a pluralidade de valores então concebidos no
mundo atual, temos a globalização como aspecto fundante e determinante para
analisar as relações sociais. Justamente a considerar características principais
da pós-modernidade como a quebra e valores, de padrões e paradigmas
totalizantes, os aspectos inerentes à globalização – que permite a troca de

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informações e de padrões entre culturas diversas – têm papel importante nessa
análise sobre a construção da identidade do sujeito num mundo onde o contexto
local se confunde com o global, determinando padrões dos mais diversos que
parecem estar ao alcance de todos, num mundo que parece não ter barreiras.
Assim como afirma Giddens (2002):

o conceito de globalização é melhor compreendido como expressando


aspectos fundamentais do distanciamento entre tempo e espaço. A
globalização diz respeito à intersecção entre presença e ausência, ao
entrelaçamento de eventos e relações sociais à distância com
contextualidades locais (Giddens, 2002, p. 27).

A considerar as relações sociais num contexto onde temos a velocidade


de informação de maneira nunca vista antes, onde o tempo e o lugar não
parecem ser barreiras, num mundo considerado sem fronteiras, é relevante
pensar como as relações sociais e afetivas se alteram dentro desse contexto em
que a informação é midiatizada e a quantidade de tempo que os sujeitos dispõem
parece ser cada vez menor.
Como afirma Thompson (2004), esse contexto as relações não se
restringe a locais ou tempos determinados, e sim aos instrumentos de mediação
(como a TV, o celular e a internet), que determinam novas relações, que até
então eram face a face mediadas.
Sobre o ritmo de vida da sociedade atual ser veloz, em que os indivíduos
assumem e acumulam inúmeros papéis sociais, não temos dúvida. Como
ciência, é preciso identificar de que maneira essas transformações nos padrões
sociais ocorreram e como afetam as relações sociais no cotidiano e de que
maneira.

A maior parte da nossa experiência cotidiana é experiência em


enésimo grau, o que significa que ela se situa em contextos que são
cada vez mais construídos por informação, transmitidos pela mídia e
internalizados pelos indivíduos (Melucci, 1996, p. 201).

Portanto, nessa relação do sujeito com o mundo, temos o papel


fundamental da mídia na construção do sujeito. Giddens (2002), ao trabalhar
com o “efeito colagem”, a justaposição de histórias, notícias e curiosidades, que
nada têm em comum senão serem oportunos – traz a dificuldade de termos a
visão completa dos fatos e fenômenos, já que recebemos a informação
totalmente em fragmentos, de acordo com os interesses dos veículos de
comunicação, que são os mais diversos.

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Dentro dessa perspectiva, da velocidade da informação e das relações,
parece ser impossível o homem absorver, assimilar tudo o que acontece no
mundo. É sobre esse mundo que a análise desta aula objetiva interpretar as
relações – com base nos pressupostos que regem essas relações, tanto a
velocidade da informação, a falta de padrões e busca do bem-estar individual. É
nessa tensão entre o local e o global que o sujeito pós-moderno vai reconhecer
os seus parâmetros, modelos, que em síntese se embasam na falta de um único
padrão: ou seja, o mundo pós-moderno apresenta a pluralidade de valores e de
opções, na superação de paradigmas totalizantes e verdades absolutas,
características do mundo moderno.
Nessa relação com o mundo, em que o temos o cidadão de uma
sociedade planetária, fragmentada, que este novo indivíduo busca a sua
identidade. Segundo Hall (2002), temos na modernidade tardia a perspectiva de
que as identidades modernas se encontram descentradas, deslocadas,
fragmentadas; na perda de um sentido de si estável.
Portanto, mundo pós-moderno é, como diz Thompson (2004), o mundo da
experiência mediada. Para ele, são três as possíveis formas de relação: a face
a face, a mediada (cartas, telefones, internet etc.) e a quase mediada (TV,
jornais, revistas, internet, rádio etc.), que criam, na pós-modernidade, uma nova
forma de relação, na qual os indivíduos podem criar e estabelecer uma forma de
intimidade não compartilhada e essencialmente não recíproca (Thompson,
2004).
Se antes (há menos de 40 anos atrás) os sujeitos se relacionavam face a
face, as novas relações agora são mediadas quase na sua totalidade por
celulares, pela internet, pelo mundo informatizado. Nesse sentido, é válido
ressaltar que o referencial teórico clássico e moderno parece não atender às
novas demandas e problemáticas trazidas pela questão do indivíduo e a
complexidade das relações desse “novo sujeito”.

