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O SR. PRESIDENTE (Guido Mondin) — Concedo a pa lavra ao nobre Deputado Plinio Salgado. O SR. PLINIO SALGADO (Nao foi revisto pelo orador) — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Senadores, nao era minha intengao nem meu desejo falar nesta sessdo matutina. Inscre- vi-me para dissertar acerca da emenda que apresentei e que est4 inserida no Titulo I. Deveria ter falado ontem. O ilustre Relator-Geral, Sena- dor Anténio Carlos, procurou-me pedindo que cancelasse minha inscrigao, porquanto nao se achava presente ontem o Sub-Rela- tor Vasconcelos Torres, que sobre a minha emenda se pronun- ciara. E divergindo ele, Relator-Geral, do parecer do Sub-Rela- tor, desejava falar ao Plenario, deixando a questao aberta para que por este fosse julgado o mérito da minha inovagao. Acontece que o Titulo I se esgota nesta manha, ja nao havendo oportunidade para falar sobre matéria a ele atinente no periodo da tarde. Nestas condicdes, dirigi-me ao Sr. Presi- dente e ele me aconselhou que falasse agora. Cometo, portanto, uma descortesia involuntdria para com o Sr. Relator-Geral, por- que forgoso me é dizer algo, na oportunidade prdépria, acerca da emenda que apresentei. Alias, no avulso distribuido ao Congresso, com os parece tes da Comissao, por singular coincidéncia acerca dessa emenda 316 da Nagao. art Nés temos, atualmente, a representagao dos Estados no Se- ; ‘a representagao da opiniao ptiblica na Camara Federal, mas marginalizados se encontram aqueles que representam no corpo da Nag&o, os seus rgéos vivos e ativos. Quem exerce 0 mandato de deputado ou senador verifica desde logo — se nao € distraido — que, toda vez em que se dé a tramitacao de um projeto que interessa a determinada categoria econémica ou cul- tural da Nacdo, comparecem aqui comissdes que enchem as an- te-salas do Plenério a cabalar nossos votos, a apresentar me- moriais, relatérios, estudos a respeito da matéria. Sao os cha- mados grupos de pressao nos parlamentos, fenémeno observado nos Estados Unidos e para o qual se procura dar, presentemente, o remédio adequado. Existe, em nosso Pais, uma realidade viva e palpitante des- considerada juridica e politicamente. Sao as federagdes das in- distrias, as associacdes comerciais, as sociedades rurais, os em- pregadores e empregados, cada qual na sua categoria. Realizam congressos, debatem problemas, enviam relatérios e conclusdes ao Executivo e ao Legislativo, os quais morrem nas gavetas, sem nenhum resultado pratico. Nés elaboramos leis, 0 Poder Exe- Cutivo baixa decretos ou instrucdes através de seus érgaos. En- _ ftetanto, os verdadeiros interessados nao sio ouvidos. Existe um _ clamor geral na Nacao. Podem nao percebé-lo aqueles que nao 317 Bee ecec ae Alberto Torres, Sr. Presidente, muito ae quando soube que o meu projeto de emenda tinha maos do Sub-Relator Vasconcelos Torres, porquanto S! Exa., por via de parentesco, est4 ligado aquele grande Pensador Brstiigifo €, por via ideolégica, a Oliveira Viana, discipulo de Alberto Torres, sobre o qual até escreveu um livro, Disse eu de mim para comigo: — realmente, & Preferiyel, Para compreensao mais exata de minha emenda, que ela va as maos de um socidlogo, antes que as de um Jurista, porquanto os juristas, em geral, se prendem mais a forma, ao que ha de € 0 socidlogo penetra mais os fenémenos do nominal nas leis, pais. Foi decepcao para mim haver S. Exa., que pessoalmente me declarou ter ficado encantado com a emenda e, mais ainda, com a justificaca0, dado parecer contrério, 0 que eu ja previa, Porquanto, disse-me ele ser infelizmente um delegado que teria de agir, nfo de acordo com o que pensa, mas de acordo com © que fosse pertinente no momento. Compreendo agora seu Parecer contrério, Com alto espi- rito puiblico e pura clarividéncia, 0 Relator-Geral nao pensou como o Sub-Relator, e teve a gentileza de ontem Procurar-me, conforme acentuei, pedindo-me que aguardasse a sua presenga no plendrio para Pronunciar 0 meu discurso, Infelizmente §, Exa, nao esté presente, 318 .. Deputados, Srs. Senadores, sei que, em se ojeto de