Você está na página 1de 22

Políticas Públicas e Classes Médias: o caso brasileiro

Murillo de Aragão1

Economia e Sociedade no Brasil de Hoje

De acordo com indicadores oficiais2 do IPEA, a classe média registra um


expressivo crescimento desde 2003 alavancado pelo desempenho da economia brasileira
nos últimos anos. No primeiro ano do governo Lula (2003), 11,59% da população
pertenciam as classes A e B, 42,49% a classe C e 46,13% as classes D e E. Cinco anos
mais tarde, esses índices são, respectivamente, de 15,52%, 51,89% e 32,59%. A renda
domiciliar cresceu de R$ 1.628,11 (2003) para R$ 1.956,90, e a miséria baixou de 37,
13% (2003) para 25,16% (2008). Outros dados são igualmente eloqüentes: a venda de
bens duráveis aumentou 33% entre 2002 e 2007 e a indústria automobilística
aumentou 100% suas vendas em quatro anos (2003-2007). Os resultados decorrem da
combinação de políticas econômicas responsáveis e políticas sociais eficientes, como
veremos adiante.

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo em 2003, o


salário mínimo estava em R$200 (US$112,35). Em 2003, ele foi reajustado em 20 %,
chegando ao valor de R$240 (US$134,83). Em 2004, ele subiu para R$260
(US$146,06), aumentando 8,3 %. Em 2005, foi para R$300 (US$168,53), crescendo
8,6%. No ano seguinte (2006), foi para R$ 350 (US$196,62), ou seja, um reajuste de
16,6%. Em 2007, foi aumentado para R$380 (US$213,48), o equivalente a 8,57 %.
Agora, em 2008 está em R$450 (US$252,80), ou seja, um reajuste de 18,42% em
relação ao ano anterior. Ou seja, nos últimos seis anos, o aumento real do Salário
Mínimo foi de 125 %.

Por outro lado, se o salário mínimo aumentou consideravelmente ao longo do


governo Lula, com o IPCA – Índice de Preços ao Consumidor, que mede a inflação no
Brasil, ocorreu o inverso. Ou seja, o Brasil conseguiu nos últimos anos aumentar
expressivamente o salário mínimo sem promover inflação, como muitos acreditavam
que poderia acontecer. O índice de 12,53% (2002) caiu para 9,30% em 2003, para
7,60% (2004), 5,69% (2005) e 3,14% em 2006. Em 2007 foi para 4,46%. Considerando
os históricos patamares elevados de inflação no Brasil, a obtenção de sua redução e, ao
mesmo tempo, a promoção de distribuição de renda e aumento expressivo do salário-
mínimo é uma proeza.

Apesar da elevada carga tributária, as políticas econômicas dos últimos tempos


foram capazes de promover crescimento econômico pela conjunção de elevado gasto
público com a criação de empregos com registro formal no setor privado. Os dados de
queda do desemprego e ganho de renda, mencionados ao longo do trabalho, são
evidentes e provam o acerto das políticas públicas brasileiras. Em 2001, o desemprego
estava em 13%. Hoje encontra-se perto dos 7%. A taxa de investimentos subiu de
15,3% para 17,3% em quatro anos. E o comércio, apenas, em 2007, se expandiu em

1
Bacharel em direito pela UniCeub, mestre em Ciência Política pela UnB e doutor em sociologia pela UnB (Brasília), é presidente
da Arko Advice Pesquisas e membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
2
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, ligado ao governo federal, divulgados em junho de 2008.
10% frente ao ano anterior. No mesmo período – entre 2006 e 2007 – o transporte aéreo
no Brasil cresceu mais de 10% .

Outro dado relevante foi a expansão do acesso da população às linhas de


crédito. Nesse sentido, o governo Lula se destaca. Em termos gerais, com a queda da
inflação e a redução da taxa de juros o percentual de oferta de crédito frente ao PIB
aumentou de 21,3% (2002) para 34% (2007). Um dos setores que se beneficiou com o
aumento da oferta de crédito foi o setor imobiliário. Em 2005, apenas 61 mil unidades
– entre casas e apartamentos – foram financiadas. Em 2008, espera-se que tal número
chegue a 220 mil unidades e o valor financiado ultrapasse a casa dos 25 bilhões de reais.
Em conseqüência, a produção de cimento aumentou 20,7% em cinco anos e, mesmo
assim, encontra-se dificuldades para a compra do produto nos grandes centros.

Houve também a geração de mais postos de trabalho. De janeiro de 2003 a junho


de 2008, foram criados 11,5 milhões de empregos. Destes, 9,4 milhões são formais.
Esses indicadores favoráveis aumentaram o consumo em 6,6%, do 1º trimestre de 2007
para 2008. Houve também recordes tanto na exportação (US$ 184,4 bilhões) quanto na
importação (US$ 153,7 bilhões). As reservas internacionais somaram US$ 203, 9
bilhões, tornando o Brasil credor externo pela primeira vez. No primeiro semestre de
2008 (janeiro a junho), o superávit primário chegou a 6,19% do PIB e a produção
industrial cresceu 6,6% em relação ao mês anterior. Considerando os dados de agosto de
2008, a economia cresceu por 25 trimestres consecutivos.

Socialmente, o país também somou conquistas. Medida pelo Índice de Gini3, a


desigualdade caiu para 0,541, o mais baixo desde 1981. A diferença entre rendimentos
das pessoas ocupadas nas seis principais regiões metropolitanas caiu quase 7% do 4º
trimestre de 2002 para o 1º trimestre de 2008. Isso colocou o país entre as 70 nações
com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De 2003 a 2006, nada mais
nada menos que, 9,7 milhões de brasileiros saíram da miséria. De 2003 a 2008, Ainda
de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a pobreza nas
regiões metropolitanas caiu de 35% para 24%. Isso fez a renda das famílias chegar a R$
1 trilhão, o equivalente a US$ 615 bilhões dólares. Mais do que isso, a renda média real
cresceu 5,3% entre 2003 e 2006, o salário mínimo teve um reajuste de 53% entre janeiro
de 2003 e junho de 2008, e os acordos salariais superaram a inflação em 88%.

Verificou-se, ainda, que a população considerada em condição de indigência


diminuiu de maneira relevante reduzindo-se a 11,3% em 2004, atingindo o nível mais
baixo dos anos recentes, de acordo com informações do IPEA Em números, nota-se que
os indigentes eram 19,8 milhões em 2004, bem menos que os 24,6 milhões
encontrados no ano anterior. A pobreza seguiu por caminho bastante semelhante. A sua
incidência sobre a população brasileira diminuiu para 30,1% em 2004, não obstante o
pico de 33,9% em 2003. Já o número de pobres baixou para 52,5 milhões em 2004,
depois de ter atingido 58,4 milhões no ano antecedente.

3
O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini e que foi publicad no
documento "Variabilità e mutabilità" (italiano: "variabilidade e mutabilidade"), em 1912. É largamente empregado para calcular a
desigualdade de distribuição de renda.
Nova Divisão do Bolo
A evolução de cada estrato social em relação à população com idade entre 15 e 60 anos.

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008


Classe A e B 12,99% 11,59% 11,61% 12,61% 13,60% 14,41% 15,52%
Classe C 44,19% 42,49% 42,26% 46,70% 48,59% 48,87% 51,89%
Classe D e E 42,82% 45,92% 46,13% 40,70% 37,80% 36,73% 32,59%

Classificação Renda domiciliar média


O perfil de cada estrato social, de O valor da renda média de quem tem 15 e 60 anos ( R$).
acordo com a renda domiciliar
per capita.