TEMA 5 – SUJEITO PÓS-MODERNO

Como ponto central relativo às alterações na sociedade que afetam as


relações pessoais temos a questão do local e global, que nunca estiveram tão
ligados, e a quantidade de informações com a qual o indivíduo lida todos os dias
e que influenciam diretamente na constituição da identidade desses sujeitos. É
com base nessa nova configuração das relações sociais que temos a pluralidade
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de informações e de modelos, bem como de valores que também são
midiatizados e compartilhados entre o local e o global.
Portanto, a identidade do homem pós-moderno pode estar refletindo a
falta de referenciais estáveis, lineares, ao lidar com as variáveis que condicionam
as suas vidas de maneira tão intensa por meio dessa troca de culturas, de
valores, de padrões possíveis pela velocidade da informação. Fica difícil de
imaginar a tão sonhada liberdade do indivíduo, que se pensa como ser autônomo
para selecionar e gerenciar as informações que lhe são acessíveis, que podem
ser questionadas.
Dentre os aspectos expostos neste texto como características do mundo
pós-moderno, para compreender a construção da identidade do sujeito e quais
são os padrões aceitos socialmente, os pontos expostos por Bauman (1998;
2009) e Elias (1994) bem explicitam a problemática central da sociologia com o
paradigma do indivíduo, quando discute a relação indivíduo-sociedade. Tendo
como base a aparente liberdade dos indivíduos em fazer suas escolhas e definir
como “querem” ser e quais modelos “desejam seguir”, a discussão em torno da
falta de padrões totalizantes, como tínhamos no mundo moderno, se faz
presente hoje num padrão que se impõe, sendo este a “falta de padrões”.
Além dos pontos apresentados como inerentes da sociedade pós-
moderna, outro tópico estruturante das relações sociais nos mais diversos
âmbitos que deve ser analisado é a busca pelo bem-estar. Se como ênfase no
mundo moderno prevalecia a busca do bem-estar geral, com verdades e
discursos que pareciam trazer o bem para a humanidade como um todo, no
mundo pós-moderno essa busca do bem-estar 9como todas as relações sociais)
está embasada na satisfação do indivíduo independente do coletivo. Como
exemplo, vale citar o caráter atual de movimentos sociais que emergiram no
século XX, que, se outrora lutavam pelo coletivo, cada vez mais buscam ressaltar
a especificidade e o respeito pelas diferenças, pela individualidade.
Correlato às consequências da globalização, dessa pluralidade de
valores, da busca do bem-estar individual, esse “novo padrão em não ter
padrões” são explicitados em diversos autores tais como os citados nessa
pesquisa (Bauman, Harvey, Freud) quando trabalham o mal-estar da pós-
modernidade, em consonância com este trecho de Bauman (1998, p. 96):

no nosso inquieto mundo da modernidade, “a identidade signifique


recusar ser o que os outros querem que seja”, é recusado à pessoa o

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direito de recusar. Não se tem tal direito, não neste jogo, não enquanto
os árbitros impuserem a sua vontade.

Bauman (1998, p. 96) acentua que “a busca da felicidade como motivo


supremo da vida individual”, que para ele é constantemente desafiado pela forma
de conquistá-la, quando pressupõe o autocontrole, tendo em vista os meios
possíveis que em si contrariam o bem-estar imediato. Este mal-estar advindo da
sociedade líquido-moderna, que para Bauman (1998) “significou a morte das
principais utopias sociais e, de modo geral, da ideia de ‘boa sociedade’”, trazem
consigo um desconforto e um desajuste constante que insinua em todo momento
que a felicidade se encontra no incerto, no descartável, que revogam a
estabilidade de modo geral. Em outras palavras:

Em outras palavras, a modernidade é a impossibilidade de permanecer


fixo. Ser moderno significa estar em movimento.... Não se resolve
necessariamente estar em movimento – como não se resolve ser
moderno. É-se colocado em movimento ao se ser lançado na espécie
de mundo dilacerado entre a beleza da visão e a feiura da realidade –
realidade que se enfeiou pela beleza da visão. Nesse mundo, todos os
habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a fim de se
fixar. Além da curva, existe, deve existir, tem de existir uma terra
hospitaleira em que se fixar, mas depois de cada curva surgem novas
curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não
destroçadas (Bauman, 1998, p. 92)

Considerando todas as características acima explicitadas com relação ao


mundo pós-moderno, a sociedade contemporânea e a constituição do sujeito, na
sua identidade de como interpreta o mundo e como lida com o outro é que estão
submersas questões tão tradicionais, como a percepção sobre casamento e a
afetividade. Com base no reconhecimento da pluralidade de valores e papéis
sociais concorrentes no âmbito das relações familiares é que os itens seguintes
deste trabalho pretendem elucidar a questão do amor e sexualidade num
processo histórico e seu reflexo para os dias atuais.