Constituigado que se diz revolucioné- q o é mais do que uma cépia da Constituigao de acrescentada de emendas tendentes a fortalecer ° Poder 5, € estranhdvel que alguém traga uma idéia revolucio- e era jdéia revolucionaria é a que se contém na emenda resentei. I Bi cfoice, Srs. Senadores, e que é uma revolugao? Diz o proprio prefixo “re” que € uma volta. Muitos acreditam x “que seja um ayango, mas, na realidade, é um regresso. Em vez de eyoluir, de inyoluir, cla revolui, volta para tras. Volta para ~ o que ja era? Nao. Volta a procura de um equilfbrio perdido. % Toda vez que existe o choque entre as leis e as realidades da Nagao, cria-se a inquietacio geral, que € o espirito revolu- ciondrio, procurando um novo equilibrio, buscando o equilfbrio perdido em noyas formas de expressao. Ora, a presente revolugao nado esté trazendo coisa alguma diferente do que ja era na Constituigéo de 46. Suprime alguns dispositivos, acrescenta outros, mas, no mundo, é velha roupa »_temendada que estamos apresentando 4 Nagao como novidade tevolucionéria. Dai a razao pela qual entendi de apresentar esta emenda, que julgo trazer algo de revoluciondrio, isto é, a pro- cura de um equilibrio: e essa busca continuard, se a emenda nao for aprovada, 319 ~ ougo o nobre Senador José Guiomard. 0 Sr. José Guiomard — Nobre Deputado, comp: a emenda de V. Exa. nao é bem exatamente alguma Cois: ja tivemos. Mas seria oportuno que Ws Exa., pe que houve ; Parlamento brasileiro uma representagao classista, esmiuga: representagao que tivemos, bem como a ao aoe Propo Porque, pelo menos, essa representacao classe j4 foi feita er conseqiiéncia da Constituicéo de 34, creio. O SR. PLINIO SALGADO — Agradego o aparte do nobre Senador José Guiomard, 0 que me da oportunidade para escla- recer esse ponto. Na minha justificacao, refiro-me a isso. A Cons- tituigao de 1934 teve um vislumbre do problema. Nao tinha eu tratado do assunto até a esta altura do meu discurso, porque estava expondo metodicamente a matéria. Mas antecipo. A Cons- tituigao de 1934 criou a representacdo classista. Quer dizer, in- tuitivamente, percebeu o fendmeno do século: infelizmente, po- rém, com deficiéncia visual, porque criou a representagao clas- sista eleita diretamente pelas categorias, mas os seus represen- tantes se misturavam com a Camara politica. Misturando-se com a Camara politica e sendo para melhoria, deu-se o inevitdvel: os representantes classistas se foram acomodando nos partidos exis- tentes, e praticamente nao houve mais representacao de classe. Agora pretendo corrigir o erro do Constituinte de 1934, criando Separadamente uma Camara assessora da nossa e do Senado e que seja representante legitima daquele em cuja carne doem os problemas. Temos vivido até hoje sob a luz dos assessores, ho- mens letrados, homens lidos, homens tedricos, homens de ga- binete, que nao conheceram a realidade viva e palpitante da Nagao. E. preciso que esses problemas concernentes a cada ca- 320 Voces | se desinteressaram. Agora es nao foram ouvidos. Se houvesse uma Camara O : matéria em conjunto, apresentariam as emendas que fossem - cisas e dariam o seu parecer”. Outro exemplo: no Estado de Sao Paulo, no fim do Governo Joao Goulart, foi concedido um aumento de cota canavicira. Resultado: todos plantaram cana. Havia uma euforia nas usinas e nos lavradores. O novo Governo suprimiu esse umento de cota. Resultado: uma desgraca com- pleta. Hé municipios que perderam bilhdes; ha usinas que se estéo fechando. Pergunto: em uma medida desta natureza, nao sao ouvidos os interessados para expor as razOes, os prés e os contras acerca do objetivo do Governo? O Sr. José Guiomard — Nem sempre o interesse da classe interessada sao os interesses da coletividade. O SR. PLINIO SALGADO — Exatamente por isso, quero criar a Camara Organica, porque o interessado, a categoria que pleitear a reivindicagao teré as outras para debaterem e julga- rem de acordo com o interesse geral da coletividade. Costumo pregar uma doutrina, ha muito tempo, que diz: nao existe so- lugao isolada para nenhum problema; ou resolvemos todos, se- gundo suas correlagdes, ou