Classe E Até R$ 768

De R$ 768 a
Classe D
R$ 1,064
De R$1,064 a
Classe C
R$ 4,591
Classes A e Acima de R$
B 4,591

Miséria
O total de miseráveis em relação à população brasileira (Em %)

Quadro 1 – Renda e Classes Sociais no Brasil - Fonte: FGV, IPEA, Arko Advice, Correio Braziliense, 06.08.2008

O quadro 1 traz informações expressivas sobre os dados aqui mencionados:


evolução dos estratos sociais, renda domiciliar media e queda nos indicadores de
miséria. Tudo é conseqüência do cenário econômico favorável que melhorou as
condições sociais da população, criou a chamada “nova classe média”. Por outro lado,
existem indicadores que os estratos mais elevados da classe média teriam tido perdas
significativas. Tal situação é até mesmo reconhecida por dados oficiais. De acordo com
Marcio Pochman, presidente do IPEA (instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), 7
milhões de brasileiros despencaram da classe média desde 1988 enquanto 3 milhões
ascenderam à classe alta4.

Em estudo elaborado pelo economista Waldir Quadros da Unicamp5 e divulgado


em maio de 20076, a política econômica do país estaria "encolhendo" a classe média e
"engordando" a massa trabalhadora. A pesquisa fez uma análise do padrão de vida da

4
Matéria do jornal Valor Econômico de 17 de agosto de 2007 reproduzindo informações do The Economist.
5
Universidade Estadual de Campinas no Estado de São Paulo é um dos centros de excelência acadêmica na América Latina.
6
Matéria de Tatiana Rezende do jornal Folha de São Paulo de 28 de abril de 2007.
população ocupada desde a década de 80, tendo como base a PNAD (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios)7 até 2005. Segundo o estudo, o conceito de classe média
determinado pela Unicamp representava 45,6% dos ocupados em 1996, número que
caiu para 36,2% em 2004 e subiu, no ano seguinte, para 40,6%. Já a massa trabalhadora
subiu de 22,9% para 31,6% (2004) e alcançou o pico de 37,4% da população ocupada
em 20058.
Para Quadros, a “precarização” do trabalho estava sendo aceita como um mal
menor em relação ao desemprego ainda que ele, já em 2007, reconhecia que estava
ocorrendo ganho de renda nas camadas mais pobres. Na entrevista que deu ao jornal
Folha de São Paulo, para explicar seu estudo, o economista Waldir Quadros, dizia que
"ocupações precárias e mal remuneradas vão sendo aceitas como um mal menor [...], e
cada vez mais os indivíduos e as famílias vão relaxando seus padrões morais na luta
pela sobrevivência". Sobre outros estudos divulgados anteriormente que mensuravam
a melhoria de renda da população, Quadros explica que há diferentes metodologias e
algumas levam em conta apenas a criação de empregos formais. Mesmo assim, ele
concorda que houve um ganho de renda expressivo por largos contingentes da
população.

O momento atual da economia do Brasil é um momento de crescimento e de


redistribuição de renda e, de certa forma, de sucesso de políticas públicas adotadas e
seus reflexos no ambiente de investimentos. Assim, mesmo reconhecendo que houve
perdas e ganhos no âmbito da mobilidade social no pais, o fato inquestionável é que
existem sinais claros de que milhões de brasileiros estão sendo beneficiados pela
combinação de alguns fatores: estabilidade econômica em termos de controle de
inflação, queda na taxa de juros e expansão do crédito, crescimento econômico e
aumento do emprego informal, maior volume de investimentos públicos e privados e
programas assistenciais do governo. Esse novo ambiente econômico vêm
impulsionando o mercado de consumos de massas em um país onde o acesso aos
produtos industrializados era privilégios das camadas mas abastadas. O desafio será o
de manter o processo em curso e acelerar a redução das desigualdades criando uma
classe média mais homogênea e menos desigual.

2. Em Busca da Classe Média

De início, pelo menos duas considerações devem ser colocadas para relacionar
as classes médias e a política no Brasil. A primeira é o fato de que o ganho de renda na
classe média não é um fenômeno que atinge toda a extensão do segmento identificado
como tal. A segunda consideração é que existem várias classes médias. Portanto,

7
O PNAD é elaborado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Governo federal é apresenta periodicamente
resultados selecionados da pesquisa, com informações sobre as características gerais da população, migração, educação, trabalho,
famílias e domicílios , bem como indicadores retrospectivos de rendimento para o conjunto do País e grandes regiões.
8
Estudo anterior do mesmo economista Waldir Quadros, divulgado na Folha de S. Paulo, em 14 de novembro de 2004, afirmava
que nos últimos anos a classe média brasileira teria perdido 1/3 de sua renda e, 2 ½ milhões de pessoas perderam a condição de
classe média (renda mensal superior a R$ 1000). Com isso, perderam também a possibilidade de enviar seus filhos para escolas
particulares, e deixaram de freqüentar cinemas, teatros e clubes. Estima-se que nos últimos 5 anos, mais de 4 milhões de pessoas
tenham abandonado planos privados de saúde. Para ele, a mesma classe média que havia elegido Lula em 2002 estava insatisfeita
com o desempenho da economia e revelava desagrado no curso do primeiro mandato de Lula
tendo em vista as duas considerações mencionadas inicialmente, é impraticável
generalizar qualquer das conclusões aqui apresentadas sem deixar de considerar a
especificidade de qual classe média estamos analisando. A quarta consideração decorre
das considerações anteriores e está no fato de que, em não existindo uma padronização
do entendimento do que seja classe média, a interação das várias classes médias com a
política irá variar de acordo com o impacto do ambiente econômico e social do Brasil.
De certa forma, este parágrafo introdutório sintetiza a dificuldade em tratar do tema. Em
adendo, cito Marcelo Nery, em seu trabalho sobre a nova classe media9, que afirmou
que “definir classe média é como definir um elefante, se você nunca viu fica difícil
visualizá-lo” pelo fato de existirem, pelo menos, duas perspectivas para se conceituar
classe média no Brasil: a partir da renda e outra a partir do padrão de consumo.

Buscando informações nos primórdios da fundação do Brasil, vale mencionar o


caráter específico do nosso país em termos de classes sociais. Poupado da Idade
Média, não tivemos no Brasil os fenômenos sociais típicos da Europa que estimularam a
criação de uma classe média. Tal aspecto é apontado por Florestan Fernandes10, em sua
monumental obra “A Revolução Burguesa no Brasil”: o fato de que o país não teve
feudalismo e, como conseqüência, não tivemos os burgos típicos da idade média.
Segundo Florestan, “o burguês já surge no Brasil como entidade especializada, seja na
figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja
como negociante”. De acordo com Bresser Pereira11, a classe média no Brasil, foi
praticamente inexistente até a República Velha 12. Era um pequeno “estamento de
servidores públicos e de profissionais liberais ligados ao Estado e à classe patriarcal
proprietária de terras”.

No período entre 1930 e 1980, com a industrialização do país, crescia a médias


robustas13. Entre 1930 e 1960, surgiu uma classe média “privada” composta de
empresários do comércio, indústria e agricultura que se juntou aos funcionários públicos
e de empresas estatais como Correios, Banco do Brasil, Petrobrás, Eletrobrás, BNDE,
entre outros, além das forças armadas. Com a estagnação do país a partir de 1980, a
classe media encolheu e perdeu relevância econômica e política. Agora, por força de um
período de estabilidade e crescimento, iniciado com o Plano Real em 1994 e acelerado
na era Lula, surge uma nova classe média – oriunda das classes populares e beneficiada
pelos programas sociais do governo – ao mesmo tempo que alguns setores da
tradicional classe média perderam renda, conforme Quadros14.