NA PRÁTICA

Como atividade prática, propomos que você busque aplicar o conceito de


pós-modernidade para repensar a educação e a juventude na
contemporaneidade. Leia atentamente a reflexão proposta e faça uma lista de
novas problemáticas a serem consideradas.
Educação, juventude e pós-modernidade
Já na transição da infância para adolescência vemos que hoje as
referências são muito mais ampliadas e diversas do que um dia já tivemos em
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qualquer sociedade. Desde roupas, estilos de música, padrões de
comportamento, religião, profissão, estilo de vida, entre outras infinidades de
categorias que a vida passou a ter, você percebe que há muito mais escolhas a
se fazer e menos padrões totalizantes, universais de escolhas?
Taís opções foram ampliadas para áreas onde muitas vezes não nos
sentimos nem capacitados para escolher, como uma linha da medicina ou da
psicologia. Há teorias e maneiras diferentes de enfrentar o mesmo problema na
busca de soluções.
Imagine também a infinidade de fatores a mais que um empresário que
produz tênis, por exemplo, tem que lidar hoje, diferentemente de um fabricante
em 1700. Basta pensar na quantidade de setores a mais que uma empresa
passou a ter, não só considerando as relações internacionais, mas no campo do
marketing, do tipo de propaganda, bem como a essência da relação compra e
venda, os diferentes tipos de clientes etc.
Refletindo sobre a velocidade da informação e o acesso a elas, temos
novas problemáticas como a infinidade de séries para assistir; como a
possibilidade de um produtor de cinema não ter garantias de que terá sucesso
de bilheteria, uma vez que, mesmo que invista milhões em propaganda, pode
ser que o lançamento desse filme seja ofuscado pelo lançamento de outro filme,
série, acontecimento etc. Resumindo, estamos na era das possibilidades e
justamente por isso também a era das incertezas. Tudo é possível, mas nenhum
caminho é certo, garantido.
No caso do Brasil, não temos dúvida de que nosso sistema educacional
ainda repousa sob a dura e totalizante modernidade sólida (como acontece
também na grande maioria dos países do mundo).
Pesquisadores afirmam que vivemos o conflito de ter uma educação
moderna para uma sociedade e geração pós-moderna.
Ainda vivenciamos a reprodução de teorias, “apresentação de verdades
universais”, que devem ser assimiladas e utilizadas para a gestão da vida.
Entretanto, além de não haver mais tanto tempo exclusivo para investir
num futuro (não só porque a sociedade valoriza o prazer aqui e agora), também
não há crença ou promessa de um futuro que dê conta dos anseios da sociedade
“sem centro”. Temos um conflito posto entre um modelo utilitarista de
transmissão de saberes que não apresenta resultados coerentes com o
investimento feito (seja em anos de estudo, ou mesmo políticas educacionais).

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Nesse contexto, temos também novas problemáticas, ou temas que foram
reconhecidos e observados com base na ótica escolar, como as necessidades
especiais, sob a constatação de que não há apenas uma forma de aprender ou
de aplicar e significar os saberes aprendidos.
Não haver um modelo rígido a ser seguido já é um “modelo” adotado por
diferentes correntes educacionais, que focam na experiência e têm deixado de
lado a ótica utilitarista e padronizante da modernidade. Temos visto cada vez
mais escolas sem provas, sem séries (separação por níveis, idades) e até sem
salas de aula.

FINALIZANDO

Nos estudos sociológicos discutimos com base em diferentes


perspectivas como se explicam as relações sociais e como fatores específicos
impactam no objeto de estudo. Ao trabalhar as transformações culturais à luz da
pós-modernidade, identificamos que as mudanças no contexto de uma
determinada época podem influenciar não só a cultura, mas explicar a
construção de uma identidade diferenciada dos sujeitos.
Isso significa dizer que, ao reconhecer que estamos vivendo num contexto
diferente, estamos diante não só de novas problemáticas, desafios, mas novas
possibilidades e de um “ser humano diferente”.
Posteriormente, iremos nos debruçar sobre diferentes autores e sobre
como cada um deles caracteriza a contemporaneidade e como percebem as
alterações nas relações sociais e nos paradigmas modernos.
Nessa tarefa, para além de fazer constatações, explicações, é
interessante vislumbrar também quais são as novas possibilidades e soluções
diferenciadas que essa “nova época” ou “nova situação” denominada pós-
modernidade, como um novo terreno, pode gerar de frutos. Podemos fechar a
discussão nos perguntando sobre as respostas que não conseguimos da
modernidade e, quem sabe, iremos compreender levando em conta a visão de
mundo pós-moderna.
Podemos adiantar que, uma vez que, diferente da modernidade e da ânsia
de obter “a verdade”, a pós-modernidade anuncia justamente que pode haver
vários caminhos, várias soluções e desdobramentos para aquilo que, como
modernos, considerávamos ser apenas um.

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REFERÊNCIAS

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