nao resolveremos nenhum. Certa vez, em Ribeiro Preto, quando eu pregava a criagao da Ca- mara Organica, aparteou-me um ilustre médico, Dr. Zeferino Vaz, que foi reitor da Universidade de Brasilia, e perguntou-me se nao haveria dificuldades e choques ao debaterem as cate- gorias em conjunto os problemas. Eu lhe respondi: ‘‘O aparte 321 culdades e propriedades de funcionamento. Costumo chamar 9 pulmao a praca ou o negdcio, O sangue segue para ele, recebe © oxigénio, transforma-se em sangue vermelho e volta para ani- mar e revitalizar as células. Assim a Nagao. A produgao recebe © oxigénio do que chamo a transagao ou o negécio: transfor. ma-se em sangue yermelho, que é o dinheiro, e esse volta para revitalizar as células, produzir mais e desenvolver o corpo. Estamos numa época, Srs. Congressistas, em que devemos iluminar-nos com as luzes da ciéncia e das novas concepcdes do Universo e do Homem. Houve um tempo em que se acredi- tava que o Universo era constitufdo de esferas de cristal em que giravam os planetas. Era o sistema Ptolomeu e Estrabao a influir politicamente na estrutura, na estratificagao das classes da Idade Média. Depois, quando Copérnico e Kepler nos revelaram um novo universo, yeio o racionalismo do Século XVII. Ja no Século XVI € no curso do XVII, a concepcao de liberalismo influiu nos es- Piritos, como no do filésofo inglés, Locke, no de Jean-Jacques Rousseau e, Principalmente, de Montesquieu, 0 homem que lu nas instituicdes 0 perfeito equilibrio, 322 é o XIX, que foi extremamente analitico. -cumpriu seu dever, proporcionando-nos os andor para que construissemos, no nosso, a grande sintese. Esta sfntese cabe-nos realizar, principalmente, nos tercenee soci némico e politico, sem o que nao haverd equilibrio interno povos, € nem mesmo equilibrio externo. dos 4 ’ Vejamos como se desenvolveu esta idéia, desde os pnnee pios do século passado. As Constituigdes, a partir da dos Es- tados Unidos, de 1787, e da Franca, de 1793, tiveram por es- pirito principal a Declaragao dos Direitos. Mas eram Constitui- ges do seu tempo, de acordo com a época, pelo que nao cogi- taram dos problemas econémicos e sociais. Houve uma sepa- ragao: de um lado, o problema ctvico-politico; de outro, o pro- blema econdmico-social. Ora, em 1820, quando se elaboraram as cartas constitu- cionais da Europa, j4 se comegava a desenvolyer a grande in- diistria, porque entrou novo personagem na Historia — a ma- quina. A invengao do vapor e o progresso da mecanica fizeram com que se precipitasse o desenvolvimento capitalista mundial. O vapor, principalmente, internacionalizou o comércio e criou a concorréncia nos mercados. Enquanto isto, na competicéo entre o capital e 0 capital, que consigo mesmo brigava, os operarios se viram desamparados. Nao havia leis que lhes garantissem subsisténcia digna. Foi, entéo, em 1842, que na Inglaterra se organizaram as Trade Unions, organizacdes dos trabalhadores em contraposi¢ao aes 323 Ghat o problema no campo econdmico: de um lac consigo mesmo lutava, uns monopélios contr: ‘outros, do lado oposto, 0 proletariado, organizando-se para yindicar seus direitos. ie desenvolveu-se até o ano de 1849, quando foi lane ‘© famoso Manifesto de Marx e Engels, primeiro sinal de que a paralelas politicas e econdmicas se transformavam em conver. gentes, procurando uma s6 linha. E que Karl Marx, dando fun. damento cientifico ao socialismo utépico dos franceses, princi- palmente de Saint-Simon e Fourier, assinalou a necessidade de atuarem os operdrios politicamente, para conseguir 0 que dese- javam. Estava fundada a Internacional Socialista. Mas, no curso da segunda metade do Século XIX o desen- f volvimento técnico foi verdadeiramente prodigioso. A Exposicao Industriai de Paris em 1867 mostra-nos 0 alto estégio a que haviam chegado a ciéncia e a técnica, principal- mente a mecanica, j4 com comeco de atuacao da eletricidade, ee ee a Entao, agrava-se a situacéo da luta entre o capital e o trabalho. Na Inglaterra, os operdrios, reunidos; nos Trade Unions, procuraram atuar através dos partidos politicos. Mas, em 1892, Hyndman resolveu fundar o