Mesmo podendo identificar claramente o surgimento da classe média, não é fácil


estabelecer um critério preciso para o que seja classe média no Brasil. Assim como na
América Latina. Não apenas pelas diferenças econômicas entre os países da região, mas
também por conta de diferenças significativas existentes dentro dessas nações. No
Brasil, país de dimensões continentais, os contrastes são significativos. Temos cinco
regiões geográficas delimitadas. Mesmo dentro delas existem importantes diferenças. A
problemática não para por aí. Elas prosseguem em outras dimensões. No caso

9
A Nova Classe Média, pesquisa da FGV – Fundação Getúlio Vargas, coordenado por Marcelo Nery e divulgado em agosto de
2008.
10
A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de uma interpretação sociológica” de Florestan Fernandes, Editora Globo, 5a edição,
2006.
11
A Classe Média, Folha de São Paulo (13.12.2006)
12
Denominação convencional para a história republicana que vai da proclamação da república (1889) até a ascensão de Getúlio
Vargas do poder em 1930.
13
No período, o Brasil cresceu a uma taxa média anual per capita de 4% do PIB
14
op.cit.
específico de nosso tema, temos o desafio de analisar um segmento social cujo piso de
entrada, em termos de renda, é muito distante do teto. Como veremos adiante. A
situação leva a alguns pesquisadores, como Waldir Quadros, a utilizar a expressão
“classes médias” ao invés de classe média.

Conforme Marcelo Medeiros15, "até os anos 70, a definição de classe média


estava em linha com a organização de tipo fordista das fábricas. Era a classe
intermediária entre o operário e os donos de capital". Com as alterações dos processos
de industrialização e, mesmo com a especialização tecnológica do operariado, o
entendimento dos anos 70 perdeu sentido. Porém, como alertou Medeiros, remanesce a
percepção de que classe media seria composta de trabalhadores assalariados não
subservientes e/ou de baixa especialização. Independente de remuneração. Alguns
buscam os níveis de renda como forma de classificação. Mas não é suficiente já que
pertencer à classe média significa ter referencias que não são necessariamente
relacionadas a questão financeira. Como, por exemplo, ter ou não um diploma
universitário ou uma ocupação de gerência. De acordo com a Ordem dos Economistas
de São Paulo, a classe média seria composta por pessoas que ganham entre 6 e 33
salários mínimos, algo entre US$ 1.541,00 e US$ 8.479,80 dólares. Uma faixa ampla
demais, onde operários também podem se encaixar.

A partir da constatação de que o intervalo de renda na classe média é amplo


demais, o pesquisador Waldir Quadros afirmou que seu esforço de pesquisa “tem sido
de integrar ao nível de renda as ocupações consideradas de classe média", se inspirando
no sociólogo Wright Mills16. Porém, Mills tinha uma visão fordista do termo classe
média alocando apenas os trabalhadores “white collars” na classificação. Seria, pela ele,
a classe média composta do extrato intermediário entre trabalhadores braçais (operários)
e patrões, tais como técnicos, gerentes e diretores.Mesmo tendo fontes como o PNAD e
o IBGE, o entendimento de Quadros nos parece incompleto já que deixa de contemplar
o nível educacional da pessoa e a posse de determinados bens que, além do fato
específico da identificação da renda, comporiam um quadro mais preciso.

Para complicar a busca do significado da classe média no Brasil, podemos


percorrer o pensamento tipicamente de setores de esquerda sobre o tema e que se
relaciona, sobretudo, com o dilema da “proletarização” da classe média. Dilema que é
motivo de permanente reflexão por parte de alguns pensadores marxistas. Em especial,
pela perda da hegemonia dos trabalhadores fabris na condução do processo de
transformação do capitalismo em uma sociedade socialista. Nesse sentido, vale a pena
saber o que pensa Armando Boito Junior17, conforme o seu texto sobre classe média e
o sindicalismo.

O autor afirma que:

“O crescimento do sindicalismo de classe média enseja a reabertura de uma


antiga polêmica teórica (e também política) da Sociologia. Trata-se da seguinte
questão: seria correto distinguir um setor dos trabalhadores assalariados que
não pertenceria à classe operária, e para o qual poderíamos reservar a noção de
classe média, ou deveríamos trabalhar com a noção ampla de “classe

15
Pesquisador do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
16
“A nova classe média”, Rio de Janeiro: Zahar Editores (1979).
17
In Politéia, Vitória da Conquista, V. 4, numero 1, pág. 211-234, 2004.
trabalhadora”, que considera a condição de assalariado suficiente para definir a
situação de classe? Há duas respostas a essa questão que se afastam daquela que
iremos apresentar.

Boito prossegue trazendo suas respostas:

“em primeiro lugar, a resposta proveniente dos autores que nunca aceitaram a
noção de classe média. Esses autores têm apresentado o surgimento e a expansão
do sindicalismo dos “trabalhadores de escritório” como prova de que o
procedimento sociológico correto seria mesmo o de reunir numa única classe
social todos os trabalhadores assalariados. Em segundo lugar, encontramos
para aquela pergunta a resposta dos autores que aceitam o conceito de classe
média mas que, na situação atual, consideram que a sindicalização dos
“trabalhadores de escritório” indica que esses trabalhadores se encontram na
fase final de um processo de proletarização e, portanto, de fusão político-
ideológica com o movimento operário. Trata-se da tese da proletarização da
classe média. “

A tese da proletarização da classe média também é tratada em detalhe no texto


“Assalariados urbanos: proletariado ou nova classe média”18 do historiador Augusto
Cesar Buonicore, que é ligado a um dos poucos partidos comunistas que ainda
remanescem no cenário político brasileiro, o PCdoB. Para ele, “Na segunda metade do
século XX ganhou força o debate sobre quais seriam as fronteiras que separariam a
classe operária das demais camadas de trabalhadores assalariados. Em outras palavras:
O que é o proletariado moderno?” Para Buonicore, o debate sobre a proletarização da
classe media é muito relevante para o que chama de “organizações socialistas”. Na sua
avaliação, os defensores de uma conceituação mais restrita de proletariado e a
ampliação do conceito como introdução de trabalhadores assalariados não-fabris,
terminaria diluindo o papel dos operários fabris na transição para o socialismo. Já
aqueles que defendem um conceito mais ampliado do proletariado, ainda no
entendimento de Buonicore, “acreditam que uma visão restrita de proletariado
conduziria o movimento socialista a um beco sem saída” visto o processo de redução da
tradicional classe operária na sociedade contemporânea.

Ao largo da discussão sobre a proletarização da classe média ou o seu oposto – a


transformação de proletários em classe média ou a fusão de trabalhadors braçais e
demais assalariados em uma nova classe operária, devemos examinar o entendimento
oficial do que seja classe média. Considerando os dados oficiais do IBGE, obtidos a
partir do Censo Demográfico de 2000 e da Pesquisa de Orçamento Familiares de 2003,
dados oficiais do governo brasileiro, identifica-se cerca de 15,4 milhões de famílias de
classe média (31,7% do total de famílias existentes no Brasil). Em valores de 2005, o
piso e o teto da renda mensal das famílias de classe média equivaleria a R$ 1.556,00 e
R$ 17.351,00 respectivamente. Algo entre US$ 963,47 e US$ 10.743,65. Com base
nesses dados, chega-se ao contingente de aproximadamente 57,8 milhões de pessoas
pertencentes à classe média brasileira. A classe média encontra-se predominantemente
em São Paulo (33,8% das famílias)19, sendo que, 3 em 4 famílias de classe media vivem
nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. No entanto, é em Brasília que mais de 50% das

18
Revista Princípios, 1 de fevereiro de 2002, revista do PCdoB – Partido Comunista do Brasil
19
Os Estados do Rio de Janeiro com 11,9% e Minas Gerais com 9,8% aparecem em segundo e terceiro lugares com domicílio das
famílias de classe média.
famílias são consideradas classe média. Muitas delas trabalham para o governo e não
pertencem ao setor privado. Em seguida aparecem São Paulo (46,9%), Santa Catarina
(41,3%), Rio de Janeiro (39,9%) e Rio Grande do Sul (36,5%).

Destaca-se a baixa participação da classe média na região Nordeste, uma vez que
somente 15,3% das famílias nordestinas podem ser classificadas neste grupo social. Em
termos demográficos, a classe média brasileira é predominantemente branca, o que
revela a desigualdade de cor na definição em sua definição. Praticamente 70% dos
chefes de família de classe média são brancos sendo que seu percentual na população
total é de 54%. Em termos educacionais, os chefes de família de classe média possuem
escolaridade bastante superior à encontrada na população. 97,3% dos chefes de família
da classe média, estudam ou já estudaram, sendo que 27,7% estudam ou concluíram o
ensino médio. 48% dos chefes de família de classe média estudam ou concluíram o
ensino superior. O chefe de família de classe média possui uma escolaridade média
quase 40% superior ao do conjunto dos demais chefes de família.

