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constitucional
Sumário
Introdução. 1. Construção conceitual. 2. Da
institucionalização. 3. Da justificação. 4. Das clas-
sificações. Considerações finais.
Introdução
A objeção de consciência se discute na
teoria da constituição como problema da
obrigação jurídica. Objetivamos, com este
artigo, demonstrar, além da questão doutri-
nária, a indicação do acesso ao direito da
objeção de consciência, quanto aos aspec-
tos teóricos e quanto às práticas possíveis
por parte da cidadania.
Ainda que a objeção de consciência seja
um tema relevante no direito constitucional
brasileiro, tanto que é assente nos direitos
fundamentais de algumas constituições,
como a brasileira (art. 5º, VIII, e no art. 143, §
1º, CF), passa despercebido pela comunida-
de jurídica e pela sociedade civil. Se, entre
nós, verifica-se um certo desconhecimento
desse direito por parte dos operadores de
direito, agrava-se muito mais a dificuldade
da sua efetividade por parte do Estado, que
não possui repartição pública específica e
nem recursos humanos com preparo sufici-
ente.
José Carlos Buzanello é Diretor da Escola de
O Estado Democrático de Direito (art. 1º,
Direito da UNIGRANRIO (Duque de Caxias/RJ); CF) considera as diversidades sociais e cul-
Licenciado em Filosofia (UFSM), Bacharel em turais e as reivindicações contra si mesmo,
Direito (UFRJ); Mestre em Direito (PUC/RJ) e seu conteúdo e seus efeitos prováveis, con-
Doutor em Direito (UFSC). tudo esse mesmo Estado não precisa con-
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cordar com todas as reivindicações de cons- to legal ou administrativo mais ou menos
ciência, todavia não pode concordar ou categórico (apud DWORKIN, 1980, p. 177).
negá-las em virtude do caráter político dos Como autodeterminação consciente da von-
grupos que as apresentam. tade individual, a objeção de consciência
opera como sinônimo de livre arbítrio, tem
1. Construção conceitual natureza personalíssima, como as decisões
relativas ao próprio corpo (caso da objeção
A objeção de consciência coincide com às vacinas, aos testes de sangue, à concep-
as liberdades públicas clássicas, que im- ção, ao aborto, à doação de órgãos, ao trata-
põem um não-fazer do indivíduo, estabele- mento médico).
cendo uma fronteira em benefício do titular A teoria dos direitos e garantias indivi-
do direito que não pode ser violada por quem duais, estudada a partir da doutrina clássi-
quer que seja, nem pelo Estado. Essa idéia ca, valoriza a titularidade individual das
espelha a liberdade de consciência, isto é, posições jurídicas constitucionais, tanto que
viver de acordo com sua consciência, pau- a objeção de consciência requer a adequa-
tar a própria conduta pelas convicções reli- ção normativa com a consciência particu-
giosas, políticas e filosóficas. Dela decorre lar.
que cada ser humano tem o direito de con- O arcabouço da objeção de consciência
duzir a própria vida como “melhor enten- encobre uma estrutura complexa de normas
der”, desde que não fira o direito de tercei- que garantem direitos subjetivos e impõem
ros. deveres ao Estado, em dupla perspectiva: a)
A objeção de consciência é uma modali- constituindo normas de competência nega-
dade de resistência de baixa intensidade tiva para os poderes públicos; b) implican-
política (negação parcial das leis) e de alta do um poder de exercer positivamente di-
repercussão moral. Caracteriza-se por um reitos fundamentais (liberdade positiva) e
teor de consciência razoável, de pouca pu- de exigir omissões dos poderes públicos, de
blicidade e de nenhuma agitação, objetivan- forma a evitar agressões lesivas por parte
do, no máximo, um tratamento alternativo dos mesmos (liberdade negativa).
ou mudanças da lei. O direito do Estado, A liberdade de consciência é o núcleo de
assim, não alcança o foro íntimo, a privaci- fundamentação da objeção de consciência,
dade da pessoa. O que a objeção de consci- pois reflete a liberdade de crença e de pen-
ência reclama é a não-ingerência do Estado samento, não de uma liberdade geral, mas
em assuntos privativos da consciência in- de uma liberdade singular não pautada na
dividual, que se confunde também com a igualdade entre os indivíduos. A Constitui-
dignidade humana, agora solidificada ção do Brasil assegura como direito funda-
como princípio constitucional (art. 1º, III, mental as liberdades de pensamento (5º, IV,
CF). VI, CF), que se desdobram em duas: a pri-
A objeção de consciência, como espécie meira, a liberdade de consciência, compre-
do direito de resistência, é a recusa ao cum- endendo a liberdade de opinião e de crença;
primento dos deveres incompatíveis com as a segunda, a liberdade de exteriorização do
convicções morais, políticas e filosóficas. A pensamento, abrangendo a liberdade de
escusa de consciência significa a soma de palavra e de culto. É nesse direito que reside
motivos alegados por alguém, numa preten- a matriz político-jurídica da objeção de cons-
são de direito individual em dispensar-se ciência.
da obrigação jurídica imposta pelo Estado As Constituições brasileiras, em regra,
a todos, indistintamente. sempre asseguraram a liberdade de pensa-
A objeção de consciência, segundo John mento, contudo nem sempre o seu pleno
Rawls, é o não-cumprimento de um precei- exercício foi possível, como ocorreu nos pe-