Partido Trabalhista Bri- ianico. Neste instante, julgo que as paralelas tornadas conver i gentes se encontraram: o problema econdmico e o problema politico, Daf para c4, no curso de nosso século, verificamos, na complexidade do panorama que se oferece aos nossos olhos, que temos andado fora de nosso tempo; cogitamos do problema Politico, esquecendo o Problema econémico. Ha entidades que NGO séo Tepresentadas. Sio como se nao existissem. E elas te nth elas se retinem, elas fazem congressos, elas gritam, 8 governos, acusam-no a nés, os parlamentares- ce = 324 Vemos médicos na ‘Comissa0 de Constituigéo e Justica. Vemos advogados na Comisséo de Satide. Pertencem & Comissao de Minas e Energia pessoas que nada entendem sobre o assunto. Na Comisséo de Educagao, que deveria ser composta de pro- fessores, de elementos competentes e capazes, vemos pessoas de todo jaez. Tudo isso, porque o critério tem sido politico. Ora, se nao temos capacidade, eficiéncia e competéncia técnica, por que nao criamos essa Camara que sera a auténtica assessora do Congresso e da qual receberemos também iniciati- vas de projetos para que julguemos da sua constitucionalidade e juridicidade? O Sr. Alde Sampaio — Nobre Deputado, V. Exa. esta dis- cutindo uma tese realmente empolgante. Queria lembrar, neste sentido, reportando-me aos meados do século passado, a suges- tio desse grande espirito de economista e politico, que foi Stuart Mill. Ele j4 propunha uma comissao legiferante, assessora do Congresso, justamente para contrapor-se aos males que V. Exa. acaba de criar. O politico tem a nogao politica. Mas, uma comissao técnica, muitas vezes nao estd inteiramente a par do problema, em toda sua inteireza. £ uma comissao legiferante, que ele nao pretendia fosse profissional, como posteriormente se postulou, com a proposta de V. Exa., tomou também snulte em doutrinas, Ele queria homens que fossem capa7es de legislar somiconherimento diNacéo ¢xdas leis. proposigao querMs 325 “ para a Camara, outras vezes, abusi forcada ‘a aceitar, porque o Poder Executivo t tanta jnfluéncia sobre o Poder Legislative que este: 8 dina ao que yem do Executivo e perde o direito a iniciativa das. coisas. Neste ponto, queria completar a Proposicao, de v. am Jembrando este fato que vem de um dos maiores espiritos uni- versais, que foi Stuart Mill. a © SR. PLINIO SALGADO — Agradeco a V. Exa, o aparte realmente muito oportuno. Stuart Mill, chefe da escola associacionista, foi um dos espiritos mais brilhantes do século passado e, como homem de génio, antecipou-se as realidades que hoje sentimos. Mas os grandes espiritos europeus ja nao s6 estéo de pleno acordo com a idéia da Camara Organica, como fazem dela propaganda em seus livros. Citarei apenas, para nao ( perder imenso tempo com muitos nomes, 0 socidlogo russo So- tokim; o Professor Leo Gabriel, de Viena; o jurista francés Henry Burdeau; o Professor Gurvitch, de Leningrado, que depois lecionou em Praga, na Sorbonne, atualmente se encontra lecio- nando nos Estados Unidos; o historiador inglés Toynbee; 0 ex- Premier francés Mendés France, que, no ano passado, publicou livro exatamente propondo a Camara Organica como indispen- savel. Citarei o tedrico do trabalhismo inglés, Harold Laski, que também pensa do mesmo modo, ¢ o grupo de catedraticos ame ricanos reunidos na Universidade de Pittsburgh, que, depois de debater 0 problema dos grupos de pressao sobre os parla Mentos, chegaram & conclusio undnime da necessidade da cria- gao ide uma camara, que 14 chamam econémica e que eu aqui denomimo Organica, porque fago com que entrem para ela 0S a“ t entre dois individuos que moram na mesma cidade pertencem a profiss6es diferentes. E uma realidade: Hi m mais motivo de unio na defesa de um interesse comum entre aqueles que pertencem & mesma categoria do que entre os radi- calizados geograficamente pelo sufragio universal. i Srs. Senadores, Srs. Deputados, tive a fortuna, de antes da crise posterior & Segunda Grande Guerra, antes que espiritos eminentes entendessem acertada a criacéo da Camara Organica, haver, por intuic&éo e pela leitura de Alberto Torres, Oliveira