Para Marcelo Nery20, pesquisador da FGV, a classe média seria a classe C, de


acordo com o Quadro 2, onde ele isola as classes B e A da classe média. A classe C de
Nery seria a que ele define como “a classe central” sendo a classe média no sentido
estatístico por encontrar-se na média da renda. Vale lembrar que existe, ainda, o
Critério Brasil que se utiliza do acesso e posse de bens duráveis (TV, rádio, lava-roupa,
geladeira, freezer, DVD e computador). Ambos os critérios, o de Marcelo Nery ou o
Critério Brasil, reconhecem a existência de cinco classes para efeito de renda: E,D,C,B
e A. Mesmo reconhecendo a relevância dos trabalhos de Nery e reconhecendo que a
classe C é a “classe média no sentido estatístico”, em meu entendimento a classe C não
a única classe média. As classes médias estão localizadas tanto na Classe C, onde seria
considerada a classe média emergente, na classe B e, ainda, nos extratos inferiores da
classe A, como veremos adiante.

Voltando ao pesquisador Walter Quadros, na busca da integração entre renda e


ocupação para se chegar a uma definição do que sejam os integrantes da classe média,
ele considera que, em uma empresa, existe o proprietário (burguesia) e os operários (a
massa trabalhadora braçal), “a classe média seria composta pela média de todas as
demais ocupações de uma empresa, do office-boy ao diretor igualmente assalariado”.
Como base nesse entendimento e tendo como fontes o PNAD21 e o IBGE22, Quadros
definiu, a preços de 2004, cinco níveis de renda em reais: a alta classe média, com renda
familiar acima de R$ 5.000 por mês; a média classe média, de R$ 2.500 a R$ 5.000; e a
baixa classe média, de R$ 1.000 a R$ 2.500. No que Quadros chama de “camadas
inferiores, a massa trabalhadora teria com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores
precários ou miseráveis, com menos de R$ 500 mensais. Assim, para Quadros
existiriam, pelo menos, três classes médias: a classe C de Nery, a classe media “média”,
localizada na classe B, e a alta classe média localizada nos extratos inferiores da classe
A.

20
Op.cit
21
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
22
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Definição das Classes Econômicas
Renda Domiciliar Total de Todas as Fontes Por Mês

Limites
Inferior * Superior
Classe E 0 768
Classe D 768 1064
Classe C 1064 4591
Classe A e B 4591
*inclusive

Quadro 2 - Definição das Classes Econômicas. Fonte: A


Nova Classe Média, Marcelo Nery, FGV, 2008

Uma pesquisa do IBPS23, aponta que 8% dos moradores das favelas da cidade
do Rio de Janeiro ganham mais de 5 salários mínimos e, por conseguinte, estariam
dentro da classe média considerando uma renda superior a R$2.075,00 por mês. Por
outro lado, o “Atlas da nova estratificação social do Brasil”24, organizado pelo
economista Márcio Pochmann, parece esclarecer de vez a questão ao reconhecer que a
classe média “destaca-se por posições altas e intermediarias tanto na estrutura sócio-
ocupacional como na distribuição pessoal de renda e riqueza... sendo reconhecida (pelo)
avantajado padrão de consumo”. Ora, um morador de favela na cidade do Rio de
Janeiro, em condições típicas, não poderia estar localizado em posições altas e
intermediárias da sociedade nem ter avantajado padrão de consumo. Pois, se o tivesse,
usaria de sua renda para sair da favela.

3. Algumas Tendências

Um retrato das classes médias no Brasil de hoje revelam, pelo menos, duas
tendências. A primeira de uma evidente ascensão das classes populares ao patamar de
classe média. Ainda que seja uma classe media de baixa renda. Por outro lado, vemos o
empobrecimento das classes médias tradicionais. O quadro 3 mostra claramente o
processo em curso, ainda que retratando o período entre 2001 e 2005. No início deste
século, o Brasil ainda vivia os resquícios da crise que a alta classe média vivia nas
décadas anteriores .Em 2002, a participação das classe médias no total da renda havia
caído de 46,6% para 43%. Apesar do impulso verificado no Plano Real. Por outro lado,
já se identificava o movimento de ascensão da classes D e E com a criação de empregos
na faixa de renda até 3 salários mínimos e, por outro lado, a destruição de empregos nas
faixas superiores.

23
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, realizada a pedido de O Globo, foi divulgada em 1o de setembro de 2008.
24
Editora Cortez, São Paulo: 2006
Quadro 3 – Distribuição de Renda

Fonte: Luiz Fernando Lopes

Dados levantados pelo economista José Roberto Mendonça de Barros e Sergio


Vale25 levaram a concluir que “em média, para cada 15 empregos criados que pagam até
3 salários mínimos, 1 que paga acima desse valor foi perdido”. Se considerarmos que
esse movimento vem ocorrendo sistematicamente desde 2001, percebe-se que o
empobrecimento relativo tem piorado nos estratos superiores das classes médias. Em
termos de perda relativa de salário médio, isso também fica claro. Quem ganha até 3
salários mínimos teve ganhos substanciais nos últimos anos, mas quem ganha acima não
conseguiu incorporar ganhos salariais na mesma intensidade. No acumulado entre 2001
e 2006, quem ganha até 1 salário mínimo teve uma elevação real (deflacionado pelo
IPCA) de seus salários em 124,4%, enquanto quem recebe acima desse nível teve uma
queda de 46,3%. Mais do que isso, o salário de quem foi admitido caiu mais do de quem
foi desligado, o que mostra uma tendência de precarização do salário de quem recebe
acima de 3 salários mínimos.” Índices recolhidos no Caged26 e trabalhados pelo José
Roberto Mendonça de Barros, a massa de renda acima de 3 salários mínimos tinha
encolhido, em 2005, cerca de 5% enquanto a massa salarial até 3 salários mínimos tinha
crescido mais de 8%.

Enquanto uma nova classe média é criada a partir dos programas


assistencialistas, da estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real e pelo
crescimento econômico do Brasil, estratos superiores da classe média encontram
problemas. Nos últimos anos, têm chamado a atenção de especialistas o porquê de
jovens de classe média e da elite brasileira terem ingressado no mundo do crime. Os
motivos apontados são a certeza da impunidade por conta da ineficiência da estrutura
policial, a expansão do envolvimento desses jovens com as drogas, a falta de empregos
e a ausência de estrutura familiar. Para o professor do Instituto de Psicologia da

25
Jornal Valor Econômico, São Paulo, 26 de dezembro de 2006.
26
Cadastro geral de empregados e desempregados do Ministério do Trabalho.
Universidade de São Paulo, Paulo César Endo27, esses jovens tem ingressado no crime
pela certeza da impunidade. Endo diz ainda que a contravenção e a criminalidade
aparece como uma possibilidade quando os jovens de classe média, apesar de
sustentados pelos pais, enfrentam dificuldade no mercado de trabalho.

As mudanças no perfil de renda no Brasil vêm sendo constatadas desde 1994


com a implantação do Plano Real. Mais recentemente, tais alterações se tornaram mais
evidentes com a combinação de inflação baixa, programas assistencialistas e geração de
emprego no setor privado. Pesquisa de 2005, realizada pelo Instituto Pesquisa Target 28,
indicou que mais de 2 milhões de famílias ascenderam socialmente e deixaram de ser
consideradas de classe baixa. O instituto acompanha anualmente o potencial de
consumo das classes econômicas do país utilizando como base os levantamentos do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Associação Brasileira das
Empresas de Pesquisa de Mercado (Abep). Segundo os números da pesquisa da Target,
aqueles que ganhavam entre R$ 1.140 e R$ 3.750 (considerados pelo instituto classes
B1, B2 e C que formariam a classe media) somavam mais de 25 milhões de famílias. A
tendência de ascensão social prosseguiu: em 2006, esse número subiu para quase 28
milhões de família. Um crescimento de 7,9%.

Dados mais recentes apontam o que já era identificado pelo Instituto Target em
2005. Entre 2002 e o final de 2008, 3 milhões de brasileiros que moram nas seis
principais regiões metropolitanas do País - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Salvador e Recife - terão saído da pobreza e entraram na classe media. Os
dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo
federal, divulgados em junho e julho deste ano. Como conseqüência, a taxa de pobreza
nessas seis capitais do País - onde vive um quarto da população brasileira e são
produzidos dois quintos do Produto Interno Bruto (PIB) - cairá de 32,9% para 24,1%.
Ainda em agosto de 2008, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma respeitada entidade
independente, também confirmou o que o Instituto Target e o IPEA vinham
informando. Talvez a mais contundente mostra do que está ocorrendo no Brasil de hoje
está na já mencionada pesquisa "A Nova Classe Média"29, divulgado pelo pesquisador
Marcelo Neri, da FGV. De acordo com Neri, aumentou de 44,19% para 51,89% a
participação da classe C no total da População Economicamente Ativa (PEA) nas seis
principais regiões metropolitanas do País.

Critérios diferentes não impedem de comprovar que, um contingente


populacional expressivo deixou a pobreza e passou a integrar o grupo que o presidente
do Ipea, Márcio Pochmann, chamou de "classe média emergente". Assim, ao término
do exame das pesquisas de Waldir Quadros e dos dados e informações do Instituto
Target, IPEA, IBGE e FGV temos algumas tendências e considerações importantes
sintetizadas a seguir:

• o conceito de classe média no Brasil é muito vago, abrangendo um amplo leque


de faixa de renda e, até mesmo, de ocupações;

• que, independente do conceito de classe média utilizado, houve um movimento


de ascensão social ocorrido a partir das classes D e E em direção à classe C;

27
Matéria do site G1 de 17 de Marco de 2003.
28
Instituto Target é uma empresa de pesquisa de mercado sediada em São Paulo com tradição em pesquisas e amostragens.
29
Op.Cit.
• que tal movimento decorreu de políticas públicas adotadas nos últimos governos
a partir de 1994;

• fica evidenciado que a construção de uma classe média, em países como o


Brasil, depende sobretudo do efeito de políticas públicas;

• que os novos integrantes da classe C podem ser considerados uma “classe média
emergente”, nos termos de Márcio Pochmann;

• que, apesar dos evidentes ganhos em termos de mobilidade social e de redução


de pobreza, existem perdas nos extratos superiores da classe média.

4. Política, Eleições e Classes Médias

Na eleição presidencial de 2002, o então candidato do PT, Lula, de modo geral,


foi o maior beneficiário do voto das classes médias. Parte pelo desgaste dos oitos anos
do governo Fernando Henrique Cardoso, parte pelo fato de o governo ter perdido o
controle sobre a agenda devido à instabilidade econômica e ao desemprego. Vale
recordar que o governo Cardoso teve grande êxito popular no primeiro mandato, tendo
conseguido se reeleger em primeiro turno contra Lula. No entanto, emparedado pela
desvalorização cambial em 1999 e pela crise no fornecimento de energia elétrica em
2001, perdeu popularidade e, em conseqüência, não conseguiu impulsionar o candidato
da situação José Serra.

Ao aparar as arestas de seu discurso, Lula conseguiu convencer setores antes


refratários à sua mensagem em eleitores. O trabalho de desmonte das resistências ao seu
nome junto às classes médias mais elevadas e às elites foi realizado com paciência e
competência por Lula que, mesmo antes do início de sua terceira campanha
presidencial, se dedicou a dialogar com os setores empresarias e da alta burguesia. Para
acalmar as elites financeiras, se comprometeu com o respeito aos contratos e à proteção
dos fundamentos do Plano Real de responsabilidade fiscal, combate à inflação e política
cambial realista. Tendo conquistado a confiança das elites e atento ao desgaste da era
FHC, Lula utilizou de forma competente seu passado de sindicalista, defensor da
geração de mais empregos e de líder da oposição para conectar-se com os setores da
classe média.

Vale recordar que, entre 1981 e 2002, a classe média encolheu. Em especial, os
setores localizados no estrato mediano da classe média – com renda entre R$2.500,00 e
R$5.000,00 – encolheram de 13,50% para 11.71%, de acordo com pesquisa de Waldir
Quadros30. Assim, o desempenho do candidato governista foi prejudicado pela crescente
insatisfação da classe média “media” e pela incapacidade dos programas
assistencialistas do governo Fernando Henrique Cardoso galvanizarem votos nas classes
populares para o candidato governista. Mesmo considerando que os setores mais pobres
tiveram benefícios com a introdução do Plano Real. No entanto, nos segmentos de renda

30
Op.cit.
acima de R$5.000,00, as perdas foram bem menores: o encolhimento no período entre
1981 e 2002 foi de apenas 0,20%.

Um exemplo das dificuldades que o então governo teve foi a tentativa de seu
próprio candidato, José Serra, em se apresentar como “mudança”, desprezando parte do
legado de Fernando Henrique Cardoso. Segundo o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB
2006) elaborado pela cientista política Rachel Meneguello, Lula fez 26,0% dos votos
contra 15,5% de Serra entre os eleitores que ganham entre R$ 260,01 e R$ 520,00,
11,5% a 8,6% entre os que tem renda entre R$ 520,01 e R$ 780,00. Porém, Serra foi
vencedor entre os que ganham de R$ 780,01 a R$ 1.300,00 (10,3% a 6,8%) e entre os
eleitores com renda de R$ 1.300,01 a R$ 2.600,00 (8,6% a 1,7%). Como os mais
atingidos pelo desemprego era a população de classe média baixa, Lula tirou vantagem
nesse segmento. Por outro lado, Serra saiu-se melhor junto a classe média alta.

Ao longo do primeiro mandato de Lula, houveram movimentos políticos e


econômicos com efeitos contraditórios. Em 2003, quando assumiu, Lula adotou
princípios da política econômica de Fernando Henrique Cardoso enfraquecendo a sua
base de apoio junto ao eleitorado mais a esquerda. A situação piorou com a eclosão de
uma sucessão de escândalos de corrupção que quase levaram o seu governo a enfrentar
um processo de impeachment no Congresso. Paralelamente, as medidas econômicas
adotadas pelo seu governo em combinação com uma conjuntura internacional favorável
e, ainda, pela expansão dos programas assistencialistas iniciados no governo anterior,
Lula recuperou sua popularidade e, em 2006, foi reeleito.

Em 2006, o confronto entre Lula (candidato a reeleição) e Geraldo Alckmin


(PSDB), acabou reproduzindo e aprofundando a tendência ocorrida quatro anos antes.
A vitória de Lula sobre Gerado Alckmin ocorreu em quase todos os segmentos: no
grupo dos homens (59 X 32), no das mulheres (51 X 36), em todas as faixas de idade
(16 a 24 anos: 55 X 35; 25 a 34 anos: 57 X 32; 35 a 44anos: 55 X 34; 45 a 59 anos: 54
X 34; 60 anos ou mais: 54X 34); entre aqueles que possuem escolaridade de grau
fundamental (60 X 28), de grau médio (53 X 36) e perdia por pouco apenas no grupo
que possui grau de escolaridade superior (43 X 47). Nas faixas de renda, Alckmin
perdeu entre os mais pobres (até 2 salários mínimos: 61 X 27), no grupo dos remediados
(mais de 2 a 5 salários mínimos: 53 a 37%; mais de 5 a 10 salários mínimos: 44 X 45), e
ganhou de Lula apenas no eleitorado com renda familiar acima de 10 salários mínimos
(41 X 51).