Viana, e de alguns escritores como Berdiaeff e outros, ideado a criago dessa Camara. E indispensdvel. Depois, um fato ainda mais impressionante pede a criagao desta Camara. O grande economista e Professor da Faculdade de Economia de Londres, Friedrich Hayek, publicou um livro intitulado O Caminho da Servidao. Ele demonstrou que nés podemos legalizar a irrealidade, que nao deixaré de ser ilegali- dade, ainda que legalizada pela anuéncia dos legislativos débeis. Ha um capitulo em que ele trata dos planejamentos. Este capi- tulo é o mais importante do livro. Ele diz que a concessao de poderes excessivos ao Executivo, para atuar em matéria econ6- mico-financeira, leva invariavelmente os paises ao caminho da servidao e, portanto, de nada valem as proclamagGes e consagra- goes de direitos individuais, quando 0 cidadao est4 sujeito a coagdes de ordem econdémico-financeira, criadas mediante plane- jamentos executados por governos dispondo de excessivo poder. 327 | uma fungdo de contrapeso. Hoje, | t animado das melhores . a sua palavra, mandando-nos uma Constituigao, que o seu sucessor nao esteja sob o imperativo das circun cias, 4 mercé de atos institucionais ou complementares. Ama-— nha, depois de amanha, mais tarde, quem seré o Chefe da Na a0? Com os poderes extraordinérios que estamos conferindo ao Executivo, no plano econdmico-financeiro, a Camara Organica constituiré uma vacina contra futuras ditaduras e Estados tota- litérios, venham da direita ou da esquerda. E uma necessidade — que as classes interessadas sejam ouvidas, para que 0 povo nao fique a mercé do arbitrio de um homem ou de meia-dtizia de tedricos de gabinete ou, sobretudo, de homens de Estado imbut- dos da idéia de um fortalecimento cada vez maior do seu poder até atingir as raias da ditadura. Oportuna é, portanto, essa Camara, em todos os sentidos. Ha pouco, ouvi o discurso do orador que me precedeu, Deputado Oscar Corréa. Houve uma passagem que me impres- sionou, por vir de acordo com as minhas idéias, quando S. Exa. se refere justamente ao fator econdmico como fundamento das liberdades politicas. Sts, Congressistas: nds, no Brasil, estamos vivendo, e temos vivido ha longo tempo, sob o dominio das ficgdes. Tudo é fiegao no Brasil. Autonomia municipal? Os municfpios dependem dos Go- vernadores de Estado. Os prefeitos sio mendigos nas ante-salas dos palacios dos governos estaduais. Nestas condigdes, nao ha liberdade de voto, porque a populacao precisa impedir que 328 A Reptblica verificou, com clarividéncia, que a base da unidade nacional é a federacao. Sem federagéo nao poderia e nao pode haver unidade nacional. Mas pergunto: 0 nosso siste- ma federativo é uma realidade ou uma ficgao? E uma ficgao, porquanto o mesmo que sucede com os Municfpios em relagéo ao Governo do Estado sucede com os Governadores em relagao ao Governo da Uniao. O Governo da Unido tem o poder emissor. O Governo da Unido traga as normas gerais da politica econdmica do Pais. Isto cria para os Estados situagdes das mais graves. Os orgamen- tos estaduais se desequilibram, permanentemente, pelo aumen- to do preco dos materiais, pela necessidade de aumentar os ven- cimentos dos funciondrios. Os Governadores dependem, vivem também de chapéu na mao em face do Presidente da Reptiblica e dos Ministros. Entao nao temos nem autonomia municipal nem federagao verdadeira. E os Estados tém de andar direito, politica- mente direito, de acordo com aquele que lhes supre as deficién- cias, as necessidades e lhes acode as afligdes financeiras. Como se vé, estamos vivendo um romance, estamos vivendo numa fan- tasia. A realidade esté consubstanciada nas nossas instituig6es? Penso que nao. Essa Camara Organica é 0 princfpio, € 0 come¢o de uma compreensaéo exata das realidades do Pats. Por isto apresentei essa emenda. 