Satisfeitos com a situação da economia e dos programas sociais, a classe média


baixa optou, mais uma vez, por Lula. Já a classe média alta, seguiu o candidato do
PSDB, assim como em 2002. Principalmente, por conta dos escândalos de corrupção
havidos no primeiro mandato de Lula e pela artilharia pesada que a grande imprensa
escrita promoveu contra o governo. A vitória de Alckmin contra Lula junto ao
eleitorado de renda familiar acima de dez salários mínimos foi justamente no segmento
de brasileiros que consomem a grande mídia impressa e que atua de forma mais critica
em relação à conjuntura política e econômica. Vale destacar que, enquanto a classe
media baixa se fortalecia, na faixa de dez ou mais salários mínimos houve um recuo de
10,6% nos postos de trabalho com registro. O dado é de novembro de 2006. Pouco
depois da reeleição do atual presidente.
Em meados de 2008, no segundo ano de seu segundo mandato, o presidente Lula
alcançou um resultado extraordinário em termos de aprovação: mais de 64% entre bom
é ótimo, de acordo com o Instituto Datafolha. . Mais relevante, ainda, é que sua
aprovação foi amplamente positiva em todas as classes sociais. O recorde anterior já
colocava Lula na frente de todos os presidentes eleitos após a redemocratização. Pela
primeira vez, o presidente tem o apoio da maioria no Sudeste (57%), nas regiões
metropolitanas (57%), entre os que têm curso superior (55%) e entre os vivem em
famílias com renda familiar mensal superior a dez salários mínimos. O fenômeno de
popularidade do presidente Lula, no segundo ano do seu segundo mandato, o coloca em
situação privilegiada para as eleições de 2010 onde não poderá concorrer à reeleição.
Porém, para nosso texto, a popularidade recorde do presidente e em todas as faixas de
renda comprova a percepção do sucesso de suas políticas públicas perante a população.

5. Considerações Finais

Entre os diversos fenômenos que podem ser aventados para explicar essa
dinâmica relativamente positiva na redução da indigência e da pobreza entre 2001 e
2004, obviamente devemos destacar a melhora das condições da economia brasileira,
especificamente neste último ano mencionado (quando o PIB cresceu 4,9% - o maior
crescimento desde 1994). Essa melhora teve impactos sobre o mercado de trabalho, com
aumento da ocupação e da massa de rendimentos do trabalho. Chame-se a atenção
também para o aumento real no valor do salário mínimo, que é instrumento importante
não só para o melhor funcionamento do mercado de trabalho, mas também para o
aumento da massa de rendimentos vinculados a transferências estatais
(fundamentalmente, benefícios da previdência e da assistência social). Acrescente-se,
por fim, as transferências dos programas assistenciais do governo que beneficiaram, na
época, mais de seis milhões de famílias.

A conjunção das políticas públicas de natureza econômica e fiscal e assistências


é a chave do sucesso para a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil e, ainda,
para a consolidação das classe médias como o maior segmento da população: 51,8%.
Tais conclusões são tanto do IPEA quanto da FGV, divulgadas em 2008, ainda que
sejam divergentes quanto às causas preponderantes do fenômeno. Para o FGV, a
geração de empregos é a maior causa do crescimento. Para o IPEA, são os aumentos
reais do salário mínimo e os programas assistenciais. Em nosso entender, ambos as
causas contribuem para que a redução do pobreza esteja ocorrendo no Brasil. O Brasil
de hoje vive um fenômeno muito interessante: o alargamento das classes médias a partir
da ascensão de um expressivo contingente de pessoas das Classes D e E. Tal fenômeno
reflete uma conjunção da melhora do ambiente econômico e da intensificação dos
programas assistencialistas do governo.
Figura 4 – Evolução do PIB brasileiro (em %), desde 2000,
de acordo com o IBGE.

A melhora do ambiente econômico é resultante de uma conjunção de fatores que


são resultante direta da adoção de políticas públicas adotadas nos últimos 14: a
implementação e manutenção dos princípios básicos do Plano Real, entendidos como
políticas monetária e cambial realistas; previsibilidade nas decisões de natureza
econômica; respeito aos contratos; produção de superávit primário em bases
consistentes; controle da inflação; redução da dívida pública e, ainda, políticas
compensatórias de caráter social. Tudo amparado por uma arrecadação tributária que
supera a casa dos 30% do PIB deste meados dos anos 90. Em conseqüência, melhorou
o ambiente de negócios no país. O salário-mínimo também desempenhou uma papel
relevante na redução da pobreza, conforme mencionamos anteriormente.

No tocante às políticas assistenciais, que sempre estiveram presentes nas ações


de governo, a partir do governo FHC com a criação da Rede de Proteção Social e a
instituição de programas como o Bolsa-Educação, que distribuía recursos para as
famílias que mantivessem seus filhos na escola, o Brasil começou a experimentar uma
melhoria no padrão de consumo das famílias mais pobres. Ainda no governo FHC, foi
criado um programa – o Fundef31 – destinado a levar a remuneração dos professores.
Tal iniciativa foi ampliada no governo Lula e marcou das novas tendências: a melhoria
da renda de professores que chegavam a ganhar algo em torno de 15 dólares por mês
para algo, ainda longe do ideal, mais perto dos 100 dólares por mês; e a melhoria do
ensino básico no pais. O número de analfabetos no Brasil caiu de 40%, nos anos 60,
para pouco mais de 10% atualmente. Com o governo Lula, é a consolidação dos
programas sociais no programa Bolsa-Família32, a situação melhorou sobremaneira.

31
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) foi instituído
em 1996, e implantado, nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos
recursos destinados ao Ensino Fundamental.A maior inovação do FUNDEF consiste na mudança da estrutura de financiamento do
Ensino Fundamental no País(1ª a 8ª séries do antigo 1º grau), ao vincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos
constitucionalmente destinados à Educação. A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos Estados e Municípios à Educação.
Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação global de Estados e Municípios)
ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, introduz novos critérios de distribuição e utilização de 15% dos principais
impostos de Estados e Municípios, promovendo a sua partilha de recursos entre o Governo Estadual e seus municípios, de acordo
com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino.

32
É um programa de transferência direita de renda com algumas condicionantes e visa beneficiar famílias cuja renda mensal seja
equivalente a uma faixa que vai de até R$120,00. O programa se pauta na articulação de três dimensões essenciais. São elas:
promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família; reforço ao exercício de direitos sociais
básicos nas áreas de Saúde e Educação, por meio do cumprimentos de certas obrigações; e pela coordenação de programas
complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família consigam
Em especial, nas regiões mais pobres do país. A distribuição de recursos fez renascer
comunidades que mal sobreviviam no interior do pais. Em especial, no Norte e
Nordeste. A população abaixo da linha da pobreza caiu de 28,4% em 1999 para 19,3%
em 2007. Hoje, mais de 11 milhões de famílias dividem recursos na ordem de R$ 10
bilhões de reais. 25% da população brasileira está atendida diretamente pelos programas
assistenciais de transferência de renda.

O quadro 433, com dados de 2005, abaixo demonstra que os índices de


escolarização são positivos frente ao passado. Mais de 95% das crianças em idade
escolar estão na escola. Enquanto, em 1930, o Brasil tinha apenas 21,5% de suas
crianças na escola, países como Estados Unidos e Argentina apresentavam naquela
época, respectivamente, 92,1% e 61,3% de crianças matriculadas no ensino
fundamental. O aumento da presença das crianças na escola é resultante tanto de
políticas específicas ocorridas nos últimos dois governos quanto a melhoria do ambiente
econômico e o efeito dos programas assistenciais. De acordo com pesquisa do IBGE
nas residências brasileiras divulgada em 2006, a freqüência à escola ou creche cresce de
acordo com o aumento do rendimento mensal domiciliar per capita. Enquanto para as
crianças e adolescentes de 0 a 17 anos de idade residentes em domicílios com
rendimento mensal domiciliar per capita na faixa de sem rendimento a menos de ¼ de
salário mínimo, a taxa de freqüência a escola ou creche foi de 69,3%, para aquelas
moradoras em domicílios com rendimento per capita de 2 ou mais salários mínimos, a
taxa atingiu 86,0%. O mesmo comportamento foi observado em todas as regiões,
contudo, vale destacar que o Nordeste apresentou o menor percentual (28,8%) dessas
crianças e adolescentes fora da escola ou creche para a classe de rendimento mais baixa.
Para as crianças de 7 a 14 anos de idade moradoras em domicílios com rendimento per
capita de 2 ou mais salários mínimos, o ensino praticamente alcança a universalização
(99,7%). É impressionante o efeito da distribuição de renda na educação das crianças e
jovens.

No entanto, dois aspectos negativos devem ser ressaltados. O fato de que muito
das crianças e adolescentes trabalham quando deveriam estar dedicadas ao estudo. Tal
situação é vista no gráfico. A inserção na atividade econômica da população de 5 a 13
anos de idade, apesar de proibida por lei no país, não se alterou entre 2004 e 2006: o
nível de ocupação , manteve-se por volta de 4,5% nesse período. Na faixa de 5 a 9 anos
de idade, 237 mil crianças trabalhavam (1,4% do total); enquanto, entre as de 10 a 13
anos de idade, 8,2%, ou 1,2 milhão de pessoas, estavam ocupadas. Na faixa etária de 14
ou 15 anos, quando a legislação permite o trabalho em atividades relacionadas à
qualificação profissional, na condição de aprendiz, 1,3 milhão de pessoas (19,0%)
estavam ocupadas em 2006. Por fim, 2,4 milhões de adolescentes com 16 ou 17 anos de
idade (cerca de 1/3) trabalhavam – o que também é permitido, desde que não seja em
atividades noturnas, perigosas e insalubres. No total (5 a 17 anos de idade), 5,1 milhões
de crianças e adolescentes trabalhavam em 2006, um nível de ocupação de 11,5%,
pouco menor que o registrado em 2004 (11,8%). Em 2004, 24,8% dos adolescentes

superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. São exemplos de programas complementares: programas de geração de trabalho e
renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de registro civil e demais documentos.

33
Estudo “Aspectos Complementares de Educação, Afazeres Domésticos e Trabalho Infantil”, suplemento da Pnad 2006 (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios), realizado pelo IBGE em convênio com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS).
entre 15 e 17 anos não iam à escola para trabalhar ou ajudar nos afazeres domésticos

Figura 4 – Taxa de escolarização das pessoas de 5 a 17 anos de idade, segundo os grupos de idade.

O segundo aspecto se refere à qualidade do ensino que é muito inconsistente


onde existem sérios problemas de acesso e a permanência na escola, além de altas taxas
de repetência, abandono e evasão, além dos altos déficits de aprendizagem. Os
resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2007,
divulgados em junho de 2008, revelaram que as escolas públicas, que tiveram nota
média de 3,8 em 2005 --numa escala que vai de zero a 10--, pularam para mais de 4 no
ano passado --os resultados parciais já mostram que o índice deve ficar entre 4,2 e 4,3.
Mesmo assim, muito abaixo do índice 6, minimamente aceitável em países
desenvolvidos. No ensino fundamental, de cada 100 alunos que o iniciam, apenas 51
concluem a 8ª série. Quase 60% das crianças que concluem a 4ª série não sabem ler
corretamente. No ensino médios, os principais indicadores são ruins: taxa de reprovação
de 7,5% e taxa de abandono 16,7%, além do fato de que 42% dos jovens que concluem
o ensino médio encontram-se nos estágios críticos de leitura. A qualidade do ensino
brasileiro ainda é afetada pela falta de professores: de acordo com dados do ministério
da Educação, em 2006, faltavam 710 mil professores no país, 235 mil só no ensino
médio.

Mesmo com todas as evidências de que as classes médias se robusteceram nos


últimos anos por conta de políticas publicas que combinaram bons fundamentos
econômicos com assistencialismo social, temos que reconhecer que houve perdas
importantes nos extratos mais elevados das classe médias e que, pode serem
numericamente menos relevantes, deixam de ter a devida atenção do governo. O
crescimento do emprego, sobretudo, atendeu aos setores com salário menor, a classe
média emergente de Pochman. Faltam políticas específicas para os extratos superiores
da classe média e que fornecem os dirigentes para as elites brasileiras. Tais setores,
compostos de assalariados das faixas superiores mas que não são ricos, são penalizados
pela falta de acesso ao crédito e pela carga tributária elevada e, ainda, por terem que
pagar assistência médica e ensino privado para poderem ter serviços públicos de
qualidade. Quanto aos ricos, não ha o que falar. O dinheiro lhes dão mobilidade para
enfrentar qualquer situação.
A continuidade deste ciclo virtuoso verificado no Brasil de hoje depende de
alguns fatores. Sobretudo, de decisões no âmbito de políticas públicas. O primeiro fator
que menciono é o aprofundamento dos fundamentos de uma política econômica sólida e
austera que privilegie a qualidade da arrecadação tributária (um sistema tributário justo
e eficiente) e a qualidade do gasto público. Em ambos os requisitos, o Brasil vai
razoavelmente bem. Poderia ir muito melhor. Provavelmente, a discussão da qualidade
de ambos os vetores mencionados será crítica para a consolidação de um ciclo virtuoso
de crescimento com qualidade. Não havendo tal preocupação, o Brasil poderá ir melhor
do que seus vizinhos, mas não realizando todo o seu potencial. O Brasil pode crescer a
taxas chinesas com uma melhor qualidade nos resultados da distribuição de renda e
redução da pobreza.

O segundo fator é a manutenção dos programas assistenciais que,


inegavelmente, estão dando resultados. Preocupa-me, com muitos, as portas de saída
desses programas. Não podemos esperar que milhões de famílias vivam penduradas em
verbas públicas pelo resto de suas vidas. Daí qualquer programa integrado de redução
da pobreza e do fortalecimento das classes médias ter que considerar a melhora do
ambiente de investimento privado. No Brasil, é inquestionável que a geração de
empregos no setor privado tem sido vital para a melhor distribuição de renda. Assim, o
terceiro aspecto que menciono como essencial é a implantação de políticas conscientes e
eficazes de melhoria do ambiente de investimentos. Tal melhoria deve vir pela redução
da carga tributária, bem como sua melhor distribuição; pela redução da burocracia; e
pela maior transparência do gasto público e pela melhora considerável da educação.

O terceiro fator está na questão da educação. Vencida a etapa de colocação das


crianças na escola, temos que ter maior eficiência na esfera pública para melhorar a
qualidade do ensino no Brasil. A má-qualidade do ensino aprofunda as desigualdades já
que os mais ricos compensam buscando o ensino privado de qualidade. Mandam seus
filhos. Os resultados do IDEB 2007 apenas revelaram, como disse o senador Cristovam
Buarque, “nós avançamos em relação a nós mesmos, mas estamos num ritmo muito
mais lento do que outros países. Muito já foi dito sobre a questão da importância da
educação para o desenvolvimento do país o que tornaria redundante de nossa parte
tecer comentários adicionais. Vale destacar, no entanto, que o Brasil tem no potencial
do seu mercado interno uma de suas enormes vantagens frente a outros países de igual
nível de desenvolvimento.
Em especial, por ter expressivos contingentes de consumidores informados a
partir do fluxo de informações gerado um dos melhores sistemas de televiso aberta do
mundo. A partir do maciço volume de informações sobre produtos variados o brasileiro
foi educado ao consumo. Daí a resposta incrível quando a renda aumenta: o consumo
explode. Entretanto, a educação não faz do brasileiro um consumidor melhor nem
mesmo um eleitor melhor. É um ciclo incompleto onde o cidadão é educado para o
consumo – pela propaganda - mas não é educado para bem votar e exercer plenamente
a sua cidadania. Apenas um educação de qualidade fará do brasileiro um melhor
cidadão e um melhor consumidor. Ambos fatores impulsionadores do desenvolvimento
econômico e social.
O quarto fator que examino está na qualidade do processo político. Investigando
os marcos que balizam a ação política no Brasil vemos a existência das condições
institucionais para a melhor participação da sociedade: temos eleições razoavelmente
livres, a sociedade pode se organizar em grupos e defender seus interesses, existem
centenas de grupos de pressão atuando no processo político, a imprensa funciona com
razoável grau de liberdade. Enfim, muitos dos aspectos que caracterizam uma sociedade
democrática estão presentes no Brasil de hoje. Infelizmente, temos um processo
incompleto e de baixa qualidade de participação da sociedade no processo político
decorrente de uma combinação perversa de fatores.