329 fazer, porque era apenas contra 0 comunismo, foi b jdéias de D. Sturzo, chefe do Partido Popular Catélico, corporativa, mas desvirtuou-a, como desvirtuaram todas coisas os regimes de forga. Foi, portanto, também uma experiéncia errada, deixou de reconhecer o pensamento cristéo de que os naturais expressos nas entidades de classe exprimem wu lidade humana e sao a manifestacdo mais viva dos préprios reitos individuais, segundo o direito natural. Srs. Congressistas, um homem que luta constantemente sua patria, que nao tem sido nem oposicionista sistemético n governista incondicional, que se debruca nos livros dos mest do pensamento brasileiro sempre esquecidos, que convive © povo e sente suas necessidades, esse homem no intimo consciéncia, tem o prazer de cumprir seu dever, de servir sem . pre 4 Pétria, em todas as ocasides. Foi com este pensamento de bem servir 4 Nagao que apresentei a minha emenda. Sei e sabi que ela iria chocar a mentalidade rotineira e a incapacidade de visdo das realidades, j4 observada por Alberto Torres, de grande parte dos homens ptblicos do nosso Pais. Mas cumpro um dever para com as futuras geracdes, porque essa idéia vai ser triunfante no mundo ocidental, inevitavelmente, como conse qiiéncia do préprio desenvolvimento econémico, cientifico © técnico de nosso tempo. : Somos 0 século da grande sintese. Passamos © periodo ¢ andlise e da unilateralidade na consideracao dos problemas. 330 na Frontaria dos Mouros”. Ps ie espirito da permanéncia na luta, da fideti incipios, do amor as nobres causas, este espirito deve a ‘animar e a mim me anima, pouco me incomodando as vit ‘e derrotas, que, como diz Rudyard Kipling, ambas sao imp toras; impostora é a derrota, impostora € a vit6ria, porque 0° fhomem s6 vale por si mesmo, se é capaz de ser homem.” : Nestas condicdes € que me apresento perante V. Exas, para pleitear assentimento a minha emenda. Se me atenderem, sera como que uma coroa de louros na fronte de um velho lutador. Se nao for atendido, j4 estou habituado, na minha longa carreira publica, 4s coroas de espinhos, que sangram, mas nos recomen- dam a posteridade. ; Srs. Congressistas, sejam, pois, estas as minhas palavras acerca do objeto que me trouxe 4 tribuna. E, agradecendo a atencao de todos, estou convencido de que com espirito esclare- cido, com lucidez, com desejo de bem servir 4 Nagao, V. Exas. prestigiarao minha iniciativa, que trara, primeiro, a representa- ¢éo dos marginalizados, que se chamam industriais, comercian- tes, lavradores, trabalhadores do campo e da cidade. V. Exas. 0s arrancarao da marginalidade e lhes darao um lugar na vide ptiblica do Pais, Em segundo lugar, estarao V. Exas. de acordc com as idéias mais novas e triunfantes do século e com as cit cunstancias novas criadas — como disse bem o Ministro di Justica no preambulo com que enviou o projeto de Constituiga a0 Presidente da Reptiblica: Os estudiosos do Direito Const 33 politico com a aboli¢ao de todas as liberdades individ prestado um grande servicgo & Patria; porque nao serei V. Exas. os autores desta inovacéo revolucionétia, pres j@ pelo apoiamento de 199 deputados. Mais vale quem 9 entendeu e agiu do que quem falou. Serao os nobres Con tas os verdadeiros criadores no novo 6rgao. As geracdes fut poderao dizer: na verdade aquele homem falou, eles o ow e, ouvyindo, meditaram; e, meditando, deliberaram; e, deli rando, levantaram-se e marcharam unidos para a construgao grande nacionalidade, cuja soberania e cujas liberdades, garan- tidas a todos os cidadaos representam hoje a gléria das gera- gdes que os sucederam. Seja realmente esse o fato que ocorra neste Congresso, me darei por satisfeito por tudo quanto tenho feito para servir @ minha Patria. Jé uma vez vi-os de pé, Srs. Senadores, Sts. Deputados, aplaudindo um discurso que aqui pronunciei sobre a Batalha do Riachuelo. E eu disse no intimo do meu coragao: nem tudo: 4 estd perdido no Brasil. O Congresso é patriota, o Congresso ¢ nacionalista, 0 Congresso é idealista, e, além de esclarecido, in- telectualmente, é sentimental. Porque é o sentimento, principal mente quando as idéias nele se transformam, que atua, de modo decisivo, para a renovacio dos povos, para a reconstrugao das nacionalidades, para os novos rumos do futuro sob a luz mals brilhante do mais brilhante ideal. (Muito bem, Muito Palmas. O orador é cumprimentado.) 332

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