Apesar da crescente organização de interesses específicos em entidades diversas


e ONG’s, a representação política desses interesses não se realiza integralmente pela
falta de estímulo à participação por parte dos poderes públicos, pela legislação
inadequada e pela falta de transparência em vários pontos do processo decisório,
conforme mencionado. Aos marcos legal e regulatório existentes não favorecem à
transparência do processo. Sem transparência, não sabemos o que se passa. Sem
informação não há reação dos demais interessados. Forma-se um círculo vicioso onde a
falta de uma legislação que obrigue aos poderes público a agir com maior transparência
favorece às negociações de bastidor colocando à margem potenciais interessados nas
decisões. Apesar de não existir mecanismos claros que possam impedir a organização
dos interesses, parece não existir verdadeira preocupação em ampliar os níveis de
participação política. O círculo vicioso que se instala afeta diretamente a distribuição
dos recursos públicos, impede o desenvolvimento mais equilibrado e cristaliza a
situação de injustiça social. Governança pública e transparência política são elementos
essenciais para o desenvolvimento econômico e social harmonizados.

De certa forma, temos uma sociedade maciçamente mal educada, parcialmente


organizada, onde as instituições ainda funcionam com elevado grau de opacidade
baseado em um sistema eleitoral estruturalmente bom, a partir da implantação da urna
eletrônica que reduz a possibilidade de fraudes mas que sofre com os efeitos perniciosos
de um sistema partidário ruim e da influência do poder econômico – privado e estatal –
na corrida eleitoral. Ruim, ainda, pelo excesso de partidos, pela precariedade da
fidelidade partidária e, ainda, pelo fato de que a agenda nacional está sob controle do
Poder Executivo caracterizando-se uma situação de desequilíbrios institucional.

Organização Social Parcial Participação Política Parcial

Processo Decisório
Injustiça Social no Brasil Pouca transparência

Inadequada distribuição
dos recursos públicos Legislação inadequada

Figura 5 – Demonstração do funcionamento do processo decisório.


A ilustração acima demonstra o funcionamento do processo decisório. É uma
constatação feita em minha dissertação de doutorado34 em 2002 mas que representa
com fidelidade uma situação prossegue existindo ainda que tenham ocorrido avanços
pontuais. Assim, sem uma ampla reforma do sistema político brasileiro
continuaremos a produzir políticas públicas de baixa qualidade e muito dependentes
das circunstâncias e , até mesmo, do ambiente internacional.

Crises externas, por conta da tradicional vulnerabilidade de nossas contas


externas, foram tradicionalmente fatores estimuladores de aperfeiçoamentos. Hoje,
curiosamente, o Brasil – por sua situação financeira e econômica – deixa de ser tão
frágil como antes. Por outro lado, falta o temor do perigo de grave crise como
motivador de aperfeiçoamentos institucionais. Dependeremos de nós mesmos, cada
vez mais e mais, para construir um país melhor. Assim seja.

Anexo: Pesquisa sobre as Classes Médias na Câmara dos Deputados

Na reabertura do recesso parlamentar de julho de 2008, a Arko Advice


Pesquisas, a meu pedido, realizou uma pesquisa exclusiva sobre a relação das classes
médias e os políticos. A sondagem de opinião foi realizada entre os dias 4 e 15 de
agosto de 2008. Foram entrevistados presencialmente quarenta deputados federais de
todos os estados e legendas partidárias. A seleção dos parlamentares o critério de
escolha aleatória dentro de universo de 100 congressistas que compõem a lista Elite
Parlamentar, publicada anualmente pela Arko Advice. A lista Elite Parlamentar é
formada por lideres com capacidade efetiva de influenciar o processo decisório do
Congresso Nacional e, especialmente no caso desse trabalho, da Câmara dos Deputados.
De acordo com o critério estabelecido por nós, os líderes podem ser formais ou
informais. Portanto, os critérios de escolha vão desde a ocupação de postos chaves na
estrutura organizacional da Câmara, como o Colégio de Lideres, a Mesa Diretora, as
lideranças partidárias, e presidências de Comissões até outras fontes de natureza
variada: os especialistas ganham autoridade devido ao seu grande conhecimento técnico
sobre determinado assunto, tornando-se referencia para seus pares. Outros possuem
poder por se constituírem interlocutores de setores importantes da sociedade civil, como
empresários, ambientalistas, ONGs, setor agropecuário, exportadores, acadêmicos, etc.
Alguns atuam como representantes dos governadores de estados são representantes do
governo, constituindo-se como “pontes” para levar os interesses do Planalto ao
Congresso e vice-versa. O questionário foi composto por 17 perguntas fechadas.

Os principais achados foram os seguintes

34
CEPPAC-Universidade de Brasília
a) Como era de se esperar, 80% dos parlamentares acreditam que o voto da classe média
é importante para a sua eleição;

b) 67,5% acreditam que o posicionamento da classe média é importante para a eleição


do presidente da República;

c) Não há consenso se a classe média se posiciona ideologicamente a partir de propostas


pragmáticas;

d) Não há consenso significativo sobre a existência de uma consciência de classe típica


da classe média no Brasil (importante porque inibe a tentativa do candidato de
segmentar o discurso);

e) 87,5% acreditam que a classe média influencia a opinião pública;

f) A maior preocupação da classe média é a segurança (27,5%), seguido da carga


tributária e da educação (ambas com 17,5%);

g) Apesar de o governo alardear que a classe média é a maior do pais, para 55% dos
pesquisados o país ainda não pode ser considerado um país de classe média;

h) 70% acreditam que a classe média possui uma posição ideológica de centro;

i) 85% acreditam que a classe média não possui um partido preferido;

j) 77,5% acreditam que ela se posiciona a partir de interesses específicos;

l) O programa do governo que mais influencia a classe média é o Plano Real: 70%;

m) 57,5% dos parlamentares acreditam que o programa bolsa família influencia pouco
as disposições políticas da classe média.

Examinando a pesquisa Arko Advice, fica evidente que a classe média possui
uma forte importância política, principalmente no que se refere à formação da opinião
pública e sua influência sobre os eleitores de outras classes. Um breve resumo da
pesquisa indicaria que, para os deputados federais, a classe média é eleitoralmente
importante, reflexiva, pragmática, centrista, não partidária, não é a maior classe do
Brasil (ao contrario do que afirma o governo), é intrinsecamente diversa, preocupada –
com a segurança pública, e dependente – sobretudo – do Plano Real (estabilidade
econômica) e que não se aproveita dos programas assistencialistas do governo.

De certa forma, para os políticos pesquisados, a percepção do que seria classe


média estaria em um segmento superior à classe média estatisticamente central (classe
C) apontada por Marcelo Nery35. O fato de a classe media ser de “centro” e as classe E

35
Vale um esclarecimento. Para Nery, a classe C seria a classe estatisticamente central por estar abaixo
das classe A e B e acima das classes D e E. No meu entendimento, a classe C se situa no extrato inferior
da classe média, abaixo das classes B2, B1 e A2, que também se inserem em um contexto de grande
e D pouco preocupadas com a política ideológica, revela uma dupla via de acesso ao
eleitorado: a via clientelista voltada para a distribuição direta de recursos e a promoção
da estabilidade econômica com desenvolvimento para os setores superiores da classe
média e, como bandeira eleitoral, a questão da segurança pública.

classe média ou das “classes médias” a partir do potencial de consumo. A classe A1 seria a elite
econômica.

Você também pode gostar